Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua analisar as mudanças processadas pela novíssima Lei nº 14.811, de 12 de janeiro de 2024, que prevê a criação da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o Código Penal para criar os crimes de bullying e cyberbullying, além de modificar a Lei dos Crimes Hediondos e Estatuto da Criança e do Adolescente.
Palavras-chave: Combate; abuso; exploração sexual; criança; adolescentes; direito penal; crimes hediondos.
INTRODUÇÃO
Os direitos são históricos; à medida em que a sociedade evolui no tempo, cabe ao direito o papel de disciplinar as novas relações humanas, sociais e jurídicas. Nesse sentido, entrou em vigor nesta segunda-feira, 15 de janeiro de 2024, a nova Lei nº 14.811, de 12 de janeiro de 2024.
O novo comando jurídico institui as medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o Código Penal), e modifica a Lei dos Crimes Hediondos e Estatuto da Criança e do Adolescente.
Desta forma as medidas de prevenção e combate à violência contra a criança e o adolescente em estabelecimentos educacionais ou similares, públicos ou privados, devem ser implementadas pelo Poder Executivo municipal e do Distrito Federal, em cooperação federativa com os Estados e a União.
A Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente será elaborada no âmbito de conferência nacional a ser organizada e executada pelo órgão federal competente e deverá observar os seguintes objetivos:
I - aprimorar a gestão das ações de prevenção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente;
II - contribuir para fortalecer as redes de proteção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente;
III - promover a produção de conhecimento, a pesquisa e a avaliação dos resultados das políticas de prevenção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente;
IV - garantir o atendimento especializado, e em rede, da criança e do adolescente em situação de exploração sexual, bem como de suas famílias;
V - estabelecer espaços democráticos para participação e controle social, priorizando os conselhos de direitos da criança e do adolescente.
A lei em apreço criou em destaque as condutas de Intimidação sistemática, delito conhecido por bullying e a intimidação sistemática virtual, o denominado cyberbullying, com acréscimo do artigo 146-A no Código Penal, a saber:
“Intimidação sistemática (bullying)
Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:
Pena - multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)
Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:
Pena - reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.”
O crime se traduz no comportamento de intimidar, do latim intimidare; intimidar quer dizer causar pavor; fazer com que alguém sinta receio; sentir-se temeroso; amedrontar-se; críticas destrutivas intimidam; fazer com que alguém se sinta constrangido.
A intimidação pode ocorrer individualmente ou em grupo, sempre mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais. A pena é de multa, se a conduta não constituir crime mais grave. Portanto, trata-se se crime subsidiário, de forma expressa, que somente irá se configurar se a conduta não constituir crime mais grave.
A conduta prevista no caput do artigo 146-A do CP, se enquadra nas hipóteses contempladas na Lei nº 9.099/95, considerado crime de menor potencial ostensivo, a teor do art. 61, cuja pena cominada é multa isolada.
Trata-se de crime de ação pública incondicionada. Assim, devem a Polícia e o Ministério Público agir de ofício tão logo chega ao seu conhecimento a prática do delito.
Ainda de acordo com a Lei nº 9.099, de 95, aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com a lei do Juizado especial.
Assim, na aplicação da pena de multa, aplicam-se as disposições do artigo 49 e seguintes do Código Penal. Conforme artigo 76, § 1º, da Lei nº 9.099, de 95, nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
Por sua vez, o delito de intimidação sistemática virtual, conhecido por cyberbullying, tem previsão no parágrafo único do artigo 146-A do CP. Desta feita, se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real. A pena é de reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Neste caso, não haverá mais a possibilidade de se aplicar as disposições da Lei nº 9.099, de 95, nem mesmo a suspensão condicional do processo, artigo 89, por conta do tamanho da pena.
Importa ressaltar com ênfase que a Lei nº 13.185, de 06 de novembro de 2015, instituiu o Programa de Combate à intimidação Sistemática (Bullying) no Brasil.
Logo em seu artigo 1º, § 1º, o legislador forneceu conceito de intimidação sistemática, num contexto de interpretação contextual, como sendo:
Considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
E mais que isso. Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:
I - ataques físicos;
II - insultos pessoais;
III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
IV - ameaças por quaisquer meios;
V - grafites depreciativos;
VI - expressões preconceituosas;
VII - isolamento social consciente e premeditado;
VIII - pilhérias.
Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.
A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações praticadas, como:
I - verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;
II - moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;
III - sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
IV - social: ignorar, isolar e excluir;
V - psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar;
VI - físico: socar, chutar, bater;
VII - material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
VIII - virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.
De outro lado a novíssima Lei nº 14.811, de 2024, traz duas causas de aumento de pena para os crimes de homicídio e induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, respectivamente, artigos 121 e 122 do CP.
Assim, no crime de homicídio, aumenta-se 2/3 (dois terços) se o crime for praticado em instituição de educação básica pública ou privada, consoante artigo 121, § 2º, B, III, do CP.
De outro lado, no crime do artigo 122, aplica-se a pena em dobro se o autor é líder, coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é responsável, tendo sido acrescido o § 5º ao artigo 122, do CP.
Outra mudança significativa foi quanto à Lei dos Crimes Hediondos. Doravante, passam a integrar o rol dos crimes hediondos, artigo 1º da Lei nº 8.072, de 1990, os seguintes delitos:
X- induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real (art. 122, caput e § 4º);
XI - sequestro e cárcere privado cometido contra menor de 18 (dezoito) anos (art. 148, § 1º, inciso IV);
XII - tráfico de pessoas cometido contra criança ou adolescente (art. 149-A, caput, incisos I a V, e § 1º, inciso II).
Outrossim, doravante, consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
VII- os crimes previstos no § 1º do art. 240 e no art. 241-B da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
A nova lei também operou mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente, sobretudo acrescentou o crime no artigo 244-C da Lei nº 8.069/90, a saber:
Art. 244-C. Deixar o pai, a mãe ou o responsável legal, de forma dolosa, de comunicar à autoridade pública o desaparecimento de criança ou adolescente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
REFLEXÕES FINAIS
A sociedade de hoje não é nem de longe aquela quando o atual Código Penal entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1942, conforme previsão no artigo 361 do CP. Os tempos mudaram; os costumes mudaram; as renovações tecnológicas chegaram numa velocidade incrível, inundou a nossa sociedade com a chamada inteligência artificial. Coube e cabe ao legislador adaptar as normas positivas ao modelo de sociedade. Decerto que o novo comando normativo procurou rotular a intimidação sistemática como crime previsto no arrigo 146-A do CP, consistente em intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais. A pena prevista é de multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Normalmente, a pena de multa isolada é prevista para as condutas contravencionais. O legislador optou por punir o crime de intimidação sistemática apenas com pena de multa, contrariando todo o sistema do direito penal no Brasil.
Por sua vez, o parágrafo único do artigo 146-A, do CP, previu o crime de intimidação sistemática virtual, o cyberbullying com pena maior. Assim, se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real, a pena será de reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Uma nova lei entrou em vigor no Brasil; tudo buscando adequar as normas jurídicas ao novo modelo de sociedade. A principal função do direito é disciplinar as relações humanas; direito não tem o objetivo de criar comportamentos criminosos, senão regular os padrões sociais preestabelecidos. O Código Penal completou 84 anos de existência. Os tempos mudaram; vivemos numa sociedade tecnológica; amanhã quando o dia amanhecer não sabemos o que vai acontecer. Num piscar de olhos o tempo passa e novas mutações aparecem; numa sociedade do ódio, numa indústria do desamor, o que deve prevalecer com primazia é o respeito ao semelhante. Mas é preciso mudar o compromisso do agente público responsável pela distribuição de Justiça; aplicar a lei não se resume em esquadrilhar labirintos a procurar de nulidades que favoreçam a delinquência. Uma caneta ou um teclado de um computador nas mãos de um covarde é uma grave ameaça e iminente prejuízo aos interesses sociais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2024, às 12h54min.
BRASIL. Lei nº 13. 185, de 2015. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2024, às 12h50min.
BRASIL. Lei nº 14.811, de 12 de janeiro de 2024. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14811.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2024, às 12h51min.
BRASIL. Lei nº 9.099, de 1995. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9099.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2024, às 12h53min.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2024.
BRASIL. Lei nº 8.072, de 1990. Lei dos Crimes Hediondos. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2024.