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Direitos da pessoa jurídica que, quando violados, ensejam ação por danos morais

04/01/2008 às 00:00
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Resumo: O presente trabalho, em harmonia com a mais abalizada doutrina e jurisprudência, abordará alguns direitos decorrentes da personalidade da pessoa jurídica que se violados poderão sujeitar o agressor a uma condenação por danos morais.

Palavras-chave: dano moral, pessoa jurídica, indenização.


INTRODUÇÃO

Apesar de ter-se consagrado na doutrina e na jurisprudência a possibilidade do pedido de danos morais pela pessoa jurídica, o tema é ainda fascinante, motivo pelo qual se pretende com o presente artigo identificar alguns direitos pertencentes a este ente que se violados poderão dar ensejo a uma ação por danos morais e, possivelmente, à condenação do agressor ao pagamento da indenização.


2. CONCEITO E AUTONOMIA DA PESSOA JURÍDICA

Rodrigues (2002, p. 87, v. 1) conceitua as pessoas jurídicas como sendo entidades a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa da dos indivíduos que as compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil.

Assim, infere-se que a pessoa jurídica surge para suprir a própria deficiência humana, já que freqüentemente o homem não encontra em si os recursos necessários para uma empresa de maior vulto, de sorte que procura unir-se a outros para constituir um organismo capaz de alcançar o fim almejado.

Monteiro (2000) assevera que o espírito de associação obedece duas forças fundamentais, simultâneas e concorrentes: de um lado a tendência inata do homem para o convívio em sociedade; e de outro, a acentuada vantagem da conjugação de forças, cujo efeito resultante é o produto e não a soma aritmética das forças agrupadas.

A teoria da personalidade jurídica, segundo Monteiro (2000), apresenta alguns princípios fundamentais: a) a distinção da personalidade da pessoa jurídica da de seus membros (universitas distat a singulis); b) a existência de patrimônio próprio da pessoa jurídica; c) a pessoa jurídica tem vida própria, distinta de seus membros.

Em regra, a pessoa jurídica possui os mesmos direitos da pessoa natural, assim, ela pode contratar, adquirir por testamento e exercer ainda alguns direitos personalíssimos como a nacionalidade, o nome e, até mesmo, mutatis mutandis, a morte e a sucessão. Porém, como é óbvio, a pessoa jurídica não pode casar, adotar, testar, etc.

Por seu turno, Viana (2002) afirma que para a constituição dessa entidade é necessário a conjugação de três requisitos: a vontade humana criadora, isto é, a organização de pessoas ou de bens, com as vontades dirigidas a um fim comum; a observância das regras legais relativas à sua formação (arts. 45 e 46 do Código Civil), como a obrigatoriedade da inscrição de seu ato constitutivo no Registro Público; e a liceidade de seus propósitos, não podendo seus objetivos serem contrários a moral e aos bons costumes.

Com o registro de seu contrato constitutivo, a pessoa jurídica adquire capacidade para ser titular de direitos e obrigações na ordem civil, o que é uma conseqüência lógica da personalidade. Por sua vez, como não dispõe de manifestação direta de vontade, a lei condiciona o exercício dos direitos aos seus órgãos de deliberação e representação, de modo que, para exercê-los e atuar na vida cotidiana, ela recorre às pessoas físicas que a representam (art. 47, do Código Civil e art. 12, VI, do Código de Processo Civil).


3. DANO MORAL À PESSOA JURÍDICA

Concernente à origem etimológica da expressão, é interessante esclarecer que, consoante diz De Plácido e Silva (2001), o vocábulo "dano" deriva do latim damnum e significa, genericamente, todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, quer em razão de um vínculo contratual, quer em razão de um vínculo extracontratual (dano aquiliano), resultando em perda ou prejuízo de um bem deste. Equivale a perda ou prejuízo.

Já a palavra "moral", também derivada do latim moralis, designa a parte da Filosofia que estuda os costumes, sendo mais ampla do que o direito, na medida em que assinala o que é correto segundo os ditames da consciência e os princípios da humanidade, escapando à ação do direito muitas de suas regras.

Ante os conceitos acima delineados, afirma-se a existência de dois tipos de danos: o dano material e dano moral. O primeiro, também chamado de dano real, ocorre quando o prejuízo é conseqüente de diminuição patrimonial ou deterioração de coisas materiais; já o segundo se afigura quando são atingidos bens de ordem moral, tais como a liberdade, a honra, a profissão e a família.

Tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência a tese que reconhece a possibilidade de atribuir-se à pessoa jurídica o direito de ser indenizada por danos morais, se ofendida indevidamente. Tal entendimento restou consagrado pela Súmula 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Esta teoria, como ensina Viana (2002), sustenta que a honra apresenta dois aspectos, um interno e outro externo, dividindo-se em honra subjetiva e honra objetiva, respectivamente. Aquela é a honra em sentido estrito, caracterizada pela dignidade, decoro e auto-estima, sentimentos nascidos da consciência de nossas virtudes ou de nosso valor moral, sendo exclusiva do ser humano, que é dotado de psiquismo e suscetível de ser ofendido com atos capazes de causar dor, vexame, humilhação. Já a segunda, a honra objetiva, refletida na reputação, no bom nome e na imagem perante a sociedade, revela-se pelo seu aspecto externo ao sujeito, ou seja, pela estimação que outrem faz de nossas qualidades morais e de nosso valor social, sendo comum à pessoa natural e à pessoa jurídica.


4. DIREITOS DA PESSOA JURÍDICA SUJEITOS À OFENSA MORAL

O novo Código Civil dedica um capítulo da parte geral aos direitos da personalidade, no qual estabelece que o nome não pode ser empregado em publicações ou representações que exponham a pessoa (jurídica ou física, por ausência de restrição) ao desprezo público, ainda que não haja intenção difamatória (art. 17); proíbe o uso do nome alheio, sem autorização, para fins publicitários (art. 18); e protege o pseudônimo (art.19).

4.1. Direito ao nome

O direito ao nome integra a personalidade da pessoa jurídica, sendo tutelado pela Constituição Federal, artigo 5°, XXIX, bem como pela Lei nº 8.934/94, que regulamenta o dispositivo constitucional, sendo que ambas as legislações empregam a expressão "nome de empresa" para designar o nome através do qual o empresário exerce sua atividade, devendo a mesma englobar, por uma questão de isonomia, segundo Alves (1998, p. 83), a identificação legal de toda e qualquer associação de pessoas dedicadas à indústria, ao comércio ou à prestação de serviços, com ou sem fins lucrativos.

A proteção ao nome empresarial decorre de seu registro na Junta Comercial, cabendo a prioridade de uso àquele que primeiro registrá-lo. Com efeito, ao resguardar a exclusividade do emprego do nome empresarial pelo seu titular, a lei está preservando dois interesses fundamentais do empresário: sua clientela e seu crédito; de maneira que a entidade tem autorização de usá-lo e de defendê-lo de quem o usurpar, reprimindo abusos cometidos por terceiros, sendo que toda violação, dolosa ou culposa, à respeitabilidade desse direito, que acarrete prejuízo material ou moral, permite ao ente lesado pleitear a sua reparação, mediante supressão do uso impróprio do nome ou indenização pecuniária.

O Título, por sua vez, é a designação pela qual é conhecido o estabelecimento, podendo ser um nome de fantasia, um termo relativo à atividade comercial, ou o próprio nome empresarial, de modo que há liberdade de sua escolha e formação pelo empresário. Ao contrário do nome empresarial, o título de estabelecimento é protegido pela Lei nº 9.279/96, embora de forma indireta.

Já o direito ao signo figurativo é protegido pelas disposições relativas às. marcas (Lei n. 9.279/96), entendendo-se esta como o sinal ou expressão destinado a individualizar os produtos ou serviços de uma empresa, e, como ocorre com o nome empresarial, a pessoa jurídica pode requerer o seu registro, obtendo o direito de exclusividade sobre a mesma.

No que se refere ao dano moral especificamente, o artigo 207 da Lei nº 9.279/96 permite ao prejudicado intentar as ações cíveis cabíveis, ao passo que o artigo 209 ressalva o direito de haver perdas e danos pelo ressarcimento dos prejuízos decorrentes da violação de direitos de propriedade industrial, estando assegurada, desta forma, a reparação do dano moral.

4.2. Direito à Honra e à Imagem

O direito à honra tutela o respeito, a consideração, a boa fama e a estima que a pessoa desfruta nas relações sociais. A honra se constrói no ambiente social, de forma que deve ser aferida pelo juiz considerando os valores do lesado em harmonia com os valores cultuados na comunidade em que vive ou atua profissionalmente. Costuma-se confundir o direito à honra com o direito a imagem, mas este diz respeito apenas à retratação externa da pessoa. A reputação relaciona-se à honra e não à imagem.

A honra pode ser entendida como subjetiva, quando toca à pessoa física, porque somente ela pode sofrer constrangimentos, humilhações, vexames, e como objetiva, no caso das pessoas jurídicas, que também dependem de consideração, apreço e estimas sociais (Cf. R. Esp. Nº 60.633-2-MG, do STJ).

A proteção constitucional disposta no art. 5°, inciso X, refere-se tanto a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas, abrangendo, inclusive, a proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas, etc.). Em vista disso, o prejuízo sofrido pela pessoa jurídica, relativamente a sua reputação, ao seu bom nome e a sua boa fama, comporta indenização por dano moral.

A imagem, como assinala Alves (1998), constitui um dos fatores essenciais para o sucesso da empresa no mundo negocial e do próprio consumidor, diante dos quais forma-se um conceito abstrato, e não visual, da entidade, o qual pode ser repentinamente abalado por uma notícia errônea ou um ato doloso que imprima falsas declarações a diretores da pessoa jurídica ou um envolvimento em operações ilícitas.

Quanto a este tópico, confira este recente julgado do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO. INSCRIÇÃO INDEVIDA. SERASA. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOS PREJUÍZOS. VALOR. RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO.

1 - A inscrição indevida do nome da pessoa jurídica em cadastros de inadimplentes gera o direito à indenização por danos morais, sendo desnecessária a comprovação dos prejuízos suportados, pois são óbvios os efeitos nocivos da negativação perante o meio social e financeiro.

2 - O valor da indenização por danos morais somente é revisto nesta sede em situações de evidente exagero ou manifesta insignificância, o que não ocorre no caso em análise, onde o montante foi fixado em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

3 - Agravo regimental desprovido.

(Processo: AgRg no Ag 777185 / DF, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2006/0067862-8, Rel. Min. Fernando Gonçalves, T4, Data do Julgamento: 16/10/2007, Data da Publicação/Fonte: DJ 29.10.200, p. 247)

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4.3. Direito à Intimidade e ao Segredo

Como observa Morais (2001), os direitos à intimidade e a própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

Bittar (1989) sustenta que a pessoa jurídica possui direito à sua intimidade, uma vez que faz jus à preservação de sua vida interna, sendo vedada divulgação de informações de âmbito restrito, havendo, inclusive, normas legais que proíbem a difusão de dados confidenciais da empresa (como o plano societário e publicitário). Nesse sentido, pode-se citar os artigos 150, 151 e 152 do Código Penal, que tratam da violação de domicílio e de correspondência, comercial ou não, bens estes protegidos pela Constituição, respectivamente, no artigo 5º, XI e XII.

O direito à intimidade, também protegido no artigo 5º, X, da Constituição, se verifica em duas diferentes esferas: a) a primeira diz respeito à intimidade que a pessoa resguarda da indiscrição e do conhecimento alheio em sua mente ou em seu corpo, como pensamentos, sentimentos e segredos, da qual, como é óbvio, fica excluída a pessoa jurídica, por não ter interior psicofísico; b) já a segunda refere-se à intimidade local, como conversas reservadas, escritos sigilosos, gavetas e armários fechados, da qual a pessoa jurídica também dispõe e necessita para existir e operar, e quando violada exsurge o direito à reparação pelo dano moral daí decorrente.

Para Bittar (1989), há elementos identificadores que permitem a particularização do direito ao segredo, podendo-se dizer que, enquanto o direito à intimidade envolve aspectos mais amplos da esfera privada propriamente dita, o sigilo refere-se a fatos específicos, conservados por não convir ao interessado a sua divulgação. O direito ao segredo deriva, então, da necessidade de respeito a componentes confidenciais da personalidade, sob os prismas da reserva pessoal e negocial, tendo adquirido sua autonomia no âmbito do Direito, destacado que é do complexo jurídico geral da intimidade, frente a peculiaridades inerentes.

Para a pessoa jurídica, o bem jurídico protegido é, ordinariamente, o sigilo comercial ou o industrial, o qual é violado por atos de intromissão, divulgação e uso indevido, em proveito próprio ou alheio, dos fatos considerados confidenciais.

4.4. Direito à Liberdade

O direito à liberdade, segundo Bittar (1989), estende-se também às pessoas jurídicas, obviamente nos aspectos compatíveis com a sua natureza. É um dos mais expressivos direitos da personalidade frente ao Estado, encontra-se expresso no artigo 5° da Constituição brasileira, onde, a par de menção geral, como um dos quatro direitos fundamentais (caput), foi particularizado em diferentes incisos do mesmo artigo, dentre as liberdades públicas (liberdade de expressão, de associação, de consciência, de exercício de atividade, de locomoção). No âmbito da pessoa jurídica, os aspectos de maior relevo são os da liberdade de associação e de exercício de atividade, que permitem o desenvolvimento privado de empreendimentos diversos, respeitada a intervenção do Estado, quando necessária, dentro dos modelos criados pelo neoliberalismo, o qual tem imposto limites à autonomia da vontade em todas as suas esferas de atuação.


CONCLUSÃO

O conceito de dano moral foi paulatinamente esvaindo-se de seus contingentes exclusivamente subjetivos de dor, sofrimento, angustia, para projetar objetivamente os seus efeitos, de modo a compreender também as lesões à honorabilidade, ao respeito, à consideração, ao apreço social, ao prestígio e à credibilidade nas relações jurídicas do cotidiano. Assim, tal qual a pessoa física, a pessoa jurídica poderá sofrer dano moral, pois é um ente ideal, que, sem constituir uma realidade no mundo sensível, pertence ao mundo das instituições e dos ideais destinados a perdurarem no tempo, agregando, conceitos e valores personalíssimos que compõem a sua identidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Alexandre Ferreira de Assunção. A Pessoa Jurídica e os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

MONTEIRO. Washington de Barros. Curso de Direito Civil. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2000.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001.

RODRIGUES, Sílvio. Curso de Direito Civil, v.1. São Paulo: Saraiva, 2002.

VIANA, Patrícia Guerrieri Barbosa. Dano Moral à Pessoa Jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002.

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Sobre o autor
Danilo Felix Louza Leão

Procurador da da Fazenda Nacional no Estado de Goiás, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Goiás e Especialista em Direito Privado pela Universidade de Rio Verde - Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÃO, Danilo Felix Louza. Direitos da pessoa jurídica que, quando violados, ensejam ação por danos morais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1647, 4 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10818. Acesso em: 23 abr. 2024.

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