1. Introdução
O Tema de nº 935 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF), julgado em setembro de 2023, foi um ponto crucial na jurisprudência no que diz respeito ao sindicalismo e consequentemente, ao Direito do Trabalho.
A decisão trouxe clareza à questão - que veementemente era discutida nos tribunais; ainda mais após a reforma trabalhista - da constitucionalidade da contribuição assistencial imposta aos empregados não filiados a sindicatos.
Essa tese, que já vinha sendo levantada pelos sindicalistas, adquiriu certa robustez quando passou a figurar como uma alternativa de fonte de custeio para os sindicatos, dado que extinta a compulsoriedade do imposto sindical.
A decisão proferida pelo STF em Plenário Virtual alterou significativamente a compreensão anterior sobre a matéria, visto que o entendimento era pela inconstitucionalidade e, em sede de julgamento de embargos declaratórios com efeitos infringentes, passou-se a reputar pela constitucionalidade; o que desencadeou um debate jurídico e social amplo e multifacetado.
Essa mudança de entendimento se deu em decorrência das alterações no plano jurídico que se refletiram no mundo fenomênico. Reputa-se que ao longo do julgamento do tema houve a extinção do imposto sindical e, por conseguinte, crises econômicas nos sindicatos.
A decisão do Tema 935 marca, portanto, um momento de reavaliação dos mecanismos de financiamento sindical e sua legalidade, tendo implicações diretas na sustentabilidade financeira das entidades sindicais e, por extensão, na eficácia da representação dos trabalhadores.
Este artigo busca analisar o Tema 935 do STF, explorando suas implicações jurídicas, o contexto de sua decisão e as perspectivas futuras que se abrem para o sindicalismo e a negociação coletiva no Brasil. A discussão em torno desse tema não é apenas uma questão legal, mas toca profundamente na dinâmica das relações de trabalho e na proteção dos direitos dos trabalhadores no país.
2. Análise da Decisão no Julgamento do Tema 935 do STF
A decisão do STF no julgamento do Tema 935, de Repercussão Geral, que ocorreu em setembro de 2023, alterou significativamente o caminho que traçava a jurisprudência em relação à contribuição assistencial.
Nessa toada, foi fixada a seguinte tese, em sede de julgamento de embargos declaratórios, que o STF concedeu efeitos infringentes, modificando o julgado:
“É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição.”
A fixação dessa tese considerou as alterações que ocorreram no plano fático e jurídico – reforma trabalhista – no decorrer do julgamento do Tema, posto que, o primeiro entendimento fixado, na decisão embargada, caminhou no sentido de vedar a fixação de contribuições assistenciais a toda categoria enquadrada em determinado sindicato, esclarecendo que apenas se reputavam válidas aquelas fixadas sobre os filiados a ele:
“[as contribuições assistenciais] em razão da sua natureza jurídica não tributária, não podem ser exigidas indistintamente de todos aqueles que participem das categorias econômicas ou profissionais, ou das profissões liberais, mas tão somente dos emp[r]egados filiados ao sindicato respectivo. Portanto, está correto o entendimento posto no acórdão recorrido.” (ARE 1018459 RG/PR)
O Acórdão ainda ressaltou que a única obrigação sindical de caráter compulsório era a extinta contribuição sindical, dada a sua natureza tributária:
“A parte recorrente equivoca-se ao afirmar que, por força da CLT, o exercício de atividade ou profissão, por si só, já torna obrigatória a contribuição para entidade sindical, independentemente da vontade pessoal do empregador ou do empregado. Isso aplica-se apenas para as contribuições sindicais.” (ARE 1018459 RG / PR)
Cabe ressaltar que à época da primeira decisão, não vigorava a reforma, pois ela foi proferida em março de 2017 e a vigência da reforma se deu em novembro de 2017. Portanto, reputava-se ser uma decisão razoável, uma vez que, se fosse em sentido contrário, aquele que estava sob a égide de determinado sindicato teria de pagar duas contribuições.
Consequentemente, com a ocorrência da mudança legislativa, acompanhada da decisão tomada pelo STF, o sindicalismo brasileiro havia perdido sua força como entidade política; visto que, a contribuição sindical, sua principal fonte de custeio, deixou de ser obrigatória com o advento da reforma, e com o entendimento do STF na época, não havia a possibilidade de arbitrar, sobre toda a categoria profissional, contribuições assistenciais, como uma forma alternativa de fonte de custeio.
Dessa forma, a cessação repentina das fontes de custeio dos sindicatos implicou em uma significativa perturbação da manutenção das entidades sindicais. Tal evento desencadeou um desequilíbrio financeiro notável, pondo em risco a viabilidade das atividades sindicais. Essa instabilidade provocada tinha – e tem - potencial para comprometer a representação eficaz dos interesses dos trabalhadores e fragilizar o processo de negociação coletiva laboral.
Percebendo o declínio do sindicalismo brasileiro, o STF alterou seu entendimento, decidindo pela constitucionalidade da fixação de contribuições assistenciais sobre toda a categoria sindical, desde que de forma negociada, por CC ou ACT, ressalvado o direito de oposição do trabalhador – decisão essa que valida também o disposto no art. 513, “e” da CLT: “Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos: [...] e) impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas.”.
Assim, passam a existir as contribuições assistenciais negociadas, que, diferentemente da extinta contribuição negocial, essas passam a ter uma essência “mais democrática”, na medida que, para serem arbitradas, devem ser votadas em Assembleia diretamente pelos interessados.
Cumpre ressaltar que para ser exercido o direito de oposição, deve o trabalhador estar presente na Assembleia, no momento da votação, para que possa impugnar, conforme disposto na ementa do Acórdão proferido no julgamento dos embargos declaratórios:
“[…] Portanto, deve-se assegurar ao empregado o direito de se opor ao pagamento da contribuição assistencial.
Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento”. (STF, 2023)
Assim, restou a esquematização:
Por fim, ainda se espera a modulação dos efeitos desta decisão para que sejam sanadas interpretações retroativas que podem ensejar um enriquecimento sem causa aos sindicatos.
3. Reflexos da Decisão na Esfera Sindical
A contribuição assistencial negociada surge como um meio vital para garantir a sustentabilidade financeira das entidades sindicais. Sem ela, a representação efetiva dos trabalhadores e a negociação coletiva podem ser comprometidas.
Esse mecanismo, diferentemente da antiga contribuição sindical compulsória, baseia-se na autonomia privada coletiva dos trabalhadores.
A autonomia privada coletiva, exercida através das decisões das assembleias é um pilar essencial para a liberdade sindical. A autonomia privada coletiva, nas lições do ilustre doutrinador Amauri Mascaro Nascimento (1998)1, tem duas concepções. Uma restrita e uma ampla:
“[concepção restrita] significa o poder conferido aos representantes institucionais dos grupos sociais e de trabalhadores e de empregadores de criar vínculos jurídicos regulamentadores das relações de trabalho. A negociação coletiva é o seu procedimento de concretização. Os contratos coletivos de trabalho, expressão aqui tomada no sentido genérico, são o resultado da sua elaboração, o instrumento jurídico pelo qual se expressa e corporifica-se […]
[concepção ampla] princípio que fundamenta não só a negociação coletiva, mas, também, a liberdade sindical e a autotutela dos trabalhadores, sendo, sob essa visão, tríplice, portanto, a sua dimensão”.
Dito isso, a capacidade dos sindicatos de representar e negociar em nome de todos os trabalhadores de uma categoria, mesmo os não filiados, é crucial para a eficácia do sistema sindical brasileiro e para a garantia do direito dos trabalhadores.
Por conseguinte, para que isso ocorra, as entidades sindicais devem dispor de recursos financeiros, pois, sem estes, suas funções essenciais são comprometidas.
Um exemplo disso é a negociação coletiva, que para ocorrer, exige fundos para pesquisa, preparação de propostas e contratação de especialistas. Operacionalmente, sindicatos têm despesas como aluguel, salários e materiais de escritório, que são essenciais para sua manutenção. E, politicamente, eles também desempenham um papel ativo na defesa de políticas laborais, necessitando de recursos para influenciar/promover debates efetivos acerca de leis e regulamentos.
Portanto, manter a legitimidade e autonomia dos sindicatos, é crucial que eles tenham fontes próprias de financiamento.
Por fim, cumpre ressaltar que os sindicatos mais afetados pela escassez são os de categoria profissional, formados por indivíduos que dependem exclusivamente de sua capacidade laboral para subsistência.
Nesses grupos, posto que são compostos por segmentos socioeconômicos inicialmente carentes de capital e poder para manter o exercício efetivo de suas funções e representatividade, é que se materializam os efeitos práticos da decisão em apreço.
4. Conclusão
A análise do Tema 935 do Supremo Tribunal Federal revela uma paisagem jurídica em constante evolução, onde as decisões da mais alta corte do país repercutem profundamente nas estruturas sindicais e na ordem jurídica brasileira. O julgamento, ocorrido em setembro de 2023, não apenas redefiniu as bases legais da contribuição assistencial, mas também remodelou o papel e a vitalidade do sindicalismo no Brasil. Este artigo buscou desvelar as complexidades dessa decisão, explorando suas implicações práticas e teóricas.
A decisão do STF no Tema 935 serve como um lembrete da dinâmica natureza do direito, especialmente no que concerne à interpretação e aplicação das leis no contexto sindical. As conclusões extraídas apontam para uma necessidade contínua de análise crítica e discussão sobre o equilíbrio entre os interesses dos trabalhadores e a regulamentação legal. A decisão do STF constitui um passo significativo na evolução do sindicalismo brasileiro, oferecendo novos caminhos e desafios para o futuro.
Neste cenário, o papel dos juristas e estudiosos do direito torna-se ainda mais crucial. A vigilância constante, a interpretação adaptativa e a disposição para o debate são fundamentais para garantir que as mudanças normativas e jurisprudenciais continuem a atender às necessidades da sociedade de forma justa e equitativa. O Tema 935 é um exemplo emblemático do impacto que as decisões judiciais podem ter na vida prática e nas relações laborais, reiterando a importância de uma análise jurídica abrangente e perspicaz.
Por fim, a presente investigação destaca a importância de acompanhar e compreender os julgamentos do STF, não apenas em termos de suas implicações jurídicas, mas também pelas consequências sociais que desencadeiam. A decisão sobre o Tema 935 é um marco na história do sindicalismo brasileiro e, como tal, oferece uma oportunidade valiosa para refletir sobre os rumos futuros desse importante segmento da sociedade.
Nota
1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Teoria geral do Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 125-126.