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Análise do assassinato de Jeremias numa perspectiva jurídica

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Resumo: O presente estudo tem como objetivo relatar de acordo com os fatos da época o assassinato do líder trotskista Jeremias, a conjuntura de violência no campo que se estende até os dias atuais, bem como suas consequências jurídicas.

Sumário: Introdução. 1. Quem era Jeremias? 2. Jeremias Assassinado. 3. Julgamento. Conclusão.


INTRODUÇÃO

Meus primeiros contatos com o nome de Jeremias, o “andarilho” “comunista” que fora assassinado na região entre Camutanga, Ferreiros e Itambé, foi através de minha mãe, ainda muito pequeno. Como meu tio Lucio Correia fora opositor à Ditadura Militar, tendo sido prefeito em Camutanga num período de turbulência, minha mãe me dizia “teu tio não foi assassinado por milagre, como Jeremias que foi morto pela ditadura”. Essa confusão temporal da minha mãe se dá pelo fato da mesma só ter chegado em Camutanga em meados da década de setenta.

Mas eu ainda muito criança, e já horrorizado pelo que teria significado a ditadura civil militar ficava com uma baita curiosidade: quem teria sido esse Jeremias? Talvez só mais um de muitos imolados pelos poderosos e mais nada. Só depois, já com vinte e seis anos, enquanto cursava Direito, é que vim começar a entender melhor que não se tratava só de mais um, e que seus ideias forjaram a fúria de muitos latifundiários que preferiram tirar sua vida numa emboscada.


1. Quem era Jeremias?

Depois de superado o período de infância e adolescência e ao entrar na vida acadêmica, procurei saber mais sobre quem era esse “senhor” que teria sido assassinado em nossa região, mas as informações eram inconclusivas, só após 2013 com as reportagens do jornal do comércio1 sobre o mesmo é que comecei a jogar luz sobre essas dúvidas.

Paulo Roberto Pinto “Jeremias” era um mineiro, nascido em 22 de setembro de 1940, e conhecido na família por “paulinho”. Ou seja, diferente do meu imaginário infantil, não se tratava de um “senhor”, mas de um jovem idealista, comunista de tendência Trotskista.

Paulo Roberto Pinto Nasceu em 22 de setembro de 1940 no Estado de Minas Gerais. Era filho de Sebastião Pinto Santana e de Florença Pinto. Teve quatro irmãos: Wilson, Edson, Lélia e Milton (falecido). O pai foi proprietário de uma oficina gráfica do município de Mogi das Cruzes no interior de São Paulo, na segunda metade do anos 50. 2

Numa conjuntura de “guerra fria”, de mundo bipolar, e numa região do Pais que à época vivia muito de feudalismo no campo, onde trabalhadores eram tratados como páreas, sem direitos já adquiridos pelos proletariados urbanos no País na década de 30 (trinta) através da CLT. Existia um clima de profunda tensão entre os proprietários de terras e trabalhadores rurais que pleiteavam direitos básicos como o 13° (decimo terceiro salário), até mesmo isso, para uma mentalidade secular escravocrata representava uma afronta pelas “elites rurais”.

Jeremias entra nesse cenário de conflito para organizar os trabalhadores com métodos de “agitação e mobilização” a fim de fazer valer direitos básicos aos trabalhadores.

“...os latifundiários sentiam na própria pele a atuação de Jeremias, pois ele não perdera uma greve de todas as que decretava e não ser aquela na qual foi miseravelmente assassinado pelos donos de terras”. 3

Então é fácil imaginar o estrago que uma figura como Jeremias traria aos proprietários acostumados a lidar com os paupérrimos trabalhadores , muitos destes que dependiam em tudo dos donos, e que não tinham sido de certa forma atingidos pela “lei Áurea” .


2. Jeremias Assassinado

Minha mãe falava sobre “Pedro Teixeira”, esposo de Elizabethe que fora assassinado em Sapé na Paraíba, perto de sua residência quando a mesma ainda era muito criança. Falava de Jeremias que tinha sido assassinado em Ferreiros por causa de suas ideias, e os riscos que meu tio Lúcio teria corrido por causa de suas posições contrárias à Ditadura Militar. Mas como teria ocorrido esse fato? Como teria tombado o jovem Jeremias?

Jeremias organizava as massas, a fim de conscientizar e fazê-los buscar seus direitos garantidos e muito básicos. Mas sabia que estava cutucando a onça com vara curta como o dito popular.

“Juiz da Paraíba protesta: Polícia de Pernambuco espalha pânico entre camponeses de Pedras de Fogo—O juiz da comarca paraibana de Pedras de Fogo, protestou junto ao secretário de Segurança Pública de Pernambuco, contra a ação da polícia pernambucana que está invadindo aquele município para prender líderes do movimento camponês acusados de agitação nos engenhos”. 4

De forma até ingênua Jeremias acreditava que iria mexer com toda uma estrutura secular, um status quo e desencadear, quem sabe, uma revolução permanente influenciado pelos ideias Trotskistas a partir do interior do Nordeste. Sem saber que os donos de engenhos, latifundiários eram mais organizados, acostumados com com aquele estado de coisas.

“O pavor começou a tomar conta dos donos de engenho. Começaram a investigar quem era esse Jeremias e a quem estava ligado...várias vezes, os donos de engenho tentaram uma aproximação com Jeremias , que jamais aceitou dialogar, sem a presença e o testemunho dos camponeses. Ao se inteirarem que era trotskista, e que estava ligado a uma organização internacional, levaram o fato à Secretária de Segurança Pública”5


3. Julgamento

Jeremias fora morto numa conjuntura de efervescência, onde havia um tensionamento politico e social que acabou por gestar o golpe civil militar de 1964. Essa era a conjuntura. Mas logo após sua morte, apesar da pressão por parte dos latifundiários, o promotor do caso Dr. Murilo Barbosa da Silva, buscou juntar provas para corroborar com a denúncia.

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O Discurso que erigia por parte dos donos de engenhos era de que Jeremias não era só um jovem militante, mas um elemento perigoso:

Desde o primeiro momento, o discurso dos latifundiários foi o de que tanto a “tranquilidade” quanto a “segurança”, foram quebradas pela presença do perigoso “agitador Jeremias. 6

Aqui se vê a busca em caracterizar o ato como legitimo, ou seja, que não haveria outra alternativa a não ser “matar” Jeremias. E aqui há um ponto, nossa sociedade é fundada sob elementos escravocratas, e qualquer “ameaça” que possa arranhar essa estrutura era e é taxada como “subversiva”, perigosa. Na época reivindicar pagamento de décimo terceiro era visto como algo inaceitável. Justamente porque, apesar de legalmente abolida a escravidão, pouca coisa tinha mudado na estrutura social. O negro continuava a ser obrigado a vender sua força de trabalho por “salários” baixos e condições indignas.

Esse processo, muitas vezes, passa pela incorporação de preconceitos e de discriminação que serão atualizados para funcionar modos de subjetivação no interior do capitalismo. Este processo não é espontâneo; Os sistemas de educação e meios de comunicação de massa são aparelhos que produzem subjetividades culturalmente adaptadas em seu interior. 7

Mas voltemos. Havia uma união de esforços dos donos de engenho da região em defender a tese de legitima defesa, de que os donos de oriente teriam agido para responder à uma tentativa de invasão de sua propriedade.

Uma das táticas utilizadas naquele momento foi a de atacar o promotor responsável pela investigação, que se tornou no pós golpe de 1964 réu, uma das aberrações daquele momento histórico de exceção.

O inquérito sobre a “chacina de Oriente” foi marcado por inúmeras pressões por parte dos latifundiários de Itambé e região, particularmente os acusados de serem os mandantes do massacre. 8

Poder é poder, como diriam alguns, e o pós golpe militar as decisões não estavam mais apoiados em Leis, mas no arbítrio dos que tinham usurpado o poder e seus apoiadores. Estado de exceção.

Dado que leis dessa natureza – que deveriam ser promulgada para fazer face a circunstâncias excepcionais de necessidade e de emergência – contradizem a hierarquia entre lei e regulamento, que é a base das constituições democráticas, e delegam ao governo um poder legislativo que deveria ser competência exclusiva do Parlamento 9

Num estado de coisas, onde há exceção, o arbítrio é regra, não importam os fatos, nem provas, o que importa é a busca por reprimir, aniquilar o inimigo comum, e naquele momento não era do interesse da ordem que os fatos fossem revelados.


CONCLUSÃO

A Mata Norte no Estado de Pernambuco, região pobre, ainda guarda muitos traços de um passado vergonhoso em que homens, mulheres e crianças foram arrancados de sua terra e trazidos em navios para serem escravizados. Essas marcas estão no dia a dia, nas relações pessoais, na precariedade do trabalho, nos baixos salários.

Jeremias é a síntese do que foi e tem sido conflitos nas terras, das muitas chacinas Brasil afora, na tentativa de apagar povos indígenas e quilombolas e muitas vezes a ausência de Estado e de democracia, pois, democracia sem condições mínimas de existência é só mais uma palavra ao vento.

Que dias melhores possam brotar das lutas diárias.


REFERÊNCIAS

GALLINDO, José Felipe Rangel, Jeremias o Trotskismo no Campo em Pernambuco, 2013.

ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (Portuguese Edition) (p. 135). Editora Jandaíra. Edição do Kindle.

https://jc.ne10.uol.com.br/canal/politica/pernambuco/noticia/2013/09/01/jeremias-um-cabra-marcado-para-morrer-95761.php

https://razaoinadequada.com/2019/11/27/agamben-o-que-e-estado-de-excecao/


Notas

  1. https://jc.ne10.uol.com.br/canal/politica/pernambuco/noticia/2013/09/01/jeremias-um-cabra-marcado-para-morrer-95761.php

  2. Jeremias o Trotskismo no Campo em Pernambuco José Felipe Rangel Gallindo

  3. Jeremias o Trotskismo no Campo em Pernambuco José Felipe Rangel Gallindo

  4. Jeremias o Trotskismo no Campo em Pernambuco José Felipe Rangel Gallindo

  5. Jeremias o Trotskismo no Campo em Pernambuco José Felipe Rangel Gallindo

  6. Jeremias o Trotskismo no Campo em Pernambuco José Felipe Rangel Gallindo

  7. Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (Portuguese Edition) (p. 135). Editora Jandaíra. Edição do Kindle.

  8. Jeremias o Trotskismo no Campo em Pernambuco José Felipe Rangel Gallindo

  9. https://razaoinadequada.com/2019/11/27/agamben-o-que-e-estado-de-excecao/


Abstract: The present study aims to report, according to the facts of the time, the murder of the Trotskyist Leader Jeremias, the situation of violence in the countryside that continues to the present day, as well as its legal consequences.

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Sobre o autor
Lucio Wagner Barbosa Correia Vieira

Advogado Associado a ANACRIM. Pós graduando em Direito Processual Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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