Imposto do pecado e a descarbonização

19/02/2024 às 17:19

A incorporação dos valores da sustentabilidade nos diplomas normativos, nas práticas comerciais e nos modos de consumo, vem redesenhando a economia, o Brasil pode ser um destaque dentro da chamada bioeconomia, algo que vem sendo acelerado devido aos desastres climáticos, um grande passo nessa direção foi dado pela Reforma Tributária que deve dar novas tintas a atividades poluentes na economia, com a criação do apelidado “Imposto do Pecado”.

Como acompanhamos diariamente nos noticiários, seja pelo relato dos fatos ou pela divulgação de novos estudos, a terra cobra sua conta, porém a tecnologia disponível para esse monitoramento e desenho da nova economia já existe, não precisa ser inventada, e as políticas públicas caminham a passos largos nessa direção.

No momento em que iniciámos a regulamentação da Reforma Tributária, empresas dos setores de mineração e petróleo se articulam para reduzir o impacto do novo Imposto Seletivo, que incidirá sobre itens considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente, incluindo a extração de recursos naturais não renováveis. O tema será debatido em grupo de trabalho do Ministério da Fazenda, que deverá receber sugestões do setor privado. Em paralelo, o Congresso criou pequenos comitês para preparar os parlamentares para as negociações. Claramente, o objetivo das mineradoras é barrar a cobrança sobre as exportações, para manter a competitividade do produto nacional, sobretudo do minério de ferro. Já as empresas de óleo e gás buscam reduzir a alíquota do tributo, de até 1% sobre o valor do produto. Ambos os setores nesse momento, alegam que pagam impostos específicos e ocorreria bitributação, o que ao nosso ver não encontrará ressonância, visto tratar de Emenda Constitucional, que regula competência para exercício da imposição tributária.

Pelo texto promulgado pelo Congresso em dezembro, a alíquota será de até 1% sobre o valor de mercado do produto extraído. No caso das mineradoras, o essencial é barrar essa cobrança na exportação, com o argumento de preservar a competitividade do produto brasileiro, como no caso do minério de ferro, que é responsável por cerca de 60% do faturamento do segmento. Se a negociação não avançar, o setor não descarta recorrer à Justiça. Já o esforço das empresas de óleo e gás busca estabelecer redutores para a alíquota do tributo, além de possibilidades de isenção completa.

Em comum, as duas atividades produtivas lançarão mão de discurso sobre risco de bitributação (dupla taxação), numa nova tentativa de sensibilizar o Ministério da Fazenda e o Congresso Nacional. A mineração alega que já recolhe bilhões de reais via royalties, mais especificamente por meio da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Só no primeiro semestre de 2023, foram R$ 3,4 bilhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Já o setor petrolífero argumenta que a cadeia é onerada pela Cide-Combustíveis, uma contribuição de caráter extrafiscal. Ou seja, que não tem como função principal a arrecadação, e sim estimular ou desestimular determinadas atividades exatamente o mesmo princípio do Imposto Seletivo. Seria, portanto, na visão de entidades do setor, uma taxação duplicada, o que justificaria o pedido para estabelecer a isenção, tese que ano nosso ver não deve lograr êxito.

Nessa etapa atual, o tema será debatido em um grupo de trabalho específico dentro do Ministério da Fazenda, formado por membros da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária e da Receita Federal. Após pressão do setor privado, esse grupo também contará com sugestões das entidades produtivas, que devem começar a enviar as propostas já nesta semana.

Em paralelo, o Congresso se organizou em pequenos comitês com o objetivo de preparar os parlamentares para as negociações, que prometem ser ainda mais espinhosas do que as da própria emenda constitucional que mudou o regime de impostos sobre bens e serviços no País.

Outro argumento que vai ser usado é que a mineração seria a “indústria das indústrias”, ou seja, produz itens que servem de insumo para outras cadeias, como areia e granito para a construção civil ou fosfato e potássio para os fertilizantes do agronegócio. •

Outra preocupação dos empresários em relação ao Imposto Seletivo tem a ver com o valor da alíquota e a forma de cobrança: se será um porcentual uniforme ou se haverá diferenciação. Pode nesse período de aprovação da lei Complementar ocorrer sim a exclusão de alguns seguimentos, que sejam considerados estratégicos, como os que são ligados à transição energética, como lítio e nióbio.

O desafio é como realizar essa classificação? O que pode representar um minério estratégico hoje, será o mesmo amanhã?.

Esse é mais um desafio, tente imaginar que legislações similares já são aplicadas em outros países, como nos Estados Unidos, cuja lista tem cerca de 50 itens.

A Emenda Constitucional, aprovada inova em muitos dos seus dispositivos, como no artigo:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - .......

......

§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e do equilíbrio e da defesa do meio ambiente.” (NR)

O equilíbrio e a defesa do meio ambiente, o que abre espaço sobre uma tributação ainda maior sobre produtos poluentes.

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Manter o valor de materiais, recursos e produtos na economia, durante o maior tempo possível, com a minimização de resíduos, o que faz com que o cálculo da pegada hídrica sirva de referência para uma tributação progressiva em muitos casos assim como também a pegada do carbono.

Com um novo desenho tributário, a economia circular, deve ganhar destaque ao pretender proteger as empresas contra a escassez de recursos e a volatilidade de preços, criando oportunidades para o desenvolvimento de métodos de produção e consumo inovadores e eficientes. Isso por envolver a criação de empregos locais, de oportunidades de integração social, de economia de energia e de prevenção de danos irreversíveis, como resultado do consumo de recursos com mais rapidez do que a capacidade de recuperação da Terra.

Voltando ao ponto de partida, em que pese a resistência dos setores mais poluentes, e a sua atuação na política jurídica com a intenção de influenciar na regulamentação do inciso VIII do artigo 153:

"Art. 153.

VIII - produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar.

§ 6º O imposto previsto no inciso VIII do caput deste artigo:

I - não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações;

II - incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço;

III - não integrará sua própria base de cálculo;

IV - integrará a base de cálculo dos tributos previstos nos arts. 155, II, 156, III, 156-A e 195, V;

V - poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos;

VI - terá suas alíquotas fixadas em lei ordinária, podendo ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem;

VII - na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% (um por cento) do valor de mercado do produto." (NR)

Na COP28, o mundo deve encarar a realidade de que os cortes necessários nas emissões de gases de efeito estufa não estão ocorrendo. Para a maioria dos países, o difícil estado das finanças públicas e a nova era de taxas de juros "mais altas por mais tempo" representam um terrível dilema: saúde financeira de curto prazo versus saúde de longo prazo do nosso planeta.

Nesse contexto, um número crescente de países está considerando a precificação de carbono para atingir as metas climáticas, ao mesmo tempo em que arrecada novas receitas. O conceito é simples: fazer com que os poluidores paguem pelo que emitem, dando-lhes uma razão convincente para mudar seu comportamento. Pode tratar-se de um imposto ou de um regime de comércio de licenças de emissão (RCLE) que obrigue as empresas a comprar licenças negociáveis para cobrir as suas emissões.

A crescente atratividade da precificação do carbono se resume a três fatores. Em primeiro lugar, dentro de uma ampla estratégia de redução de emissões, um preço robusto do carbono incentiva a mudança para fontes de energia mais limpas, a redução do consumo total de energia e o investimento em tecnologias limpas.

Em segundo lugar, é a solução mais econômica, pois a precificação do carbono é fácil de gerenciar quando se baseia nos impostos atuais sobre combustíveis energéticos (os países podem começar eliminando gradualmente os subsídios aos combustíveis fósseis, que somam US$ 1,3 trilhão anualmente em custos diretos). E logo as receitas podem ser usadas para reduzir impostos, financiar serviços públicos ou infraestrutura de energia limpa. Os preços podem subir ao longo do tempo, minimizando mudanças abruptas.

Em terceiro lugar, com a abordagem correcta, é uma medida justa: as empresas e os consumidores responsáveis pela maior parte das emissões pagam mais. Quaisquer implicações distributivas, dentro e entre países, podem ser abordadas.

A nível nacional, o impacto do preço nas famílias pobres pode ser coberto por uma parte modesta das receitas do preço do carbono. O FMI estima que cerca de 20% deles são necessários para compensar os 30% mais pobres das famílias, fazendo com que a reforma funcione para consumidores vulneráveis e pequenos emissores.

Recentemente, os líderes africanos pediram um regime global de imposto sobre o carbono que cubra o comércio de combustíveis fósseis, o transporte marítimo e a aviação, com os recursos indo para investimentos climáticos em países mais pobres.

O Brasil nesse momento não foge da tendência, pois atualmente, existem 73 sistemas de precificação de carbono em quase 50 países que cobrem um quarto das emissões, o que significa que o número dobrou desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015. Mas para alcançar bons resultados de emissões, o preço global do carbono precisará atingir uma média de US$ 85 por tonelada até 2030, ante apenas US$ 5 hoje, logo surge ai uma nova oportunidade, por isso a tributação sobre setores poluentes caminha em uma estrada sem volta.

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Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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