3. IMPACTOS DO SIMBOLISMO CONSTITUCIONAL
No colo dos estudos quanto a constitucionalização simbólica, Lenza (2022, p. 94) dispõe sobre às ideias de Marcelo Neves, assentando que “essa problemática [...] é verificada não somente no sistema político-jurídico, mas, também, nos sistemas econômico, educacional, de saúde etc.” Nesse raciocínio, compreende-se que a função simbólica da constituição pode trazer desastres nas mais diversas esferas como política, economia e direito, com efeitos nos setores essenciais ao funcionamento do Estado e da sociedade, como saúde, segurança e educação, quando presente essa conjuntura de mecanismos que promovem a banalização dos direitos e deveres constitucionais mais essenciais a vida em sociedade, visto que a constituição se torna um mero instrumento de governabilidade e marionetismo popular, e a exigência de um direito se torna inviável diante da impraticabilidade deles ao caso concreto em razão da prevalência dos interesses e finalidades desvirtuadas que condicionam o sistema constitucional.
Os impactos resultantes do simbolismo constitucional podem ser diversos, sendo mais interessante para esse estudo observar os efeitos principais. Cumpre destacar que essa construção quanto aos impactos do simbolismo constitucional é baseada na interpretação das ideias dispostas por Neves quanto a função simbólica, bem como assevera-se que este estudo não atribui todos os problemas sociais ao simbolismo constitucional. Aprecia-se a seguir o ciclo de impactos que podem ser gerados pelo simbolismo constitucional.
3.1 EDUCAÇÃO PRECÁRIA
Base para o regular exercício da cidadania, a educação desempenha um papel fundamental na formação humana e na construção de uma sociedade econômica e socialmente desenvolvida. Como tal, necessariamente há um grande amparo normativo mundial no compromisso com a educação, pois de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), todos os países do mundo ratificaram pelo menos um tratado que resguarda o direito à educação, e esse direito, por sua vez, se desdobra em vários aspectos (UNESCO, 2020), apontados pela referida organização internacional, quais sejam:
Ensino primário gratuito, obrigatório e universal
Ensino secundário, incluindo técnico e profissional, de acesso generalizado, acessível a todos e progressivamente gratuito
Ensino superior, acessível a todos com base na capacidade individual e progressivamente gratuito
Ensino fundamental para pessoas que não concluíram o ensino
Oportunidades de treinamento profissional
-
Qualidade igual de educação através de padrões mínimos
Ensino de qualidade e material para professores
Sistema adequado de bolsas e condições materiais para o corpo docente
Liberdade de escolha
Ver-se que resguardar o direito à educação está muito além do mero acesso ao ensino, se estendendo para diversas circunstâncias que devem estar presentes dentro desse compromisso de educação humanizada e democratizada. Nesse contexto em que todos os países possuem - juridicamente - essa responsabilidade, e a amplitude que ela compreende, é importante trazer as informações compartilhadas pela Right to Education Initiative (RTE), uma organização internacional de direitos humanos com foco no direito à educação, in verbis (RTE, 2023):
“Embora a grande maioria dos países tenha ratificado tratados internacionais que reconhecem o pleno direito à educação, ela ainda é negada a milhões em todo o mundo devido à falta de recursos, capacidade e vontade política. Ainda existem países que não integraram o direito à educação em sua constituição nacional ou forneceram as estruturas legislativas e administrativas para garantir que o direito à educação seja realizado na prática. A maioria das crianças e adultos que não usufruem plenamente do direito à educação pertencem aos grupos mais carentes e marginalizados da sociedade, que muitas vezes são deixados para trás nas políticas nacionais.”
Ao que tudo indica, embora todos Estados tenham o compromisso legal com a educação, há mundialmente, ainda, comissões e omissões que geram uma grande violação aos preceitos firmados pelos próprios países quanto ao ensino. Raciocina-se então que essa insubordinação naturalmente estará presente nas constituições com prevalência da função simbólica, e uma vez que a educação é negligenciada na sistemática do simbolismo constitucional, parece representar um ponto de partida nos efeitos desastrosos de uma constituição mais alinhada com os anseios dos titulares de poder do que com os valores que carregam a sociedade, vez que, conforme o estudado, há uma busca por assegurar essas posições de poder, e para haja essa perpetuidade é necessário que a massa popular desconheça ou ignore as “regras do jogo”, permitindo que as leis e a própria Carta Magna sejam instrumentalizadas de acordo com os interesses políticos. Violações constitucionais podem ser constantes ante a ausência de fiscalização e deficiência educacional quanto as normas constitucionais pelos cidadãos. O desenvolvimento social educacional vira política de contentamento para agradar às massas, conforme o observado quanto a constituição-àlibi de Marcelo Neves (LENZA, 2022), estabelecendo ações que não resolvem o problema, ou que supram parcialmente as necessidades, mas nunca conduzem ao resguardo do direto à educação em todos os seus aspectos. Assim, no Estado regido por uma constituição evidentemente simbólica, haverá uma exponencial proporção de analfabetos, evasões escolares e desigualdades ao acesso ao ensino de qualidade, mesmo diante de um compromisso estabelecido com a educação.
3.2 POBREZA
O Centro Regional de Informações das Nações Unidas (UNRIC) definem que a pobreza envolve questões para além da falta de recursos, como acesso limitado a educação, serviços básicos e discriminações sociais e ausência na participação das decisões fundamentais do Estado (UNRIC, 2023).
Ao considerar que a maior parcela de população terá, no máximo, apenas a formação básica, vislumbra-se que estes formarão uma densa camada social que terão de se sustentar com poucos recursos, visto que o acesso às posições com maiores remuneração são condicionados àqueles com formação técnica ou profissional especializada. A situação se torna mais complicada ainda quando se percebe que as posições hierarquicamente inferiores, além de serem desvalorizadas, acabam por ser as mais concorridas, instaurando-se um cenário competitivo degradante, mesmo quando assegurado por uma constituição nacional o direito ao trabalho. Assim, vai se empurrando as pessoas mais vulneráveis à pobreza extrema, inflando este perfil com o passar dos anos, sem expectativas de mudanças ante a instrumentalização da Lei Maior para consecução dos interesses dos detentores de poder.
Deste modo, quando se trata, principalmente, da constituição semântica de Loeweinstein, ver-se que os problemas sociais sequer fazem parte do projeto constitucional, e quando se busca inspiração no sentido sociológico de Lassalle, observa-se que a essência da constituição já se esvaiu-se na mesma medida do crescimento da pobreza, longe de se alinhar aos anseios das forças sociais (LENZA, 2022). Portanto, a pobreza pode ser vista como um traço marcante dos sistemas constitucionais simbólicos.
3.3 DESIGUALDADE
Uma vez que a pobreza prospere em um Estado, só resta observar as segregações que ela gera. De acordo com um artigo publicado pela Development Initiatives (2023):
“A desigualdade está intimamente ligada à pobreza. Não podemos esperar reduzir a pobreza sem abordar a desigualdade. [...] O contexto em que uma pessoa vive e os resultados de outras pessoas em sua comunidade têm um impacto importante em sua experiência e no que é necessário para que ela participe plenamente de sua sociedade.”
Seja no aspecto social, regional, financeiro, racial, sexual, observa-se que as desigualdades convertem todas as negligências do Estado e da Constituição em discriminações injustas que acabam por determinar a posição social que as pessoas permanecerão. Dados de um relatório da Oxfam aponta que no ano de 2018, as 26 pessoas mais ricas do mundo concentravam uma riqueza equivalente à metade dos valores do resto da população global (UNITED NATIONS, 2023). Cabe ressaltar o que ora foi dito neste estudo: estas circunstâncias que estão sendo analisadas nesse tópico não são exclusivas dos países afetados pelo simbolismo constitucional, mas nestes elas são prevalecentes. O gasto do dinheiro dos cofres públicos para o custeio de mordomias do próprio Estado, na ausência de investimentos equivalentes na área de lazer público; a influência das pessoas mais ricas nos processos legislativos e eleitorais; o crescimento acelerado de regiões centrais em detrimentos das periféricas; o acesso à internet e materiais de estudo de qualidade de modo nada inclusivo; cargos de maior posição hierárquica, seja na área privada ou pública, ocupados majoritariamente por homens, são algumas das desigualdades sociais geradas pela pobreza das massas, que marcam presença na realidade dos sistemas constitucionais simbólicos.
3.4 POLÍTICA CORROMPIDA
Para fins de melhor compreensão, o presente estudo refere-se à “política corrompida” como a circunstância onde o poder político, de qualquer dos órgãos e autoridades do Estado, tem seus fins desviados para proveito próprio ou de terceiros. Todas as vertentes do simbolismo constitucional, baseados no estudo dos juristas e filósofos tratados no primeiro tópico desse artigo, necessariamente demonstrarão algum nível de preocupação com o cumprimento dos mandamentos constitucionais, condicionando às atuações dos detentores de poder. No entanto, como ainda se está no plano do simbolismo constitucional, as atuações políticas dos titulares do poder evidentemente não estão voltadas a atingir o fim comum, mas tão somente para a aquisição de mais influência e vantagens, consolidando o poder político e mascarando seus reais desejos com pretextos heroicos e populistas, nos termos do que se compreende como constitucionalização simbólica. Isso acontecerá em todo e qualquer ato político, mas principalmente nos mais notórios aos olhos da sociedade, pois, ressalta Diego Edington (2013) que uma das expressões da constitucionalização simbólica é a demonstração de capacidade de ação do estado, com disposições impossíveis de serem cumpridas, mas que o maquiam aos olhos dos cidadãos.
Nesse cenário do simbolismo constitucional, ver-se que a política corrompida é o ápice da banalização dos preceitos constituintes, e que irá gerar outras consequências desastrosas nas esferas sociais, uma vez que são os titulares de poder abdicam da efetividade de seus papéis na construção da sociedade, para atuar por trás de uma constituição e uma legislação meramente demonstrativa, e usufruírem de sua influência em nome de si e dos demais que à compartilham. Através desse raciocínio, é provável que a segurança pública, a saúde; o esporte; o lazer; a educação, e tudo mais que assegure uma vida digna, será algo secundário e trabalhado apenas quando a pressão social exigir ou for interessante para receber mais influência. Até lá, permanecerão sucateados. Sobre essa secundariedade da efetividade das políticas públicas na realidade da constitucionalização simbólica, Drimoulis aponta a implementação dos dispositivos constitucionais e a consecução dos objetivos não é central, pois os grupos poderosos tendem a instrumentalizar os a lei maior para satisfazer seus próprios interesses (Drimoulis, 2013).
A mais, acrescenta-se que quando ver-se um povo à mercê de uma educação precária, caminhando nas margens da pobreza, e discriminado pelas desigualdades, resta esperar que sejam incapazes de exercer a cidadania de forma consciente, perpetuando no poder personalidades que não são capazes ou não possuem reais interesses na construção e melhora da sociedade para uma vida mais justa e digna.
Encerra-se então esse tópico da mesma forma que começou, a educação precária gera pobreza, que por sua vez está associada a desigualdades, formando pessoas incapazes de mudar ou coloca no poder quem há de buscar os legítimos interesses do povo, sedimentando titulares de poder que corrompem com a política, dando continuidade a esse ciclo decadencial. Interpreta-se, em conclusão, ser esse o mais provável panorama de uma sociedade afetada por um sistema constitucional simbólico. Desse modo, em posse do conhecimento sobre o que é o simbolismo constitucional e quais os impactos que ele gera, pode-se sair do plano global e adentrar com este estudo no direito constitucional brasileiro e na realidade desse país, analisando-o e julgando-o para descobrir qual função normativa a Constituição Federal de 1988 tem desempenhado.
4. DIAGNÓSTICO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
No estudo da classificação das constituições, especificamente ao que se trata do já mencionado critério ontológico de Karl Loeweinstein, onde define correspondência das constituições com a realidade de seu país, observa-se que há uma grande divergência doutrinária quanto a classificação do constitucionalismo brasileiro. No entanto, as perspectivas dos constitucionalistas carregam muito viés eminentemente teórico-jurídico, sem aprofundamento na realidade brasileira. Portanto, a mera reunião dos posicionamentos doutrinários a fim de revelar se a constituição brasileira possui ou não função simbólica, é completamente inepta para atingir os fins deste estudo, sendo necessário, com base em tudo já exposto sobre o simbolismo constitucional, verificar se a realidade brasileira se compatibiliza ou não às características definidoras e consequenciais dos sistemas constitucionais simbólicos.
4.1 COMPATIBILIDADE COM OS IDEAIS DE CONSTITUIÇÃO
No Brasil, percebe-se grandes controvérsias com relação aos direitos fundamentais, especialmente no que se trata do famigerado art. 5° da Constituição Federal, por não refletir adequadamente os valores que expressa ou deveria expressar. Na contramão do disciplinado na Lei Máxima, uma pesquisa do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC) realizada em 2022 revela que 73% dos brasileiros são favoráveis à prisão perpetua. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Brasil é ranqueado como 5° país do mundo em casos de feminicídio, mas a segurança individual da mulher não está consagrada no texto constitucional. Embora a Carta Magna discipline direitos sociais trabalhistas, de 1995 a 2022 mais de 60 mil pessoas foram resgatadas de trabalho escravo. Registrou-se em 2021 um acréscimo de 171,1% de evasão escolar em relação a 2019, apesar da CF garantir o direito a educação. Também prevê a CF que todos são iguais perante a lei, mas, em contradição, resguarda apenas os parlamentares da incorporação às forças armadas em tempos de guerra.
Estes dados podem demonstrar uma adequação a um dos aspectos da constitucionalização simbólica, a chamada constituição-álibi, uma vez que tutela bens de grande relevância na sociedade, no entanto não apresenta efetividade, servindo mais para causar um bem estar na sociedade. Neves aponta como exemplo a prestação de conta candidatos aos pleitos eleitorais, onde em verdade não se assegura que essa diretriz foi cumprida, embora a regra posta (LENZA, 2022). Estas informações também revelam a inépcia constitucional brasileira com relação ao sentido sociológico da constituição, vez que, mesmo frente as forças sociais que moldam a constituição real, a CF/88 não ampara desejos latentes da sociedade brasileira como a segurança individual da mulher, ou quando ampara, o faz em contradição, como a prerrogativa injustificada da não incorporação dos parlamentares às forças armadas, mesmo em tempo de guerra. Ademais, diante desse cenário brasileiro de escravidão, ou mesmo quanto ao relatado sobre o feminicídio no Brasil, se vê que não há inovação no disciplinamento constitucional dessas matérias, percebe-se uma falta de evolução da Lei Máxima, que é incapaz de se adaptar para reger os problemas que surgem na sociedade, não assemelhando-se ao esperado de uma constituição a partir da ideia de Gustavo Zagrebelsky, relativo a Constituição-Dúctil.
Retomando a análise da Constituição Federal e a realidade brasileira, no tocante aos direitos sociais, estabelece a CF que é direito dos trabalhadores salário mínimo que atenda necessidades básicas de si e de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Contudo, o valor atual do salário mínimo nacional é de R$ 1.412,00, enquanto que uma pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) revela que valor ideal do salário mínimo no Brasil capaz de atender essas necessidades básicas seria de R$ 6.676,11. Dados do Relatório Justiça em Números apontam que a duração média do processo judicial no Brasil é de 3 anos e 6 meses, apesar da Constituição pátria assegurar a razoável duração do processo. Em 2019, registrou-se uma superlotação carcerária de 166% e mais de mil mortes em presídios, embora a Carta Magna assegure a integridade física e moral do preso. A Constituição Federal também introduz um sistema único de saúde, de acesso universal e igualitário, financiado sobretudo pelo Estado, porém uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que enquanto o Brasil tem o segundo menor gasto público em saúde entre países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - 3,8% do PIB - o gasto em saúde privada pelos brasileiros é a maior entre estes. Acrescenta-se que o Brasil destina 12,9% do PIB somente em gastos com o funcionalismo público. A mais, uma reportagem do jornal O Globo revela que o Brasil tem o maior número absoluto de homicídios do mundo, além de ser o 8° país mais violento do planeta, embora a CF resguarde o direito à vida.
Vislumbra-se que, apesar de estarem disciplinados no Lei Maior, direitos fundamentais essenciais a vida em sociedade não respeitados. A Constituição Federal, demonstra para eles uma expressiva deficiência normativa. No critério ontológico de constituição, em face desses dados, não resta dúvidas de que a CF é nominalista. Nesse raciocino, a deficiência na produção dos efeitos normativos faz descartar que, nos ensinamentos de Konrad Hesse, a Constituição Brasileira atenda a este sentido mais básico de constituição, que é o normativo. Quando se observa uma supervalorização do próprio Estado ao destinar três vezes mais valores ao funcionalismo público do que à saúde, ver-se também a autenticação do constitucionalismo brasileiro à teoria de Carlos Ari Sundfeld, onde a Constituição Federal figura evidentemente como constituição chapa-branca, reverenciando o Estado em detrimento da proteção dos cidadãos.
4.2 COMPATIBILIDADE COM OS IMPACTOS DO SIMBOLISMO CONSTITUCIONAL
A análise de uma possível adequação aos impactos do simbolismo constitucional pode ser facilmente aferida na visualização da realidade brasileira. Quanto a educação, dados do IBGE mostram que taxa de analfabetismo no Brasil, entre crianças de 6 e 7 anos é de 40,8%. Os resultados da Prova Brasil aplicada em 2020 revelam que 70% dos alunos do ensino médio têm nível insuficiente de em conhecimentos de português e matemática. Conforme já mencionado, em 2021 houve um acréscimo de 171,1% de evasão escolar em relação a 2019. Dados do IBGE também demonstram que mais da metade dos brasileiros de 25 anos ou mais, 52,6%, não concluíram a educação básica. Desses, 33,1% sequer concluíram o ensino fundamental. Pesquisa feita pelo movimento Todos Pela Educação revela que apenas 4,5% das escolas públicas brasileiras possui infraestrutura completa adequada ao estabelecido em lei.
Quanto a pobreza no Brasil, cumpre destacar os seguintes dados do IBGE de 2021: mais de 60 milhões de brasileiros vivem abaixo da pobreza, proporção em que 29,4% da população sobrevive com menos de R$ 16,20 por dia; 8,4% da população encontra-se na miséria, o equivalente a mais de 17 milhões de brasileiros sobrevivendo com menos de R$ 5,60 por dia; com relação a 2020, houve um salto de 22,7% de pessoas no pobreza, e de 48,2% no contingente de miseráveis; crianças em situação de pobreza extrema contaram 13,4%, um salto de 50% com relação à 2020; houve uma redução em 6,9% da renda familiar per capita.
Com relação a desigualdade, uma reportagem da BBC News Brasil traz à tona o Relatório de Desigualdades Mundiais publicado pelo Word Inequality Lab, onde demonstra que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, apontando que, nesse Estado, os 10% mais ricos concentram 59% da renda nacional total; os 50% mais pobres recebem 29 vezes menos do que os 10% mais ricos, além de possuírem apenas 1% da riqueza nacional; o 1% mais rico possui 48,9% da riqueza nacional, quase metade do capital brasileiro. Dados do IBGE destacam que, no Brasil, 75% dos mais pobres são negros, enquanto que 70% dos mais ricos são brancos. Outro levantamento do IBGE também revela que as mulheres brasileiras estudam e trabalham mais que os homens, porém, recebem menores salários e o possuem pouca participação em cargos de poder. Ademais, os 10 estados mais pobres do Brasil estão situados na região norte e nordeste, além do fato de que o Nordeste concentra 47,9% da pobreza do país, enquanto que a região sudeste é a mais desenvolvida do Brasil.
Por fim, analisa-se a política brasileira, que em seu panorama, apresenta-se corrompida. O Brasil ocupa 94° posição no ranking mundial de percepção de corrupção com 38 pontos, onde 100 é definido como muito integro, e 0 é tido como altamente corrupto. Nessa posição, o Brasil fica abaixo da média global, regional da América Latina e Caribe, dos BRICS, do G20, e da OCDE. O escândalo da Petrobras é considerado o segundo maior caso de corrupção do mundo, de acordo com a ONG Transparência Internacional. O Brasil tem um largo registro de casos de corrupção na história recente, se destacando os seguintes que tiveram grande impacto e repercussão: Anões do Orçamento, Juiz Lalau, Caso Jorgina de Freitas, Banestado, Vampiros da Saúde, Banco Marka, Operação Navalha, Fundos de Pensão, Caso Furnas, Máfia dos Transportes, Zelotes, Mensalão, Petrolão, entre outros. De acordo com o Ministério Público Federal, o Brasil perde cerca de 200 bilhões por ano em corrupção. Um estudo de 2019 do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, aponta que o brasileiro trabalha, em média, 29 dias por ano para pagar a conta da corrupção.
Conclui-se que no Brasil, ainda que haja outras causas que concorrem para esses problemas sociais, é inegável a presença de todos os impactos do simbolismo constitucional no constitucionalismo brasileiro. A capacidade de suportar as mais lastimáveis violações constitucionais e permanecer juridicamente vigente demonstram que ordenamento jurídico pátrio não tem apresentado uma atividade funcional, na medida em que não rege normativamente a sociedade do modo que deveria, prevalecendo a controvérsia questão quanto a efetividade das normas constitucionais, já que, embora realmente seja capaz de produzir determinados efeitos jurídicos, parece que estes servem como álibis para criar uma imagem de um Estado ativo e reativo perante a sociedade.
4.3 DIAGNÓSTICO DO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
Foi analisado ao longo desse estudo o que se entende por constitucionalização simbólica, abrindo a discussão para trazer todos os aspectos relativos aos ideais de constituição, onde aquilo que não cumpria com essas perspectivas não poderiam ser consideradas efetivamente como constituições, mas produziriam efeitos dos quais serviriam apenas como instrumentalização para a consecução de interesses outros que não seja o do bem comum, e sobretudo mascarado por esse pretexto, instaurando-se um sistema constitucional simbólico, cujo os impactos gerados na sociedade perpetuam-se em ciclo que compromete o desenvolvimento do povo que pretende reger. Uma vez compreendido o simbolismo constitucional, observou-se a realidade social e constitucional brasileira, onde viu-se presentes os elementos identificadores da referida atividade simbólica, razão pela qual, no raciocínio de todos os aspectos supramencionados, compreende este estudo que a Constituição Federal de 1988 é afetada pelo simbolismo constitucional, desempenhando função meramente simbólica perante a sociedade brasileira.
É inequívoco o simbolismo normativo da Constituição Federal na tutela da vida em sociedade, pois, como foi visto, a realidade brasileira não vem sendo moldada pela Carta Magna, sofrendo as consequências do desemparo constitucional aos direitos essenciais a vida, a educação, a saúde, a segurança, caminhando pelo próprio azar de ser vítima de interesses ilegítimos que sujeitam a Lei Máxima às influências dos titulares de poderes para produzir seus efeitos conforme a vontade destes, e não do povo. Desse modo, verifica-se que os ideais de constituição sequer são verificados no constitucionalismo brasileiro, vez que há uma grande disparidade do seu texto com a vida social dos nacionais, consagrando os valores destes apenas para mascarar predileções políticas, gerando um distanciamento da concretização dos princípios e objetivos constitucionais, enquanto evidentemente se aproxima de compromissos e mais compromissos dilatórios. Assim, o enriquecimento de dispositivos com cunho simbólico separa cada vez mais a norma constitucional da realidade brasileira.