Capa da publicação Orçamento eficiente
Artigo Destaque dos editores

Projeções de um orçamento público eficiente

Exibindo página 1 de 2
05/03/2024 às 18:57
Leia nesta página:

Examinam-se as políticas inovadoras no planejamento e na conquista de resultados paradigmáticos dentro do contexto fiscal e do realismo orçamentário brasileiro.

1 ORÇAMENTO PÚBLICO: ESSÊNCIA, CARACTERES E IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO FISCAL BRASILEIRO

Um dos mais indispensáveis recursos sobre o qual se assenta todo o desenvolvimento econômico e social do Estado brasileiro é o orçamento público. Através dele é possível mensurar, nas dimensões federal, estadual e municipal, o grau de atuação e de execução das políticas públicas que podem ser promovidas pelos gestores, especialmente em áreas como educação, saúde, habitação, trabalho e segurança. Nesse sentido, o bom discernimento sobre o nível de recursos financeiros estimado na arrecadação e definido no gasto é o passo inicial no planejamento econômico do país, sempre com a finalidade de atender às necessidades de toda a população brasileira.

Diante disso, a princípio, tem-se importantíssima definição do orçamento público, elaborada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Aliomar Baleeiro1, in verbis:

"Orçamento público é o ato pelo qual o Poder Executivo prevê e o Poder Legislativo autoriza, por certo período de tempo, a execução das despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei. ”

Tal definição visualiza o orçamento público sob uma ótica instrumental, especialmente como um mecanismo de controle de gastos dos recursos públicos. Todavia, é possível um detalhamento ainda maior a despeito do que significa o orçamento público e qual a sua essência, sobretudo num ângulo de análise jurídica.

Clássica definição trata o orçamento público como sendo uma ferramenta de planejamento governamental, estabelecida por lei, em que há a estimativa das receitas e a fixação das despesas2 para o período de um ano. Nesse sentido, fica patente a forte integração entre o planejamento e o orçamento público, haja vista que essa ferramenta evidencia o programa de trabalho do Governo, quer federal, estadual ou municipal, e é uma das principais formas que o Estado brasileiro se utiliza para gerenciar, com objetividade, os seus passos em direção aos investimentos financeiros necessários e ao pagamento das dívidas que cada ente da federação possui.

No que tange, por sua vez, ao seu estabelecimento por lei, é válido ressaltar três importantes legislações de iniciativa do Poder Executivo, previstas na Constituição Federal em seu artigo 165, que instrumentalizam a ideia de orçamento público na prática, a saber: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

Essas leis, com forte caráter de planejamento em relação ao orçamento público brasileiro, apresentam estreita relação de complementariedade entre si. Por exemplo, o Plano Plurianual representa uma estratégia de programática a médio prazo do governo, haja vista que ele direciona a atuação orçamentária governamental para um período de quatro anos. Nesse plano são definidas as diretrizes, os objetivos e as metas de toda a administração pública para as despesas de capital e de programas de duração continuada, levando em consideração as particularidades de cada região do país.

Por sua vez, a Lei de Diretrizes Orçamentárias é extremamente abrangente, tendo em vista que ela discute diversos aspectos relacionados às finanças públicas e à atividade financeira no Brasil. Diante disso, ela é elaborada anualmente para indicar não somente as metas da administração pública no âmbito orçamentário, mas sobretudo as prioridades do governo quando do seu exercício financeiro, bem como fixando o valor dos recursos que devem ser economizados, pelo governo, ao longo do ano, a denominada meta de resultado primário. A LDO apresenta um papel chave como ligação entre o planejamento contido no PPA e a alocação de recursos devidamente prevista na Lei Orçamentária Anual, sendo determinante na integração do orçamento público e de sua respectiva programação.

No que concerne, então, às particularidades da Lei Orçamentária Anual, é importante ressaltar a sua responsabilidade de ser o meio pelo qual o governo estimará as receitas e fixará as despesas para o período de um ano. Aspecto muito importante sobre tal lei, que inclusive é assegurado constitucionalmente3, versa sobre a elaboração da LOA sob três perspectivas ou esferas orçamentárias distintas: o orçamento fiscal, o orçamento da seguridade social e o orçamento de investimento das empresas estatais.

Nessa conjuntura, o orçamento fiscal, por exemplo, engloba os gastos com áreas diversas do governo, tais como manutenção de órgãos, agricultura, infraestrutura e transferências de receitas tributárias federais para os estados e municípios, bem como diferencia as receitas conforme suas origens. O orçamento da seguridade social, entretanto, atribui enfoque às despesas de três áreas específicas do governo: a previdência social, a assistência social e saúde. Esse orçamento também discrimina as receitas de contribuições sociais que tenham conexão, pela Constituição Federal, à seguridade social. Ademais, se o orçamento da seguridade social se apresentar insuficiente para o custeamento das três supracitadas áreas governamentais administradas por esse orçamento, pode haver a transmissão dos recursos do orçamento fiscal para o da seguridade.

No que diz respeito ao orçamento de investimento das empresas estatais, ele contempla apenas o financiamento dos investimentos das empresas estatais não dependentes, ou seja, aquelas que não dependem dos recursos públicos para o seu custeio em pagamentos relacionados à manutenção, ao pagamento de pessoal e aos investimentos que, por essência, devem ser custeados com recursos próprios.

Outrossim, há uma expectativa, na proposta orçamentária da LOA, do quanto será arrecadado pelo governo no prazo de um ano, levando em conta estudos dessa arrecadação em propostas orçamentárias de anos anteriores para um mais seguro planejamento do orçamento público do ano em questão, bem como consta a fixação das despesas que os Poderes executivos terão, podendo esse valor, como anteriormente mencionado, ser alterado pela ferramenta do crédito adicional previsto na Lei nº 4.320/1964.

Ademais, o orçamento público brasileiro apresenta uma ampla base constitucional, não apenas em sua previsão formal de elaboração, mas também no que tange aos diversos princípios que regem a propositura dessa importante lei para o contexto fiscal e orçamentário do país. Afirma o autor Matias Pereira4, reconhecendo a função norteadora dos princípios no que tange à criação das leis orçamentárias e ao papel decisivo deles numa integração efetiva entre o devido planejamento e a execução da atividade financeira do Estado, que:

[...] o orçamento público surgiu para cumprir uma função de controle da atividade financeira do Estado. Para a efetivação desse controle torna-se necessário que, no processo de elaboração da proposta orçamentária, sejam respeitados determinados princípios orçamentários. Assim, os princípios orçamentários se apresentam como as premissas básicas de ação a serem cumpridas na elaboração da proposta orçamentária. (Matias Pereira, 2003, p. 146-147, grifo nosso).

Nesse ínterim, o mais basilar de todos os princípios que regem a formulação do orçamento público brasileiro é o princípio da legalidade5. Ele se impõe, prima facie, na própria instrumentalização do orçamento numa lei, essa que inclusive é elaborada pelo chefe do Poder Executivo nas esferas federal, estadual e municipal de atuação, bem como é analisada pelo Poder Legislativo da respectiva dimensão federativa. Ademais, o princípio da legalidade se apresenta com nitidez na limitação, ao governo, da execução das despesas que necessariamente estejam previamente autorizadas na lei.

Outro princípio de grande pertinência quando se trata do contexto fiscal e orçamentário brasileiro é o da anualidade. Também denominado princípio da periodicidade, ele determina a previsão das receitas e a fixação das despesas para um exercício financeiro, esse que coincide com o chamado ano civil, isto é, aquele que se inicia em 1º de janeiro e se encerra em 31 de dezembro. Tal princípio é de suma relevância por promover uma flexibilização necessária no planejamento orçamentário do país, tendo em vista que, se há uma renovação anual da lei orçamentária, é possível balancear os benefícios e as desvantagens assumidas na proposta anterior, adequando experiências passadas na formulação de novas leis orçamentárias a cada ano, o que sem dúvidas proporciona uma maior segurança e eficiência para o orçamento público no país.

Por sua vez, o princípio da unidade define a existência de apenas um orçamento para cada ente da federação. Nesse sentido, há uma expressa vedação à formulação, num mesmo período, de mais de uma proposta orçamentária pelo governante. Esse princípio teve expressivo papel na estabilidade do orçamento público brasileiro, já que o histórico da elaboração das propostas orçamentárias contava com uma desnecessária e complexa pluralidade de orçamentos paralelos, o que dificultava sobremaneira o controle legislativo sobre a atividade financeira estatal.

Há, também, o chamado princípio da exclusividade, que determina a lei orçamentária versando exclusivamente sobre conteúdo financeiro e orçamentário, impedindo assuntos que não tenham vinculação com a previsão das receitas e a fixação das despesas para o ano da proposta do orçamento público. Tal princípio apresenta expressa previsão constitucional no artigo 165, parágrafo 8º, que afirma:

§ 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.

Por conseguinte, trata o princípio da universalidade a plena inclusão, na lei orçamentária, da totalidade das receitas e despesas do ente federado respectivo, vedando a arrecadação ou gasto que tenha ficado, originalmente, excluído do orçamento público.

É válido ressaltar, inclusive, dois princípios essenciais que possuem uma estreita interligação, quais sejam, os princípios da publicidade e da clareza. Com sólida base constitucional6, o princípio da publicidade na administração pública tem, por extensão, enorme visibilidade em termos de orçamento público, já que a lei da proposta orçamentária precisa ser amplamente acessível e divulgada, com o intuito de que qualquer cidadão tenha o devido conhecimento no planejamento e na execução das contas públicas. Não apenas divulgada e devidamente publicizada, mas o princípio da clareza complementa essa ideia de universalidade no acesso e no conhecimento das propostas orçamentárias ao afirmar que a linguagem utilizada nessas leis precisa ser passível de compreensão pela população em geral, garantindo uma clareza na disposição dos enunciados normativos.

Finalizando, pois, a apresentação dos princípios gerais que regem o planejamento e a elaboração das propostas orçamentárias públicas, tem-se o do equilíbrio. Ele é o reflexo da integração de um planejamento eficiente para um orçamento público que seja estável, tendo em vista que tal princípio tem, por essência, a ideia de compatibilidade exata entre o valor da despesa fixada e o valor estimado de arrecadação financeira. Nesse sentido, o princípio do equilíbrio consiste numa diretriz basilar para a efetiva integração do orçamento público ao seu devido planejamento e à sua devida estruturação conforme as necessidades de cada ente federado brasileiro.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

1.1 Modelos de Orçamento público: tradicional, de desempenho, base zero e orçamento programa

A supracitada Lei 4.320/64 trouxe consigo uma virada paradigmática no modo de proceder perante o orçamento público brasileiro. Nesse sentido, a partir da vigência dessa lei, deixou-se em segundo plano a ideia do orçamento público tradicional, surgindo, a partir de então, fórmulas mais modernas e promissoras no planejamento e na estruturação do orçamento estatal. Diante disso, é possível destacar alguns principais modelos estratégicos de orçamento público, a saber: o orçamento tradicional, de desempenho, base zero e o orçamento programa.

Inicialmente, pois, no que tange ao orçamento tradicional, também denominado orçamento clássico, pode-se constatar nessa modalidade uma técnica bem limitada de planejamento financeiro, tendo em vista que há uma visão restrita à previsão das receitas e à autorização das despesas. Nesse sentido, é quase ínfima a preocupação com a satisfação das necessidades da administração pública e da coletividade, o que, sem dúvidas, denota uma fragilidade enorme e um risco latente de que esse modelo de orçamento público, cedo ou tarde, ao encarar a realidade fiscal e orçamentária do país, viesse a apresentar graves deficiências. Ademais, outro empecilho que esse modelo apresenta consiste no intenso apego ao detalhamento das despesas, proporcionando um engessamento da proposta orçamentário como um todo, aspecto que aqui nesse modelo orçamentário pioneiro tem o seu ponto culminante.

Por sua vez, no que concerne ao modelo orçamentário de desempenho, que também pode ser identificado pela nomenclatura “orçamento de realizações”, é essencial destacar o seu giro característico em contraponto ao modelo clássico anteriormente apresentado: aqui, no orçamento de desempenho, o foco deixa de ser o detalhamento extremamente minucioso de todas as despesas do Estado e passa a ser a posição ativa que ele ocupa quando de suas práticas, ou seja, trazendo à primeira vista o enfoque sobre o que o Estado faz. Contudo, grave debilidade demonstra o modelo orçamentário de realizações, a saber, ele não possui satisfatória conexão com a ideia de planejamento, sendo, nesse sentido, o tipo de orçamento não ideal quando se trata da integração do orçamento público ao seu devido planejamento.

Outrossim, é fundamental destacar os caracteres distintivos do orçamento base zero. Esse tipo orçamentário, que é apto para a programação tanto de orçamentos públicos quanto privados, está pautado numa perspectiva de renovação do planejamento do orçamento conforme suas novas necessidades. Isso posto, tal modelo funciona como um bloqueio ao reajuste dos valores da proposta orçamentária do ano anterior, fundamentada numa mera justificativa na lei orçamentária, para a aquisição de novos recursos. Essa aquisição era a única preocupação do elaborador da nova proposta orçamentária, o que, por consequência, tornava-a estagnada nos valores orçamentários da proposta do ano anterior, sendo, por vezes, esse problema grave no que concerne às novas necessidades financeiras que o governo porventura venha a ter no ano posterior à elaboração do orçamento. Assim, o orçamento base zero exige, anualmente, a justificativa de todas as atividades desenvolvidas por cada unidade administrativa.

Por fim, tem-se um dos mais avançados modelos orçamentários da atualidade: é o chamado orçamento-programa. Esse tipo de estruturação da atividade financeira do governo teve amplo respaldo legal, especialmente com o Decreto-lei 200/67, em seu artigo 7º, alínea c, bem como no artigo 18, e com a Lei 4320/64, documentos que atestam a devida introdução desse modelo orçamentário na realidade brasileira.

Art. 7º A ação governamental obedecerá a planejamento que vise a promover o desenvolvimento econômico-social do País e a segurança nacional, norteando-se segundo planos e programas elaborados, na forma do Título III, e compreenderá a elaboração e atualização dos seguintes instrumentos básicos:

a) plano geral de governo;

b) programas gerais, setoriais e regionais, de duração plurianual;

c) orçamento-programa anual;

d) programação financeira de desembolso.

[...]

Art. 18. Toda atividade deverá ajustar-se à programação governamental e ao orçamento-programa e os compromissos financeiros só poderão ser assumidos em consonância com a programação financeira de desembolso.

Nesse sentido, o orçamento programa possui dois elementos básicos. O primeiro é o programa, esse que consiste na área delimitada de desenvolvimento das ações ligadas à execução desse tipo orçamentário, abarcando o máximo nível de classificação do trabalho designado para cada unidade administrativa governamental, bem como os objetivos de cada unidade. Além disso, o segundo elemento é caracterizado pelas atividades. Tal elemento representa o propósito de contribuição para realizar-se o produto final de um dado programa, sendo, portanto, um agrupamento de execuções que visam ao cumprimento das metas e dos objetivos do programa em questão. Dessa forma, é possível então mensurar o demasiado enfoque do orçamento programa sobre os instrumentos de esforço governamental para a execução dos programas previamente estipulados, bem como o devido alcance do desempenho, das metas e dos objetivos predeterminados nesse modelo orçamentário.

2 PACTO FEDERATIVO E ORÇAMENTO PÚBLICO: TENTATIVA DE PLANEJAMENTO ECONÔMICO PARA O PAÍS?

A priori, para que haja a efetiva compreensão sobre os desdobramentos do Pacto Federativo no âmbito orçamentário brasileiro, é preciso entender o caráter jurídico do orçamento público. Nesse sentido, a natureza jurídica do orçamento já emerge da relação entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, haja vista os respectivos papéis de elaboração da proposta orçamentária e de julgamento crítico dessa lei, sendo passível de aprovação ou não pelos parlamentares em cada esfera federativa.

Diante disso, surge o questionamento sobre se a proposta, devidamente autorizada pelo Poder Legislativo, vincula necessariamente o cumprimento pelo Poder Executivo ou se somente autoriza esse Poder a cumpri-la conforme as necessidades surgidas na realidade orçamentária fática. Se, porventura, é obrigatória a execução integral de todas as previsões de despesas pelo gestor público, esse orçamento tem caráter jurídico impositivo. Do contrário, se há apenas uma autorização, no sentido de permitir uma margem de escolha ao governante na opção de executar ou não a despesa prevista na proposta orçamentária, então tal orçamento apresenta uma natureza jurídica autorizativa.

Fato é que, no Brasil, há um forte contexto fiscal e orçamentário que favoreceu largamente o entendimento de que vigora o caráter autorizativo no orçamento público estatal, contudo, esse entendimento tem sofrido diversas críticas e reavaliações, sobretudo em virtude das alterações constitucionais em matéria orçamentária nos últimos 10 anos7.

A partir desse cenário, é possível constatar que, pela ampla variação das realidades orçamentárias nas diversas regiões do país, o caráter autorizativo do orçamento público seria uma opção mais realista para conjugar o planejamento e a gestão eficientes da atividade financeira do Estado. Esse pensamento muito possivelmente pode ser considerado o cerne do Pacto Federativo no âmbito orçamentário do país, em que pese a despesa, no orçamento público, contar com uma classificação entre as despesas obrigatórias, que corresponderiam a uma natureza jurídica orçamentária impositiva, e as despesas discricionárias, aquelas cujo gasto não seria obrigatório pelo governante, representando uma natureza jurídica autorizativa. Uma natureza jurídica autorizativa do orçamento público, entretanto, faz com que ele seja mais maleável às diversas distinções regionais em termos financeiro e social, o que sem dúvidas é um argumento forte o suficiente para não exigir uma postura financeira e orçamentária semelhante, por exemplo, das regiões Nordeste e Sul do Brasil.

O Pacto Federativo, admitindo uma relativa autonomia entre os três níveis federativos, com o fito de promover uma parceria para o bem comum, pode ser caracterizado como um conjunto de mecanismos constitucionais que busca assegurar a descentralização dos recursos financeiros entre a União, os estados e os municípios, almejando o devido equilíbrio nos respectivos orçamentos e garantindo um planejamento mais seguro da atividade financeira de cada nível federativo. Contudo, não houve uma efetiva redistribuição, por exemplo, no que tange à responsabilidade dos estados e municípios na esfera das contribuições sociais, aumentando as obrigações dessas duas escalas federativas nas despesas com saúde e educação sem, proporcionalmente, haver o crescimento nas suas respectivas receitas.

A busca pelo status quo dos orçamentos públicos em nível estadual e municipal frente a esse cenário, fez com que a União criasse certos tributos, a exemplo da já extinta Contribuição sobre Movimentação Financeira (CPFM), bem como promovendo a entrega de recursos financeiros aos estados e municípios na forma de auxílio financeiro e de incremento marginal na participação de ambos os entes na arrecadação federal. Tal exemplo demonstra a necessidade e a importância do Pacto Federativo como tentativa de integração entre o planejamento e o orçamento público brasileiro, haja vista que, da mesma forma que tal Pacto assegura o devido equilíbrio e a devida proporção entre as receitas e despesas de cada esfera da federação, ele também pode promover alternativas eficazes de solução quando o desequilíbrio entre os orçamentos se apresentar como um grave problema no contexto fiscal e orçamentário.

Diante desse dilema, o Pacto Federativo, no contexto fiscal, por essência, pode ser considerado como uma bem sucedida tentativa de planejamento do orçamento público brasileiro, principalmente no que tange à distribuição das despesas em obrigatórias e discricionárias, tendo em conta que, de várias qualidades que essa forma de organização possui, tanto numa escala política quanto financeira, a flexibilidade decorrente da compreensão das particularidades de cada região brasileira, bem como de cada estado e município, faz com que o Pacto Federativo obtenha amplo sucesso como forma de integração entre o planejamento eficiente e o orçamento público equilibrado.

3 REALISMO ORÇAMENTÁRIO NO BRASIL DO SÉCULO XXI

O contexto orçamentário brasileiro, em diversos momentos da história do país, apresentou indícios de um acoplamento efetivo entre a realidade enfrentada pela esfera financeira do Estado e o devido planejamento do orçamento público, sobretudo numa escala federativa nacional. Nesse ínterim, os desdobramentos concernentes aos escândalos de corrupção econômica e política no país fazem com que uma nova estratégia de planejamento orçamentário minimize o déficit nas contas públicas: a elaboração de um orçamento público realista. Exemplo extremamente pertinente e recente do que pode ser considerado puro “realismo orçamentário” nas finanças públicas do Estado diz respeito ao panorama de forte crise econômica enfrentada nos anos 2010 em diante, com intensos abalos no planejamento orçamentário do Brasil de então.

Nessa toada, a política fiscal brasileira durante o mandato presidencial de Dilma Rousseff, em meados dos anos 2014-2016, precisou se adequar às exigências que uma forte crise econômica demandava na estruturação do orçamento do país: diminuição das estimativas de arrecadação e possível expansão no valor fixado para as despesas. Inclusive, não apenas no que tange à Lei Orçamentária Anual daquele momento, mas sobretudo numa visão macroeconômica, envolvendo também o planejamento do Plano Plurianual, o orçamento brasileiro sofreu severamente as consequências de um ambiente econômico e político extremamente hostis.

É justamente nessa conjuntura fiscal brasileira que o realismo orçamentário se consolidou como temática de grande relevo no direcionamento das políticas orçamentárias, sendo uma estratégia de adequação entre um planejamento passível de execução e um orçamento público que traduzisse o panorama político-econômico sob o qual estava imerso.

Quando houve, no governo liderado pela ex-presidente Dilma, em virtude da devastadora recessão financeira vivida pelo Estado brasileiro, uma previsão de encolhimento do percentual de crescimento econômico do país para 2,5%, anteriormente estimado em 3,8%, diversos economistas naquele momento mencionaram um maior “realismo orçamentário” como justificativa para essa mudança de previsão. Vide, abaixo, a consolidação dessa previsão no real crescimento percentual do PIB brasileiro no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff8:

Taxas Médias Reais de Crescimento do PIB (%) por Mandatos Presidenciais. Fonte: IBGE.

A partir disso, pode-se extrair o que de fato significa, na prática, um realismo orçamentário como diretriz de planejamento para o orçamento público tanto na escala federal, quando nas ordens regionais (estados) e locais (municípios). A realidade fática enfrentada pelo país é um elemento que, prima facie, consegue explicar o porquê e quais as estratégias adotadas por um dado país no que diz respeito ao planejamento do seu próprio orçamento público.

Dessa forma, o realismo orçamentário brasileiro tem buscado, como recurso de grande importância para os gestores das finanças públicas, uma integração real entre o orçamento público e a mais eficiente estruturação dessa ferramenta. Conhecer o panorama pregresso de desenvolvimento e as dificuldades atuais enfrentadas pela esfera orçamentária do país em cada nível da federação corresponde ao aprimoramento tão necessário das Leis Orçamentárias e, sobretudo, da execução dessas leis em benefício de toda a população.

Por isso, é de suma relevância pensar o realismo orçamentário por uma ótica utilitarista. Vez que se compreende o contexto fático da economia e da política no Brasil, torna-se mais palpável a elaboração de uma proposta orçamentária que traduza as necessidades, as vantagens e as dificuldades que o país enfrenta na esfera da sua atividade financeira.

A afirmação “Não haverá seriedade contábil enquanto a máquina estadual continuar baseada em dados fictícios”, presente no editorial “Realismo Orçamentário”, do portal GZH: notícias RS9, ressalta o enorme risco de um planejamento orçamentário que sobrepõe interesses utópicos no gerenciamento financeiro do estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, em detrimento dos problemas reais que acometem as finanças públicas, com lições que também se estendem ao contexto realista do orçamento federal.

Consequentemente, se a postura realista frente ao orçamento público é posta em segundo plano, há um impedimento da superação efetiva dos obstáculos que pairam sobre o tão almejado equilíbrio fiscal. No entanto, se o realismo orçamentário é tratado como postura basilar no planejamento orçamentário, isso contribui sobremaneira para que o orçamento público da União, dos estados e dos municípios consiga, cada uma em sua competência delimitada constitucionalmente, suprir as necessidades da população e investir internamente no aparato institucional que gerencia todos os bens e serviços ofertados ao público com os recursos previstos na proposta orçamentária elaborada pelo chefe do Executivo e aprovada pelo Poder Legislativo.

4 PLANEJAMENTO FISCAL E ORÇAMENTÁRIO: BALANCEAMENTO DAS RECEITAS E DAS DESPESAS DOS COFRES PÚBLICOS

Um dos maiores desafios, no contexto fiscal e orçamentário do Brasil, é a consequência direta do que poderia um planejamento eficiente proporcionar às finanças públicas: atingir o devido balanceamento das receitas e despesas do erário. Nesse panorama, o país, em momentos de crise financeira como no ano de 200810 e nos anos 2014-2016, se viu completamente desestruturado em seu orçamento, o que desencadeava impactos severamente negativos na qualidade de vida da população brasileira, bem como no fornecimento de recursos e serviços básicos para os cidadãos.

O dilema que contextualiza a gravidade de um orçamento público ineficiente e de um desequilíbrio comprometedor nas contas públicas, seja da União, dos estados ou municípios, possui relação extremamente direta, quase que sob a ótica de uma causa e consequência, com a falta de integração entre um planejamento bem arquitetado e o orçamento público brasileiro visto pelo ângulo realista, a fim de facilitar a boa gestão dos recursos e das despesas do país.

Uma vez que não há, historicamente, na conjuntura fiscal e orçamentária pública do Brasil, uma devida preocupação em se construir um planejamento técnico do orçamento, fica ainda mais patente aos olhos as motivações e o delineamento dos problemas que acometem a atividade financeira do Estado nos dias hodiernos. Outro aspecto bastante negativo que paira como forte justificativa para o desequilíbrio das contas públicas hoje é a insistência em se estruturar o orçamento ainda sob um viés fantasioso e idealista, quando se criam políticas públicas que não podem se custeadas ou quando se gasta um valor muito acima do arrecadado na expectativa de conseguir sustentar a dívida pública.

Esses empecilhos, cada dia mais incorporados ao panorama orçamentário público do país, na forma de parasitas que sugam os nutrientes de um orçamento que tem todo o potencial de ser bem-sucedido, vêm, nos últimos 20 anos, exigindo dos gestores políticos uma mudança de posicionamento frente à formulação de diversas leis orçamentárias, que agora buscam estratégias de superar a problemática do desequilíbrio fiscal e do orçamento “idealizado”, ou seja, capaz de suportar todas e quaisquer despesas.

Um grande exemplo das influências e estratégias que optam por proporcionar ao Estado brasileiro um orçamento eficiente e que seja capaz de cumprir com suas funções é o supracitado realismo orçamentário. Planejar e elaborar um orçamento público, em cada nível federativo, que consiga suprir ou, ao menos, atenuar os problemas sociais e econômicos da população não é uma atividade simples. Todavia, enxergar em primeiro plano a realidade fática do país para, a partir do que for extraído da análise empírica, formular um Plano Plurianual ou uma Lei Orçamentária Anual, por exemplo, torna esse trabalho muito mais possível de ser bem realizado, prevenindo o surgimento de novos impasses na confecção das leis orçamentárias.

Por consequência lógica, é um fato que a integração do planejamento ao orçamento público realista é uma grande maneira de conseguir superar o dilema que envolve o balanceamento das receitas e das despesas orçamentárias hoje, bem como tem ela competência para suavizar ou mesmo dirimir diversos outros problemas que acometem a estruturação de um orçamento público eficiente na atualidade. Dessa forma, com essa modificação valorativa e técnica dos gestores do orçamento público no país, sem dúvidas a integração desse orçamento com a realidade fática do país seria um diferencial na inclusão do país como referencial econômico, numa ótica internacional, além de internamente trazer para o Estado brasileiro enormes avanços financeiros e sociais.

5 INTEGRAÇÃO DA REALIDADE ORÇAMENTÁRIA PÚBLICA BRASILEIRA AO GERENCIAMENTO INTELIGENTE DO ERÁRIO: PROPOSTAS PARA MELHORES INVESTIMENTOS FINANCEIROS NO PAÍS

Foi no recente contexto de pandemia do novo coronavírus, em 2020, que o Brasil registrou recorde histórico de déficit nas contas públicas: 126,6 bilhões de reais, em que pese a expectativa do mercado financeiro sobre o déficit girar em torno dos 140 bilhões11. É importante frisar que, mesmo tal registro – devastador para a realidade econômica e orçamentária do país – tendo sido feito num momento notavelmente atípico na história da humanidade, o problema econômico das dívidas públicas exorbitantes, do desequilíbrio financeiro do Estado e das propostas orçamentárias públicas por vezes atrofiadas, são aspectos que permeiam toda a conjuntura fiscal e econômica do país em diversos momentos da própria história brasileira.

Diante disso, torna-se impostergável a necessidade de estabelecer novas políticas orçamentárias que integrem, de fato, o orçamento público do país, dos estados e dos municípios a um gerenciamento inteligente do erário.

Essa necessidade conflui com a criação de novas propostas que sirvam como diretrizes não apenas para a ascensão de novos investimentos financeiros no país, que impacta na melhora significativa da economia, mas também na formulação dos Planos Plurianuais e das Leis Orçamentárias Anuais na posteridade. Assim, tais propostas devem ser pensadas e previstas no contexto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, pois ela é que serve como lei norteadora das outras duas.

Em primeiro plano, é válido salientar que um planejamento orçamentário compatível com a realidade econômica do país demanda algumas flexibilidades, em contrapartida, exige um maior engessamento em outros vieses. Exemplificativamente, se há a possibilidade hoje, no orçamento federal, de “furar o teto de gastos”, medida essa que amplia o valor das despesas fixadas anteriormente, é de suma utilidade uma limitação objetiva de quanto pode ser ultrapassado o valor do teto por meio desse recurso.

A definição de um percentual limite desse valor excedente que leve em conta o valor das dívidas públicas ou o valor das arrecadações é um bom parâmetro para limitar o “furo” no teto de gastos, problema esse decorrente da falta de integração entre o orçamento público e um eficiente planejamento, trazendo como consequências o desequilíbrio fiscal e o aumento das divídas que o Estado brasileiro possui.

Ademais, também é importante enfatizar um sério recurso, no âmbito fiscal e orçamentário brasileiro, que veio à tona no ano de 2020, causando enorme indignação social: o chamado orçamento secreto. O orçamento secreto12, visto pelo ângulo formal, se apresenta como um grande obstáculo à concretização de diversos princípios, inclusive constitucionais, que regem a elaboração de uma proposta orçamentária, a exemplo do princípio da publicidade. É essencial que os projetos parlamentares sustentados pelas verbas originárias do orçamento secreto sejam devidamente publicizados e definidos os seus recursos, o que não acontece na prática.

O orçamento secreto, por causa dessas particularidades que apresenta, pode ser a grande porta para a corrupção nas finanças públicas do Estado, por onde, então, escoariam muitos recursos, sem controle e identificação, podendo desencadear rombos fiscais e econômicos em outros setores que demandam mais dinheiro, de acordo com a proposta orçamentária, portanto, um real controle incisivo, bem como a requisição de transparência nos recursos direcionados ao orçamento secreto também se apresentam como inovadoras medidas na reestruturação do orçamento público brasileiro.

Por fim, urge destacar que o modelo orçamentário adotado pelo Brasil, o chamado orçamento-programa, é um tipo ideal de estruturação das receitas e despesas, em todos os níveis federativos, pois dá primazia ao elemento planejamento na elaboração da proposta orçamentária e dos setores prioritários que serão beneficiados com as verbas oriundas do orçamento público. Contudo, se ainda hoje sérios problemas acometem a esfera fiscal e orçamentária brasileira, é de se considerar a proposição de uma reestruturação desse orçamento-programa que o Brasil adotou, pela primeira vez, há 58 anos, através da Lei 4320/64. Esse modelo orçamentário apresenta diversas vantagens, sobretudo por aliar um efetivo planejamento orçamentário à satisfação de suas metas e objetivos, contudo, é provável que esse orçamento-programa precise ser ainda mais aperfeiçoado, inclusive com base na lógica do realismo orçamentário, para que esse modelo, inspirado da experiência norte-americana de implementação do orçamento desempenho, ainda em meados dos anos 1940, consiga ser eficiente e produtivo para a realidade orçamentária brasileira atual, do século XXI.

Dessa forma, pensar o orçamento público brasileiro integrado ao seu próprio planejamento exige um horizonte prático de ações eficazes e inovadoras, sobretudo, como num método científico, testando propostas de aperfeiçoamento orçamentário no contexto brasileiro e, com base nos resultados paradigmáticos dessa aplicação, visualizar as experiências positivas e as negativas para, progressivamente, o gerenciamento eficiente do erário ser uma constante no planejamento plurianual do orçamento público e na integração dessa ferramenta à realidade social e econômica que caracteriza o panorama fiscal do Brasil hodierno.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS, Melissa Kelly Rosas. Projeções de um orçamento público eficiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7552, 5 mar. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108494. Acesso em: 23 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos