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A responsabilidade tributária dos administradores.

A incidência do art. 135, III, do CTN

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6. Conseqüências da adoção da responsabilidade solidária

A conseqüência jurídica principal da conclusão de que o administrador que comete ato ilícito, no exercício da gerência, responde solidariamente com a pessoa jurídica pelo crédito tributário, sem benefício de ordem, é a de que ele, nesse caso, deve ser considerado "sujeito passivo" e "devedor" para efeito de aplicação da legislação tributária em geral. É ele "sujeito passivo" porque, por força do art. 121, parágrafo único, II, do CTN, todo responsável é sujeito passivo tributário. É ele "devedor" em razão de que a pretensão do Fisco para com ele é exigível independentemente da solvabilidade da pessoa jurídica.

Assim, o responsável solidário pode sofrer, individualmente, auto de infração, com forte no art. 142 do CTN, sendo, nesse ato, declarado o ato ilícito que praticou o administrador no exercício da gerência e imputada a responsabilidade a esse infrator. Sendo, porém, sua responsabilidade autônoma da obrigação do contribuinte quanto ao nascimento e à natureza, não está obrigada a Administração Tributária a declarar sua responsabilidade ao mesmo tempo em que constitui o crédito tributário de que é devedora a pessoa jurídica. A responsabilidade do terceiro pode ser declarada a qualquer tempo, na esfera administrativa ou judicial, desde que subsista a obrigação do contribuinte.

A possibilidade de ser declarada a responsabilidade do administrador em momento diverso da constituição do crédito tributário devido pelo contribuinte decorre de sua natureza de relação jurídica de garantia. Em razão dessa natureza, a obrigação do responsável, para existir, valer e produzir efeitos, precisa da existência, da validade e da eficácia da obrigação do contribuinte (pessoa jurídica). Diversamente, a obrigação do contribuinte, para existir, valer e produzir efeitos, não depende da existência, da validade e da eficácia da obrigação do responsável. Logo, o crédito tributário do contribuinte pode ser plenamente exigido independentemente de ser declarada ou não a responsabilidade do administrador.

Assim, não se pode reconhecer invalidade no auto de infração lançado contra a pessoa jurídica se for descoberto posteriormente ato ilícito ensejador de responsabilidade tributária do administrador. Nem mesmo se pode cominar nulidade se o ato ilícito do administrador já era conhecido pela Administração Tributária ao tempo da constituição do crédito tributário. Eis a razão: a responsabilidade do administrador surge independentemente da obrigação da pessoa jurídica contribuinte, não havendo qualquer imposição legal que determine que deva ser, no mesmo auto de infração, lançado o crédito tributário de que é devedora a pessoa jurídica e declarada a responsabilidade do infrator. A obrigação deste pode ser declarada em apartado, noutro ato administrativo ou em sede judicial, ainda que o ato ilícito de que deriva a responsabilidade tenha ocorrido em coincidência temporal com o fato jurídico tributário principal.

Se estivéssemos diante de uma obrigação tributária solidária com pluralidade de contribuintes, seria lógico que o auto de infração fizesse menção a todos eles. Contudo, no caso de aplicação do art. 135 do CTN, não se têm uma obrigação tributária com solidariedade entre contribuintes; em vez disso, tem-se várias obrigações que configuram solidariedade imperfeita (ver conceito antes desenvolvido) entre a pessoa jurídica contribuinte e os responsáveis. Como já ressaltamos no item 2 de nosso estudo, não se pode confundir (a) solidariedade entre contribuintes e (b) solidariedade entre contribuinte e responsável. No primeiro caso, aplica-se o art. 124 do CTN, havendo dois ou mais contribuintes e uma só obrigação tributária, devendo ser um só o auto de infração; no segundo caso, teremos várias obrigações, um só contribuinte e um ou mais responsáveis, não sendo a obrigação do contribuinte modificada pela obrigação do responsável. A obrigação do responsável depende da existência e validade da obrigação do contribuinte, mas a obrigação deste não é afetada pela obrigação daquele. Logo, pode haver vários autos de infração, um para o contribuinte e outro para cada responsável, assim como podem todas as responsabilidades ser apuradas no mesmo auto de infração em que é lançado o débito do contribuinte, por questão de economia procedimental. O importante é observar que não há qualquer preclusão ou nulidade em se deixar de apurar a responsabilidade de algum administrador no mesmo ato formal em que é apurada a obrigação da pessoa jurídica ou a responsabilidade doutro administrador. Sendo as obrigações em questão autônomas no que tange ao nascimento e à natureza, não se impõe dever legal à Administração Tributária que constitua o crédito tributário no mesmo ato em que é apurada a responsabilidade do administrador-infrator, e nem mesmo é obrigado o Fisco a apurar, no mesmo ato, a responsabilidade de todos os administradores infratores. Não há norma legal que o imponha e não se pode cominar nulidade sem expressa previsão legal.

Da desnecessidade de se realizar um só auto de infração, conglobando contribuinte e responsáveis, decorre a ilação de que não há qualquer nulidade na ausência de participação dos responsáveis no processo administrativo fiscal em que se discute a legitimidade do crédito tributário devido pela pessoa jurídica. O crédito tributário é da contribuinte; a obrigação do responsável decorre doutro fato jurídico e doutra declaração. Assim, o responsável é tão-só terceiro interessado e, enquanto tal, está legitimado para produzir provas e alegações, seja no processo administrativo, seja em processo judicial, por força, inclusive, dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal.

Noutros termos, podemos afirmar que o responsável pode participar do processo administrativo fiscal em que se discute o crédito tributário na posição de terceiro interessado; trata-se de faculdade sua. Não é obrigatória, porém, sua presença e sequer sua intimação para tanto, justamente porque ele, no PAF em questão, é meramente terceiro interessado. Distintamente, em processo administrativo em que se apura sua responsabilidade "pessoal" decorrente de ato ilícito, sua presença é indispensável, obviamente.

Da característica de relação jurídica de garantia também decorre que a prescrição da pretensão para com o responsável ocorre no mesmo momento em que prescreve a pretensão para com o contribuinte, nem antes, nem depois. Eis o porquê de admitir a jurisprudência o "redirecionamento da execução fiscal" quando já se passaram mais de cinco anos da ocorrência do ato ilícito que ensejou a responsabilização do administrador.

Já a possibilidade de ser declarada a responsabilidade do administrador-infrator por autoridade judicial (redirecionando a execução fiscal) ou pelo Procurador da Fazenda Pública (colocando o nome do administrador na CDA), sem prévio "lançamento" de sua obrigação, decorre de que sua natureza é tributária tão-só mediatamente. Vale dizer, a hipótese normativa que enseja seu nascimento no mundo jurídico não é fato lícito, de movimentação ou detenção de riqueza. Deveras, como já dissemos, o fato jurídico que dá nascimento à responsabilidade é ilícito, não sendo caso, portanto, de obrigação tributária em sentido estrito, por força do conceito contido no art. 3º do CTN. Assim, a obrigação do administrador-infrator é tão-só mediatamente tributária, pois no prescritor da norma concreta está o pagamento de crédito tributário, havendo, além do nexo de adimplemento entre essa obrigação e a obrigação tributária em sentido estrito, a subordinação da obrigação do responsável no que tange à existência, validade e eficácia. Enfim, por não se tratar de obrigação tributária em sentido estrito, não está sujeita às normas de constituição de crédito contidas no Código Tributário Nacional. Constituído precisa ser o crédito tributário do contribuinte; a obrigação do responsável precisa somente ser declarada, seja pela autoridade administrativa do Fisco, seja pelo Procurador da Fazenda (na CDA), seja pela autoridade judicial.

Quanto aos instrumentos de coerção utilizados contra os devedores de tributos, todos eles podem ser utilizados em face do responsável solidário. Dessa forma, uma vez declarada pela autoridade administrativa a infração à lei pelo administrador e cominada sua responsabilidade, fica o infrator sujeito, quando verificada a respectiva hipótese legal, ao arrolamento de bens e direitos (art. 64 da Lei 9.532/97), à medida cautelar fiscal (Lei 8.397/92), à inscrição no CADIN (art. 2º, I, da Lei 10.522/2002), bem como à Certidão Positiva de Débitos (art. 205 do CTN).


7. Conclusão

Em resumo, alinhamos aqui os fundamentos e as conclusões do presente estudo:

a) A responsabilidade do dito "sócio-gerente", de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, decorre de sua condição de "gerente" (administrador), e não da sua condição de sócio;

b) A responsabilidade do administrador, por força do art. 135 do CTN, na linha da jurisprudência do STJ, é subjetiva e decorre de prática de ato ilícito;

c) Para efeito de aplicação do art. 135, III, do CTN, responde também a pessoa que, de fato, administra a pessoa jurídica, ainda que não constem seus poderes expressamente do estatuto ou contrato social;

d) A responsabilidade dos administradores, de acordo com a jurisprudência do STJ, não pode ser entendida como exclusiva (responsabilidade substitutiva), porquanto se admite na Corte Superior que a ação de execução fiscal seja ajuizada, ao mesmo tempo, contra a pessoa jurídica e o administrador;

e) A tese da responsabilidade substitutiva também deve ser excluída pela inexistência de norma legal de desoneração da pessoa jurídica em razão da prática de ato ilícito por parte do administrador;

f) A tese da responsabilidade subsidiária, em sentido próprio, dos administradores é incompatível com a adoção da tese da responsabilidade subjetiva, acolhida pelo STJ, visto que não se pode conceber que o terceiro, sendo sancionado pela prática de ato ilícito, condicione sua responsabilidade à inexistência de bens da pessoa jurídica, suficientes para a satisfação do crédito;

g) A tese da responsabilidade subsidiária (em sentido próprio) dos administradores também deve ser afastada em razão da jurisprudência do STJ que admite que a execução fiscal seja ajuizada, desde logo, contra sociedade e administrador; não se trata de mera questão de legitimidade, como seria no processo de conhecimento, pois que, no processo de execução, não se admite o processamento da ação sem que se tenha presente, desde o início, a exigibilidade da pretensão em face do executado;

h) Os acórdãos do STJ que fazem referência à "responsabilidade subsidiária" somente podem ser entendidos no sentido impróprio da expressão, que exige, além da existência de poderes de gerência e da prática de ilicitude pelo administrador, a ausência de pagamento pontual da obrigação tributária, e não a insolvabilidade da pessoa jurídica, o que se aproxima, na prática, da responsabilidade solidária decorrente de ato ilícito;

i) Os acórdãos do STJ que fazem referência à "responsabilidade por substituição" somente podem ser entendidos no sentido de que respondem os terceiros "em lugar" do contribuinte (pessoa jurídica), o que é válido para qualquer tipo de responsabilidade;

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j) A jurisprudência do STJ aponta para a responsabilidade solidária, inclusive em precedentes desfavoráveis à Fazenda Nacional, em que se afirma que o "sócio" só pode ser responsabilizado solidariamente se detiver poderes de gerência e se tiver praticado ato ilícito no exercício dessa gerência, na forma do art. 135, III, do CTN;

k) a análise sistemática da ordem jurídica aponta para a responsabilidade solidária dos administradores, visto que estes, no regramento do Código Civil (art. 1.016), respondem solidariamente perante terceiros (inclusive o Estado) pela prática de atos ilícitos; não haveria sentido em ser o crédito tributário menos garantido que o crédito comum;

l) a obrigação do responsável é autônoma à da pessoa jurídica no que tange à natureza (licitude ou ilicitude do fato jurídico), ao nascimento (momento do surgimento) e à cobrança (exigência simultânea ou não), mas é subordinada no que tange à existência, validade e eficácia; a obrigação da pessoa jurídica contribuinte, por sua vez, independe da obrigação do responsável no que tange a esses elementos;

m) a responsabilidade do administrador não tem natureza de obrigação tributária em sentido estrito, porquanto não decorre de fato lícito, mas sim ato ilícito (art. 3º, CTN); logo sua obrigação não precisa ser "constituída" por lançamento, bastando que seja "declarada", seja por autoridade administrativa do Fisco, seja pelo Procurador da Fazenda (por meio da CDA), seja pela autoridade judicial;

n) A responsabilidade do administrador-infrator insere-se em relação jurídica de garantia; em razão disso, a prescrição da pretensão para com o responsável prescreve no mesmo momento em que prescreve a obrigação principal, nem antes, nem depois;

o) Por nascer a responsabilidade do terceiro em momento distinto do crédito tributário do contribuinte, e por ter natureza distinta desta (ato ilícito vs. fato lícito), não precisa sua obrigação ser declarada no mesmo momento ou no mesmo ato em que for constituído este crédito tributário;

p) A responsabilidade do administrador pode ser declarada no mesmo auto de infração que lançar o crédito tributário em face da pessoa jurídica contribuinte, como também poderá ser declarado em auto de infração e em momento distintos, independentemente de ter o ato ilícito sido praticado no mesmo átimo da ocorrência do fato jurídico tributário que deu origem à obrigação tributária principal; a responsabilidade de cada administrador pode ser declarada ao mesmo tempo e ato ou em tempos e atos distintos;

q) Quando incide o art. 135, III, do CTN, não se tem uma obrigação solidária, senão duas ou mais obrigações solidárias; trata-se de solidariedade imprópria, em que obrigações distintas são atadas pelo nexo de adimplemento.

r) Por se tratar de solidariedade imprópria, que não se dá entre contribuintes, mas sim entre contribuinte e responsável, não precisa este último estar mencionado no lançamento do crédito tributário como sujeito passivo; sua responsabilidade, como já se disse, pode ser atestada em ato apartado;

s) Não há qualquer nulidade em se não declarar a responsabilidade do administrador-infrator no mesmo auto de infração em que é lançado o crédito tributário devido pela pessoa jurídica, uma vez que não há qualquer imposição legal em que esses dois atos jurídicos distintos sejam realizados no mesmo corpo documental e na mesma oportunidade;

t) O administrador-infrator responsável é terceiro interessado no processo administrativo fiscal que discute somente a constituição do crédito tributário, possuindo, assim, legitimidade para impugnar e produzir provas; sua participação nesse processo, porém, não é indispensável;

u) Sendo solidária a responsabilidade decorrente de ato ilícito praticado pelo administrador, este, uma vez atestada administrativamente sua responsabilidade, está sujeito a todos instrumentos de proteção do crédito tributário, como o arrolamento de bens e direitos, a inscrição no CADIN e a medida cautelar fiscal, estando sujeito, outrossim, à negativa de expedição de Certidão Negativa de Débito.

Por fim, ressaltamos que nossas conclusões aplicam-se exclusivamente ao regramento ordinário do art. 135, III, do CTN, não alcançando, portanto, regras especiais previstas na legislação que responsabilizam com mais rigor os sócios ou os administradores das pessoas jurídicas.

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Sobre o autor
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes

Procurador da República. Mestre e Doutor (cum laude) em Direito Constitucional pela Universidad de Sevilla. Ex-Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. A responsabilidade tributária dos administradores.: A incidência do art. 135, III, do CTN. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1659, 16 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10854. Acesso em: 28 mar. 2024.

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