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Como fazer memoriais e sustentação oral.

Aquilo que não te ensinaram na faculdade

27/03/2024 às 18:00
Leia nesta página:

É preciso sair do engessamento da linguagem escrita e colocar um pouco da ginga natural da expressão verbal.

Você sabe quais são os pontos mais importantes dos memoriais e da sustentação oral? Ou melhor, você sabe como fazer juízes de Segunda instância OUVIREM seus argumentos em apelação? Para começar a conversa, é preciso dizer que, na maioria das vezes, essa é uma oportunidade muito mal aproveitada pela maioria dos colegas.

Sabemos que o primeiro passo para o cumprimento desse objetivo é a entrega em mãos dos chamados memoriais - material escrito que oferece um resumo da causa e exalta os aspectos importantes da questão. O segundo seria a sustentação oral. Certo? Errado!

A verdade é que muitos advogados militantes na área cível dão demasiada ênfase nessa última fase e se esquecem completamente de explorar a primeira e seu maior desdobramento: a oportunidade de ouro, que é ter uma conversa direta ao pé do ouvido com cada desembargador que irá julgar a demanda. Na verdade, isso me parece ser tão ou até mais importante do que os cinco minutos (nunca utilizam os 15 minutos regimentais!) em que se falará da Tribuna. Mas como explorar bem estas oportunidades? Todos os Magistrados estão abertos a conversar sobre o caso?

Sim, isso é algo previsto no próprio Estatuto da Advocacia. Veja:

Art. 7º São direitos do advogado:

VIII - dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada;

E mais: O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já se expressou no sentido de que

“o magistrado é sempre obrigado a receber advogado em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e a sua não observância poderá implicar em responsabilização administrativa”

Entre os advogados, há uma tendência de se cultivar um certo temor reverencial à figura do Desembargador, o que leva à resistência em bater à porta de seu gabinete. Esse sentimento deve ser evitado a todo custo. Não se esqueça que, pelo artigo 6º do Estatuto da Advocacia, não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do MP. Não faça como muitos colegas, que confiam a entrega dos memoriais aos seus estagiários, que por sua vez os entregam aos funcionários do gabinete do destinatário. Isso é uma oportunidade jogada no lixo.

Na grande maioria dos casos (com exceções reprováveis), verificamos que os Desembargadores não oferecem resistência aos patronos que querem expor seu caso diretamente, permitindo a audiência em seu gabinete para ouvir as razões do advogado. Em minha experiência em Direito de Família, foram poucos os Juízes de segunda instância que colocaram barreiras para esse tipo de encontro, o que é algo bastante positivo.

Contudo, esta mesma experiência demonstra também que a maioria deles, seja por uma falta de disposição pessoal ou pela conturbada agenda, encara esta reunião como um ritual dolorido de cortesia protocolar, que em nada contribui para a formação de sua convicção. Infelizmente, são poucos os Magistrados que levam a sério estas ocasiões, o que, em si, seria um desrespeito indireto a uma das prerrogativas da advocacia.

Seja como for, a responsabilidade de transformar o limão em limonada é sua. Você tem a obrigação de fazer o máximo para defender os interesses de seu cliente, mesmo em circunstâncias desfavoráveis. E meu conselho, neste caso específico, envolve três aspectos:


1. Memoriais

Não espere que o Desembargador leia uma petição de 20 páginas antes do julgamento do seu caso, seja ele o relator ou não. Trate os memoriais como lembretes. Resuma a situação mais importante de sua apelação em um parágrafo e coloque apenas os motivos EXTREMAMENTE RELEVANTES em uma lista destacada, com marcadores (bullet points), descrevendo de forma breve e objetiva os motivos pelos quais espera que a questão seja reformada ou sustentada.

Economize nas palavras. Por exemplo, por que escrever "ao nosso ver, o motivo principal da reforma do julgado é..." se você pode ir direto ao assunto? Transmita ideias, não palavras.

Artifícios para captar a atenção - como letras maiúsculas, negrito, ou caneta marca texto para destacar as frases mais importantes - são muito bem-vindos. Saiba que o texto será lido na diagonal e se não houver destaque nos pontos principais, a idéia será perdida. Isso é tomar vantagem da chamada escaneabilidade do texto.

Se seus memoriais tiverem mais de duas páginas, esqueça. Ele não será lido. Nesse aspecto, as estratégias de narrativa de artigos na internet são válidas e de grande ajuda, pois o mecanismo é o mesmo: captar a atenção e transmitir uma ideia. Algumas delas foram descritas acima.


2. Audiência com o Desembargador

Seja cordial, dinâmico e assertivo. Olhe nos olhos do Magistrado com confiança e personalidade. Seja você mesmo e não se sinta como um menino em frente ao professor. Lembre-se: a hierarquia é a mesma.

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Você precisa ter excelente poder de síntese para utilizar os poucos minutos que tem de uma maneira marcante e muito objetiva. Não perca tempo com detalhes insignificantes. Entre na sala com uma estratégia preparada, semelhante àquilo que pensou quando preparou os memoriais.

Se o desembargador quiser falar, não o interrompa, especialmente se ele estiver concordando com sua tese. Se é verdade que as técnicas de redação na internet ajudam os memoriais, aqui o que conta é preparação, personalidade e sua lábia de vendedor.


3. Sustentação oral

Utilize os mesmos aspectos ressaltados nos item anterior. A única diferença é que o discurso agora não é para uma pessoa, mas para um público. Não há como negar que é preciso um pouco de experiência para dominar os nervos nestas circunstâncias, já que a prática é amiga da perfeição. Mas ter um plano bem montado ajuda muito, inclusive do ponto de vista do nervosismo.

Para isso, é parte indispensável da preparação o ensaio do seu discurso. Repita muitas vezes, de preferência na frente do espelho, e um dia antes da sessão de julgamento tenha um ensaio geral utilizando seus colegas como audiência.

Você precisa utilizar os mesmos tópicos importantes que já apresentou em seus memoriais, pois eles devem conter a essência do que precisa para convencer os julgadores. Mas caso tenha sentido que, na audiência com um dos Desembargadores, você teve algum de seus argumentos bem recebido, explore-o. Fale mais sobre isso e, se possível, utilize a mesma linha de raciocínio usada pelo julgador nessa conversa. Isso fará seu argumento pesar bem mais.

Fique atento: você não pode simplesmente ler o que já escreveu em memoriais. Em primeiro lugar, porque isso irrita os Juízes - o que é razão suficiente. Depois, porque terá muito mais tempo para discorrer sobre a questão (15 minutos), mas sempre de maneira estruturada e lógica, numa trajetória orgânica que vai dos fatos à conclusão que você espera. Finalmente, porque é preciso sair do engessamento da linguagem escrita e colocar um pouco da ginga natural da expressão verbal. Em outras palavras, não seja chato!

Lembre-se que quanto mais natural e objetiva a sua narrativa, melhores suas chances.

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Sobre o autor
Mario Solimene Filho

Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP - Largo de São Francisco), turma de 1994, com especialização em Direito Privado e Processo Civil. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, sob o número 136.987. Pós graduado (Pg.Dip.) e Mestre (MMus) pela University of Manchester e Royal Northern College of Music, Reino Unido (2003-2006). Curso de Extensão em Direitos Humanos Internacionais sob supervisão de Laurence Helfer, J.D, Coursera, School of Law, Duke University, EUA (2015). Inscrito como colaborador da entidade Lawyers Without Borders (Advogados Sem Fronteiras) e membro da International Society of Family Law (Sociedade Internacional de Direito de Família). Tomou parte em projetos internacionais pela defesa da cidadania e Direitos Humanos na Inglaterra, Alemanha, Israel e Territórios da Palestina. Fluente em Inglês, Espanhol, Italiano e Alemão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILHO, Mario Solimene. Como fazer memoriais e sustentação oral.: Aquilo que não te ensinaram na faculdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7574, 27 mar. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108780. Acesso em: 21 nov. 2024.

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