Ferramenta audiovisual como forma de testamento no Brasil.

Análise acerca de sua validade à luz das jurisprudências dos Tribunais de Justiça de SC, RS, RJ e SP, de 2002 até 2022

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17/04/2024 às 17:20
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Resumo: Utilizar-se da ferramenta audiovisual como uma forma de testamento no Brasil, é uma aventura e tanto, há de se observar os requisitos essenciais para validação, bem como os vícios que geram a nulidade do feito, vez que não há previsão em lei. Destarte, surge a problemática: Das análises jurisprudenciais dos Tribunais de Justiça dos Estados de SC, RS, RJ e SP dos anos 2002 até 2022, consideram válido utilizar a ferramenta audiovisual como forma de testamento brasileiro? Para responder a presente indagação, utilizou-se nesta pesquisa a natureza pura, de abordagem qualitativa, de fim explicativo, com o compromisso de explicar o porquê. A abordagem é dedutiva, partindo-se das leis, até chegar no entendimento dos Tribunais de Justiça retro. Aplicou-se o método de procedimento histórico e comparativo, observou-se acontecimentos passados com influência contemporânea e, comparou-se semelhanças e diferenças nos acórdãos. Por fim, usou-se a técnica de pesquisa bibliográfica, ou seja, doutrinária e documental. Das análises jurisprudências dos Estados e anos supramencionados, tem-se o entendimento que é válido o testamento elaborado pelo de cujus, através da ferramenta audiovisual, tendo em vista o respeito ao princípio da última vontade. No entanto, o Estado de São Paulo tem o entendimento contrário.

Palavras-chave: De cujus. Testamento. Audiovisual. Princípio da última vontade. Acórdãos.


INTRODUÇÃO

O presente artigo científico, tem como escopo analisar se a ferramenta audiovisual utilizada como forma de testamento no Brasil, à luz das jurisprudências dos tribunais de justiça dos Estados de SC, RS, RJ e SP, dos anos 2002 até 2022, é considerado válido.

Com início da pandemia oriunda do vírus COVID-19 em todo o mundo, que incidiu na morte de milhares de pessoas dia a dia, às pessoas haviam de se preocupar com a administração de seus bens caso viessem a óbito. Para tanto, excluindo a regulamentação da sucessão legítima prevista na legislação brasileira quanto a partilha dos bens, há a regulamentação da sucessão testamentária, pela qual é feita a partilha dos bens em respeito a última vontade.

Com isso, há de se preocupar com os bens deixados após o falecimento. Desta forma, apesar de não ser muito usado no Brasil, é de extrema relevância deixar um testamento dispondo acerca dos bens a serem deixados a um familiar ou, um(a) amigo(a) em especial. Caso o falecido não tenha feito, os bens deixados por este serão partilhados na forma da lei pela sucessão legítima, sem atender a última vontade do de cujus, pois, para fazer valer, é necessário a expressa manifestação.

Com a tecnologia em constante evolução, onde quase tudo se resolve com praticidade e eficiência de forma virtual, não há dúvidas que o direito vem acompanhando a era da tecnologia para atender melhor os interesses da sociedade. Quando da elaboração do Código Civil de 2002, foram previstas algumas formas de sucessão, porém, sem desburocratizar as formalidades para sua validade, assim, se faz importante a presente pesquisa, buscando entendimentos do Poder Judiciário de diferentes Estados acerca da elaboração do testamento audiovisual.

Pois bem, das análises jurisprudenciais, dos anos 2002 até 2022, os Tribunais de Justiça dos Estados de SC, RS, RJ e SP, consideram válido dispor de seus bens, através da ferramenta audiovisual como forma de testamento brasileiro? Com o fito de responder a problemática apresentada, o artigo tem como estrutura básica a divisão em 04 (quatro) capítulos, sendo eles: 1) Direito sucessório e as formas de testamento; 2) Instrumento do testamento e o princípio da última vontade; 3) Novas tecnologias e o direito no pós pandemia; e 4) Casos jurisprudenciais – Tribunal de Justiça de Estado de SC, RS, RJ e SP entre os anos 2002 até 2022.

A problemática do presente estudo, é algo ainda não superado dentro da esfera legislativa e judiciária, desafiando assim, este pesquisador, a encontrar um posicionamento dos Tribunais de Justiça, a fim de obter um conhecimento científico acerca da delimitação epígrafe.

De modo a estudar a fundo o último capítulo, para chegar nas jurisprudências a seguir analisadas, foram feitas pesquisas no site oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Na página inicial, foi aberto a aba “Pesquisa de Jurisprudência”, em “Busca avançada” foi selecionado a opção “Ementa”, nas opções de “Pesquisar em:” foi selecionado a opção “Acórdão de Tribunal de Justiça”. Na tarja de pesquisa “com todas as palavras”, foram utilizadas as palavras chaves “testamento, gravação”. As demais configurações restaram mantidas, sem anexação de datas para tal. Prosseguindo em “pesquisar”, encontrou-se 03 (três) julgados. Para fins de estudo do presente artigo, utilizou-se o primeiro acórdão de n.º 0301788-24.2014.8.24.0007, proferido pelo Relator Des., Luiz Felipe Schuch, no ano de 2019.

A segunda jurisprudência, fora extraída no site oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Na página inicial, foi selecionado a aba “Jurisprudência”, no centro superior da tela, no campo “Buscar” foram colocadas as palavras chaves testamento por vídeo”, selecionado “Ementa” e apertado em “Buscar”. Aberta a nova página, as demais configurações restaram mantidas, apertando novamente em “Buscar”, encontrou-se um julgado de n.º 70003475175, proferido pelo Relator José Carlos Teixeira Giorgis, no ano de 2002. O qual será objeto da presente pesquisa.

Acerca da terceira jurisprudência, buscou-se no site oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Na página inicial, no canto esquerdo da coluna “CONSULTAS” foi selecionada a opção “jurisprudência”, após, novamente em “Consulta Jurisprudência”. No campo “Pesquisa livre” foram utilizadas as palavras chaves “testamento filmado”. No campo “Julgados a partir do ano de:” foi colocado “2002” e, ao lado, no campo “Até o ano de:” foi colocado “2022”. As demais configurações restaram mantidas. Após as coordenadas prosseguiu-se em “pesquisar”. Encontrou-se um julgado de n.º 0132225-54.2015.8.19.0001, proferido pelo Rel., Desembargador Gilberto Clóvis Farias Matos, no ano de 2019, que também será objeto da presente pesquisa.

Por fim, não menos importante, a quarta pesquisa jurisprudencial foi extraída do site oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Na página inicial, na tarja “PROCESSOS” abriu-se umas opções de pesquisas avançadas, na qual foi selecionada a opção “jurisprudência”, no canto esquerdo. Após as coordenadas, no campo “Pesquisa livre” foram colocadas as palavras chaves “testamento audiovisual”. As demais configurações restaram mantidas. Prosseguindo em “Pesquisar”, encontrou-se 23 (vinte e três) julgados. Afunilando tal pesquisa, descendo a tela até o fim, foi selecionado o número “2” no canto inferior direito da página. Para fins do presente estudo, foi selecionado o acórdão proferido pelo Rel. Desembargador Helio Faria, no ano de 2011, de n.º 9161148-52.2009.8.26.0000.


1 DIREITO SUCESSÓRIO E AS FORMAS DE TESTAMENTO.

1.1. Breve evolução histórica e conceito de testamento.

Há muito tempo, quando ainda não haviam leis que regulamentadoras da sucessão, tão menos que denominassem esse termo jurídico, ela era pensada com base nos princípios religiosos da família do falecido. Com a morte de um membro familiar, os bens que lhe pertenciam eram passados a seus descentes, na ideia de um respeito acerca da posição política daquela família, preservando a sua religião.

Parafraseando essa história da sucessão, Zanini (2021, p. 6) ensina:

A possibilidade de alguém transmitir seus bens, por sua morte, é instituição de grande antiguidade. Nos primórdios, os grupos humanos viviam em comunhão de bens, de sorte que todos os membros desses grupos eram proprietários de tudo. A partir do momento em que a coletividade originária se desdobra em grupos familiares com existência autônoma, cada novo organismo passa a ter uma propriedade apartada. Nesse momento, o fenômeno sucessório se associou à substituição da pessoa falecida pelos seus sucessores, o que guardava relação com a ideia de preservação da família, da religião e da posição política que o finado ocupava.

Nesse ponto, o autor defende que a transmissão por morte é considerada como efeito necessário e natural da propriedade privada. Não há dúvida quanto ao fato de que o interesse individual é um motivo para o progresso, devendo-se assegurar ao indivíduo a possibilidade de transmitir seus bens a seus sucessores. Garantindo seus direitos, dando ânimo as pessoas a produzirem cada vez mais, o que está ligado ao desenvolvimento social (ZANINI 2021, p. 6).

Conceituando sucessão, Da Luz (2006, p. 07) assim descreve “É o conjunto de normas que disciplina a forma de transferência do patrimônio de alguém que morre a seus herdeiros.”. A transmissão dos direitos ou obrigações podem ser realizadas por seu titular em vida, denominada como intervivos, ou, em virtude da morte, denominada como transmissão causa mortis. Utilizada para transmitir o conjunto de direitos e obrigações de alguém que faleceu para alguém que ainda está vivo (RIBEIRO e TEIXEIRA, 2017, p. 604).

Em sentido amplo, é o ato pelo qual uma pessoa substitui outra, gozando dos mesmos direitos daquele que faleceu. De outro norte, a sucessão pode ser entendida como a transmissão de bens e direitos, integrantes de um patrimônio deixado pela pessoa morta, a uma ou mais pessoas vivas, concretizando-se a sucessão hereditária (DA LUZ, 2006, p. 07).

Já Bonatto (2006, p. 289), conceitua da seguinte maneira:

A palavra sucessão não é específica do direito hereditário. A sucessão tanto opera entre pessoas vivas, como também por causa da morte. Pessoas vivas: intervivos; será a título singular, como ocorre na cessão de crédito, transferência de bens. Pessoas mortas: causa mortis, a sucessão é a transmissão do patrimônio que deixa de existir.

Noutro giro, a sucessão se restringe a morte, não havendo que falarmos na transferência em vida, como quando o comprador sucede os direitos de domínio a outra pessoa. Em sentido lato, suceder a uma pessoa significa vir depois dela, tomar o lugar dela, sub-rogando em todo ou em parte os direitos que lhe pertenciam. De modo restrito, é um tipo especial de aquisição de um ou mais bens da pessoa já falecida a uma ou mais pessoas vivas (RIZZARDO, 1996, p. 12).

Ocorrido o passamento, dá-se a abertura sucessão, momento que a herança será transmitida a seus herdeiros na ordem de vocação hereditária redigida pelo Art. 1.829, do CC de 2002. Costuma-se dizer que a sucessão legítima representa de forma presumida a vontade do falecido em transmitir seu patrimônio para os familiares na forma da lei, pois, se a vontade fosse diversa da prevista em lei, haveria de deixado um testamento expressando-as (GONÇALVES, 2015, p. 42).

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O código civil de 2002, institui duas formas de receber heranças, sendo pela sucessão legítima e testamentária. A primeira delas, denominada sucessão legítima, nesta, será feita a partilha dos bens nos termos da lei (Art. 1.829). A segunda, é realizada quando o de cujus deixa expressamente um bem a uma determinada pessoa (Art. 1.857).

Na modalidade de sucessão legítima, também denomina no latim como ad intestato, é a sucessão originária da lei, que traz em suas redações quais pessoas têm por direito serem titulares do acervo hereditário. Sempre ocorrerá quando o falecido não tiver deixado um testamento ou, quando o órgão julgador competente o declarar nulo ou caduco (RIBEIRO e TEIXEIRA, 2017, p. 605).

Já na modalidade de sucessão testamentária é aquela que deriva da disposição de última vontade do testador, nunca da lei, mas respeitando os ditames que ela estabelece, essa vontade é expressamente deixava pelo de cujus no testamento, no qual o autor da herança elege seus sucessores. Esta sucessão ocorrerá sempre que o falecido ter contemplado todo o seu patrimônio a um amigo, necessariamente sem ter ascendentes, descendentes, cônjuge ou companheiro (RIBEIRO e TEIXEIRA, 2017, p. 605).

1.2. Princípios do direito sucessório.

Conforme preceitua o CC/02, em havendo herdeiros necessários, que concorrerão na herança deixada pelo falecido, o testador apenas poderá dispor da metade da herança, isto é, 50% de seus bens. Com isso, apesar de ter o testador uma liberdade de dispor dos seus bens, tal liberdade não é plena, há de se respeitar os herdeiros necessários, daí porque se tem o princípio da liberdade limitada para testar, visando tutelar os herdeiros necessários (Art. 1.789, CC).

Partindo desta premissa, o código civil ainda previu como princípio, a liberdade absoluta para testar, facultando ao testador o direito de contemplar como herdeiro aquele que bem entender, podendo ainda, excluir de contemplação os colaterais de até 4.º grau. Assim, não havendo herdeiros necessários definidos no artigo 1.829, em restam apenas os colaterais de 4.º grau, poderá o testador excluí-las, bastando que disponha de seus bens por testamento sem os contemplar (Art. 1.850, CC).

No artigo 1.792 do Código Civil, ainda temos implicitamente, o princípio Non Ultra Vires Hereditatis, que significa dizer: “nada além do conteúdo da herança”, ou seja, o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados (Art. 1.792, CC).

A saber disso, já decidiu o Egrégio TJSC que o espólio deixado pelo falecido, é uma massa patrimonial, cujo pressupõe que a existência de bens a serem inventariados. Logo se não existirem bens, não existe espólio, e se não há espólio, não contra quem o credor possa se voltar pois o herdeiro responde apenas segundo as força da herança conforme o art. 1.792. preceitua. Deste modo, antes abrir a sucessão deve ser constatado a existência ou não de bens deixados pelo finado a serem inventariados (TJSC, 2019).

Destarte, por não ter o de cujus deixado bens a inventariar, não há como a dívida do falecido alcançar o patrimônio de seus herdeiros, na medida em que esses só respondem pelas dívidas do autor da herança nos limites do que recebido por direito sucessório, de acordo como o artigo 1.792 do CC e com o artigo 796 do CPC.

Com efeito, a primeira câmara de direito comercial do Estado de Santa Catarina também decidiu que a responsabilidade dos herdeiros há uma limitação, isso porque o código civil instituiu em seu art. 1.997, caput, em consonância com o art. 796. do CPC, que feita a partilha dos bens, cada herdeiro responde pelas dívidas deixadas pelo de cujus dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe couber, não necessariamente no total do quinhão hereditário percebido (TJSC, 2021). (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5005451-43.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 17-06-2021)

Não menos importante, por fim, dentre outros princípios do direito sucessório, temos o princípio da saisine, inaugurado no artigo 1.784, do código civil. Com a morte da pessoa, está aberta a sucessão e de forma automática, os bens pertencentes ao finado passam a ser dos herdeiros legítimos e testamentários, porém, o herdeiro apenas terá posse, através do competente processo de inventário e partilha (Art. 611, CPC; Art. 1.784, CC).

1.3. Formas de Testamento

Há 3 (três) formas ordinárias de testamentos, que serão melhores exploradas a seguir. Tais formas podem ser utilizadas por qualquer pessoa, salvo as exceções previstas em lei. Trata-se do testamento público, cerrado e o particular. Temos ainda, as formas especiais ou extraordinários, utilizadas em momentos específicos, sendo elas o testamento marítimo, aeronáutico e o militar (RIBEIRO e TEIXEIRA, 2017, p. 734).

Escorado na forma ordinária, o testamento público é aquele elaborado pelo tabelião ou por seu substituto legal, essa é considerada a forma mais segura de testar. O testamento deve obedecer às vontades do testador, podendo servir de minuta, notas ou apontamentos. As vontades são proferidas ao tabelião e ele a reduz a termo, não podendo inverter nas suas intenções. Após finalmente redigido, deve ser lido em voz alta na presença do testador e de duas testemunhas, consequentemente assinado pelo testador, tabelião e as testemunhas (CASCALDI e SANTOS, 2014, p. 993/994).

Já o testamento cerrado é aquele destinado aos que pretendem deixar sua disposição de última vontade em segredo. Dessa forma, evita maiores dissensões entre os beneficiados. Os requisitos essenciais para sua validade estão redigidos no art. 1.868, caput, do código civil e seus incisos. Ele será lido após redigido, na presença das testemunhas e do testador, em seguida, também será assinado pelo testador, testemunhas e o tabelião que se faz presente (VENOSA, p. 239).

No testamento particular, tem-se a escrita e a leitura pelo próprio testador, na presença de três testemunhas ou mais, que também participarão do ato. Como é uma modalidade particular, é de inteira responsabilidade do testador quanto a forma e o teor ali escrito. Pode ser escrito a próprio punho ou mecânico, não podendo haver rasuras e espaços em brancos (CASCALDI e SANTOS, 2014, p. 996).

Acostando-se na modalidade especial de testamentos, iniciando com o marítimo, ressalta-se que pode ser utilizado por aquele que estiver em alto-mar, a bordo de navio nacional, de guerra, ou mercantil. Será lavrado pelo comandante da embarcação na presença de duas testemunhas, há de se observar que somente será válido essa forma de testamento, quando da lavratura, o navio estava atracado com a impossibilidade do testador de desembarcar. Pelo justo motivo que se houvesse a possibilidade do desembarque, o testador deveria utilizar uma das formas ordinárias, como visto anteriormente (VENOSA, p. 253).

No testamento aeronáutico, conforme art. 1.889, caput, do CC, pode testar aquele que estiver a bordo de aeronave militar ou comercial, perante o comandante e na presença de duas testemunhas. No entanto, é muito difícil que seja feito um testamento nessas condições. Estando a aeronave em perigo iminente, certamente os ocupantes dela não terão tempo para se preocupar com um testamento. Sendo o voo normal, o interesse em fazer um testamento a bordo é ainda menor (VENOSA, 2015, p. 253/254).

Resta por fim, a forma de disposição especial denominada como testamento militar, esse é destinado aos militares das forças armadas, dentro do país ou fora dele, para sua validade é essencial que a Força Armada esteja em campanha ou sitiada, interrompida de comunicações e, também, impossibilitada de afastar-se do campo de batalha (CASCALDI e SANTOS, 2014, p. 1000/1001).


2. INSTRUMENTO DO TESTAMENTO E O PRINCÍPIO DA ÚLTIMA VONTADE.

2.1. Dos instrumentos indispensáveis do testamento.

Conforme extrai-se do código civil de 2002, mais precisamente no art. 1.857, caput, toda pessoa capaz, pode dispor de seus bens, no todo ou parte, para administração depois de sua morte. Essa concepção de testamento limita a manifestação de vontade às disposições patrimoniais. Todavia, se for feita uma análise mais acurada da matéria, fica evidente que a vontade do testador pode ser externada para fins não meramente patrimoniais (ZANINI, 2021, p. 17).

Com base nos requisitos essenciais para dispor de vontade em testamento, o art. 1.860, caput, do CC/2002, estabelece que não podem testar os que não têm pleno discernimento no ato da elaboração, estabelecido nos art. 3.º e 4.º, do mesmo livro. Essa capacidade deve ser analisada para o ato em si. Há uma ressalva aos menores púberes, com idade entre 16 e 18 anos, denominados como relativamente incapazes. Demonstra-se tratar-se de um negócio jurídico especial, sui generis, com características próprias (TARTUCE, 2017, p. 217).

Para que o testamento tenha validade, é necessário a divisão da herança em duas partes iguais, podendo o testador dispor apenas de uma metade na forma que bem entender, com a ressalva dos outros 50% para sucessão legítima, que se dará na forma da lei. Ressalta-se que pode haver simultaneamente a sucessão legítima e testamentária (GONÇALVES, 2015, p. 43).

Parafraseando o exposto, o artigo 1.789, caput, do código civil de 2002 nos traz a limitação quanto a deposição a ser feita em testamento, havendo herdeiros necessários, o testador somente poderá dispor da metade da herança, isso se dá pelo fato da outra metade der destinada aos herdeiros necessários (MELLO, 2022, p. 120).

A atenção dada aos requisitos de para sua validade se dá pelo fato do testamento ser um ato formal, que devem ser observados os critérios trazidos em lei, independentemente da modalidade que for utilizada, sob pena de invalidade. Assim, o testamento apenas somente será considerado válido, se elaborado em uma das formas previstas em lei, sendo observados estritamente os requisitos da forma que fora eleita (RIBEIRO e TEIXEIRA, 2017, p. 734).

2.2. Do princípio da última vontade.

Apesar de ser muito usada para distribuição de bens patrimoniais, a disposição de última vontade não se limita a isso. Também pode ser utilizada para reconhecimento de filhos, ou seja, uma disposição de vontade de caráter pessoal. Todas as disposições de última vontade, devem estar expressas no testamento, sob pena de não reconhecimento daquelas elaboradas fora da cédula (CASCALDI e SANTOS, 2011, p. 540).

Na disposição de última vontade, há a manifestação do testador sobre como deseja que seus bens sejam administrados após sua morte. Não se trata de um contrato, pois faltam elementos jurídicos para perfectibilizar como tal. É um ato unilateral de vontade, válido enquanto existir a declaração, pois pode ser revogada a qualquer momento pela pessoa que dispôs (RIZZARDO, 1996, p. 200).

Pode-se dizer que o princípio de última vontade está implicitamente ligado ao conceito de testamento. O autor Flávio Tartuce, explica que o testamento cria um negócio jurídico unilateral, pois, não se exige uma segunda manifestação de vontade quando da elaboração. A renúncia ou aceitação dos bens deixados para o beneficiário, é irrelevante, pois basta a vontade do testador para que disposição surta os efeitos jurídicos (TARTUCE, 2017, p. 216).

Arnoldo Wald (1992, p. 88) pontua que na disposição de última vontade não admite-se que o testador deixe sob arbítrio de alguém, a execução de seus bens após sua morte. Isso em razão do direito da personalidade do ato. Havendo disposição que eleja uma pessoa nomeada para decidir sobre o que fazer com seus bens, o ato será nulo.

Não obstante, para dispor de seus bens em testamento, quando da elaboração, o testador deve deixar o mais claro possível as suas intenções, desta forma será mais fácil de atender suas vontades, sem restar dúvidas do que estava escrito. Uma redação mal elaborada, implica na má interpretação de suas vontades (VENOSA, 2015, p. 264).

A propósito, o código civil em seu Art. 1.889, caput, dispõe que havendo uma cláusula testamentária suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a vontade do testador. A saber, uma interpretação muito fora do cerne do testamento, que é a real vontade do de cujus, resulta no perigo de não satisfazer a vontade do falecido (RIZZARDO, 1996, p. 237).

Nesse sentido, a disposição de última vontade do falecido, deve ser respeitada como premissa máxima quando observadas as devidas formalidades da respectiva modalidade de testamento utilizada pelo de cujus, que por conseguinte, alcançará sua finalidade. Isso porque o testador deixou de forma minuciosa a sua vontade, sem necessidade de grandes questionamentos para compreender a real vontade (PORATH, 2021, p. 60).

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