Ferramenta audiovisual como forma de testamento no Brasil.

Análise acerca de sua validade à luz das jurisprudências dos Tribunais de Justiça de SC, RS, RJ e SP, de 2002 até 2022

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17/04/2024 às 17:20
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3. NOVAS TECNOLOGIAS E O DIREITO NO PÓS PANDEMIA.

3.1. Os avanços tecnológicos e a nova realidade jurídica pós pandemia.

Tamanho os impactos causados pela pandemia, na ordem sanitária, social, econômica, fiscal, jurídica e política, importante buscar uma melhor resposta à atual realidade como algo que desafia não apenas a ciência, mas a responsabilidade dos governantes e uma renovação crítica na aplicação do direito atual (ALVES, 2021, p. 1).

A pandemia do novo corona vírus que causou a infecção do COVID-19, deixou bem nítido o despreparo da legislação brasileira para atuar com situações cotidianas na esfera digital e a necessidade de legislar sobre o assunto. De modo a amparar legalmente tais deficiências, ficou demonstrado que as tentativas foram feitas de forma subsidiária e, muitas vezes, passageira, isso pela fragilidade processual que torna objetos fáceis de eventuais nulidades (RODRIGUES, 2021, p. 33/34).

Enfrentando tais problemas, inegável dizer que tivemos avanços da cultura e da tecnologia que trouxeram novos canais de expressão de comunicação e, é claro que o direito não pode se abster de lhes assegurar uma maior proteção e efeitos jurídicos. Sempre queremos respostas rápidas e eficazes, a demora não interessa à sociedade. Além de que a morosidade, muitas vezes não traz segurança jurídica, pois possibilita que alguém utilize durante um prazo inaceitável, algum patrimônio de que não é titular (ADOLFO e KLEIN, 2021, p. 14).

O direito deve tutelar e aprimorar-se a vida das pessoas para melhor atendê-las, atentando-se a dignidade da vida. Sob essa perspectiva, necessário se faz que o direito seja revisado de forma urgente a deixar mais eficaz e satisfatório aos desafios da contemporaneidade, e, ainda, desafios futuros (ALVES, 2021, p. 2).

A saber disso, temos os métodos digitais de comunicação e manifestação de vontade nos negócios jurídicos no campo jurídico e nas manifestações de vontade num geral, que se torna cada vez mais dominados pela era digital, exigindo assim, um regramento próprio e cada vez mais cauteloso, implementando meios de controle, facilitação de uso e segurança com a nova tecnologia (BARROS, 2021, p. 2).

Por fim, é sabido que com o surgimento da pandemia que assolou o país, a circulação de pessoas em todo o mundo foi afetada. Deste modo, audiências judiciais em que necessariamente precisavam da presença das partes no dia da solenidade, ficavam impossibilitadas de serem realizadas. A fim de resolver este impasse, a flexibilização das normas que regulamentam as audiências, permitindo a realização através da ferramenta audiovisual (ao vivo), foi a medida de rigor.

Todo esse avanço que revolucionou a advocacia e o direito como um todo, nos traz a perspectiva de um direito humanizado e, induz entender profundamente a sociedade atual, ainda, necessário se faz um trabalho do legislativo para a qualidade das leis ao ponto que o direito possa servir às transformações sociais e revitalize os próprios institutos jurídicos (ALVES, 2021, p. 2).

3.2. As formas tecnológicas de testamento.

É chegado o momento em que o legislador e os juristas devem se dedicar ao exame da manifestação de vontade post mortem por meio digital. Frente toda a evolução das tecnologias de informação vivenciada, é latente que o ato de testar se coadune com as atuais formas de comunicação digital. Porém, os aparelhos eletrônicos e a Internet não trouxeram apenas bônus, eles trouxeram também seus ônus, com isso, a facilidade de manipular informações e dados é crescente e complexa (ADOLFO e KLEIN, 2021, p. 13).

A exemplo disso, temos a rede social Face Book, que disponibilizou recentemente uma configuração no perfil onde permite aos usuários decidir qual destino sua conta tomará após sua morte. Permitindo que o usuário da conta escolha um contato para ficar herdeiro, este gerenciará a conta mantendo-a ou excluindo-a permanentemente. Caso o herdeiro pela administração da conta do de cujus opte pela exclusão, o perfil se tornará um memorial onde homenagens poderão ser prestadas pelos amigos virtuais do falecido (RODRIGUES, 2021, p. 28).

Não há que desprezarmos a forte tendência à confecção de testamentos por sons e imagens em mídias digitais. O direito a herança é uma garantia fundamental assegurando o testador a dispor de sua vontade em instrumento dotado de validade e eficácia. Dado o feito, a vontade do testador precisa ser preservada e o Direito precisa facilitar a execução e conservação do ato de testar por meio das novas ferramentas digitais de comunicação (ADOLFO e KLEIN, 2021, p. 16).

À vista disso:

[…] imperioso conferir autenticidade e credibilidade para o testamento realizado por meio digital. A existência de assinaturas digitais, criadas por sistema de chaves criptográficas, mostra-se como uma interessante alternativa para garantir a segurança jurídica necessária na confecção do instrumento particular de disposição da vontade para depois da morte. A validade e a eficácia de um testamento não pode estar adstrito à forma como elaborado, se por escrito, áudio ou vídeo, mas sim à autenticidade do meio em que realizado e do conteúdo do ato (ADOLFO e KLEIN, 2021, p. 15).

O ordenamento jurídico brasileiro, ainda não possui nada expresso quanto a realização de testamento feito por ferramentas digitais, apenas se têm a menção da possibilidade do testador escrever mecanicamente suas disposições de última vontade. Ou seja, não temos nenhum dispositivo legal que regulamente tal feito, ao passo que não temos também um que a proíba ou impossibilite de realizá-lo. Deste modo, há uma brecha que possibilita a realização por meio eletrônico desde que os requisitos legais sejam seguidos e respeitados (RODRIGUES, 2021, p. 30).

Por tal brecha, resta útil a possibilidade de testamento elaborado por meios digitais. Isto porque a sociedade está em constante transformação e evolução, tornando imprescindível que a legislação saia da esfera conservadorística e volte os olhos as necessidades jurídicas e sociais da contemporaneidade (RODRIGUES, 2021, p. 32).

3.3. Da assinatura digital.

Pois bem, como todo o avanço tecnológico na rede mundial de computadores, ações feitas através de plataformas digitais estão cada vez mais sendo aceitas, do mesmo modo que eram feitas fisicamente, porém agora é realizado de maneira digital, sem perder a sua eficácia jurídica, a exemplo disso, temos a assinatura de contratos virtuais para fornecimento de energia elétrica residencial, contratos bancários e outros (CRUZ e SILVA, 2021, p. 21).

Essa tecnologia foi implementada para dar autenticidade nos documentos eletrônicos, tal assinatura confere a segurança aos signatários. A assinatura digital pode ser realizada diversos arquivos que estejam em PDF, sendo contratos, laudos médicos, procurações e outros diversos documentos ou transações na rede de computadores (CRUZ e SILVA, 2021, p. 22/23).

Com essa tecnologia a nossa disposição, como bem mencionado pelos autores supracitados, sabemos que hoje muitas coisas se resolvem tudo com maior praticidade e celeridade, a tecnologia veio para facilitar e desburocratizar o que vivemos, e com isso, a assinatura digital tem garantido seu lugar.

A criptografia é o método utilizado para garantir essa segurança, pois, para assinar digitalmente um documento o destinatário/assinante desta incrível modernidade, deve possuir um certificado digital na plataforma, ou seja, uma identidade eletrônica, algo personalíssimo, tanto para pessoas físicas como para pessoas jurídicas. Esta tecnologia é sem dúvida, um grande passo para a elaboração de um testamento digital (CRUZ e SILVA, 2021, p. 22/23).

Temos ainda, de acordo com o aplicativo e-Notariado, uma plataforma digital gerida pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, que conecta os usuários aos serviços oferecidos pelos cartórios de notas em todo o Brasil. É uma forma digital de produzir documentos e realizar assinaturas eletrônicas, sem necessariamente a presença física (CRUZ e SILVA, 2021, p. 22).

Com esse avanço da assinatura eletrônica, da certificação digital e também dos processos eletrônicos judiciais ou administrativos são caminhos sem volta e oriundos do mundo moderno de revolução da internet, porém, é necessário assegurar uma maior facilidade de acesso e simplicidade aos recursos digitais, implementando com isso, maiores protocolos de segurança para garantia efetiva das ferramentas em questão (BARROS, 2021, p. 3).


4. CASOS JURISPRUDENCIAIS – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SC, RS, RJ, SP ENTRE OS ANOS DE 2002 ATÉ 2022.

4.1. Da análise ao acórdão de Santa Catarina, proferido em: 2019 de nº 0301788-24.2014.8.24.0007.

O julgado refere-se ao processo originário onde o magistrado de 1.º grau julgou procedentes os pedidos iniciais, determinando o registro do testamento feito por audiovisual, cumprindo na forma dos artigos 1.126 e 1.127 do CC. Apontou no entanto, que o testamento feito pelo de cujus merece um reparo, devendo ser respeitada a legítima de 50%. Houve apelação com fundamento de que o testamento particular, não foi elaborado sob as formalidades legais, sustentando que o testamento merece reparo como apontado pelo magistrado (TJSC, 2019).

Nesse passo, os apelantes ainda aduziram que o testamento não foi escrito a próprio punho pelo finado e, que duas testemunhas desconhecem o seu teor, pois não participaram da solenidade. Sustentaram que o testador estava sob uso de morfina, não estando em pleno discernimento. Por fim, apontaram que estava anexado aos autos o prontuário médico comprovando-o (TJSC, 2019).

O Des. Luiz Felipe Schuch, debutou seu voto conhecendo o recurso por preencher os requisitos de admissibilidade. Em seguida, pontuou que o litígio é sobre dúvida quanto à validade da cédula em questão. Assim, traz na decisão os artigos 1.876 a 1.880 do CC, onde dispõe sobre o testamento particular. A própria lei, nos mencionados artigos, flexibiliza as formalidades de elaboração da cédula, em casos excepcionais. Deixando a crivo do juiz, acerca da validade e da vontade do testador. Finaliza o trecho, anexando uma jurisprudência que arrima sua decisão (TJSC, 2019).

A falta de alguns requisitos quando da elaboração do testamento, no caso examinado, são insuficientes para invalidar o feito. A cédula de fato não foi escrita pelo próprio punho do testador, mas foi redigida por um terceiro, a pedidos dele, em razão de sua impossibilidade, uma vez que estava sem coordenação motora para realizá-lo (TJSC, 2019).

Ato contínuo, o testador fez a leitura em voz alta, enquanto estava sendo gravado por (gravação audiovisual). Revisou a redação e rubricou todas as folhas demonstrando assim, que estava ciente do teor ali escrito. Ademais, aduziram que a leitura não foi efetuada na presença de ao menos 03 testemunhas. Porém, duas delas não estavam presentes, mas estavam cientes do conteúdo, motivo pelo qual são vícios meramente formais ao passo que não invalida o feito (TJSC, 2019).

Por fim, conforme apontado pelos apelantes o vício na declaração de vontade do testador. Argumentando-se que, quando da elaboração o testador se encontrava-se em um estado de saúde crítico, com uso de morfina, sem pleno discernimento conforme prontuários acostados aos autos. Tal argumentação não merece acolhimento, não é o que extrai-se do conjunto probatório. Os referidos prontuários não foram acostados. A gravação (audiovisual) contraria os argumentos, vez que o testador aponta um equívoco na redação realizada pelo terceiro, e determina que o retifique (TJSC, 2019).

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Dessa forma, vislumbrou o Des. Luiz Felipe Schuch, que as provas e principalmente a gravação audiovisual, revelaram a real vontade do testador de deixar os bens a sua mulher, ainda que fosse além da legítima e pontuou que próprio pleito da ação para validar o testamento, comprova a boa fé da viúva, ex esposa do de cujus (TJSC, 2019).

Percebe-se que apesar de não serem observados alguns requisitos meramente formais, quando da elaboração do testamento pela ferramenta audiovisual, o Relator preservou como premissa máxima a última vontade. Razão pela qual, não terá o de cujus como corrigir, distorcer ou confirmar sua real vontade, vez que está falecido. Manteve na íntegra, a sentença proferida pelo juiz a quo 1. Votou no sentido de conhecer o recurso e negar-lhe o provimento.

4.2. Da análise ao acórdão do Rio Grande do Sul, proferido em: 2002 de nº 70003475175.

Trata-se de apelação para atacar a sentença do juiz a quo, na qual indeferiu a (Ação Anulatória de Adoção C/C Anulação de Testamento), lavrado por instrumento público. Fundamentou em sua decisão que na época dos fatos, o testador estava sem capacidade conforme laudo médico acostado. Houve contrarrazões, sob os argumentos que o testamento foi elaborado com observância dos diplomas legais, e fé pública do tabelião, pugnando pelo improvimento da apelação. O Ministério Público esteve presente, deixando de se manifestar (TJRS, 2002).

Com agravo de instrumento no processo de origem, foi atribuído o efeito suspensivo, por este Rel. Desembargador, para realização de perícia técnica, dirimindo sobre alguns ruídos, omissões, senões etc., presente no testamento feito na forma (audiovisual). Para assim, não restarem dúvidas sobre a cédula. Depurando o documento sonoro para o devido exame com acuidade (TJRS, 2002).

Os tabeliães, por sua prerrogativa de praxe e fé pública, atestam quando o testador está, ou não está, em pleno gozo de suas faculdades mentais. Apesar de presente no feito, não ocorreu neste caso. No entanto, as provas mostraram coerência em favor do testador, visto que ele estava capaz de expressar sua vontade. Deste modo, colocou sua impressão digital no testamento, em razão da sua impossibilidade de assinar por falta de coordenação motora (TJRS, 2002).

O ato foi registrado pelo tabelião nos termos da lei, na presença de 05 testemunhas. Em seguida, o Relator anexa as exatas palavras de uma Doutora, cujo não específica sua área de atuação. Em sua transcrição, ela relata que é possível ver no vídeo (audiovisual), que o testador gesticula com as mãos e faz alguns comentários, no entanto, não é possível entender sua fala. Pontua que a sentença de 1º grau, atentou-se aos gestos e as pronúncias, que apesar das dificuldades, percebe-se que consegue expressar suas vontades (TJRS, 2002).

Insatisfeito, anexou um trecho da sentença de primeiro grau. No trecho, o magistrado relata que foi consignado na audiência, que na fita de vídeo, o testador está sentado à mesa, na presença de outras pessoas. Estava usando uma cadeira de rodas, aparentemente atento, com higidez e bem trajado. Momento em que levanta seu braço direito e fala a todos, porém, não é possível entender sua fala, pois na filmagem há muitas pessoas falando ao mesmo tempo. Por fim, descreve que na perícia para depuração do vídeo, não foi possível constatar a data em que se passou os fatos (TJRS, 2002).

Finalizado os trechos, o Relator registra em seu acórdão que não restou demonstrada a incapacidade do testador. Apesar de estar enfermo, com cadeiras de rodas e dificuldades de falar, restou comprovado com base na apreciação do vídeo, que estava em pleno estado de higidez, lúcido, coerente e atento. Afastou a impugnação sobre a incapacidade do testador, pelos argumentos expostos. Negou-lhe o provimento mantendo a sentença do juiz a quo na íntegra, a qual validou o testamento, com base na fita audiovisual (TJRS, 2002).

Apesar de haverem impugnações dos apelantes cujo tinham o escopo de convencer o Relator a caçar a sentença de primeiro grau, que validou o testamento feito através da ferramenta audiovisual, não obtiveram sucesso, pois com acuidade ao apreciar o vídeo, ficou demostrado a inexistência de coação, ou impossibilidade de expressá-la suas vontades ainda que cadeirante. Ambos os julgadores, magistrado de primeiro grau e o Relator, detectaram a real vontade do finado assim como o julgador de Santa Catarina pontuou.

4.3. Da análise ao acórdão de Rio de Janeiro, proferido em: 2019 de nº 0132225-54.2015.8.19.0001.

O referido apelo teve como escopo apreciação da decisão de primeiro grau que determinou o desentranhamento da petição com documentos juntados pelo apelado. Indeferiu o pedido de arrolamento das testemunhas que presenciaram a feitura do testamento do falecido, fundamentando que eventuais vícios deverão ser requeridos em ação própria (TJRJ, 2019).

Cabe gizar que o nobre Rel. Desembargador, em seu acórdão, debruça-se ao pedido de confirmação de testamento feito por audiovisual, e prolatou seu entendimento enquanto julgador. Mister se faz prosseguir com a análise de seu voto.

Em que pese a sentença do juiz a quo, confirmou a validade do testamento em respeito a última vontade, por entender ter sido elaborado com observância das formalidades, foi interposto recurso de apelação para anular a sentença, por ausência de intimação dos herdeiros necessários e dos cônjuges casados em regime de comunhão universal de bens. Destaca o Rel. Desembargador Gilberto Matos, que se limitará a examinar os requisitos objetivos acerca da forma, para validação do feito. Com isso, inicia seu acórdão afirmando que a falta de intimação dos herdeiros necessários não é razão para nulidade do ato, rejeitando a primeira preliminar (TJRJ, 2019).

Cuida-se de testamento particular, feito eletronicamente. A cédula foi presenciada e assinada por três testemunhas. Juntou-se o depoimento das testemunhas e do Ministério Público. Sendo que duas, não recordavam de quantas pessoas participaram na data dos fatos. Não há divergência de que o testamento foi feito e lido pela testadora, mostrando lucidez e discernimento, pois, uma das testemunhas, em seu depoimento afirmou que a solenidade foi filmada, vídeo este que será examinado (TJRJ, 2019).

Um dos herdeiros, levantou questionamentos acerca da validade do testamento. Alguns merecem destaques, sendo eles; que a formalidade não foi atendida; não foi a falecida que escreveu a cédula; o documento não representava a vontade da testadora; a testadora teria denunciado criminalmente desvio de seus bens imóveis; no vídeo, a testadora lê de forma artificial, sem presença de testemunhas e, é interrompido antes de assinarem o documento; entre outras alegações (TJRJ, 2019).

Reitera que não analisará o vício de consentimento da testadora, por não ser escopo da jurisdição. Porém, sublinha o nobre Rel. Desembargador, que há de fato um testamento, e que foi assinado pela falecida, com consentimento desta ao rubricar a cédula. O testamento não é uma criação feita pelo testador, pois há regulamentação e profissionais na área para orientá-lo. Por estas razões, é de consciência do testador sobre o que está sendo descrito na cédula, sendo fielmente a vontade dele ali expressa (TJRJ, 2019).

Uma vez assinado, tem-se que o testador está de inteiro acordo com a descrição do documento e torna-se de sua autoria a redação. Não há nenhuma prova de que a falecida testadora estava sem suas faculdades mentais e discernimento. Terminou o Relator, deixando claro que a testadora estava lúcida, com fundamento extraído do laudo médico acostado nos autos (TJRJ, 2019).

Após surgimento de dúvidas quanto a real vontade da testadora por uma testemunha, esta aduziu que a falecida mudou a narrativa dos fatos quando teve o conhecimento que estava sendo filmada por um dos herdeiros, e que embora ciente disso, prosseguiu. O julgador afastou as alegações sob os fundamentos que mesmo antes de se tornar pública a filmagem, a testadora havia declarado por instrumento público suas vontades, e assinado o documento (TJRJ, 2019).

Pontuou o nobre Relator que no vídeo onde registrou-se a última vontade da testadora, nota-se que é bastante explicativo, é possível confirmar a real dos fatos, e que a testadora leu o testamento na presença de ao menos três testemunhas, assim, juntou uma imagem em que demonstra as referidas pontuações. Para fechar, delineou que na cabeceira da mesa é de fato a testadora, e que as demais presentes são as três testemunhas, sem conseguir apurar a identidade da terceira (TJRJ, 2019).

Gizo em descrever um dos mais importantes trechos em que o Relator Gilberto Matos, extraiu da gravação audiovisual feita por um herdeiro.

Extrai-se que não houve, qualquer indício de nervosismo, irritação ou constrangimento da falecida testadora. Nada comprova que ela estava lendo seu testamento sob coação, sem livre e espontânea vontade. A mera redação do testamento por um terceiro, não altera a validade do feito (TJRJ, 2019).

Ao perguntar o significado de uma palavra redigida na cédula, no momento em que a testadora lê, não gera qualquer nulidade, do contrário, corrobora com seu pleno gozo de faculdades mentais. As alegações de ter pulado uma linha quando da leitura, é normal que ocorra, seria formalismo exacerbado invalidar o testamento por este equívoco. A falta de uma quarta testemunha não implica na nulidade do ato, isso porque a lei exige ao menos três (TJRJ, 2019).3

Mais uma vez, extrai-se do referido entendimento que meros requisitos formais não obsta a validação de um testamento feito pela ferramenta audiovisual, desde que fica constatado a real vontade do testador e sejam observados os requisitos mínimos para elaboração.

4.4. Da análise ao acórdão de São Paulo, proferido em: 2011 de nº 9161148-52.2009.8.26.0000.

Debuta o Relator, com o devido relatório da sentença de 1.º grau que ordenou o registro do testamento feito pelo de cujus, por depoimento gravado em DVD. Houve apelação dos filhos do testador fundamentando-se que o feito não foi elaborado de acordo com as formalidades legais, pugnando pela reforma da sentença para invalidar o testamento. Teve contrarrazões, o Ministério Público opinou pelo provimento da apelação (TJSP, 2011).

Vencido o relatório, adentra no mérito da apelação, pontuando que o testamento gravado em DVD4, está anexo aos autos. Relata que foi elaborado perícia por um expert da sua confiança, e restou comprovado que o finado dispôs de seus bens de forma mais genérica e informal. Partilhando bens para sua segunda esposa, e para os filhos do primeiro casamento (TJSP, 2011).

Segundo o Relator, o testador teria a intenção de fazer o testamento, porém, realizou sem a presença de testemunhas e não observou as formalidades legais. Relata ainda que a gravação ocorreu em 1998, e a morte em 2005, sendo este interregno suficiente para elaboração do testamento numa das formas previstas em lei (TJSP, 2011).

Limitou-se a aplicar a norma daquela época em que o vídeo foi gravado, assim, traz o Art. 1.629, que reconhecia apenas como testamentos, o ordinário, público, cerrado e o particular. Não se admitia outros testamentos especiais, senão os previstos no Art. 1.631, sendo o marítimo e o militar (TJSP, 2011).

Finaliza o Relator, descrevendo que o testamento feito por vídeo, não é uma forma prevista em lei, não teve participação de testemunhas quando da realização e, o depoimento não foi reduzido à escrita pelo finado. A manifestação foi de pura emoção, vago e impreciso. Para o julgador, o testamento é solene quanto ao casamento, e não foram observados os requisitos essenciais para validação do feito. Finaliza seu voto, anexando uma ementa que invalidou um testamento por não ser elaborado de acordo com as formalidades previstas em lei. Dado feito, deu provimento ao recurso que visava invalidar o testamento audiovisual feito pelo de cujus (TJSP, 2011).

Percebe-se neste julgado, que o Relator seguiu estritamente os requisitos previsto na lei, para que assim, caso preenchidos, validasse o testamento. No entanto, negou-lhe o recurso e manteve incólume a sentença do juiz a quo que invalidou. Como não foram observadas as formalidades legais, tais como a presença de testemunhas, o julgador entendeu que melhor sorte não lhe assiste. Compreende que o testamento é tão solene quando ao casamento, não havendo de flexibilizar-se os requisitos para sua validade.

Finalizo este último capítulo com ilustres palavras de Rodrigues (2021, p. 34)

[...] apesar do caráter formal e solene dos instrumentos sucessórios, isto é, dos procedimento exigidos para a elaboração de um testamento, principalmente no que tange o testamento público, está claro que há sim a possibilidade de informatizá-lo. Isto quer dizer que, transportar a realização de um ato solene como a elaboração de um testamento público para o ambiente virtual é possível, o que falta é o mover legislativo do casulo do conservadorismo.

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