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Teoria do crime em síntese

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O ponto de partida para os aprendizes do direito penal é justamente, diante de um fato concreto, identificar se ali está presente ou não um fato criminoso.

Para o experimentado operador do direito, essa identificação flui de maneira natural, às vezes até de forma pouco técnica. Vamos encontrar profissionais que sabem que determinado fato não se constitui crime, porém não sabem explicar o porquê de sua conclusão.

Se isto é assim para o profissional de carreira jurídica, imagine como deve ser para o aluno que ainda dá os primeiros passos no estudo do crime. Sente-se muitas vezes perdido diante de tanta teoria, chegando até acreditar que elas para nada servem na prática.

Ledo engano, pois as teorias são os pilares do direito penal. E, para definir se um fato é criminoso ou não, existe uma, a teoria maior do direito penal: a teoria do crime.

Esta teoria, dentro da corrente que filiamo-nos (majoritária na doutrina pátria) diz que crime é um fato típico, ilícito e culpável. Simplesmente isso.

Portanto, diante de um fato basta o observador identificar se ele é típico, ilícito e culpável. Se for, pode-se dizer que ele é um fato criminoso. Há o crime.

Fato típico é o fato material no qual se identifica a efetivação de uma conduta prevista no tipo penal incriminador, e ainda, que afeta ou ameaça de forma relevante bens penalmente tutelados. Possui os seguintes elementos: a) conduta (dolosa ou culposa, omissiva ou comissiva); b) resultado jurídico/normativo; c) nexo de causalidade (entre a conduta e o resutado); d) tipicidade (formal e conglobante) [1].

Para que o fato seja típico deve possuir os elementos enunciados. Ressaltando-se que há autores que defendem seja elemento do fato típico o resultado naturalístico. Para essa corrente, tal resultado seria imprescindível, assim como o nexo de causalidade, apenas nos crimes materiais. Entendemos de forma diferente, acreditando que como elemento do fato típico deva figurar o resultado jurídico (normativo), entendendo-se este como a lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado. Sendo que, por este ângulo, todo fato típico deve possuir resultado [2], elevando-se este à categoria de elemento essencial.

A despeito da polêmica supra, fato é que, se diante do fato concreto, verifica-se que este não é típico (por conta da ausência ou exclusão de um de seus elementos essenciais), de pronto fica descartada a ocorrência do fato como criminoso.

De outro modo, acaso superada a primeira fase da análise, chegando-se à conclusão do fato ser típico, deve-se investigar se o mesmo é ilícito ou não.

Para saber se o fato é ilícito, a melhor maneira é fazer um raciocínio a contrario sensu; ou seja, deve-se verificar se está presente alguma das excludentes de ilicitude: a) estado de necessidade; b) legítima defesa; c) estrito cumprimento de dever legal; d) exercício regular de direito; e) livre e eficaz consentimento do ofendido. Se estiver, o fato não é ilícito. Se for lícito, inútil se continuar com a análise, pois isso já leva à conclusão sobre a inexistência de crime.

Concluindo-se pela ilicitude do fato, por último deve-se averiguar se o fato é culpável, pelo que se deve averiguar a presença dos elementos essenciais da culpabilidade, quais sejam: a) imputabilidade; b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato; c) exigibilidade de conduta diversa.

Para decidir sobre a presença da imputabilidade, o melhor critério também é fazer um raciocínio a contrario sensu, averiguando a presença de uma de suas excludentes, que são as seguintes: a) doença mental (art. 26 do CP); b) imaturidade natural (menoridade penal – art. 27 do CP); c) embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, do CP); d) condição de silvícola inadaptado [3]. Presente uma dessas excludentes, não há imputabilidade e, por conseguinte, o fato não é culpável (não há culpabilidade).

Quanto à potencial consciência da ilicitude do fato, também a melhor forma de identificar se ela está presente ou não é através da averiguação da presença de sua única excludente: o erro de proibição inevitável (art. 21 do CP, parte intermediária). Acaso tenha ocorrido erro de proibição inevitável, não há potencial consciência da ilicitude do fato, não sendo também o fato culpável.

No tocante à exigibilidade de conduta diversa, prevalece o mesmo raciocínio. Busca-se identificar suas excludentes que são, a princípio, duas (ambas previstas no art. 22 do CP): a) coação moral irresistível; e b) obediência hierárquica. A doutrina majoritária admite, no entanto, causas supralegais de exclusão da exigibilidade de conduta diversa, que devem ser identificadas diante das situações concretas, sempre tendo em mente o raciocínio de que para excluir a exigibilidade de conduta diversa, o proceder do agente deve estar em consonância com o comportamento que a sociedade exige para a situação que se apresenta.

Superada a análise da culpabilidade, chegando-se à conclusão de que o fato é culpável, e já tendo concluído que o mesmo é típico e ilícito, finalmente se pode dizer que estamos diante de um crime.

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Embora pareça simplista o que ora apresentamos, como já dissemos no início, não raras são as situações que até mesmo profissionais de larga experiência cometem erros ao identificar de forma tecnicamente apropriada qual o melhor argumento para defender a absolvição de alguém por não ter cometido crime nenhum.

Quando, no entanto, dissecamos o conceito analítico de crime tudo parece ficar mais fácil, pelo menos para identificarmos onde exatamente está o ponto nefrálgico para o qual devem ser direcionados os estudos no sentido definir, por exemplo, sobre a presença de uma excludente de ilicitude, excludente de culpabilidade, ausência de dolo ou qualquer outra questão que se encontre imersa nas fases que devem ser ultrapassadas até se chegar à conclusão de que um fato é típico, ilícito e culpável.

Pensando nisso, elaboramos a tabela prática em anexo, que facilita um rápido raciocínio para identificar se um fato é criminoso ou não.


NOTAS

1. Estamos alinhados com a corrente que entende ser necessária, para a configuração do fato típico, a presença não somente da tipicidade formal (entendendo-se esta como a perfeita subsunção do fato praticado à descrição contida no tipo penal incriminador), mas também, e cumulativamente, a presença da tipicidade conglobante, considerando-se haver a presença desta quando a conduta do agente é antinormativa (ou seja, não é imposta ou fomentada pela norma) e afete bens de relevo para o direito penal (tipicidade material).

2. Rogério Greco (in Curso de Direito Penal – Parte Geral, v. 1, 8ª edição, Impetus, 2007, págs. 216-217), na esteira de Luiz Flávio Gomes, afirma que: "Estamos, portanto, com Luiz Flávio Gomes, que não limita o resultado, previsto na redação do art. 13 do Código Penal, somente àqueles considerados como naturalísticos". Fernando Capez (in Curso de Direito Penal – Parte Geral, v. 1, 6ª edição, Saraiva, 2003, p. 142) também afirma que: "Todo crime tem resultado jurídico porque sempre agride um bem jurídico tutelado. Quando não houver resultado jurídico não existe crime. Assim, o homicídio atinge o bem vida; o furto e o estelionato, o patrimônio etc".

3. Explicita Francisco Dirceu Barros (in Direito Penal – Parte Geral, 3ª edição, Editora Campus, 2006, p. 471, que: "Apesar de inexistir dispositivo legal expresso, os índios não-assimilados, autores de crime, conforme a doutrina e a jurisprudência dominantes, são considerados, inimputáveis ou semi-imputáveis, de acordo com sua total ou parcial incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em vista de desenvolvimento mental incompleto (art. 26 e seu parágrafo único, do Código Penal)".


ANEXO

CRIME: fato material no qual se identifica a efetivação de uma conduta prevista no tipo penal incriminador, e ainda, que afeta ou ameaça de forma relevante bens penalmente tutelados.

ELEMENTOS

  • Conduta jurídico/normativo (art. 13, primeira parte, do CP).

  • Nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (art. 13 do CP).

  • Tipicidade

    • Formal: adequação perfeita do fato à lei penal incriminadora.

    • Conglobante: quando a conduta do agente não é imposta ou fomentada pela norma e afeta bens penalmente relevantes (tipicidade material).

  • ILÍCITO: relação de antagonismo entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico

    • EXCLUDENTES DE ILICITUDE

      • Estado de necessidade (arts. 23, I, e 24 do CP);

      • Legítima defesa (arts. 23, II, e 25 do CP);

      • Estrito cumprimento de dever legal (art. 23, III, do CP);

      • Exercício regular de direito (art. 23, III, do CP);

      • Consentimento do ofendido (admissível somente em alguns casos).

  • CULPÁVEL

    • EXCLUDENTES DE IMPUTABILIDADE

      • doença mental (art. 26 do CP);

      • imaturidade natural (arts. 27 do CP, e 228 da CF);

      • embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, do CP);

      • condição de silvícola inadaptado.

    • Potencial consciência sobre a ilicitude do fato

      • O erro de proibição inevitável (art. 21 do CP) exclui essa potencial consciência.

    • Exigibilidade de conduta diversa

      • Excluem esse elemento:

        • Coação moral irresistível (art. 22 do CP);

        • Obediência hierárquica (art. 22 do CP);

        • Causas supralegais (identificáveis em situações concretas)

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Sobre o autor
Gecivaldo Vasconcelos Ferreira

Delegado de Polícia Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Teoria do crime em síntese. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1677, 3 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10913. Acesso em: 22 nov. 2024.

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