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A greve no atendimento médico de urgência e emergência

Leia nesta página:

A greve é um dispositivo democrático expressamente assegurado pelo artigo 9º da Constituição federal Brasileira de 1988.

"Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender".

Entretanto, determina seu parágrafo primeiro:

"§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade."

Importante salientar que a lei infraconstitucional já definiu o que é considerado serviço ou atividade essencial, quer para atividades particulares como para atividades públicas. A lei nº 7.783, de 28.6.89, dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências. O artigo 10, II, define expressamente como sendo serviço ou atividade essencial a assistência médica ou hospitalar.

Por sua parte, o artigo 24 do Código de Ética Médica deixa claro o direito do médico de "suspender suas atividades, individual ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições mínimas para o exercício profissional ou não o remunerar condignamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina". Esclarecendo, o entendimento do Código de Ética Médica é claro ao estabelecer o direito dos médicos de reivindicar melhores condições de trabalho, desde que com o movimento paredista não prejudiquem o atendimento mínimo à população.

No que tange à greve do servidor público, o Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho vem editando verbetes no sentido de recomendar que os países membros reconheçam a greve como um direito dos servidores públicos, somente admitindo restrições em casos muito particulares.

Nesse sentido, o Comitê editou o verbete nº. 394, que dispõe:

"O direito de greve só pode ser objeto de restrições, inclusive proibição, na função pública, sendo funcionários públicos aqueles que atuam como órgãos de poder público, ou nos serviços essenciais no sentido estrito do termo, isto é, aqueles serviços cuja interrupção possa pôr em perigo a vida, a segurança ou a saúde da pessoa, no todo ou em parte da população".

Aliás, o TST já decidiu ser greve abusiva aquela exercida por serviços considerados essenciais e que deixe a população sem atendimento:

"Impõe-se a manutenção do reconhecimento da abusividade da greve quando verificado que esta foi realmente deflagrada sem a observância do atendimento mínimo à população, providência imposta pelo artigo 11 da Lei nº 7783/89" [01].

"Nos termos do artigo 11 da Lei nº 7783/89 incumbe aos Sindicatos, empregadores e trabalhadores, a garantia, durante a greve, da continuidade de prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. No entanto, não é crível que o empregador tivesse ao seu alcance instrumento de pressão tão eficiente a obter sucesso onde o judiciário, mediante comando judicial com cominação de multa pecuniária, não conseguiu atingir, demovendo intuito dos trabalhadores de paralisar os trabalhos no dia predeterminado. Ora, se o empregador conseguisse garantir, durante o movimento paredista, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e, portanto, a não suspensão total do trabalho naquela região, não teria postulado a intervenção judicial. Parece justo interpretar o artigo 11 da Lei de Greve como determinação às partes envolvidas no Dissídio de Greve a cumprirem obrigação de forma voluntária, e não sendo possível atribuir indenização àquela que se recusou a obedecer ao comando legal" [02].

O PARECER CFM Nº 20/2002, encontrado no endereço eletrônico http://www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/2002/20_2002.htm, trata do assunto da seguinte maneira:

"A greve ou paralisação das atividades em qualquer setor produtivo ou de serviços é sempre questionável à medida que impede o acesso da coletividade a bens ou serviços que, concretamente, contribuem para o aumento do nível da qualidade de vida dos cidadãos e cidadãs, causando, conseqüentemente, um constrangimento geral na sociedade.

Quando esta suspensão ocorre nos setores ditos essenciais, como saúde, segurança, educação, abastecimento, água e energia, etc., agudiza o processo haja vista que o impedimento diz respeito a bens que não só influenciam na qualidade mas que podem comprometer a continuidade da vida. (...) Os atendimentos de emergência e urgência, UTI e atividades afins devem ser garantidos durante o período de greve, como também mantida a seqüência do tratamento dos pacientes internados até o início do movimento reivindicatório, seja por médicos residentes ou do quadro permanente do hospital. A instituição deve estar preparada para manter um nível de atendimento adequado a sua clientela.

Para os Conselhos Regionais e como médicos regularmente inscritos nos mesmos, os residentes se submetem às normas legais aplicáveis à sua profissão, devendo ser responsabilizados por eventuais danos que venham a causar por atos ilícitos ou omissões".

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Pela natureza da função, serviço de saúde é considerado serviço essencial pela Lei nº 7.783, artigo 10, II, c/c parágrafo único do artigo 11 da mesma lei, que dispõe que "são necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população".

Nesse sentido, o

Projeto de Lei do Senado nº 84, de 2007, em tramitação, define os serviços ou atividades essenciais, para os fins do exercício do direito de greve do servidor público, previsto no inciso VII do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras providências. O referido projeto de lei dispõe nos artigos 1º e 2º:

"Art. 1º São reconhecidos como serviços ou atividades essenciais, para os fins de exercício do direito de greve do servidor público, conforme previsto no inciso VII do art. 37 da Constituição Federal:

I – os serviços caracterizados como de urgência médica, necessários à manutenção da vida;

II – os serviços de distribuição de medicamentos de uso continuado pelo Serviço Único de Saúde;

III – as atividades de necropsia, liberação de cadáver e exame de corpo de delito;

IV – as atividades policiais relacionadas à segurança pública e penitenciária;

V – os serviços de controle de tráfego aéreo.

Art. 2º Em caso de deflagração de greve de servidores que exerçam qualquer dos serviços e das atividades arroladas no artigo anterior, ficam os mesmos responsáveis pela manutenção dos referidos serviços e atividades, podendo, para tanto, organizar escalas especiais de plantão.

Parágrafo único. O sindicato ou a assembléia da respectiva categoria deverá indicar os servidores que deverão se revezar nas escalas especiais de plantão previstas no caput deste artigo".

Outrossim, na mesma linha de raciocínio de que há a obrigatoriedade de atendimento de serviços de urgência pelos médicos, ainda que durante movimento grevista, retira-se do artigo 35 do Código de Ética Médica que é vedado ao médico "deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, colocando em risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria". Significa dizer que o médico não poderá futuramente se defender de possível infração ética com os argumentos de que seguia as orientações do movimento grevista. Assim, iniciado o movimento grevista e elaborada uma escala de plantão, devem os médicos plantonistas efetuar normalmente os atendimentos necessários.

É claro que não nos furtamos ao entendimento de que a classe médica vem sofrendo com péssimas condições de trabalho e uma remuneração que não condiz com a importância da medicina. Outrossim, e seguindo o que ensina o artigo 2º do Código de Ética Médica, que "o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional", a luta por melhores condições de trabalho não pode sobrepor-se ao direito constitucional à saúde previsto no artigo 196 da Constituição Federal:

"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

Portanto, em serviços essenciais, como os de saúde, imprescindível que seja feita e cumprida escala de médicos responsáveis pelos atendimentos de urgência e emergência.


Notas

01 TST RODC 566906/ 99 DJ 17-12-1999, p. 34, Relator Ministro José Alberto Rossi.

02 TST ROACP 553172/ 99, DJ 17-09-1999, p. 27, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula.

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Sobre o autor
André Pataro Myrrha de Paula e Silva

Analista Jurídico do Ministério Público de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, André Pataro Myrrha Paula. A greve no atendimento médico de urgência e emergência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1680, 6 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10916. Acesso em: 18 nov. 2024.

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A opinião do autor não reflete necessariamente a da autarquia em que trabalha.

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