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Corrupção, um câncer que corroi a sociedade

13/05/2024 às 17:14

Resumo:


  • A corrupção é um câncer que corroi a sociedade, gerando descrença nas instituições públicas e autoridades.

  • No Brasil, a corrupção se tornou descontrolada devido a filigranas processuais que permitem impunidade.

  • A corrupção está institucionalizada no Brasil, levando a práticas questionáveis como o direcionamento de verbas por parlamentares.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A LRF foi sendo paulatinamente enfraquecida por medida legislativas.

A corrupção é um câncer que corroi a sociedade pelo seu efeito nefasto. Planta no seio da sociedade a descrença nas instituições públicas e nas autoridades constituídas.

Apesar de o Brasil ter aderido ao acordo de combate à corrupção nos âmbitos da OCDE e da ONU, a corrupção entre nós tornou-se fora de qualquer mecanismo de controle, ao contrário do que acontece na maioria dos demais países, onde a corrupção está sob controle do Estado. Estados existem em que os corruptos são condenados è pena capital.

No Brasil, por conta de incríveis filigranas processuais, os corruptos não são alcançados pela lei penal deixando-se levar pela prescrição da ação penal. Mesmo depois de condenados por todas as instâncias judiciais conseguem a sua descondenação sob alegação de “defeitos processuais”, para anular a decisão condenatória, sem exame do mérito ganhando o status de ficha limpa. É de estarrecer!

Lamentavelmente a corrupção no Brasil está institucionalizada em nível constitucional e em nível da legislação ordinária como resultado da grave crise ética moral que estamos atravessando. Não há ética no ato de legislar; não há ética no ato de executar; e não há ética no ato de julgar.

Assim temos a emenda de relator (RP9) declarada inconstitucional pelo STF por ausência de publicidade e de transparência, e constitucionalizada no dia seguinte.

Realmente, um dia após a declaração de inconstitucionalidade dessa emenda do relator, a Câmara dos Deputados pegou a carona de uma PEC em adiantado estado de tramitação e, por meio de contrabando legislativo (jaboti), inseriu a totalidade das verbas previstas para o exercício de 2022 a título emenda do relator no bojo da emenda individual, que de 1,3% da receita corrente líquida passou para 2%, democraticamente, dividido entre deputados (1,55%) e senadores (0,45%). Parece um filme de ficção, mas é a dura realidade!

Para grande parte dos doutrinadores, agora, estaria tudo certo porque a emenda do relator passou a ter matriz constitucional, sendo que antes era regida por mera resolução do Congresso Nacional.

Pensamos diferente. No conflito de normas constitucionais devemos buscar uma interpretação dentro da ordem jurídico-constitucional global. Dentre os princípios de interpretação constitucional são pertinentes ao caso sob exame o Princípio da Unidade da Constituição  e o princípio do Efeito Integrador.

São poderes independentes e harmônicos entre si o Judiciário, o Legislativo e o Executivo (art. 2º da CF). Esse princípio é protegido por cláusula pétrea (art. 60, § 4º, III da CF).

De conformidade com esse princípio não cabe ao Legislativo direcionar concretamente a aplicação de recursos financeiros. E no sistema presidencialista de governo a aplicação de recursos financeiros cabe privativamente ao Poder Executivo não se admitindo sócio na gestão financeira do Estado. Esse negócio de presidencialismo de coalizão que leva à velha praxe de “dá cá e toma lá” é uma excrescência dentro do sistema presidencialista de governo, a revelar atos de corrupção.

Ao legislativo cabe controlar e fiscalizar a execução orçamentária com o auxilio do TCU.

Dai a inconstitucionalidade do direcionamento, pelos parlamentares, de verbas pertinentes às emendas individuais e de bancada que conflitam abertamente com o princípio da independência  e harmonia dos Poderes e com o sistema presidencialista do governo, descambando para o semiparlamentarismo de governo.

Um Poder incumbido da fiscalização e controle das despesas públicas não pode realizar despesas sob pena de tornar inoperante o mecanismo de controle. Todos estão lembrados do episódio do “tratoraço” em que parlamentares destinaram os tratores a diversos municípios com preços superfaturados em mais de 180% do preço normal. São conhecidas, igualmente, as utilizações de verbas da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaiba (Codevsf) para execução de obras que distam mais de 1.500 quilômetros do Rio São Francisco. Mas, o pior exemplo é daquele da construção de um imponente mirante em frente a um condomínio de alto luxo, de propriedade de um ilustre Senador da República, com os recursos da emenda individual.

Igualmente inconstitucionais os Fundos Partidário e Eleitoral por destinar dinheiro público às pessoas de direito privado, além de faltar a prévia regulamentação, por lei complementar, das hipóteses de instituição de fundos, bem como dos mecanismos de seu controle e fiscalização, como determina o art. 165,  § 9º, II da CF.

Quando é o próprio Estado quem patrocina a corrupção, qualquer mecanismo de combate existente na esfera privada e pública torna-se inoperante.

Tanto é que nem a operação lava jato, que custou fantásticos recursos financeiros à nação, acabou com a corrupção institucionalizada. Além de não acabar com ela trouxe novos casos de corrupção durante a sua execução, com desvios de vultosos recursos financeiros provenientes de delações premiadas e de acordos de leniência, mediante a destinação direta desses recursos por parte das autoridades públicas envolvidas nessa operação lava jato, afrontando o princípio elementar de direito financeiro, segundo o qual tudo que se arrecada deve convergir para o Tesouro de onde só pode sair em forma de despesa legalmente autorizada. É o princípio da unidade de tesouraria, expresso no art. 56 da Lei nº 4.320/64, que veda a permanência de dinheiro público em caixas especiais, de sorte a assegurar o controle e a fiscalização das despesas públicas.

A LRF foi sendo paulatinamente enfraquecida por medida legislativas expandindo-se  as despesas de pessoal além dos limites fixados nos arts. 19 e 20. Outras vezes, por meio de interpretações jurisprudenciais casuísticas obtém-se a mágica de duplicar o teto remuneratório previsto no inciso XI, do art. 37 da CF mediante a indevida exclusão de valores a título de verbas indenizatórias que vão surgindo aos montes como sucedâneo de aumento salarial: auxílio paletó, auxílio moradia; auxílio transporte; auxílio refeição; auxílio para compra de livros etc.  Não faz menor sentido o pagamento de auxílio moradia e auxílio transporte para autoridades públicas contempladas com moradia oficial e com automóvel motorizado por conta do erário. Somente os detentores do poder não sofrem os efeitos da omissão da revisão geral e anual da remuneração dos servidores públicos prevista no inciso X, do art. 37 da CF, porque  têm a prerrogativa de eles próprios criar uma porção de penduricalhos que vão engordando os subsídios.

A Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429/02, por sua vez, recebeu um golpe mortal com o advento da Lei nº 14.230/2021. Dentre inúmeras maldades, o astuto legislador, sob a capa de endurecimento no combate a atos de improbidade administrativa aumentou o prazo de suspensão de direitos políticos de 5 a 8 anos, conforme o caso para 14 anos. Só que os casos de perda de função passaram a atingir apenas o vínculo da mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração. Em outras palavras, um prefeito que tenha cometido ato de improbidade ao se eleger deputado, senador, ou governador assume o novo cargo expurgado de todos os vícios. Isso equivale a abolir as hipóteses de suspensão de direitos políticos. O agente político poderá cometer “n” atos de improbidade administrativa bastando que mude de cargo ou função a cada quatro anos para permanecer impune.

O mesmo artifício foi utilizado pelo esperto legislador que “aumentou” o prazo de prescrição que era de cinco anos após o término do mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, para 8 anos, porém contados a partir do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.

A vinculação da infração ao cargo ocupado pelo agente público à época da infração, aliada ao novo prazo prescricional implicou, na prática, a abolição dos atos de improbidade administrativa do ordenamento jurídico.

A corrupção faz parte da história do Brasil e de outros povos, porque ela é inerente à sociedade. Só para citar, nos desvios de recursos públicos perpetrados na execução de obra da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos estão envolvidas as seguintes multinacionais: Siemens (ALE); Mitsui (JAP); Bonbardier (CAN); Alston (FRA); e CAF (ESP). Este é um exemplo típico de efeito multiplicador da corrupção a nível mundial. O que, na verdade, existe são os diferentes graus de corrupção, bem como, o sistema jurídico de sua repressão que varia de um país para outro.

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A corrupção é um sério obstáculo à inclusão social que aniquila a igualdade das pessoas, separando a sociedade em andar de cima, onde alguns poucos vivem como nababos e andar de baixo, onde vivem milhões de pessoas sem o mínimo do mínimo indispensável à vida condigna segundo os ditames da justiça social, como reza o art. 170 da CF.

São bilhões de reais desviados pela corrupção sob todas as formas possíveis e imaginárias que poderiam ser canalizados para as obras de infraestrutura nas áreas de saúde, educação, transportes, segurança pública e outras áreas essenciais.

Não há um único governo que não tenha praticado ou tolerado atos de corrupção no Brasil.

Segundos os dados da ONG (Transparency Intenancional) dos 180 países pesquisados, o Brasil em 2012 situou-se na 69ª posição como país com menos percepção dos atos de corrupção; no ano de 2014 caia para a 72ª posição; depois para a 94º,  para ficar em 2021 na 96º posição; em 2023 o país despencou de vez: ficou em 104º posição dentre os 180 países pesquisados. Em 2024, com certeza, irá despencar mais ainda como estão a apontar os indicadores: fantásticos “gastos” com cartões coorporativos; sumiço dos móveis do Planalto seguido de compra de móveis novos sem licitação; 50 pedidos de impeachment a exigir mobilização de recursos para mantê-los engavetados; o contingenciamento dos dividendos da Petrobras sem nenhuma motivação técnico-financeira etc.

Enfim, o nosso país é movido à corrupção. Sem ela a economia trava. A desmontagem dos esquemas de corrupção das grandes empreiteiras causou a estagnação econômica. Porém, a corrupção não acabou. Ela simplesmente migrou para outras plagas.

Confirmando que a corrupção no Brasil é de natureza estrutural Leo da Silva Alves escreveu uma obra versando sobre Corrupção Política no Brasil, sob o sugestivo título de RATARIA[1], n’uma pertinente referência “aos ratos inteligentes que habitam os subterrâneos do poder; invadem as despensas do país, pilham o que há de melhor e fogem astutamente de todos os controles”. Em 266 páginas o autor, um dos maiores críticos da realidade brasileira, descreve as formas como agem os corruptos e os expedientes dos quais se valem para auferir vantagens ilícitas. O autor faz uma travessia na história para afirmar que a corrupção se assentou já na independência em 1822: “Os brasileiros se acostumaram com essa convivência, vista como inerentes ao exercício das funções públicas”.

O vírus da corrupção, infelizmente, já atingiu todo o tecido social que se encontra em fase de metástase, sem possibilidade de reversão.  É triste, mas querer bani-la de nossa sociedade não é possível à medida que é o próprio Estado que alimenta a corrupção. 


[1] Edição online de 2021, disponível na Amazon. 

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Corrupção, um câncer que corroi a sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7621, 13 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109219. Acesso em: 22 dez. 2024.

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