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Controvérsias do STF com relação a Embaixada da Hungria

03/05/2024 às 08:22
Leia nesta página:

A entrada de Bolsonaro na embaixada húngara não o beneficiaria com imunidade diplomática, por estar em solo brasileiro, e não no exterior.

1. INTRODUÇÃO

É cediço e por demais consubstanciado em nossa Carta Fundamental de 1988, que todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e a segurança pessoal e, porquanto, não pode ser preso de forma arbitrária, tampouco detido ou perseguido, diante da ideia de que todos nascem dignamente iguais e livres em seus direitos.

Ademais disso, todo cidadão tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, uma vez que todo ser humano possui a capacidade de gozar os seus direitos e as liberdades, sem nenhuma distinção, seja por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou mesmo de opinião política, sendo esses direitos consagrados na Carta Magna vigente, com base nos fundamentos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução nº 217, A III, na data de 10 de dezembro de 1948.

Ressalte-se que os precitados postulados têm os seus efeitos irradiados sobre as Constituições de países democráticos, inclusive a Constituição brasileira.

Nessa inteligência, levando-se em conta que a liberdade é a regra e deve ser encarada em toda sua plenitude, qualquer cidadão que venha se encontrar perseguido em seu território por crimes políticos, por convicções religiosas ou mesmo por situações raciais têm o seu direito assegurado de buscar asilo.


2. DO ASILO POLÍTICO

Assim sendo, como o asilo político é constituído de ato discricionário do Estado, pode legalmente ser deferido como instrumento de proteção ao indivíduo. Contudo, essa proteção encontra estanque específica em determinado país, como no cometimento de crime de genocídio, de crime contra a humanidade e crime de guerra.

Destarte, toda e qualquer pessoa que esteja sujeita à perseguição, tem o direito de procurar o benefício de asilo em outros países, desde que a pessoa interessada esteja no território estrangeiro, para o qual está solicitando proteção ou mesmo em um de suas missões diplomáticas, como nas embaixadas.

Por outro lado, vislumbra-se que o próprio STF, alguns juristas e jornalistas entendem que as embaixadas e consulados são consideradas território das nações que representam.


3. DO INGRESSO DE BOLSONARO NA EMBAIXADA HÚNGARA

Rebuscando-se sobre o ingresso do Presidente Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria, em Brasília (DF), logo após ser alvo de uma operação da PF, segundo a avaliação dos ministros do STF pode dar margem a decretação de uma prisão preventiva, no entanto, segundo os ministros o questionamento necessita ser tratado “com cautela”, para entender qual o motivo real de Jair Bolsonaro.

De acordo com a manifestação do jornal norte-americano, New York Times (NYT), Bolsonaro passou duas noites no prédio da representação diplomática, no mês de fevereiro do corrente exercício, logo após ter seu passaporte apreendido durante uma operação, em que apurava suposta tentativa de golpe de Estado.

Em seguida, a defesa do Presidente Jair Bolsonaro confirmou a precitada informação jornalística, dizendo que Bolsonaro “ficou hospedado” na representação diplomática, com o fim de manter contatos com autoridades do país amigo, inclusive com o primeiro-ministro”. Segundo a mídia, a PF vai investigar o caso.

Ademais disso, o jornal The New York Times publicou que, o ingresso do ex-presidente ao prédio da embaixada da Hungria, conforme expõe a precitada imagem obtida pelo referido jornal pela câmara de segurança, ocorreu quatro dias após a operação policial deflagrada contra alvos suspeitos de participar das discussões de uma suposta tentativa de golpe, durante o governo pretérito.

Rebuscando os fatos, consta que no dia 8 de fevereiro de 2024, o Presidente Bolsonaro foi apontado como um dos alvos de uma operação da PF, visando apurar o envolvimento de uma organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. Assim, com autorização do ministro do STF, Alexandre de Moraes, medidas restritivas foram aplicadas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, tais como a proibição de deixar o país, a entrega do passaporte no prazo de 24 horas, além de se comunicar com os demais investigados, nem mesmo por meio de advogados.

Na data de 14 de fevereiro de 2024, a defesa do Presidente Bolsonaro chegou a requerer ao STF a devolução do passaporte, argumentando que não foi apresentado nenhum “risco de fuga”, solicitando, ainda, que a proibição de deixar o país fosse substituída pela obrigação de pedir autorização de um afastamento maior do que sete dias.

De conformidade com o jornal norte-americano, o ex-presidente Bolsonaro permaneceu no local durante dois dias, acompanhado por dois seguranças e na companhia do embaixador húngaro e de membros da equipe diplomática. Ademais, informa que Bolsonaro é alvo de diversas investigações criminais, e que não poderia ser preso em uma embaixada estrangeira, porque o local está legalmente fora do alcance das autoridades nacionais, e que a estadia na embaixada sugere que o ex-presidente estava tentando se valer de sua amizade com o primeiro-ministro, Viktor Orbán, da Hungria, numa possível tentativa de escapar da justiça, em face de enfrentar investigações criminais no Brasil.


4. LEGISLAÇÃO DAS EMBAIXADAS E CONSULADOS

Na realidade as Embaixadas e Consulados jamais poderiam ser um território estrangeiro, uma vez que, a maioria dos imóveis que servem de base para missões diplomáticas e consulados é alugada. Por conseguinte, todos os locais da missão diplomática, ou seja, todos os lugares onde labutam funções diplomáticas, incluindo-se a residência do chefe da missão diplomática, pertencem aos territórios do país onde estão instalados. Contudo, não deixam de usufruir de especial proteção.

Compulsando os preceitos dos artigos 22, 24, 27, 29 e 30 da Convenção de Viena de 1961, que tratam das Relações Diplomáticas, dispõem que os locais, documentos e correspondências das missões diplomáticas são invioláveis, não podendo ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução. Ademais, essa inviolabilidade funciona para os agentes diplomáticos e suas residências particulares, como parte de sua imunidade, funcionando de modo costumeiro com fulcro na reciprocidade entre os países, visando permitir a atuação dos diplomatas da melhor forma possível.

Desse modo, foi estabelecido pela Convenção de Viena de 1961, para os seus signatários o princípio da inviolabilidade, definindo que as autoridades do Estado não podem ingressar na missão diplomática, sem autorização do chefe da missão. Salvante, na hipótese da necessidade de proteger vidas, como no caso de incêndio em uma embaixada, admitindo a entrada dos bombeiros sem a necessidade de autorização legal.

Nesse tom, vale observar que o nosso Código Penal, especificamente, não trouxe qualquer regra relacionada às embaixadas, razão pela qual, conclui-se que as embaixadas, embora invioláveis, não constituem extensão do território do país que representam. Assim sendo, a título de exemplo, a embaixada norte-americana no Brasil é considerada território brasileiro e na hipótese de crime ocorrido em seu ambiente, deverá ser aplicada a lei penal brasileira, salvante a incidência de convenção, tratado ou regras de direito internacional.

Por outra monta, já no pertinente a ideia de extraterritoriedade, dispõe o preceito do artigo 5º do Código Penal Brasileiro que, levando-se em consideração as embarcações e aeronaves pertencentes ao governo estrangeiro ou a seu serviço, estas são consideradas, também, como extensão do território nacional. Porquanto, na prática, assim como vem a ocorrer com as missões diplomáticas, essas aeronaves e navios são também protegidos pela inviolabilidade, de acordo com a previsão do artigo 5º, §§ 1º e 2º, do CPB, infra:

“Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984).

“§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar”. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984).

“§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil”. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984). Lugar do crime (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984).

Vale observar, também, que na hipótese de ocorrência de um crime no interior de uma embaixada ou consulado estrangeiro no solo brasileiro, de um modo geral, a lei brasileira deverá ser utilizada para conhecer e julgar o delito, nos termos do artigo 5º do CPB. No entanto, a única exceção é quando o crime tenha sido praticado por um agente diplomático ou algum representante que seja portador de imunidade diplomática.

No que pertine a quem faz jus aos privilégios e imunidades, essas prerrogativas são aplicadas em missões diplomáticas, tais com as repartições consulares e sedes ou escritórios de representação de organismos internacionais. Ademais, são aplicados aos agentes diplomáticos e consulares, aos membros do pessoal técnico-administrativo das embaixadas e dos consulados e aos funcionários de organizações internacionais. No entanto, esses privilégios e imunidades ocorrem quando cumprem missão junto a representações de seu país no exterior, porém não gozam de qualquer imunidade em seu próprio país. Por exemplo, no caso de agentes diplomáticos brasileiro gozam de imunidades quando exercem funções em embaixadas do Brasil no exterior, porém não estão imunes à jurisdição das autoridades brasileiras. E, de modo idêntico, os agentes diplomáticos estrangeiros que estejam cumprindo missão junto a embaixada no Brasil, não estão imunes à jurisdição das autoridades de seu próprio país.

Em suma, os agentes diplomáticos e membros do pessoal técnico-administrativo das embaixadas, desde que não tenham nacionalidade brasileira, gozam de imunidade absoluta, não podendo ser presos, detidos ou processados no Brasil. No entanto, no pertinente aos funcionários e empregados consulares, membros do pessoal de serviço das embaixadas e funcionários internacionais, gozam de imunidade parcial, cuja restrição dizem respeito aos atos praticados no exercício de suas funções, podendo ser presos ou detidos pela prática de crimes comuns, desde que em decorrência de delito grave e por meio de decisão judicial.


5. A QUESTÃO DA IDA DE BOLSONARO A EMBAIXADA

De efeito, rebuscando-se o questionamento do STF, de que o Presidente Jair Messias Bolsonaro buscou asilo diplomático na Embaixada da Hungria, a pretexto de proteção por perseguição política, perante suposta interpretação de que Bolsonaro estava se furtando à aplicação da lei penal, não tem o menor cabimento à luz das regras internacionais supramencionadas e da legislação infraconstitucional brasileira.

Consequentemente, o ministro-relator do STF, Alexandre de Moraes, não tinha outra alternativa senão atender a requerimento do Procurador-Geral do MPF, Paulo Gonet, pelo arquivamento do inquérito que apurava o suposto pedido de asilo, por parte de Presidente Jair Bolsonaro, na Embaixada da Hungria, levando-se em consideração que Bolsonaro não poderia a ser enquadrado em qualquer situação de imunidade, a partir do seu ingresso na Embaixada da Hungria, de acordo com os fundamentos legais supracitados, mesmo porque, embora tivesse o pleno direito de buscar asilo político, Jair Bolsonaro estava em solo brasileiro e não no exterior.

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Na data de 25/04/2024, o ministro Alexandre de Moraes arquivou a investigação sobre a ida do Presidente Jair Bolsonaro à Embaixada da Hungria, levando em consideração de que não há indícios de que Bolsonaro pretendia pedir asilo político ao governo do primeiro-ministro Viktor Orbán, nos termos seguintes:

"Não há elementos concretos que indiquem que o investigado pretendia a obtenção de asilo diplomático para evadir-se do país e, consequentemente, prejudicar a investigação criminal em andamento". 

E, complementando afirmou:

"As missões diplomáticas, embora tenham proteção especial, nos termos da Convenção de Viena, não são consideradas extensão de território estrangeiro, razão pela qual não se vislumbra qualquer violação a medida cautelar de se ausentar do país”.

Destarte, chega-se à conclusão de que houve um erro juridicamente primário por parte do STF, omitindo-se de avaliar os postulados da diplomacia nacional e internacional, com base na Convenção de Viena de 1961, no Código Penal Brasileiro e no Código Processual Brasileiro. Aliás tem sido corriqueiro no âmbito do STF, ajuizamentos de diversas ações criminais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, sem sequer haja uma prévia avaliação dos substratos fáticos, necessária para abertura legal de uma ação criminal, mormente porque o ex-presidente não mais possui foro privilegiado, para que possa ser processado pelo STF.

No que pertine ao instituto do foro privilegiado, observa-se que essa prerrogativa de função tem a sua previsibilidade legal nos artigos 53 e 102 da Constituição Federal de 1988, cujo direito é atribuído a determinadas autoridades que ocupam cargos públicos, além de não serem julgadas perante o Juízo de primeira instância em matéria penal, pela prática de crimes comuns e de responsabilidade, em vista de prevalecer o interesse público e evitar decisões arbitrárias, na preferência de serem julgadas pelas instâncias superiores. Contudo, a grande desvantagem consiste na situação de que o agente político possui menos instâncias para recorrer, salvante raras exceções. Ademais, não poderá recorrer no caso de ser julgado diretamente pelo STF, a não ser para a própria Corte Maior.

No entanto, o foro privilegiado no Brasil, infelizmente tem sido utilizado como um escudo a determinados políticos, que permanecem agindo contrariamente aos esteios da República, incumbindo ao eleitor a agir como verdadeiro juiz, impedindo-os de renovarem seus mandatos.

Por outra monta, segundo decisão do STF, que já tem a maioria, para modificar o foro por prerrogativa de função, no sentido de manter o foro especial para os políticos investigados, por supostos crimes praticados durante o seu mandato e relacionados ao exercício do cargo, mesmo após deixarem seus cargos públicos. Essa decisão, diante da atual conjuntura, poderá acarretar possível e contínua perseguição política, principalmente contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.


FONTES DE PESQUISA

  • - Constituição Federal de 1988

  • – Código Penal Brasileiro

  • – Código de Processo Penal

  • – Leis Infraconstitucionais

  • – Agência Senado Federal – 01/08/2017

  • – Meu Site Jurídico - 19/08/2017

  • – Jota – 15/02/2022

  • – André Damian e Lucie Antabi – O Globo – 25/03/2024

  • - Consultor Jurídico – 10/04/2024

  • – Adib Abdouni – BBC News Brasil – 12/04/2024

  • – Mariana Schreiber – UOL – 24/04/2024

  • – Walter Maierocitch – UOL – 25/04/2024

  • – Ansa Brasil.

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Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA NETO, Jacinto. Controvérsias do STF com relação a Embaixada da Hungria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7611, 3 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109244. Acesso em: 25 nov. 2024.

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