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Nova carteira de identidade, uma burocracia desnecessária e inútil

09/06/2024 às 19:58

Resumo:


  • Alterações frequentes na carteira de identidade e documentos de identificação civil têm impactado a vida dos cidadãos e gerado burocracia.

  • A Lei nº 14.534 de 2023 institui o CPF como único documento suficiente para identificação em serviços públicos, alterando leis anteriores.

  • Essa mudança gera questionamentos sobre a substituição do número de CPF por outros números de registro em documentos como RGs e carteiras de órgãos de classe.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Desaparecerão nos futuros documentos de RGs e das carteiras de identificação expedidas por órgãos de classe de profissões regulamentas (OAB, CRM, CRE etc) os respectivos números de registro, sendo substituídos pelo número de CPF?

Um dos documentos preferidos pelas autoridades para alteração de modelos diz respeito à carteira de identidade, que mudam periodicamente.

Antigamente a alteração do modelo dizia respeito ao documento de identidade de estrangeiros, talvez para equilibrar o caixa do governo com a arrecadação de “taxas”.

Lembro que meus pais contratavam despachantes para fazer essas renovações. Começou com o modelo 18, depois modelo 19 para acabar com o modelo 20. Hoje não sei mais qual o modelo em vigor porque meus pais já são falecidos.

No que diz respeito ao documento de identificação civil do cidadão, igualmente, tem sido alterado periodicamente.

A última alteração colocou um dígito após o número de identificação e aboliu, não se sabe por que razão, o nome da localidade de nascimento.

Essas alterações perturbam a vida do cidadão que precisa deixar os seus afazeres e ficar por horas nas filas de repartições públicas.

Agora, veio à luz a Lei nº 14.534 de 11 de janeiro de 2023 que adota o CPF como único documento suficiente para identificação do cidadão nos bancos de dados de serviços públicos. A burocracia, desta vez,  ficou por conta do poder público.

Segundo o § 1º, do art. 1º da Lei sob exame o número do CPF deverá constar dos cadastros e dos documentos de órgãos públicos, do registro civil de pessoas naturais ou dos conselhos profissionais, em especial nos seguintes documentos:

I - Certidão de Nascimento;

II - Certidão de Casamento;

III - Certidão de Óbito;

IV - Documento Nacional de Identificação (DNI)

V - Número de Identificação do Trabalhador (NIT)

VI - Registro no Programa de Integração Social (PIS) ou no Programa de Formação do Patrimônio do Servidor (PASEP)

VII - Cartão Nacional de Saúde

VIII - Título de eleitor

IX - Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)

X - Número da Permissão para dirigir ou Carteira Nacional de Habilitação (CNH)

XI - Certificado Militar

XII - Carteira Profissional expedida pelos conselhos de fiscalização de profissão regulamentada; e

XIII - Outros certificados de registro e número de inscrição existentes em bases de dados públicos federais, estaduais, distritais e municipais.

O número de identificação de novos documentos emitidos ou reemitidos por órgãos públicos ou por conselhos profissionais será o número de inscrição no CPF (§ 2º do art. 1º)

O art. 2º dessa Lei promove alterações na Lei nº 7.116/83 que assegura a validade nacional das carteiras de identidade e regula sua expedição para:

a) acrescentar a assinatura do dirigente do órgão emissor, que sempre constou;

b) determinar que na emissão de novos documentos o órgão emissor utilize o número do CPF como número de registro geral da carteira de identidade;

c) determinar que os órgãos emissores de registro geral deverão realizar pesquisa na base do CPF, a fim de verificar a integridade das informações, bem como disponibilizar dados cadastrais e biométricos do registro geral à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil;

d) Na hipótese de o requerente da Carteira de identidade não esteja inscrito no CPF, o órgão de identificação realizará a sua inscrição.

O art. 3º dessa Lei nº 14.534/2023 altera a Lei nº 9.454/97 que institui o número único de Registro de Identidade Civil para:

a) que seja adotado, nos documentos novos, para o número único de que trata este artigo, o número de inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF);

b) que o número do CPF seja o único e definitivo para cada pessoa física.

O art. 4º, por sua vez, alterou a Lei nº 13.444/2017 que igualmente dispõe sobre Identificação Civil Nacional (ICN) para acrescentar o § 6º com a seguinte redação: 

“Na emissão dos novos DNIs, será adotado o número de inscrição Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) como número único”. 

Por derradeiro, o art. 5º da Lei sob comento introduziu o § 1º ao art. 10-A da Lei nº 13.460/2017 que dispõe sobre participação, proteção a defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública com a seguinte redação: 

“§ 1º Os cadastros, os formulários, os sistemas e outros instrumentos exigidos dos usuários para a prestação de serviço público deverão disponibilizar campo para registro do número de inscrição no CPF, de preenchimento obrigatório para cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, que será suficiente para sua identificação, vedada a exigência de apresentação de qualquer outro número para esse fim.” 

Nunca um documento foi tão alterado como a carteira de Identidade Civil para identificar o brasileiro em suas relações com a sociedade e com os órgãos e entidades governamentais e privados.

Os documentos de identificação civil do cidadão passaram pelas seguintes alterações:

a) Lei nº 7.116 de 29/8/1983 assegurou a validade nacional às carteiras de identidade regulando sua expedição;

b) Lei nº 9.454 de 7-4-1997 instituiu o número único de Registro de Identidade Civil e criou o Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil;

c) Lei nº 13.444 de 11-5-2027 dispôs sobre a Identificação Civil Nacional (ICN).

Registro de Identidade Civil (RIC) ou a Identificação Civil Nacional (ICN) ou Documento Nacional de Identificação outra coisa não são senão a tradicional Carteira de Identidade, onde consta obrigatoriamente o número do CPF do identificado.

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Agora os burocratas de plantão alteram as leis retrorreferidas para instituir o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) como número único e suficiente para a identificação do cidadão nos bancos de dados de serviços públicos.

Fixou-se o prazo de 12 meses, para que órgãos e as entidades realizem a adequação dos sistemas e dos procedimentos de atendimento aos cidadãos, para a adoção do número de inscrição no CPF como o número de identificação. E o prazo de 24 meses foi fixado para que os órgãos e as entidades tenham a interoperabilidade entre os cadastros e as bases de dados a partir do número de inscrição no CPF. A palavra interoperabilidade utilizada pelo burocrata de plantão significa trabalho em conjunto que possibilita a interação entre pessoas, órgãos e sistemas.

Trata-se de uma previdência desnecessária que onera os cofres públicos com providências de discutível utilidade, o que não sinaliza boa intenção do legislador.

Para um governo que acumula um déficit diário de R$ 2 bilhões não era o momento para implantar um novo sistema de identificação civil do cidadão brasileiro por meio de CPF, mesmo porque na prática isso vem ocorrendo de longa data. O cidadão brasileiro é como se fosse um objeto identificado pelo número de CPF nas costas para pagar tributos. Nada se pode fazer sem o CPF.

A maioria dos documentos enumerados § 1º, do art. 1º da Lei nº 14.534/2023 já consta obrigatoriamente o número do CPF.

A inclusão do número do CPF na certidão de nascimento sinaliza para o governo voraz o futuro contribuinte de tributos possibilitando a projeção de despesas para o futuro com vistas ao pagamento potencial de tributos. No Brasil tudo é possível, pois o tributo pode ser cobrado antecipadamente antes da ocorrência do fato gerador, com base no fato gerador presumido. E a inclusão do número desse CPF na certidão de óbito, por sua vez,  sinaliza para o governo a perda de arrecadação, ou a economia de recursos financeiros se o de cujus era aposentado ou pensionista.

Por fim, como de hábito, o confuso legislador inseriu uma norma dúbia no § 2º, do art. 1º com a seguinte redação:

“O número de identificação de novos documentos emitidos ou reemitidos por órgãos públicos ou por conselhos profissionais será o número de inscrição no CPF”. 

Pergunta-se, desaparecerão nos futuros documentos ou reemissões de RGs e das Carteiras de identificação expedidas por órgãos de classe de profissões legalmente regulamentas (OAB, CRM, CRE etc.) os respectivos números de registro, sendo substituídos pelo número de CPF? Sabe-se que tanto nos RGs como as carteiras de identidades expedidas por órgãos de classe, de há muito, já  consta o número do CPF.

Dessa forma tudo indica que o número do CPF tem o sentido de substituição dos números dos respectivos registros no DNI e de inscrições nos órgãos de classe dos profissionais legalmente regulamentados (advogados, engenheiros, arquitetos, médicos, odontólogos, contadores e economistas). Se assim for será uma pena, pois, o número de inscrição do advogado, por exemplo, tem a importante função de identificar o advogado antigo do advogado novo, bem como para apurar a quantidade de advogados em cada subseção da OAB que, por sua vez, possibilitará apontar o número de profissionais em âmbito nacional.

A indagação quanto à substituição ou não dos respectivos números de registros vale, igualmente, em relação aos demais documentos como o título de eleitor, a CNH, a CTPS, ao certificado militar etc. 

SP, 13-5-2024.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Nova carteira de identidade, uma burocracia desnecessária e inútil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7648, 9 jun. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109428. Acesso em: 22 dez. 2024.

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