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Inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 415/08.

Proibição da venda de bebidas alcoólicas em margens de rodovias

Leia nesta página:

Há tempos as estatísticas acusam o elevado número de acidentes de trânsito no país, mormente nas rodovias. Essas mesmas estatísticas apontam à influência de bebidas alcoólicas como um dos fatores que contribuem para o elevado número desses acidentes.

Recentemente (época de férias de fim de ano, de festas) a imprensa tem alardeado o aumento do número de acidentes, parte deles relacionados com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

Pressionado, o governo federal respondeu com a edição da Medida Provisória 415, em 21 de janeiro de 2008, a qual veda aos bares, restaurantes ou qualquer outro estabelecimento situado às margens de rodovia federal, a venda de bebidas alcoólicas.

Referida norma traz as seguintes sanções para o seu descumprimento: multa de R$ 1500, e, na hipótese de reincidência, multa em dobro seguida da suspensão da autorização de acesso à rodovia federal por dois anos. A fiscalização ficará a cargo da Polícia Rodoviária Federal.

Não é preciso dizer que a MP-415 caiu nas graças da população, pois a redução dos acidentes nas rodovias é anseio universal, além do que, ninguém discorda de frases como "álcool e direção não combinam", "se beber, não dirija" e outras tais que foram associadas à medida.

De outra banda, evidentemente, o setores de bares e restaurantes, bem como os de supermercados e shoppings, vale dizer, os setores para os quais o governo enviou a "fatura", se opõem à "MP Seca".

Em suma, pode-se dizer que – ao menos em tese – a medida do governo funda-se na seguinte premissa: se o motorista não puder comprar bebida na rodovia, não dirigirá sob o efeito do álcool.

Se, por um lado, a sobredita premissa não nos convence, por outro, estamos absolutamente convencidos da inconstitucionalidade da MP-415, e não são poucas nem frágeis as razões, conforme se passa a demonstrar.


Da ausência de um dos requisitos constitucionais previstos no art. 62 CF

Ab initio, verifica-se a ausência de um dos pressupostos constitucionais para a edição de qualquer medida provisória, qual seja, a urgência. Desnecessário dizer que os requisitos relevância e urgência, previstos no art. 62 da Constituição Federal, são cumulativos.

Com efeito, não se cogita de urgência em relação a um problema que se arrasta há anos, senão décadas, e para o qual não existem soluções prontas e imediatas. A questão dos acidentes rodoviários é um dos problemas crônicos deste país, de modo que, por mais relevante que possa ser (e é), não pode ser tratada como uma urgência. Ao contrário, questão de fundo que é, deveria ser conduzida com a devida reflexão e não com medidas de inopino e popularescas como ocorreu.

Assim, "esbarramos" com a primeira inconstitucionalidade da MP-415, a ausência do requisito constitucional urgência para sua edição. Esta alegação, ao tempo em que este artigo é escrito, encontra-se pendente de julgamento no STF – e aqui começa um outro problema, a timidez do Supremo quando se trata de analisar o preenchimento desses requisitos das medidas provisórias.

É bem verdade que não compete ao Judiciário dizer sobre a relevância e a urgência das decisões políticas e administrativas, não deve o juiz imiscuir-se no mérito administrativo. Por outro lado, não pode o governante se furtar da fundamentação de seus atos, ou seja, de declarar os motivos relevantes e urgentes que fundamentam o uso da medida provisória. Não basta dizer que é urgente, é preciso demonstrar ou que reste natural e inequivocamente demonstrado à vista da notoriedade das circunstâncias.

Desse modo, ao fundamentar seus atos, vincula-se o governante às suas razões, devendo responder ainda pela adequação entre a motivação da medida e a realidade dos fatos. Essa adequação, essa correspondência entre a fundamentação dada pelo Chefe do Executivo e a realidade factual pode e deve ser apreciada pelo Judiciário, do contrário negar-se-ia qualquer efeito a várias garantias constitucionais, dentre as quais a constante do art. 62 CF.

Noutros termos, se ao Judiciário fosse vedada a análise das medidas provisórias, nos moldes do parágrafo anterior, o art. 62 CF estaria a conferir ao Chefe do Executivo (não só na esfera federal!) poderes de legislador positivo ordinário, incongruentes com o princípio da separação dos Poderes, além do que, vulneraria outra garantia constitucional, a da "inafastabilidade" do controle jurisdicional.

Tornando ao caso concreto, não está presente o requisito urgência, porquanto, urgente é aquele algo imprescindível sem o qual haverá um dano certo e iminente. Este, com certeza, não é o caso da MP-415. E, se ainda assim houver dúvida, basta tomar o exemplo do Estado de S. Paulo no qual medida idêntica foi adotada com resultado nulo.

E diga-se mais, urgentes são as obras de reparação das rodovias federais, cujo péssimo estado de conservação é a verdadeira causa da maioria dos acidentes. Urgente é a fiscalização dos motoristas para que não dirijam alcoolizados, pois quem está disposto a exagerar na bebida, certa e lamentavelmente, não deixará de fazê-lo por não encontrá-la num bar de rodovia.

E quanto à Polícia Rodoviária Federal, com o seu já minguado quadro, terá de deslocar significativa parte do efetivo, da fiscalização das rodovias, dos motoristas, para a "fiscalização" de bares, restaurantes, supermercados, shopping centers, e, o pior, extrapolando sua competência.

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Como se nota, o problema da violência no trânsito não será resolvido com medidas afoitas, populistas, inconstitucionais e lesivas aos direitos de terceiros.


Da ofensa aos princípios constitucionais fundamentais da livre iniciativa e dos valores sociais do trabalho, bem como da ordem econômica e financeira

Dispõe o Texto Maior que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

. . .

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

. . .

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

. . .

II - propriedade privada;

. . .

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

. . .

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

. . .

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Quando se proíbe a prática de uma atividade comercial lícita (vender bebida alcoólica), está-se a realizar uma intervenção deletéria nos setores da economia envolvidos.

Este tipo de intervenção (injustificada) vai de encontro aos princípios constitucionais fundamentais da livre iniciativa e do valor social do trabalho, pois coloca em xeque atividades econômicas lícitas (livre iniciativa), o que reflete diretamente no emprego (valor social do trabalho, pleno emprego, redução das desigualdades sociais).

Chega a ser despiciendo dizer que proibir um bar de vender bebidas alcoólicas significa determinar o seu fechamento, seria algo como proibir um açougue de vender carnes. Quanto aos restaurantes, a participação das bebidas alcoólicas no faturamento desses, segundo se tem noticiado, corresponde a 40% em média, ou seja, o impacto também é enorme.

Mas não é só, a MP-415 ainda ofende o princípio da livre concorrência, vez que atinge determinados setores parcialmente, gerando, destarte, condições desiguais de competição. Figure-se o restaurante "A", com acesso direto a uma BR e fundos para determinada rua, em relação a um concorrente "B" situado na mesma rua, porém, do outro lado desta (sem acesso direto à BR). "A" não poderá comercializar bebidas alcoólicas, ao passo que "B", sim.

Poder-se-ia, a esta altura, argumentar com a existência de outro valor constitucional (vida) que se sobreporia aos demais, o que seria de todo verdadeiro, não fosse o fato de que esses direitos não estão em conflito, sendo, ao contrário, perfeitamente possível curar a todos satisfatoriamente.

E inexiste o conflito porque a coibição do consumo de bebidas alcoólicas, por motoristas, não passa necessariamente, isto é, não precisa passar, não tem porque passar, pela proibição do comércio de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes situados nas rodovias federais.

Inúmeras situações podem ilustrar o quanto afirmado no parágrafo anterior. Imagine-se, v.g., bares, restaurantes, supermercados e shoppings situados em cidades que são atravessadas ou margeadas por rodovias federais. É evidente que a maioria dos consumidores desses é composta de munícipes que dirigem dentro da cidade, ainda assim, esses bares e afins estão proibidos de comercializar bebida alcoólica. Perde o comerciante, o empregado, o consumidor e o Estado (tributos, salário desemprego e outros custos sociais).

Tudo isso sem falar em um "detalhe" óbvio, convenientemente esquecido: grande parte dos consumidores de bebidas alcoólicas nas estradas não é de motoristas, mas sim de passageiros, e não há razão fática ou jurídica a obstar o consumo de bebidas por passageiros.

Por todo o exposto, conclui-se pela inequívoca inconstitucionalidade da MP-415/08. Referida medida, além de inconstitucional, mostra-se ineficaz e prejudicial. Em uma singela analogia pode-se compará-la ao remédio que não cura a doença e ainda traz graves efeitos colaterais.


Bibliografia:

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed., 7ª tir. São Paulo, Malheiros Editores, 2006.

BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 4ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2000.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo. Malheiros Editores, 2006.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed., 3ª tir. São Paulo, Malheiros Editores, 2004.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Hachich de Cesare

Advogado empresarial em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CESARE, Paulo Henrique Hachich. Inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 415/08.: Proibição da venda de bebidas alcoólicas em margens de rodovias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1687, 13 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10946. Acesso em: 22 nov. 2024.

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Título: "Inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 415/08".

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