Pejotização da Engenharia - Abusos das Construtoras - Vedada a precarização no setor - Simulações

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27/05/2024 às 20:25
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PEJOTIZAÇAO DA ENGENHARIA – ABUSOS DAS CONSTRUTORAS – VEDADA PRECARIZAÇÃO NO SETOR – ALGUNS ASPECTOS

Resumo: Inicialmente estudada como uma questão que atingiria apenas as profissões que se situam nas camadas mais pobres da população se têm que alguns setores – sobretudo a engenharia – começam a passar por este fenômeno em relação a indevidas e abusivas pejotizações.

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA, ADVOGADO MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR DA FAJ DO GRUPO UNIEDUK DE UNITÁ FACULDADE - COORDENADOR NACIONAL DOS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL, DIREITO IMOBILIÁRIO E DIREITO CONTRATUAL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE. EMBAIXADOR DO DIREITO À SAÚDE DA AGETS – LIDE.

A questão da precarização das condições de trabalho por vezes é um ponto muito sensível eis que lida com valores sociais igualmente sensíveis e a Organização Internacional do Trabalho aponta que desaceleração da economia pode forçar aumento de aceitação de empregos degradantes, intensificando desigualdades – se aduz que o custo do Estado na economia seria imenso e se encontrou, então, ao invés de se lutar por impostos justos (a voracidade fiscal é imensa), apostar no fenômeno conhecido por pejotização, um modo de burlar essa voracidade.

No lado do embate entre dois grupos poderosos – empresariado de um lado e Estado de outro, se busca agravar o problema da precarização imponto o ônus àquele que tem menor capacidade de articulação, ou seja, o trabalhador, o que se lamenta.

Sobre a precarização se tem que a OIT estima que o crescimento no número de empregos globais em 2023 será de apenas 1%, menos da metade do que foi em 2022. Com isso, o desemprego global deve atingir cerca de 208 milhões de pessoas, uma taxa de 5,8%. Além disso, com o aumento dos preços em descompasso com a renda nominal do trabalho, mais pessoas serão empurradas para a pobreza, favorecendo o aumento de pessoas que se submetem a situações de trabalho degradante por necessidade. 

“A necessidade de mais trabalho decente e justiça social é clara e urgente. Mas se queremos enfrentar estes múltiplos desafios, temos de trabalhar em conjunto na criação de um novo contrato social global”, afirmou Gilbert F. Houngbo, diretor-geral da OIT1

Entidades como a Conectas, OECD Watch e FIDH (International Federation of Human Rights também avaliaram as políticas e práticas do Brasil nessa área no contexto em que o país tenta ingressar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A pesquisa “Direitos trabalhistas e proteção social no Brasil – lacunas de governança” conduzida pelas organizações apontou que nos últimos anos a flexibilização de leis trabalhistas no país causou a precarização de muitos trabalhadores.

O texto diz, por exemplo, que a fruticultura brasileira, “é um setor permeado por péssimas condições de trabalho. Grande parte das mulheres e homens que trabalham na cadeia de produção dessas frutas vivem em situação de grande vulnerabilidade, sem contratos de trabalho que durem mais de 6 meses e sem salários dignos que consigam prover uma vida decente para si e para suas famílias”.

No entanto, com todo o respeito do mundo, o problema da precarização, como fruto, até mesmo da utilização de tecnologia, robótica, inteligência artificial e dentro da ideia de mão invisível do mercado e fuga de capitais de modo muito volátil e facilitado (milhões se transferem com cliques até para contas off shore ou de bancos “sombra” do mercado de exportadores e agora até por contas Escrow (Escrow Account), o que se tem observado é um problema que demandará, muita negociação entre lobbys e com várias consultas públicas.

Se o Estado insistir na via arrecadatória, rormperá com o princípio geral da tributação federalista (doutrina norte-americana) de acordo com a qual “quando todos pagam, todos pagam pouco2”, e isso deve ser lido na ordem correta, ou seja, se o valor do tributo for pequeno o empresário não tentará se evadir do pagamento (nem por sonegação que tem risco enorme, custo e ameaça de processo penal, nem por elisão – o custo de bancas especializadas, custas, recursos, não compensaria).

Ou seja, com política tributária racional, o que não se tem observado, a arrecadação aumentaria porque todos se sentiriam racionalmente inclinados a pagar. Não compensaria assumir graves riscos jurídicos. E há um problema enorme, eis que, malgrado o foco das discussões em torno da precarização passe pelo atingimento dos mais vulneráveis, o fato é que todas as profissões e extratos sociais tem sido envolvidos.

O ramo da engenharia é destacado como exemplo disso diante do grande número de demandas em que se reconhece a fraude pela pejotização indevida – muitas vezes engenheiros recém-formados ficam à mercê desse tipo de situação3 (além de outros em situação análoga – havendo evidente similitude de situações seria de se aplicar neste particular, enquanto não se estende a proteção legal – a norma prevista no artigo 4º LINDB para empregar a analogia em favor do minus habendi para redução de antinomia neste caso e verdadeira lacuna em situação nova que autoriza a mudança de postura da jurisprudência ante tudo que se expôs).

Profissionais da engenharia que, em relação a construtoras médias e grandes, não são terceirizados, mas cumprem subordinação efetiva – não tem liberdade alguma para se ajustar com fornecedores ou outros empregados das obras que conduzem (pedreiros, mestres de obra etc) acabam se inserindo no bojo da indevida terceirização da atividade-meio da produção destes prédios e obras. Estes dados fazem presumir (e, embora as presunções sejam relativas, admitindo provas em sentido contrário, isso facilita a situação da prova para o engenheiro indevidamente terceirizado). Presumindo vínculo em situações desta natureza:

TRT-18 - : ROT 110142920195180053 GO 0011014-29.2019.5.18.0053 Acórdão • Data de publicação: 10/06/2020 RELAÇÃO DE EMPREGO. ENGENHEIRO CIVIL. VÍNCULO CONFIGURADO. A atividade exercida pelo reclamante era necessária e essencial ao empreendimento econômico, sendo intrínseca à atividade-fim da reclamada, o que, por si só, já evidencia a subordinação, até porque assim como os empregados formalmente contratados nos termos da CLT , desenvolvia sua atividade de modo pessoal e habitualmente não podendo se fazer substituir. Demonstrado pelo conjunto probatório a presença dos requisitos dispostos nos artigos 2º e 3º da CLT , resta caracterizada a relação empregatícia entre as partes. (TRT18, ROT - 0011014-29.2019.5.18.0053 , Rel. EUGENIO JOSE CESARIO ROSA, 2ª TURMA, 10/06/2020)

E há ramos de atividade em que se presume não haver como o engenheiro não ser empregado – sua subordinação é presumida, como se dá no caso das mineradoras. Nesse sentido:

TRT-2 - 10014435720165020056 SP  Acórdão • Data de publicação: 08/07/2021 VÍNCULO DE EMPREGO. PEJOTIZAÇÃO. ENGENHEIRO EM TRABALHO DE MINAS. APROXIMAÇÃO POR ALTERIDADE. SUBORDINAÇÃO NECESSÁRIA. ESTRATÉGIA EMPRESARIAL. CONTRATAÇÃO SEMPRE POR MEIO DE PESSOA JURÍDICA. FRAUDE. A terceirização, segundo o STF, é possível amplamente, inclusive das atividades-fim do tomador de serviços, o que não significa que qualquer posição na empresa pode ser ocupada por pessoas jurídicas. As tarefas que demandam inserção do prestador de serviços no ciclo produtivo de outrem, mediante alteridade, devem ocorrer por subordinação, o que revela a existência de vínculo de emprego. O engenheiro nos campos de obras da empresa que explora mineração não detém autonomia de natureza distinta à técnica, para justificar a terceirização. Demais disso, a prova apontou para a necessidade do cumprimento de jornada, por meio de controle dos dias trabalhados, e atenção aos parâmetros já estabelecidos de cronograma e métodos. Se para se inserir no ciclo produtivo de outrem, o prestador ocupa lugar por alteridade, não há como rejeitar a existência do vínculo de emprego. Recurso provido.

Não há como se cogitar de falta de subordinação, inclusive, em tarefas que demandam inserção do prestador de serviços no ciclo produtivo de outrem, mediante alteridade, que devem necessariamente ocorrer por subordinação, o que revela a existência de vínculo de emprego.

Mas outros dados, como por exemplo, o controle rígido de horários e comparecimento ao local – isso é dado próprio de subordinação e vínculo – com dissimulação (causa de nulidade absoluta do contrato de suposta pejotização) – isso na própria teoria geral dos negócios jurídicos (artigo 167, e seu parágrafo 1º CC).

Como sabido, a simulação é espécie de vício de validade de um ato jurídico – sendo certo que a mesma ocorreria quando se alega haver praticado ato jurídico que não ocorreu (na modalidade de dissimulação se alega haver praticado ato diverso) e isso é causa de nulidade absoluta de um ato jurídico (nos termos da norma contida no advento do artigo 167 CC e seu parágrafo único).

Há que se tomar alguns cuidados eis que a simulação não se confunde com outras figuras próximas como o dolo e a reserva mental. Ora num exame dos elementos do suporte fático de uma simulação – sua fattispecie estaria relacionada com algo a se esconder para fins de se enganar alguém (até existe aí um certo quê de necessidade de atuação com uma reserva mental) e não se pode esquecer que, nos termos dos artigos 148 e150 CC, somente se anula o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveitar disso não tivesse ciência.

Ou seja, mesmo que não se pretenda alegar simulação – mas a figura análoga com vicio mais brando, que seria o ato doloso – não pode se beneficiar quem atue em situação de dolo bilateral (no caso da incidência do Código Civil, o dolo seria mais brando eis que geraria anulação e não nulidade absoluta). Nesse caso alternativo de dolo bilateral, inclusive:

Apelação APL 137116520078260604 SP 0013711-65.2007.8.26.0604 (TJ-SP) 11/08/2011•Tribunal de Justiça de São Paulo Ementa: Rito sumário - Pedido contraposto com valor superior ao estabelecido pelo art. 275, I do Código de Processo Civil - Inadmissibilidade Extinção sem julgamento de mérito. Prestação de serviço - Mandato de representação para execução de despacho aduaneiro - Prática de falsidade ideológica pela mandatária, para mitigar a carga tributária da mandante - Dolo bilateral - Aplicação do art. 150 do Código Civil - Pleito de remuneração deduzido pela mandatária desacolhido - Improcedência da ação de cobrança - Recurso provido em parte para esse fim. (grifo nosso). 

Exigindo o conhecimento do dolo de terceiro para uma anulação, de se destacar:  

TJ-DF - Apelação Cível APL 24956020058070005 DF 0002495-60.2005.807.0005 (TJ-DF) Data de publicação: 25/05/2009 EMENTA DOLO POR PARTE DO ALIENANTE. INTENÇÃO DE PREJUDICAR. ARTIFÍCIOS FRAUDULENTOS. MOTIVO DETERMINANTE DO NEGÓCIO JURÍDICO. RECURSO IMPROVIDO. 1. NA AÇÃO DE CONHECIMENTO VISANDO À DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, PROPOSTA PELO REAL PROPRIETÁRIO DO BEM E PREJUDICADO PELO NEGÓCIO JURÍDICO FRAUDULENTO, TEM O COMPRADOR DE BOA-FÉ LEGITIMIDADE AD CAUSAM PARA COMPOR O PÓLO PASSIVO DA LIDE, PORQUANTO É P ARTE NO CONTRATO CUJA NULIDADE SE PRETENDE VER DECLARADA. 2. O ARTIGO 145 , DO CÓDIGO CIVIL , DISPÕE QUE "SÃO OS NEGÓCIOS JURÍDICOS ANULÁVEIS POR DOLO, QUANDO ESTE FOR A SUA CAUSA". O REFERIDO DEFEITO SE APRESENTA NA MÁ-FÉ, MEDIANTE ARGUMENTOS E ARTIFÍCIOS MALICIOSOS CAPAZES DE INCUTIR NO ÂNIMO DE UM DOS CONTRATANTES A PRÁTICA DE ATO QUE, SEM ESSE ARDIL, NÃO SERIA CONCRETIZADO. 3. RECONHECE-SE A PRESENÇADE VÍCIO DE CONSENTIMENTO RESULTANTE DE DOLO DE TERCEIRO NO NEGÓCIO JURÍDICO, QUANDO FICA DEMONSTRADO QUE O AGENTE FOI INDUZIDO À CELEBRAÇÃO DE TAL ATO NEGOCIAL, MEDIANTE ARDIS PERPETRADOS POR OUTREM, QUE NÃO ERAM DESCONHECIDOS PELA OUTRA PARTE CONTRATANTE. 4. SE A PROVA DOS AUTOS É CONCLUSIVA A RESPEITO DO DOLO DO VENDEDOR, O QUAL VICIOU A MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO COMPRADOR DE BOA-FÉ, IMPÕE-SE A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO VICIADO, EIS QUE A P ARTE AUTORA COMPROVOU OS FATOS CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO - ART. 333 , I , DO CPC . 5. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 

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Como regra geral quem atua com dolo não pode ser beneficiado (vale aqui a conhecida parêmia latino nemo auditur turpitudinem suans proprians allegans – a ninguém será dado alegar a própria torpeza em juízo, em tradução literal e livre). Nesse sentido o teor do Enunciado nº 578 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal: 

ENUNCIADO Nº 578: Sendo a simulação causa de nulidade do negócio jurídico, sua alegação prescinde de ação própria”.  

Em verdade, o que pareceria estar ocorrendo, sob a perspectiva do quanto narrado pela parte autora (portanto, em situação in status assertiones), sem prova alguma, no entanto, seria a prática do assim chamado ato dissimulado. Observe-se, em relação a tanto, o quanto destacado por Michele Tessmman Laideins a respeito do tema: 

Negócio dissimulado é aquele que efetivamente se quer, mas que não aparece (oculto). EXEMPLOS DE ATOS ....... k O comerciante que, requerida a sua falência, emite títulos em favor de amigos com data anterior ao pedido para gerar créditos que lhe serão repassados, quando recebidos; In http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/simula%C3%A7%C3%A3o-dos-atos-jur%C3%ADdicos.  

Mais ainda, a simulação há que ser entendida como a ato que envolve apenas as partes, não se projetando em relação a terceiros que não podem ser prejudicados pelo seu reconhecimento. Mais ainda, a simulação pressupõe a existência de provas de sua ocorrência (sempre se lembrando que não pode haver prejuízos para terceiros):

 

TJ-MG - Apelação Cível AC 10236070109996001 MG (TJ-MG) Data de publicação: 19/08/2013 Ementa: DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO SIMULADO. CESSÃO DE DIREITOS DECORRENTES DE PERMISSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO. BILATERALIDADE ILÍCITA EM PREJUÍZO DE TERCEIRO. NÃO COMPROVAÇÃO. SIMULAÇÃO ABSOLUTA OU RELATIVA NÃO EVIDENCIADA. OUTRA CAUSA INVALIDANTE. INEXISTÊNCIA. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. O estudo do instituto da simulação nos revela que nesta espécie de vício comportamental não existe uma vítima dentro do negócio. Há uma bilateralidade ilícita, em prejuízo de terceiro, que não faz parte da avença. O negócio tem aparência normal, mas em verdade ou máscara outro (simulação relativa), ou não pretende atingir o efeito que juridicamente deveria produzir (simulação absoluta). 2. Não se inferindo das circunstâncias dos autos prova de que o negócio questionado - cessão de direitos decorrentes de permissão de uso de bem público -, tenha sido projetado para não surtir quaisquer efeitos (simulação absoluta) ou que tenha sido produzido com o escopo de mascarar outro, de efeitos proibidos (simulação relativa), nem qualquer outra causa invalidante, o caso é de improcedência do pedido. 

  

Para o Professor Silvio de Salvo Venosa, a fraude nada mais é do que o uso de meio enganoso ou ardiloso com o intuito de contornar a lei ou um contrato, seja ele preexistente ou futuro. (VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil: parte geral, 11 ª edição, página 213 (Atlas, 2011). Nesta linha, De Plácido e Silva ainda enfatiza a necessidade de intenção danosa externa à relação das partes fraudadoras (SILVA, De Plácido, Vocabulário jurídico, 32ª edição, p. 645 (Forense, 2016).

Quanto à relação da fraude com fator externo, Washington Monteiro de Barros ensina que é absolutamente necessário, para a caracterização da fraude, que um terceiro seja efetivamente lesado pelo ato fraudulento (MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil 1, 42ª edição página 245 (Saraiva, 2009). 

E há que se ter em mente que isso se discuta em sede de questão de reserva mental. E José Augusto Delgado e Luiz Manoel Gomes Júnior pontuam no sentido de que se deve considerar que “a declaração de vontade é composta por dois elementos: a) um interno (é a intenção assentada no íntimo da pessoa, a vontade real); b) o outro externo (é a manifestação dessa vontade)”, sendo que tais elementos devem estar em harmonia, exprimindo segurança e a realidade desejada por aquele que se vincula ao negócio jurídico.

Na ausência da citada harmonia, concluem que podem ser observadas três hipóteses nos negócios jurídicos: a) simulação; b) reserva mental; c) declarações sem conteúdo, não sérias, sem expressão de credibilidade (por exemplo, neste último caso, a brincadeira de uma criança, por exemplo, como aponta Roberto de Ruggiero, na doutrina civilista italiana).   

Cabe ressaltar que a reserva mental nos contratos bilaterais não se confunde com a simulação. Como bem assevera Fabio Ulhoa Coelho, se tanto uma parte como a outra, ao expedirem suas declarações, fazem reserva mental de suas reais intenções, não convergem necessariamente as intenções reservadas. Cada uma pode ter uma intenção oculta diferente. Mesmo quando conhecidas as reservas mentais das respectivas declaratórias, isso não faz surgir uma intenção simulada comum às partes.  

No direito brasileiro, há que se destacar que a questão se acha tratada no artigo 110 Código Civil que expressamente aponta no sentido de que: “Artigo 110 CC: A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.  

De acordo com Roberto de Ruggiero, observa-se a reserva mental quando o declarante quer intimar e conscientemente, coisa diversa da declarada, na maioria das vezes intencionando induzir em erro o destinatário da declaração.

No mesmo sentido, Vicente Ráo (O Direito e a vida dos Direitos) define a reserva mental como “uma particular espécie de vontade não declarada, por não querer, o agente, declará-la. É uma vontade que o agente intencionalmente oculta assim procedendo para sua declaração ser entendida pela outra parte, ou pelo destinatário (como seria pelo comum dos homens) tal qual exteriormente se apresenta, embora ele, declarante, vise alcançar não os efeitos de sua declaração efetivamente produzida, mas os que possam resultar de sua reserva”.  

 Nelson Nery Junior, em sua obra Ato Jurídico e Reserva Mental defende que “para a conceituação da reserva sob o ponto de vista estritamente jurídico, não se pode levar em consideração divergências que não possam trazer alguma consequência para o direito.

Assim, à mentira pura e simples, que não traduza nenhum reflexo no âmbito do direito, não se pode dar importância para o fim de conceituar a reserva mental” e continua no sentido de que: “O declarante que se reserva mentalmente não quer aquilo que se encontra declarado. Este não querer, produto da mente do reservante, deve ter o escopo de enganar o declaratário, porque, do contrário, seria mentira pura e simples, e não entraria no conceito de reserva mental, segundo a nossa proposição”.  

Pense-se no caso, muito comum, de engenheiros, mestres de obra (etc) que ficam em cidades acompanhando obras, e ao final dessas ou quando se faz necessário deslocamento para outra do mesmo grupo, tem-se que mudar – isso não se faz como uma escolha planejada ou porque se arrepende de morar na casa locada.

Vale apontar ainda, um fenômeno que seria o de que, engenheiros são sempre hipossuficientes em relação aos grandes grupos econômicos de construtoras. Essa situação é diferencial e, no sentir deste articulista, autorizaria a incidência de parâmetros como os da operabilidade ou operatividade contratuais.

Ainda em sede de operatividade (tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade como assevera o ideal platônico eternizado por Rui Barbosa) é o de que, por vezes (quem atua na área trabalhista bem o sabe – é que algumas dessas mudanças se fazem em casos dramáticos como situações de mobbing – assédio moral etc).

Tudo isso sem contar que a ideia seria a de fazer preservar ideais e prelados de boa-fé objetiva (artigo 422 CC) – imobiliárias por vezes tem empatia zero com situações como esta. Sem contar os deveres laterais – anexos ou satelitários de colaboração – o que também, em certa medida, se torna exigível na seara laboral.

Numa construtora, fica difícil falar que engenheiros são contratados para atividades de meio (e não de fim - raros são os que montam PJ para não atuar na área, o que seria possível) - geralmente, quando o fazem, o fazem de modo simulado.

E isso – essas fraudes (assim o TST4 afasta o tema repetitivo STF sobre a validade das terceirizações pois ato ilícito não se convalesce) tem animado o fomento de muitas reclamações trabalhistas, com burla de direitos dessas categorias (horas extras em trabalho extenuante de acompanhamento de vários setores de uma obra, descanso semanal remunerado, férias, 13º, multa de 40% do saldo FGTS5, nas demissões sem justa causa, desvios de funções, quando se tem que assumir funções de outras áreas, dano previdenciário gerado pela empregadora que obriga o profissional a recolher o mínimo que lhe é possível pelo que sobra, o que, pós reforma previdenciária causará impacto na diminuição da aposentadoria futura, adicionais, etc).

Sem contar que, por vezes, há assédios morais, sexuais, sexismo, aporofobias, xenofobia e inúmeras violações das regras de combate ao trabalho escravo ou análogo como se tem como conceito expandido pela OIT e pela jurisprudência. Como se tem o mote da Campanha da AASP nos idos de 1.990 - Consulte sempre um advogado.

Sobre o autor
Julio César Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Gaculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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