Artigo Destaque dos editores

Regime inicial de cumprimento da pena reclusiva ao reincidente

Exibindo página 2 de 5
01/10/1999 às 00:00
Leia nesta página:

CAPÍTULO II — Direito Penal dos primeiros tempos

2.1 Vingança privada;
          2.2 Vingança divina;
          2.3 Vingança pública;
          2.3.1 Direito romano;
          2.3.2 Direito medieval;
          2.4 Período humanitário;
          2.5 Período criminológico ou científico.

A exigência do próprio homem fez nascer as instituições penais, pela necessidade de um ordenamento coercitivo que garantisse a paz e a tranqüilidade na convivência junto aos demais seres humanos. São, por isso, um imperativo do próprio relacionamento entre os indivíduos.

O Direito Penal reconheceu cinco fases na sua evolução primitiva.

A divisão por períodos tem apenas fins didáticos, eis que a sucessão ocorreu paulatinamente, isto é, não se substituem por completo em determinado tempo. O que permite essa divisão são certas características, certos aspectos de fato.

2.1 Vingança privada

Talião foi a primeira lei na conquista do terreno repressivo. O castigo estava limitado e, portanto, a vingança não seria mais arbitrária e desproporcional. Já no Código de Hamurabi (2.300 a.C.) prevalecia a preocupação com a justa retribuição. Surgiu, então, para abrandar o rigorismo da pena ainda existente, a denominada composição. Mil anos após sobreveio o Código de Manu (Índia, 1300 a.C.), conservando as mesmas características. Ainda hoje encontram-se resquícios da composição, sob forma de indenização e multa.

As principais características deste período foram a vingança individual, vingança da paz social — vingança limitada, vingança coletiva, vingança do sangue e composição.

          2.2 Vingança divina

Os povos primitivos viam no crime uma desobediência à prática do culto. Por isso, o período da vingança divina baseava-se no princípio de que todo crime correspondia a uma ofensa à divindade e a sanção tinha por preocupação punir quem ofendesse os deuses. O Direito era a religião. Cada preceito religioso aparecia acompanhado de uma sanção jurídica e cada ditado jurídico era um mandato da religião e a justiça penal se exercitava em seu nome. Assim, este período ficou assinalado pela crueldade, principalmente no Egito, Assíria, Fenícia, Babilônia, Pérsia, Israel, Índia e Grécia.

          2.3 Vingança pública

Neste período o Estado tornou-se forte e chamou para si a aplicação da pena, que perde seu cunho religioso, assumindo uma finalidade política. O objetivo era a segurança do príncipe ou soberano, por meio da pena, também cruel e severa. Vingou o pensamento aristotélico influindo no campo jurídico e, com Platão, anteviu-se a pena como meio de defesa social, pela intimidação, sob a advertência de não delinqüir. Contudo, permaneceram ainda as formas anteriores da vingançaprivada e da vingança divina.

Predominaram o arbítrio judicial, a desigualdade quanto à punição das classes, a desumanidade das penas, o sigilo do processo, os meios inquisitórios, tudo aliado a leis imprecisas, lacunosas e imperfeitas, a favorecer o absolutismo monárquico e seus protegidos, postergando os direitos dos indivíduos.

          2.3.1 Direito romano

Os romanos, primeiros a distinguir o crime privado do público, conservaram as mazelas da vingança privada e divina, adotando o Talião e a composição. Na Monarquia, autoridade do pater familias; na República, desenvolveu-se o caráter público, característica esta aumentada no Império.

          2.3.2 Direito medieval

Prevaleceu, basicamente, o direito romano, apesar de ter passado pelos períodos do direito canônico e local (conhecido como Direito Comum).

          2.4 Período humanitário

Iniciado no século XVIII, tinha seu significado no movimento (jurisconsultos, magistrados, filósofos, parlamentares, técnicos em Direito e legisladores) das idéias contra a crueldade do Direito Penal vigente. A lei penal deveria dispensar qualquer tipo de interpretação, ser simples, clara e precisa, redigida em língua nacional. A pena tinha que ser severa o mínimo necessário para intimidar os cidadãos, com processo penal rápido. A eficácia da pena dependia mais da certeza de sua aplicação do que de uma gravidade duvidosa.

O movimento visava, sobretudo, ao respeito à personalidade humana, fundado em sentimentos de piedade e compaixão pela sorte dos que eram submetidos ao terrível processo penal e ao regime carcerário então existentes. John Howard iniciou um movimento de reforma das prisões, publicando, em 1775 e 1777, respectivamente, obras cujos temas centrais tratavam do estado das prisões inglesas e da abolição das torturas.

O Iluminismo,(8) em matéria de justiça penal, mantinha sua atenção à proteção da liberdade individual contra o arbítrio judiciário, ao banimento da tortura, à abolição ou limitação da pena de morte e à acentuação do fim estatal da pena, com afastamento das exigências formuladas pela Igreja ou devidas puramente à moral, fundadas no princípio da retribuição.

Aníbal Bruno(9), analisando o pensamento de Beccaria a respeito, assevera:

          O que pretendeu Beccaria não foi certamente fazer obra de ciência, mas de humanidade e justiça, e, assim, ela resultou num gesto eloqüente de revolta contra a iniqüidade, que teve, na época, o poder de sedução suficiente para conquistar a consciência universal. (...) falou claro diante dos poderosos, em um tempo de absolutismo, de soberania de origem divina, de confusão das normas penais com religião, moral, superstições, ousando construir um Direito Penal sobre bases humanas, traçar fronteiras à autoridade do príncipe e limitar a pena à necessidade da segurança social. Defendeu, assim, o homem contra a tirania, e com isso encerrou um período de nefanda (perversa) memória na história do Direito Penal.

          2.5 Período criminológico ou científico

Teve início em meados do século XIX, calcado nas idéias científicas florescentes, cuja preocupação maior era dar uma explicação rigorosa para a origem do crime. Surge, então, a Antropologia Criminal(10), relacionada com a Criminologia(11).

Defendia-se a teoria da evolução humana, em que o homem, descendente de vários troncos primatas, estando mais próximo de seus ancestrais selvagens, ainda trazia os característicos da animalidade passada.

Modernamente, ao realizar um estudo do problema das anomalias cromossômicas em face da conduta anti-social, Hilario Veiga de Carvalho(12) assim dispõe:

          [...] quanto maior for o reconhecimento eventual da influência dessa anomalia na conduta humana, menor será a possibilidade de se falar em crimes, mas antes em atos anti-sociais, ou seja, quanto mais anômalo se reconheça o agente agressor, menos criminoso poderá ser ele considerado, em face do conceito legal de crime e de criminoso, à luz do Direito e da Medicina.

[...] o que já se pode vislumbrar será a prevenção das condutas aberrantes em que o complexo cromossômico anormal possa ser identificado como uma das causas dentro do mosaico gerador das ações anti-sociais.

Todas essas conjecturas, no entanto, devem ser vistas sob a orientação da Criminologia, e esta, segundo o autor acima citado, em face da ética (com a Sociologia — costumes e moral; com a Psicologia — atividades espirituais; com a Antropologia - temperamento e caráter), da política (pena: função do Estado — Justiça) e da técnica (ciências aplicadas: Medicina, Engenharia, Agricultura, Economia, Comércio, Química, Manufaturas, Artes e Ofícios e construção)(13).


CAPÍTULO III — Principais escolas penais

3.1. Escola Clássica;
          3.2. Escola Positiva;
          3.3. Considerações gerais.

As escolas penais formaram-se por sistemas de idéias e teorias políticas, filosóficas e jurídicas sobre as principais questões penais. Uma definição clara foi dada por Aníbal Bruno(14), ao dizer que as escolas penais são corpos de doutrinas mais ou menos coerentes sobre os problemas em relação com o fenômeno do crime e, em particular, sobre os fundamentos e objetos do sistema penal.

As escolas penais surgiram a partir do século XVIII, quando o Direito Penal atingiu certo desenvolvimento teórico. As principais escolas foram a Clássica e a Positiva.

          3.1 Escola Clássica

A Escola Clássica teve como um dos seus maiores vulto Francesco Carrara.

Paulo R. Pinheiro Torres(15), sobre o pensamento de Carrara, consignou que:

O ponto principal defendido por Carrara [...] era o Direito Penal como ciência jurídica. Para ele o direito de punir advém do direito de defesa limitada à tutela jurídica pela moral. Estudou o delito como entidade jurídica. Para os clássicos, além de ser o delito uma entidade jurídica, o criminoso era um homem igual aos demais, observando que as condições pessoais de cada um traziam pequena influência no aplicar da pena. Admitindo o livre arbítrio, fixou a responsabilidade no campo moral de vez que sendo livre o homem, tem ele consciência da liberdade e seu comportamento advém justamente dessa liberdade; sendo a ação proveniente da vontade do homem, e este sendo livre para agir, será responsável por seus atos. A pena é o justo castigo, um mal imposto ao criminoso que com a vontade e consciência pratica o crime.

Fundamentos político-filosóficos da Escola Clássica: contrariedade ao absolutismo (liberalismo); defesa dos direitos individuais; defesa do princípio da reserva legal; oposição à tortura e ao processo inquisitório.

          3.2 Escola Positiva

Os que seguiram a Escola Positiva antepuseram-se aos pensamentos da Escola Clássica, denominando de clássicos os juristas e adeptos do absolutismo(16).

Cesare Lombroso, médico, psiquiatra, professor universitário e criminologista italiano — tornou-se famoso por seus estudos e teorias no campo da caracterologia: a relação entre características físicas e mentais —, foi seu precursor. Estudava os cadáveres de criminosos procurando encontrar algum elemento que permitisse distinguir o homem normal do louco. Após longas pesquisas, declarou que os homens eram portadores de sinais característicos, atávicos(17), que os faziam criminosos por nascimento. Tais anomalias determinariam a comissão do crime. Seria o homem um criminoso nato, distinguindo-se dos demais por ser portador de particulares sinais(18).

Fundamentos político-filosóficos da Escola Positiva: oposição ao liberalismo(19); desenvolvimento das ciências positivas do século XIX; predomínio do conhecimento racional (dogmático, a fonte principal do conhecimento é a razão, o pensamento); busca das causas dos fenômenos.

João Farias Júnior(20), ao fazer um confronto entre os princípios da Escola Clássica e Positiva, apresenta 10 proposições capazes de dar toda a perspectiva ideológica das duas Escolas, assim dispostos:

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Delito:

Escola Clássica: É uma entidade jurídica que deve estar contida na lei promulgada, tornada pública para que todos sintam ameaça da pena proporcionalmente retributiva, também contida na lei.

          Escola Positiva: É um fato humano e social. Um fenômeno natural produzido por causas biológicas, físicas e sociais.

Delinqüente:

Escola Clássica: É um componente indistinto na sociedade, igual a qualquer ser humano, não havendo falar-se em diferença de caráter.

Escola Positiva: Há variedades tipológicas de delinqüentes. Estes são diversificados por seus estados psíquicos e biológicos e considerados anormais. Por isso, eles são distintos dos homens normais.

Fatores criminológicos

Escola Clássica: Não há falar-se em fatores criminógenos. O homem não é impelido ao crime por fatores de ordem física, ambiental, biológica ou social.

Escola Positiva: O homem é voltado ao crime, impelido por fatores geradores do comportamento criminoso.

Arbítrio:

Escola Clássica: O homem é dotado de livre arbítrio, isto é, dotado de inteligência e consciência livres e em condições de discernir e escolher o bem ou o mal. Se se torna criminoso é porque quer. Se pratica crime é porque quer.

Escola Positiva: O homem não tem a vontade e a inteligência livres ou autônomas para a escolha de soluções contrárias, como o bem e o mal. São fatores internos ou externos (que determinam o crime). São fatores físicos, biológicos e sociais que influenciam o psiquismo e o comportamento criminoso.

Responsabilidade:

Escola Clássica: A responsabilidade penal tem por fundamento a responsabilidade moral que advém da imputabilidade moral que deriva, por sua vez, do livre arbítrio.

Escola Positiva: O homem é responsável porque vive em sociedade. Pelo fato de conviver em sociedade ele se faz sujeito de direitos e deveres e, por isso, é responsável.

Pena:

Escola Clássica: É retributiva, aflitiva, intimidativa e expiatória. Um mal tem que ser pago com outro mal.

Escola Positiva: É uma reação social contra o crime. Se o homem coexiste e convive em sociedade e a perturba com a prática de crimes, esta mesma sociedade reage e se defende com a pena contra o criminoso.

Preocupação:

Escola Clássica: A doutrina clássica se preocupa com a legalidade e a justiça, principalmente a penal.

Escola Positiva: A doutrina positivista se preocupa com a pessoa do criminoso, buscando saber quais os fatores que o levaram ao crime e o estado perigoso em que ele se encontra..

Medida da Pena:

Escola Clássica: A gravidade dos elementos, material e moral, é que determina a proporção da pena. A pena tem que ser proporcional ao crime.

Escola Positiva: O grau de periculosidade ou temibilidade é que determina a gravidade da pena.

O juiz:

Escola Clássica: O juiz não deve ser mais do que a boca que pronuncia a lei. É a expressão da lei.

Escola Positiva: O juiz deve individualizar a pena, isto é, deve levar em consideração a periculosidade (ou o estado perigoso) para a aplicação da pena.

Método:

Escola Clássica: Apriorístico, metafísico, dedutivo, ou lógico-abstrato que parte de relações singulares lógicas para chegar à construção integral do sistema jurídico.

Escola Positiva: Positivo, indutivo ou experimental, que parte do geral para o particular ou do todo para as partes.

          3.3 Considerações gerais

Os positivistas, contrariando os clássicos, afirmam que o livre arbítrio é uma criação ideal. Negando a liberdade da ação, firmando-se no determinismo, entendem, então, que o crime resultava dos fatores biológicos, físicos e sociais.

A pena, para os clássicos, é a retribuição para a restauração da ordem moral abalada pelo crime; já os positivistas preferem a pena com o sentido de defesa social. É de se notar que as penas, como consideradas hoje, não chegavam, à época, a tais distinções como agora. A Escola Positiva considerava as sanções de modo genérico — todas elas sob a forma de medidas de defesa social. Foram adotadas pela Escola Clássica as sanções com sentido utilitário.

Os clássicos vêem o crime como um ente jurídico, porque constitui a violação da norma legal, atingindo um direito qualquer, resultando da vontade livre do homem. Já para a Escola Positiva o crime é a conseqüência da conjugação dos fatores antropológicos, físicos e sociais, sendo, portanto, um ato humano.

Os clássicos consideram o criminoso como um ser normalmente constituído e psicologicamente são, com idéias e sentimentos iguais aos demais homens, portanto, sensivelmente iguais. Os positivistas, entretanto, contestam, alegando que o homem é portador de anomalias orgânicas ou psíquicas — de ordem biológica ou psicológica —, o que faz com que seja sensivelmente diferente, constituindo o criminoso uma classe especial.

Dessa distinção verifica-se que os métodos adotados pelas duas escolas são diametralmente opostos. Enquanto a Escola Clássica, que considera o criminoso como um homem igual aos demais, estuda o crime como entidade jurídica, abstraindo a avaliação do criminoso justamente porque não encontra diferenças entre os homens, a Escola Positiva detém-se no estudo do indivíduo, partindo dessa leitura particular para o confronto com as demais. Os métodos empregados são, pois, pelos clássicos, o abstrato lógico dedutivo(21) e, pelos positivistas, o indutivo(22).

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Dilton Ávila Canto

bacharel em Direito, assessor jurídico do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANTO, Dilton Ávila. Regime inicial de cumprimento da pena reclusiva ao reincidente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1099. Acesso em: 16 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos