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Descriminalização do crime do uso da maconha

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24/06/2024 às 21:29
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6. IMPACTO NA JUSTIÇA CRIMINAL: redução de encarceramento e seus efeitos.

A descriminalização ou legalização da maconha tem um impacto significativo no sistema de justiça criminal, afetando a maneira como a lei é aplicada em relação a delitos relacionados à maconha. Abaixo, relaciono alguns dos principais aspectos desse impacto.

Redução da sobrecarga do sistema carcerário: Um dos impactos mais visíveis da descriminalização ou legalização da maconha é a redução no número de pessoas encarceradas por delitos relacionados à maconha, como posse ou cultivo para uso pessoal. Isso alivia a superlotação nas prisões e reduz o custo associado ao encarceramento.

Recursos direcionados para crimes mais graves: A redução de encarceramento por delitos de maconha permite que o sistema de justiça se concentre em crimes mais graves, melhorando a eficácia na persecução de crimes violentos e crimes contra a propriedade.

Reabilitação em vez de punição: A abordagem de descriminalização frequentemente se concentra em tratamento e reabilitação em vez de punição. Isso pode proporcionar oportunidades para que os infratores superem o uso problemático da maconha e acessem serviços de saúde mental, se necessário.

6.1. Abordagem em relação a delitos relacionados à maconha

  • Mudança na aplicação da lei: Com a descriminalização ou legalização da maconha, a aplicação da lei em relação a delitos de maconha muda consideravelmente. Em vez de prender indivíduos por posse ou uso pessoal, a aplicação da lei pode se concentrar em questões como a condução sob influência ou o tráfico ilegal. Ao analisa a história do sistema penal moderno Michel Foucault (2014) argumenta que a pena, ao longo do tempo, deixou de ser uma punição corporal para se tornar uma forma de controle social.

  • Despenalização vs. legalização: Alguns países adotam uma abordagem de despenalização, em que a posse de pequenas quantidades de maconha não é mais considerada um delito criminal, mas ainda pode resultar em sanções administrativas, como multas. Segundo CARVALHO (2016) a ciência ou arte da reação contra o delito passa a ser encarada, na precisa lição de Delmas-Marty, como “o conjunto através dos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal”. Outros países optam pela legalização, onde a maconha é regulamentada, e a produção, distribuição e venda são controladas pelo Estado ou por empresas licenciadas.

  • Impacto na indústria ilegal: Uma das intenções por trás da regulamentação é reduzir o mercado ilegal de maconha. A legalização, quando bem implementada, pode minar a influência do crime organizado e garantir que os produtos sejam seguros para os consumidores. Os traficantes, na ânsia por aumentar os lucros e por não contar com nenhum tipo de vigilância, adulteram os produtos com os mais diversos fármacos (incluindo misturas variadas da farmacopéia oficial e venenos de diversos tipos).

Na ótica da Saúde Pública, pode-se conceituar a política de redução de danos como um conjunto de estratégias que visam minimizar os danos causados pelo uso de diferentes drogas, sem necessariamente exigir a abstinência do seu uso. Vale dizer, enquanto não for possível ou deseja- da a abstinência, outros agravos à saúde podem ser evitados, como, por exemplo, as doenças infectocontagiosas transmissíveis por via sanguínea, como é o caso do HIV/Aids e das hepatites. (RIBEIRO, p.45)

Assim, a descriminalização ou legalização da maconha tem impactos significativos no sistema de justiça criminal, levando a uma redução no encarceramento relacionado à maconha, uma mudança na aplicação da lei e uma abordagem mais orientada para a saúde em relação ao uso de maconha. ROCHA (2011) A esse novo estágio Foucault denominou sociedade de controle. No entanto, a implementação eficaz de regulamentações e a avaliação contínua dos resultados são fundamentais para garantir que os objetivos de redução de encarceramento e melhoria do sistema de justiça sejam alcançados.


7. CONCLUSÃO

A análise abrangente deste artigo sobre a descriminalização do uso da maconha revela uma complexa interseção de questões legais, sociais, de saúde pública e econômicas. Historicamente, a criminalização da maconha tem sido marcada por preconceitos raciais e sociais, enquanto a experiência internacional com políticas de descriminalização e legalização mostra que abordagens mais flexíveis podem trazer benefícios significativos. A descriminalização pode diminuir significativamente o número de pessoas encarceradas por crimes não violentos relacionados à maconha, aliviando a pressão sobre o sistema prisional e permitindo a realocação de recursos para combater crimes mais graves.

Além disso, a regulamentação da maconha possibilita o controle da qualidade e da potência do produto, promovendo uma abordagem de saúde pública que inclui educação, prevenção e tratamento de usuários. A legalização também pode gerar receitas fiscais substanciais que podem ser reinvestidas em serviços públicos, incluindo saúde e educação, além de estimular o crescimento econômico através da criação de empregos na indústria da maconha. A descriminalização respeita os direitos individuais ao permitir que os adultos façam escolhas informadas sobre o uso da maconha, desde que isso não prejudique outras pessoas. A evidência crescente dos benefícios terapêuticos da maconha justifica a necessidade de facilitar o acesso a tratamentos à base de cannabis para pacientes que possam se beneficiar desses produtos.

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Para futuras políticas públicas, é essencial adotar modelos regulatórios que garantam a segurança pública e a saúde coletiva, inspirando-se em experiências bem-sucedidas de países como Portugal, Uruguai e Canadá. O foco deve ser no desenvolvimento de campanhas de educação sobre o uso responsável da maconha e na implementação de programas de prevenção e tratamento eficazes. Incentivar a pesquisa científica sobre os efeitos da maconha, tanto medicinais quanto recreativos, é crucial para informar políticas baseadas em evidências. Monitorar e avaliar continuamente os impactos das políticas de descriminalização permitirá ajustar e melhorar as abordagens conforme necessário.

Engajar as comunidades e grupos de interesse na formulação e implementação de políticas garantirá que as soluções adotadas reflitam as necessidades e preocupações da sociedade. Ao avançar com uma abordagem informada e equilibrada, que considera as evidências científicas e as experiências internacionais, é possível formular políticas públicas que não apenas descriminalizem o uso da maconha, mas também promovam a saúde pública, a justiça social e o desenvolvimento econômico de forma sustentável.

Concluindo, a discussão sobre a descriminalização da maconha transcende os limites do âmbito jurídico, abrangendo questões sociais, de saúde pública e econômicas. A promoção do debate aberto e informado, aliada à pesquisa contínua sobre os impactos da descriminalização, emerge como um caminho essencial para a construção de políticas eficazes, que busquem equilibrar os aspectos legais, sociais e de saúde envolvidos. Independentemente da posição adotada, a reflexão sobre a descriminalização da maconha destaca a importância de abordar as questões relacionadas às drogas com um enfoque que respeite os direitos individuais, promova a segurança pública e busque soluções equilibradas para os desafios complexos associados ao consumo dessa substância.


REFERÊNCIAS

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BARROSO, Victor, V. et al. Cannabis medicinal: guia de prescrição. Disponível em: Minha Biblioteca, Editora Manole, 2023.

CARVALHO, Salo D. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei nº 11.343/2006. 8ª edição. Disponível em: Minha Biblioteca, Editora Saraiva, 2016.

DIEHL, Alessandra, e Sandra C. Pillon. Maconha: prevenção, tratamento e políticas públicas. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo A, 2021.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014.

MARCÃO, Renato. Tóxicos. 11ª edição.. Disponível em: Minha Biblioteca, (11th edição). Editora Saraiva, 2016.

OLIVEIRA, Fernando Antônio Sodré D. O Direito De Punir em Thomas Hobbes. Disponível em: Minha Biblioteca, Editora Unijuí, 2021.

RIBEIRO, Maurides de M. Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. 1ª edição. Disponível em: Minha Biblioteca, Editora Saraiva, 2013.

ROCHA, José Manuel de S. Michel Foucault e o Direito. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2011.

SADDI, Luciana. Maconha: os diversos aspectos, da história ao uso. Disponível em: Minha Biblioteca, Editora Blucher, 2021.

ZUARDI, Antonio Waldo. History of cannabis as a medicine: a review. Revista Brasileira de Psiquiatria. v.28, n.2, p.153-157, 2006.

https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/21585355

https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1562173381

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Sobre o autor
Alan Durans Moreira

Discente do Curso de Direito da Faculdade Supremo Redentor- FACSUR; Discente do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA; Pedagogo pela Faculdade de Educação São Francisco – FAESF; Esp. Gestão, Supervisão e Planejamento Educacional-IESF; Ms. Educação na Universidad de Lá Empresa – UDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Alan Durans. Descriminalização do crime do uso da maconha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7663, 24 jun. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109938. Acesso em: 28 set. 2024.

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