6. IMPACTO NA JUSTIÇA CRIMINAL: redução de encarceramento e seus efeitos.
A descriminalização ou legalização da maconha tem um impacto significativo no sistema de justiça criminal, afetando a maneira como a lei é aplicada em relação a delitos relacionados à maconha. Abaixo, relaciono alguns dos principais aspectos desse impacto.
Redução da sobrecarga do sistema carcerário: Um dos impactos mais visíveis da descriminalização ou legalização da maconha é a redução no número de pessoas encarceradas por delitos relacionados à maconha, como posse ou cultivo para uso pessoal. Isso alivia a superlotação nas prisões e reduz o custo associado ao encarceramento.
Recursos direcionados para crimes mais graves: A redução de encarceramento por delitos de maconha permite que o sistema de justiça se concentre em crimes mais graves, melhorando a eficácia na persecução de crimes violentos e crimes contra a propriedade.
Reabilitação em vez de punição: A abordagem de descriminalização frequentemente se concentra em tratamento e reabilitação em vez de punição. Isso pode proporcionar oportunidades para que os infratores superem o uso problemático da maconha e acessem serviços de saúde mental, se necessário.
6.1. Abordagem em relação a delitos relacionados à maconha
Mudança na aplicação da lei: Com a descriminalização ou legalização da maconha, a aplicação da lei em relação a delitos de maconha muda consideravelmente. Em vez de prender indivíduos por posse ou uso pessoal, a aplicação da lei pode se concentrar em questões como a condução sob influência ou o tráfico ilegal. Ao analisa a história do sistema penal moderno Michel Foucault (2014) argumenta que a pena, ao longo do tempo, deixou de ser uma punição corporal para se tornar uma forma de controle social.
Despenalização vs. legalização: Alguns países adotam uma abordagem de despenalização, em que a posse de pequenas quantidades de maconha não é mais considerada um delito criminal, mas ainda pode resultar em sanções administrativas, como multas. Segundo CARVALHO (2016) a ciência ou arte da reação contra o delito passa a ser encarada, na precisa lição de Delmas-Marty, como “o conjunto através dos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal”. Outros países optam pela legalização, onde a maconha é regulamentada, e a produção, distribuição e venda são controladas pelo Estado ou por empresas licenciadas.
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Impacto na indústria ilegal: Uma das intenções por trás da regulamentação é reduzir o mercado ilegal de maconha. A legalização, quando bem implementada, pode minar a influência do crime organizado e garantir que os produtos sejam seguros para os consumidores. Os traficantes, na ânsia por aumentar os lucros e por não contar com nenhum tipo de vigilância, adulteram os produtos com os mais diversos fármacos (incluindo misturas variadas da farmacopéia oficial e venenos de diversos tipos).
Na ótica da Saúde Pública, pode-se conceituar a política de redução de danos como um conjunto de estratégias que visam minimizar os danos causados pelo uso de diferentes drogas, sem necessariamente exigir a abstinência do seu uso. Vale dizer, enquanto não for possível ou deseja- da a abstinência, outros agravos à saúde podem ser evitados, como, por exemplo, as doenças infectocontagiosas transmissíveis por via sanguínea, como é o caso do HIV/Aids e das hepatites. (RIBEIRO, p.45)
Assim, a descriminalização ou legalização da maconha tem impactos significativos no sistema de justiça criminal, levando a uma redução no encarceramento relacionado à maconha, uma mudança na aplicação da lei e uma abordagem mais orientada para a saúde em relação ao uso de maconha. ROCHA (2011) A esse novo estágio Foucault denominou sociedade de controle. No entanto, a implementação eficaz de regulamentações e a avaliação contínua dos resultados são fundamentais para garantir que os objetivos de redução de encarceramento e melhoria do sistema de justiça sejam alcançados.
7. CONCLUSÃO
A análise abrangente deste artigo sobre a descriminalização do uso da maconha revela uma complexa interseção de questões legais, sociais, de saúde pública e econômicas. Historicamente, a criminalização da maconha tem sido marcada por preconceitos raciais e sociais, enquanto a experiência internacional com políticas de descriminalização e legalização mostra que abordagens mais flexíveis podem trazer benefícios significativos. A descriminalização pode diminuir significativamente o número de pessoas encarceradas por crimes não violentos relacionados à maconha, aliviando a pressão sobre o sistema prisional e permitindo a realocação de recursos para combater crimes mais graves.
Além disso, a regulamentação da maconha possibilita o controle da qualidade e da potência do produto, promovendo uma abordagem de saúde pública que inclui educação, prevenção e tratamento de usuários. A legalização também pode gerar receitas fiscais substanciais que podem ser reinvestidas em serviços públicos, incluindo saúde e educação, além de estimular o crescimento econômico através da criação de empregos na indústria da maconha. A descriminalização respeita os direitos individuais ao permitir que os adultos façam escolhas informadas sobre o uso da maconha, desde que isso não prejudique outras pessoas. A evidência crescente dos benefícios terapêuticos da maconha justifica a necessidade de facilitar o acesso a tratamentos à base de cannabis para pacientes que possam se beneficiar desses produtos.
Para futuras políticas públicas, é essencial adotar modelos regulatórios que garantam a segurança pública e a saúde coletiva, inspirando-se em experiências bem-sucedidas de países como Portugal, Uruguai e Canadá. O foco deve ser no desenvolvimento de campanhas de educação sobre o uso responsável da maconha e na implementação de programas de prevenção e tratamento eficazes. Incentivar a pesquisa científica sobre os efeitos da maconha, tanto medicinais quanto recreativos, é crucial para informar políticas baseadas em evidências. Monitorar e avaliar continuamente os impactos das políticas de descriminalização permitirá ajustar e melhorar as abordagens conforme necessário.
Engajar as comunidades e grupos de interesse na formulação e implementação de políticas garantirá que as soluções adotadas reflitam as necessidades e preocupações da sociedade. Ao avançar com uma abordagem informada e equilibrada, que considera as evidências científicas e as experiências internacionais, é possível formular políticas públicas que não apenas descriminalizem o uso da maconha, mas também promovam a saúde pública, a justiça social e o desenvolvimento econômico de forma sustentável.
Concluindo, a discussão sobre a descriminalização da maconha transcende os limites do âmbito jurídico, abrangendo questões sociais, de saúde pública e econômicas. A promoção do debate aberto e informado, aliada à pesquisa contínua sobre os impactos da descriminalização, emerge como um caminho essencial para a construção de políticas eficazes, que busquem equilibrar os aspectos legais, sociais e de saúde envolvidos. Independentemente da posição adotada, a reflexão sobre a descriminalização da maconha destaca a importância de abordar as questões relacionadas às drogas com um enfoque que respeite os direitos individuais, promova a segurança pública e busque soluções equilibradas para os desafios complexos associados ao consumo dessa substância.
REFERÊNCIAS
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DIEHL, Alessandra, e Sandra C. Pillon. Maconha: prevenção, tratamento e políticas públicas. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo A, 2021.
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