Prescreve a Constituição de 1988, no parágrafo único, do art.1º que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Pergunta-se, se todo o poder emana do povo como se explica o fato de o governo e seus burocratas mandarem no povo? Não deveria ser o contrário?
O governo e seus burocratas, na verdade, parasitas da nação, aliados aos representantes eleitos pelo povo reduziram este à condição de objeto de direito, identificado pelo número de CPF nas costas, para produzir riquezas que são avidamente consumidas pelos integrantes da oligarquia – os parlamentares, o governante e seus burocratas – nada deixando para as despesas de investimento que asseguram a qualidade de vida às futuras gerações.
De fato, o governo atual e o Parlamento de hoje transformaram legalmente o cidadão em um objeto de direito que é identificado por número do CPF e não mais por carteira de identidade (Lei nº 14.534 de 11-1-2023).
Nada de RG, de CNH, de carteira da OAB, de Carteira de Trabalho. Só vale o número do CPF para identificação do cidadão nos bancos de dados de serviços públicos.
Entretanto, no período eleitoral, o que era objeto de direito passa à condição de sujeito de direito, a fim de que o cidadão possa votar e assegurar aos oligarcas a permanência no poder para o dócil exercício de consumir tudo o que foi produzido pela plebe.
Fala-se muito em conscientização do cidadão para escolha acertada nas eleições e na reivindicação de direitos. Mas, como enfrentar os oligarcas que se apossaram do Estado? Governantes, membros do Parlamento Nacional e burocratas se aliaram formando uma sólida estrutura inquebrantável para consumir avidamente tudo o que for produzido no país, sem que em nada tenham contribuído para a produção de bens e serviços.
Esses oligarcas, notadamente, os burocratas, como os que fizeram a adoidada reforma tributária, não têm que se preocupar com a sobrevivência econômica, pois contam com cargos e funções praticamente vitalícios, ganhando infinitamente mais do que o trabalhador da iniciativa privada, enquanto os que estão fora da esfera dos oligarcas têm que lutar diariamente para assegurar a sua sobrevivência econômica, enfrentando toda sorte de dificuldades e obstáculos que muitos não conseguem transpor. Trinta milhões deles vivem abaixo da linha de miséria, sem o mínimo do mínimo indispensável para a vida condigna segundo os ditames da justiça social a que alude o art. 170 da poética Constituição Cidadã de 1988.
Essa situação é mantida por seguidos períodos pelos governantes, que utilizam dos integrantes dessa camada social, tomada pela miséria, como eleitores em potencial e, distribuem recursos financeiros retirados da população pagante de impostos, a título de bolsa família para ganhar popularidade e “gratidão” dos miseráveis.
Mas, não adianta ficar lamuriando a falta de representatividade dos parlamentares e nem a falta de legitimidade do governante eleito, porque são os mecanismos constitucionais vigentes que dão sustentação à continuidade da casta de oligarcas.
Como prega o jurista Modesto Carvalhosa na sua proposta de nova Constituição para o
Brasil é preciso desmontar esse mecanismo constitucional que permite transformar o cidadão em máquina de produzir riquezas para os integrantes da oligarquia reinante, cuja única função é a de deitar sob a copa de uma árvore frondosa e ir consumindo todas as riquezas da nação, “sombra a água fresca”, diz o adágio popular. Quando você pensa que um desses oligarcas deixou a política por falecimento ou por idade avança, eis que surge repentinamente um filho ou um neto dele para prosseguir nesse doce sacerdócio de se servir das riquezas produzidas pela plebe.
Para extirpar os odiosos mecanismos constitucionais que dão sustentação a esse quadro absurdo, que separa a sociedade em andar de cima, onde vivem como nababos os oligarcas, do andar de baixo, onde se comprimem e vivem o restante da população de miseráveis, algumas medidas devem ser tomadas como as abaixo indicadas:
a) Abolir a profissionalização da classe política.
Todo político é sempre alguém do povo e como tal deve ter uma profissão: advogado, médico, engenheiro, comerciante, industriário, prestadores de serviços, sapateiro, padeiro, garçon, gari etc.
Ser Deputado ou Senador não espelha ou não deveria espelhar uma profissão.
A forma de abolir a profissionalização é a de proibir a reeleição para todos os cargos eletivos (Deputado, Senador, Presidente da República). O poder deve comportar rotatividade. A reeleição inventada em causa própria pelo governo FHC é uma das maiores desgraças da política brasileira. Os importadores de modelos estrangeiros não têm inteligência suficiente para constatar que a realidade brasileira e bem diferente de outros países adiantados. Resulta disso a importação do IVA europeu para fazer a reforma tributária, que acabou em um inferno fiscal nunca dantes visto.
b) Outra medida seria a de proibir emendas ao orçamento extinguindo as atuais emendas individuais, emendas de bancada e emendas do relator, estas incorporadas na emenda individual no dia seguinte ao da declaração de inconstitucionalidade daquela emenda do relator pelo STF. Quem tem o dever de fiscalizar a execução orçamentária não pode direcionar as despesas públicas. Isso é elementar em direito financeiro. Plantar uma raposa velha para tomar conta do galinheiro não é a solução!
c) Extinguir os fundos partidários e o fundo eleitoral, palco permanente de desvios financeiros, para dizer o menos. O fundo eleitoral, que sequer tem critério objetivo para seu rateio entre os candidatos, tem ajudado os líderes de partidos e outros como os líderes da maioria e da minoria, além de velhos caciques da política brasileira a se perpetuarem nos cargos de Deputados e Senadores surtindo efeito contrário ao pretensamente objetivado. Nada tem as ver com a democracia que fundamentou sua instituição.
Outrossim, partido político é uma entidade privada e assim não pode receber recursos públicos. Essa situação anômala é agravada pela falta de prestação de contas ao TCU. Os partidos políticos fazem a prestação de contas junto ao TSE, onde é procedido mero exame formal das despesas feitas, sem examinar o mérito, isto é onde, como, quando e quanto foram gastos. O TSE não tem estrutura material, nem pessoal para fazer esse exame técnico.
d) Vedar um membro do Parlamento assumir cargos no Executivo, inclusive nas autarquias e empresas estatais da União.
No sistema presidencialista de governo não se pode permitir que um parlamentar abandone o cargo para o qual foi eleito, para se aboletar no cargo de Ministro de Estado. É preciso colocar um freio nessa promiscuidade que não faz o menor sentido.
Na verdade, Deputado que assume cargo de Ministro de Estado é aquele que dá sustentação política ao governo, tanto é que no dia de votação de projeto legislativo importante para o governo esse “Ministro” entra em licença por algumas horas, para ir votar no Congresso Nacional retornando em seguida para o exercício do cargo de Ministro que dá mais visibilidade do que ficar perdido em meio a 503 Deputados. É o cúmulo da falta de decoro parlamentar aceito como normal. É preciso colocar um ponto final na indevida manipulação do voto popular para obter, por via oblíqua, um cargo de Ministro que, por sua vez, abre possibilidades para sua eleição em cargos mais relevantes da República.
e) Instituição do recall (revogação do mandato)
Destina-se o recall a revogar o mandato de um parlamentar que ao invés de agir em prol do representado passa a legislar em causa própria, criando privilégios um atrás do outro que o cidadão comum sequer consegue imaginar.
Implementadas essas medidas só serão candidatos os cidadãos realmente imbuídos da vontade férrea de servir a sociedade, ao invés de servir-se da sociedade. É chegada a hora de separar o trigo do joio.
Assim, os parlamentares passarão efetivamente a representar o povo que os elegeu, conferindo legitimidade e representatividade material ao mandato parlamentar.