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Prazo processual

13/07/2024 às 16:20

Resumo:


  • O prazo processual é uma fonte de angústia tanto para o Juiz quanto para as partes, sendo considerado uma das coisas mais angustiantes em um processo devido à sua importância.

  • A demora ou excesso de prazo na formação da culpa do réu preso pode resultar em constrangimento ilegal, sendo remediável por meio de habeas corpus se causada por incúria ou desídia do Magistrado ou do Promotor de Justiça.

  • Pequenas delongas no encerramento da instrução por motivos de força maior devem ser admitidas e relevadas, pois ninguém é obrigado ao impossível, conforme o princípio "Nemo tenetur ad impossibilia".

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Espaço ou lapso de tempo em que se devem praticar os atos impostos por lei ou determinados pela Justiça, os prazos (legais ou judiciais) representam verdadeira tortura para os advogados, com exercer sobre eles verdadeira tirania. É que, uma vez ultrapassados, já não se restituem.

I. “Todo processo é fonte de angústias, tanto para o Juiz, como para as partes. Uma das coisas mais angustiantes num processo são os prazos”, escreveu o douto Magistrado Eliézer Rosa.1

Tal era, a esse respeito, o escrúpulo também dos velhos rábulas, que afirmavam ser pior a perda do prazo que a dos próprios autos do processo, porque estes podiam restaurar-se, aqueles não. E entoavam o refrão latino: “Dormientibus non succurrit jus”!

O prazo — “espaço de tempo para o ato processual ser praticado”2 — tem mais forte relevo no processo criminal, onde poderá interferir na liberdade do réu. (Aqui vem a ponto notar que, para quem está preso, um dia não monta menos que uma eternidade!).

Isto mesmo sentiu o profundo Vieira: “Não há maior tormento no mundo que o esperar”.3 Coisa dificílima, em verdade, é unir a dor à paciência: quem sofre não pode (e não deve) esperar!

A demora, ou excesso de prazo na formação da culpa do réu preso, no entanto, só importará constrangimento ilegal, remediável por “habeas corpus”, se provocada pela incúria ou desídia do Magistrado ou do Promotor de Justiça.

Por fim, pequena delonga no encerramento da instrução, por motivo de força maior, que não estava nas mãos do Juiz prevenir nem conjurar, sempre se haverá de admitir e relevar, pois ninguém é obrigado ao impossível: “Nemo tenetur ad impossibilia”!

II. Foi essa matéria, de muito peso e alcance, objeto do acórdão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, em seguida transcrito:

PODER JUDICIÁRIO

Tribunal de Alçada Criminal. Décima Quinta Câmara. Recurso em Sentido Estrito nº 1.249.863/4. Comarca: Rio Claro. Recorrente: JC. Recorrido: Ministério Público

Voto nº 3102. Relator

– Das decisões proferidas pelo Juízo de Direito da Vara das Execuções Criminais cabe, em princípio, agravo, por força do preceito do art. 197 da Lei de Execução Penal.

– Se o Estado, por seus agentes, não revela, durante largo trato de tempo, interesse algum em cumprir ordem de prisão expedida contra réu já reintegrado no convívio social (e afastado da esfera do crime), decai do direito de fazê-lo à véspera da consumação do prazo prescricional da pretensão executória de sua pena. Por ferir de frente o sentimento de justiça e a lógica do razoável, a cega obediência à lei, em tal caso, seria rematado arbítrio e vingança; mas justiça excessiva não é senão injustiça, proclamou com assaz de razão o eloquente Cícero: “Summum jus, summa injuria” (De Officiis, I, 10).

– Ao Estado não pode interessar mais a expiação do delito cometido pelo infrator do que sua recuperação, fim último da pena.

“Não há vinculação à lei que seja suficientemente forte para romper o compromisso que todo Juiz Criminal deve ter com a equidade e, portanto, com a própria Justiça” (Alberto Silva Franco, in JTACrSP, vol. 76, pp. 307-308).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Rio Claro, indeferindo-lhe pedido de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o intuito de reformá-la, JC.

Alega, nas razões de recurso elaboradas por sua esforçada e digna patrona, que, prescrita sua pena em execução, era força julgar-lhe extinta a punibilidade.

Acrescenta, com efeito, que, por infração do art. 157, § 2º, ns. I e II, do Código Penal, foi condenado pelo MM. Juízo de Direito da 17a. Vara Criminal da Comarca da Capital à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão e 13 dias‑multa (proc. nº 546/90).

Afirma também que, desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória — 3.7.92 — até à data de sua prisão — 2.7.98 (fl. 30) —, decorreu lapso temporal suficiente à prescrição da pretensão executória da pena.

Sustenta, à derradeira, que, menor de 21 anos ao tempo do crime, o prazo de prescrição, nos termos do art. 115 do Código Penal, reduzia-se de metade, convém a saber: 6 anos.

Destarte, espera que a colenda Câmara lhe proveja o recurso para o efeito de julgar-lhe extinta a punibilidade (fls. 2/18).

Apresentou contrarrazões a douta Promotoria de Justiça: repeliu a pretensão da nobre Defesa, sob color de que se não aperfeiçoara o lapso prescricional (fl. 62).

O r. despacho de fl. 77 manteve, por seus próprios fundamentos, a r. decisão agravada.

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em incisivo e ponderado parecer do Dr. Shiozo Tanaka, opina seja conhecido o recurso como agravo em execução, negando-se-lhe, todavia, provimento (fls. 80/82).

É relatório.

2. Acho razão ao culto e diligente subscritor do parecer (fl. 81), quando observa ser o agravo em execução o recurso adequado a impugnar decisão que indefere pedido de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória.

Esta, com efeito, é a melhor interpretação do texto legal, segundo o escólio de Julio Fabbrini Mirabete:

“Para a jurisprudência majoritária cabe o recurso de agravo em todas as decisões do juiz da execução no procedimento judicial diante do disposto nos artigos 66 e 197 da LEP” (Execução Penal, 5a. ed., p. 458).

Destarte, pelo princípio da fungibilidade dos recursos (art. 579 do Cód. Proc. Penal), conheço como agravo em execução do que interpôs o sentenciado.

3. No rigor do cálculo aritmético e segundo o preceito da lei, a decisão está sobranceira a toda a censura, uma vez que o recorrente, para seu infortúnio, foi preso à véspera do dia da consumação do prazo prescricional.

De feito, lançadas boas contas, desde o termo inicial do prazo prescribente — i.e., a data do trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público: 3.7.92 (cf. fl. 62) — e a sua prisão em 2.7.98 (causa interruptiva), não decorreu o trato de tempo de 6 anos, em que se daria a prescrição da pena de 5 anos e 4 meses, observada a circunstância do art. 115 do Código Penal.

Ora, segundo a regra do art. 10 do referido estatuto, inclui-se no cômputo do prazo de prescrição o dia do começo — no caso, 3.7.92 (data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a Acusação e Defesa, pois gênese do título penal executório).

Mas, preso aos 2.7.98, nesse dia se interrompeu o lapso prescricional da pretensão executória (art. 117, nº V).

Donde a conclusão implacável, mas escorreita, do parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 81): preso o recorrente em 2 de julho de 1998, o prazo extintivo de sua punibilidade decorreria tão somente “à meia-noite de 2 de julho de 1998”.

Assim, à conta de algumas horas, não pôde o recorrente subtrair-se ao império da Justiça punitiva.

À data do crime — 7.1.90 (fl. 145) —, tocava o réu por 19 anos (fl. 128).

4. No caso, porém, a aplicar textualmente a norma penal, estará o juiz ferindo de rosto o princípio que lhe deve reger todas as decisões e que o legislador mandou gravar no pórtico de bronze do Código Civil: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil).

Mandado de prisão havia sido expedido, fazia 6 anos, contra o agravante e apenas à última hora, quando iminente a perda de sua eficácia, o Estado pôs timbre em executá-lo.

Mas, ao presente, o condenado já não é o mesmo indivíduo de antanho: reintegrou-se na comunhão social e tem profissão lícita.

Enviá-lo ao cárcere, por obediência formal e cega à vontade da lei, seria quebrar-lhe o propósito de regeneração e deitá-lo a perder.

Ao Estado não pode interessar mais a expiação do delito cometido pelo infrator do que sua recuperação, fim último da pena.

5. A jurisprudência — afirmou o sábio e preclaro Magistrado Eliézer Rosa — é “a errata que os Tribunais escrevem para corrigir os excessos dos Códigos que devem ser feitos para o Homem, mas na verdade, por ocasião de sua feitura, é como se o Homem é que fora feito para os Códigos” (apud Heleno Cláudio Fragoso, Jurisprudência Criminal, 1973, vol. II, p. 374).

De que ao juiz, em casos de todo especiais, seja lícito atenuar os ápices da lei, concedem os mais opinados exegetas.

Do livro clássico de Carlos Maximiliano extraio este passo, que merecia perpetuado em lâminas de ouro:

“Hoje a maioria absoluta dos juristas quer libertar da letra da lei o julgador, pelo menos quando da aplicação rigorosa dos textos resulte injusta dureza, ou até mesmo simples antagonismo com os ditames da equidade. Assim, vai perdendo apologistas na prática a frase de Ulpiano — durum jus, sed ita lex scripta est — duro Direito, porém assim foi redigida a lei — e prevalecendo, em seu lugar, o summum jus, summa injuria — do excesso de direito resulta a suprema injustiça” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a. ed., p. 170).

Também o exímio Alberto Silva Franco, honra e glória da Magistratura pátria (que não somente paulista), em brilhante voto vencedor, não se correu de expender estas notáveis palavras a respeito de hipótese muito semelhante à de que tratam os autos:

“Julgo seres humanos, gente, enfim. E se meu campo de trabalho se situa nesse nível, não posso, nem quero — meu compromisso de Juiz com a lei é menos importante do que minha compreensão a respeito do sentido da justiça e minha visão do mundo — sacrificar a liberdade de pessoas como se estas fossem coisas, paradas no tempo, estáticas.

Não compreendo como possa, ao mesmo tempo, cumprir a lei e ser justo condenando, quase sete anos depois da prática da infração penal, indivíduos que estão hoje perfeitamente integrados no convívio social. A mora na entrega da prestação jurisdicional torna, no momento, a imposição de pena privativa de liberdade um ato de profunda injustiça. No espaço de tempo em que o aparelhamento judiciário deixou em suspenso uma definição sobre a ação criminosa, os apelantes transformaram-se. Não são as mesmas pessoas que executaram a infração penal. E se já são outras pessoas, não me sinto, portanto, em condições de privá-los de sua liberdade para o cumprimento de uma pena absurda de cinco anos e quatro meses de reclusão. Tal condenação tem para mim a sensação amarga de apenar pessoas que são totalmente estranhas ao delito. E, nesse caso, não há vinculação à lei que seja suficientemente forte para romper o compromisso que todo Juiz Criminal deve ter com a equidade e, portanto, com a própria Justiça” (JTACrSP, vol. 76, pp. 307-308).

Isto mesmo pratica a generalidade dos Tribunais do País, conforme se extrai do ven. acórdão do Tribunal de Justiça do Ceará, abaixo reproduzido em sua parte fundamental:

“A respeito da matéria, cumpre trazer à tona as lições de Mauricio Antonio Ribeiro Lopes que, ao estudar tal princípio (‘scilicet’, da razoabilidade), após invocar ensinamento de Recaséns Siches — para quem a lógica dedutiva é imprópria para a solução dos problemas jurídicos e humanos, ao contrário da lógica do razoável, que realiza operações que a lógica formal não comporta, especialmente aquelas de valorização e adaptação à realidade concreta —, assevera: ‘A própria noção de razoabilidade adquire um contorno próprio e específico no Direito, sendo mesmo erigida à categoria de princípio geral informativo do sistema jurídico positivo. E não se pense que tal procedimento pode gerar uma ruptura intrassistêmica ao Direito, porquanto o princípio (talvez mais acertadamente o principado) da razoabilidade é que dá consistência à possibilidade material da realização da justiça na aplicação concreta da lei, sobretudo da lei penal’ (Teoria constitucional do direito penal. São Paulo, Ed. RT, 2000, p. 450-451)” (Rev. Tribs., vol. 787, p. 515; rel. Des. Fernando Luiz Ximenes Rocha).

6. Destarte, o cumprimento de seu mandado de prisão (seis anos após expedido e às vésperas da consumação do prazo prescricional) pode satisfazer à lógica da Matemática, mas ofende de frente as normas do Direito e da Justiça, que assentam na lógica do razoável; pelo que, tenho por francamente injusto e desarrazoado deixar de reconhecer ao réu a extinção de sua punibilidade, “por questão de algumas horas ou quiçá em função de alguns minutos” (fl. 82).

A severa obrigação do Estado de meter em ferros ao autor de um crime torna-se ilegítima quando, por desmarcada omissão e inércia de seus agentes, não provê às diligências necessárias para efetivá-lo a seu tempo.

Ao direito-dever de punir do Estado, que, por dilatado espaço de tempo, não demonstrou interesse em executar o castigo imposto ao réu, prevalece o direito deste de eximir-se da sanção penal e do rigor do cárcere se, havendo aborrecido a vida de crimes, plenamente se reintegrou no convívio da sociedade.

Exigir, no caso, o cumprimento mecânico da lei não seria ato de justiça, mas puro arbítrio e vingança. Mas, justiça excessiva não é senão injustiça, proclamou com assaz de razão o grande Cícero: “Summum jus, summa injuria” (De Officiis, I, 10).

7. Pelo exposto, conheço do recurso como agravo em execução e dou-lhe provimento para, com base nos arts. 107, nº IV, 109, nº III, 110 e 115 do Código Penal, julgar extinta a punibilidade do réu pela prescrição da pretensão executória da pena (proc. nº 546/90; 17a. Vara Criminal). Expeça-se-lhe alvará de soltura, se por al não estiver preso.

São Paulo, 20 de dezembro de 2001

Carlos Biasotti

Relator

III. Repertório de ementas e extratos de doutrina acerca do prazo processual:

1. Assaz de razão teve o ínclito Eliézer Rosa para penalizar-se dos advogados, “cuja grande tortura profissional é a constante vigilância em matéria de prazos” (Cadernos de Processo Civil, 1973, vol. I, p. 69). Sabia o profecto Magistrado que ainda o advogado mais diligente lá um dia terá de recolher seu tributo a essa esfinge sem entranhas (os prazos processuais), que lhe devora os frutos do trabalho.

2. No caso de dúvida sobre sua tempestividade, é entendimento do STF que se deve admitir o recurso interposto (cf. Rev. Trim. Jurisp., vol. 89, p. 779; apud Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 13a. ed., p. 404).

3. “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (Rui, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42). Tal exortação naturalmente sobe de ponto, em se tratando de réu preso: perdida a liberdade — bem supremo do homem —, o anseio de recobrá-la não sofre nem admite dilação desarrazoada. Aqui toda delonga parece funesta, pois “mata a esperança, que é o último remédio que deixou a natureza a todos os males”, como afirmou o elegante Vieira (Sermões, 1682, t. II, p. 87).

4. Não cabe censura à decisão que inadmite, por intempestiva, apelação da Defesa. Como em tudo o mais nas relações jurídicas, prevalece aqui o adágio “Dormientibus non succurrit jus” (art. 593, nº I, do Cód. Proc. Penal).

5. Superior à crítica é o despacho que deixa de receber, por intempestivo, recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público fora do quinquídio legal (art. 586 do Cód. Proc. Penal).

6. O prazo para recorrer é preclusivo; se não praticado o ato no momento legal, já não haverá abrir nova oportunidade ao interessado, sem manifesta violação da ordem jurídico-processual.

7. A Justiça deve fazer timbre de não retardar a apuração da responsabilidade criminal de réu preso, porque maior mal que a privação da liberdade, só a morte! “Ao mesmo Demônio se deve fazer justiça, quando ele a tiver”, sentenciou o polido Vieira (Sermões, 1696, t. XI, p. 295).

8. O “habeas corpus” não é meio idôneo para apressar a entrega de prestação jurisdicional relativa a incidente de execução de pena. A Justiça, entretanto, deve olhar não se viole um dos mais sagrados direitos do preso: o de lhe serem despachados com presteza os requerimentos (que é coisa mui difícil unir a dor à paciência!).

9. A contagem dos prazos, notadamente os de decadência ou de prescrição, deve obedecer às normas de Direito Penal, por mais favoráveis ao réu. O “dia do começo inclui-se no cômputo do prazo” (art. 10 do Cód. Penal).

10. Irresignado com o teor da decisão, dela agravou o patrono da peticionária; fê-lo, porém, intempestivamente. Quando recorreu, já fluíra o quinquídio legal (art. 586 do Cód. Proc. Penal). Portanto, ao tempo em que a agravante pretendeu reagitá-la na Superior Instância, a questão já estava sob o selo da coisa julgada.

11. O processo, conforme a comum opinião dos doutores, “é movimento dirigido para diante” (Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal, 1958, vol. I, p. 24).

12. “As férias forenses, previstas na legislação estadual, não interrompem os prazos processuais, que são contínuos e peremptórios” (Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 23a. ed., p. 569).

13. Até pela via fax a jurisprudência do STF tem admitido a interposição de recurso; não há razão plausível, portanto, para que o apelante oponha embargos de declaração a destempo (art. 619 do Cód. Proc. Penal). Trata-se de prazo preclusivo, que não pode o Juiz nem o Tribunal reabrir. É a implacável sanção do tempo, consumidor de todas as coisas: “Tempus edax rerum” (Ovídio, Metamorfoses, liv. XV, v. 234).

14. “A ordem e a disciplina do processo exigem que a manifestação da inconformidade com a decisão e o desejo de interposição de recurso, para provocar o novo exame da causa, se verifiquem dentro do lapso de tempo previamente fixado” (Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal, 1958, vol. II, p. 285).

15. O decurso do tempo apaga a memória do fato punível e a necessidade do exemplo desaparece (cf. Abel do Vale; apud Ribeiro Pontes, Código Penal Brasileiro, 8a. ed., p. 154).

16. Nos ilícitos penais cometidos após o advento da Lei nº 9.099/95, o prazo decadencial para a representação da vítima, nos casos que prevê, é o que assina o art. 38 do Cód. Proc. Penal: 6 meses.

17. Devem ser rejeitados “in limine” embargos de declaração que não atendem ao pressuposto geral dos recursos: tempestividade (art. 619 do Cód. Penal).

18. Não configura constrangimento ilegal sanável por “habeas corpus” a demora determinada por doença do réu (art. 403 do Cód. Proc. Penal), visto que não está nas posses do Juiz evitar os efeitos de força maior.

19. Passa por verdade irrefutável que, entre os mais respeitáveis direitos do preso, conta-se o de ser processado, rigorosamente, nos prazos que lhe fixa a lei. A razão bem se entende: é iníquo dilatar, sem motivo justo e relevante, o sofrimento e o desespero do encarcerado.

20. A complexidade da causa tem-na geralmente interpretado a Jurisprudência por motivo de força maior, que justifica eventual demora na prática dos atos processuais. É que, segundo dispõe o 798, § 4º, do Cód. Proc. Penal, em caso de força maior “não correrão os prazos”.

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21. A autoridade judiciária não perdoará a tempo nem a diligências por alcançar, com a maior brevidade que couber no possível, o termo da instrução criminal, pondo destarte cobro a eventual constrangimento do réu preso.

22. Embargos de declaração opostos depois do segundo dia são considerados intempestivos à luz do art. 619 do Cód. Proc. Penal, pelo que deles não se conhece.

23. “(…) parece-nos, portanto, mais consentâneo com o espírito da Constituição entender-se não ser aplicável a limitação temporal de cento e vinte dias para o exercício da garantia constitucional do mandado de segurança (…)” (Nélson Nery Jr., Código de Processo Civil Comentado, 9a. ed., p. 1.300).

24. Isto de não haver a Defesa apresentado suas razões não obsta ao conhecimento da apelação; o ponto está em que tenha sido o patrono do réu regularmente intimado a fazê-lo (art. 600 do Cód. Proc. Penal).

25. A jurisprudência dos Tribunais orçou em 81 dias o prazo máximo para a apuração da responsabilidade criminal de réu preso; esse é o padrão temporal que estrema a legalidade do arbítrio. Mas, ainda que se não deva remeter o disco assim longe — que se considere fatal e peremptório esse trato de tempo —, é de todo o ponto inadmissível permaneça alguém preso durante 6 meses, à espera da formação de sua culpa, sem que lho tenha dado causa. Entre os mais sagrados direitos do réu preso está o de ser processado, rigorosamente, nos prazos previstos em lei.

26. A jurisprudência dos Tribunais, por atenuar o gravame que padece todo o que decaiu do “status libertatis”, assentou em 81 dias o prazo máximo para a apuração da responsabilidade criminal do réu preso. A inobservância injustificada desse marco temporal importa constrangimento ilegítimo, que será força remediar, em bem de respeitabilíssimo direito do réu: o de ver-se processar, estritamente, dentro nos prazos que lhe estipulam os cânones legais.

27. É a notar, porém, que unicamente o excesso injustificado configura constrangimento ilegal, não aquele provocado por motivo de força maior ou pela dificuldade na realização de diligência ou ato processual relevante (v.g., inquirição de testemunha por precatória); esse é sempre escusável, porque não está nas mãos do Juiz prevenir todos os escolhos que embarguem o curso normal do processo.

28. Maior bem do homem depois da vida, a liberdade sempre mereceu dos Tribunais mui particulares desvelos, como se mostra da construção jurisprudencial de que 81 dias são o prazo máximo para a formação da culpa de réu preso. Rasgo foi esse de grande sabedoria dos Julgadores, porque, para quem está preso, um dia não importa menos que uma eternidade! Essa meta cronológica não é, porém, fatal nem peremptória, antes está sujeita a temperamentos. O excesso de prazo na instrução apenas constitui constrangimento ilegal quando injustificado. A própria lei dispõe que a força maior suspende o curso dos prazos (art. 798, § 4º, do Cód. Proc. Penal).

29. “Vencido o prazo de interposição do recurso, cria-se, quase sempre, uma preclusão absoluta no tocante às decisões interlocutórias, e a suma preclusão (ou coisa julgada formal), relativamente às sentenças definitivas” (José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 1a. ed., p. 203).

30. Todo o excesso é danoso; a própria bondade morre do excesso. Em tema de restrição da liberdade, bem valiosíssimo do homem, a parêmia sobe de importância e alcance. A jurisprudência dos Tribunais, por isso, fixou em 81 dias o prazo máximo para o término da instrução criminal de réu preso. Esse é o marco temporal que, em linha de princípio, separa a legalidade do arbítrio.

31. O escopo do processo é a pesquisa da verdade real; pequena demora em sua tramitação compreende-se entre as contingências ou circunstâncias aleatórias a que estão sujeitos os que transgrediram a ordem jurídica.

32. Visto como importa restrição à liberdade, sumo bem do indivíduo, a custódia cautelar não pode prolongar-se “in aeternum”; daqui a razão por que os Tribunais de Justiça do País, olhando pela intangibilidade da pessoa humana, tiveram a bem fixar prazo à instrução criminal de processo de réu preso: este é o último padrão que separa a legalidade do arbítrio.

33. Máximo bem do homem, excetuada a vida, a liberdade não pode sofrer senão as restrições impostas por lei. Daqui veio o fixarem os Tribunais em 81 dias o prazo para a apuração da responsabilidade de réu preso. Quanto esteja em suas posses, portanto, deve o Juiz pôr timbre em que se não ultrapasse aquele marco de tempo, o qual, todavia, não é fatal nem peremptório: admite quebra e temperamento, nos casos de força maior. Aliás, dispõe a lei que, se houver força maior, os prazos não correrão (art. 798, § 4º, do Cód. Proc. Penal).

34. Pequena demora na formação da culpa não configura constrangimento ilegal, se lhe deu causa força maior ou motivo relevante e justificado, que não competia ao Juiz prevenir ou atalhar (v.g.: falta de apresentação do réu preso ao fórum, se devidamente requisitado; renúncia de seu advogado ao mandato, etc.).

35. Conforme inteligência de nossos Tribunais consagrada em infinitos acórdãos, não constitui constrangimento sanável por “habeas corpus” a permanência do condenado no regime fechado, por falta de vaga, enquanto aguarda sua remoção ao semiaberto, sobretudo se o Juiz da execução da pena proveu pontualmente que se efetivasse logo, solicitando-o à Coespe.

36. Pequena demora na transferência do sentenciado para regime prisional mais brando deve entender-se como efeito inexorável de caso fortuito, ou contingência a que, infelizmente, estarão sujeitos os que violarem a ordem jurídica.

37. Que se ultrapasse ligeiramente a meta de 81 dias, assinada pela jurisprudência dos Tribunais como o máximo legal permitido para a formação da culpa de réu preso, pode sofrer-se, no caso que o exijam a segurança social e o rigor da lei. Que, no entanto, sem lhe esteja liquidada a culpa, permaneça o réu em custódia por tempo superior a 6 meses, é excesso que se não pode tolerar, sob pena de subversão da ordem legal. Nem ao mais empedernido facínora deve o Juiz negar a aplicação da lei que o favoreça (art. 648, nº II, do Cód. Proc. Penal).

38. A demora no encerramento da instrução criminal de réu preso, embora possa configurar, em tese, coação ilegal reparável por “habeas corpus”, decai de importância com o advento da fase derradeira do processo, como o proclama a Súmula nº 52 do STJ: “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”.

39. Se o Juiz fez quanto estava e suas posses por executar fielmente a sentença condenatória do réu, nenhuma censura lhe cabe. É da condição humana a imperfeição em tudo. Pequena demora na efetivação da transferência do sentenciado a estabelecimento compatível com o regime prisional que lhe foi fixado deve interpretar-se como contingência a que estarão sempre sujeitos aqueles que transgredirem a ordem jurídica (art. 112 da Lei de Execução Penal).

40. É princípio geralmente recebido que não configura constrangimento ilegal a permanência do réu no regime fechado, se o Juiz deu todas as providências que lhe estavam ao alcance para removê-lo ao semiaberto. É que todo processo penal, mesmo na fase da execução da sentença, está sujeito a contingências inexoráveis, que não pode o Magistrado prevenir nem remediar.

41. Pequena delonga na transferência do preso para estabelecimento compatível com o regime de cumprimento de sua pena pode-se tolerar; não há sofrer, porém, aquela que exceda ao limite do razoável, o que seria conculcar direito sagrado do réu, demais de ofender gravemente a lei (art. 185 da Lei de Execução Penal) e desprestigiar a Justiça.

42. Em respeito à liberdade, atributo fundamental do indivíduo, fixou a Jurisprudência em 81 dias o prazo máximo para a formação da culpa de réu preso: o excesso importará constrangimento ilegal, remediável por “habeas corpus”. É de advertir, porém, que apenas o excesso de prazo injustificável caracteriza coação ilegítima, não a demora causada pela falta de apresentação do réu preso, quando regularmente requisitado para a audiência, ou pela necessidade de ouvir testemunha fora da terra, que estas se compreendem no conceito de força maior, em que “não correrão os prazos” (art. 798, § 4º, do Cód. Proc. Penal).

43. Cabe ao Magistrado, com o arbítrio do bom varão e na esfera de seu poder discricionário, dar as providências necessárias à busca da verdade real, alma e escopo de todo processo. Se o paciente não está preso à ordem do Juízo impetrado, mas por efeito de condenação que lhe foi decretada noutro processo, improcede a arguição de constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa (art. 648, nº II, do Cód. Proc. Penal).

44. Inscreve-se entre os mais sagrados direitos do réu o de ser processado nos prazos que lhe assina a lei. Esta, a razão por que a Jurisprudência orçou em 81 dias o prazo máximo para a formação da culpa de réu preso. Nem todo o excesso de prazo, no entanto, constitui constrangimento ilegal amparável por “habeas corpus”, senão aquele somente provocado pela desídia ou incúria do Juiz ou do Promotor de Justiça.

45. A via judicial do “habeas corpus” não é apropriada a apressar pedido de benefícios ou a obter progressão de regime de cumprimento de pena. Pequena demora na apreciação de requerimentos do condenado deve interpretar-se como efeito das invencíveis dificuldades que gravam a atividade judiciária, e das contingências a que estarão sujeitos sempre os que infringirem a ordem jurídica.

46. É inteligência consolidada em todos os Tribunais de Justiça do País que somente o excesso de prazo injustificado constitui constrangimento ilegal, não a demora decorrente das magnas deficiências estruturais do Judiciário, que Juiz algum, ainda o mais diligente, não pode prevenir nem remediar.

47. A preocupação de mitigar o rigor do cárcere — “casa dos mortos”, na expressão verdadeira do insigne Eliézer Rosa (in Jurídica, nº 110, p. 17) — avulta sempre entre as que avassalam o espírito do Juiz. Nem todo o excesso de prazo, porém, constitui causa e motivo de coação ilegal, senão aquele somente que decorre da desídia do Magistrado ou do Promotor de Justiça.

48. “A prisão em virtude de pronúncia não está sujeita a prazo” (STF; Min. Carlos Madeira; Rev. Tribs., vol. 645, p. 367).

49. A demora justificada no encerramento da instrução da causa não constitui constrangimento ilegal reparável por “habeas corpus”. É desse número o atraso na formação da culpa de réu preso decorrente da realização do exame de sanidade mental requerido pela Defesa. Trata-se de caso de força maior, ou razão de ordem superior; donde o haver disposto o legislador que, no caso de força maior, “não correrão os prazos” (art. 798, § 4º, do Cód. Proc. Penal).

50. Não tem direito ao “habeas corpus”, com base em constrangimento ilegal por excesso de prazo na solução do feito, o paciente que o provocou, atribuindo-se falsa identidade ao ser preso. A necessidade de se lhe apurar a verdadeira identidade justifica a demora no curso da ação penal, sem ofensa do direito de locomoção, pois ninguém pode beneficiar-se da própria malícia (“Turpitudinem suam allegans, non est audiendus”).

51. O Juiz que, por evitar se prolongue escusadamente o cárcere do réu, faz tudo o que está a seu alcance (suposto debalde), não pode ser obrigado a mais. Nisto de alegação de excesso de prazo, importa muito o princípio da razoabilidade. Faz ao propósito a lição do competente Damásio E. de Jesus: “(…) é admissível o excesso em determinadas circunstâncias; a contagem do prazo não deve ser rigorosa” (Código de Processo Penal Anotado, 22a. ed., p. 560).

52. Não configura constrangimento ilegal a demora na apreciação do pedido de liberdade provisória, se motivada pela necessidade de realização de diligência imprescindível à instrução do feito, como o procedimento de legitimação do réu, pois o primeiro dever de quem pleiteia perante a Justiça é comprovar sua real identidade.

53. Como lhe compete presidir as audiências e prover à instrução dos processos, não será decerto o Juiz um conviva de pedra ou um espectador inerte. Fatos existem, no entanto, que lhe excedem a jurisdição; denomina-os a tradição jurídica motivos de força maior, a cujo número pertence a necessidade de expedição de carta precatória para o interrogatório do réu. Ainda que lhe exaspere a sorte carcerária, tal fato não caracteriza constrangimento ilegítimo por excesso de prazo no encerramento da instrução criminal, uma vez que nem sempre o Juiz o pode dispensar ou prevenir. Eis a razão por que, no caso de força maior, dispõe a lei que “não correrão prazos” (art. 798, § 4º, do Cód. Proc. Penal).

54. Proferida a sentença condenatória, já não colhe o argumento da coação ilegal por excesso de prazo na formação da culpa, visto que outro o título prisional: a condenação do réu (art. 393, nº I, do Cód. Proc. Penal). “Julga-se prejudicado o pedido, se à impetração sobreveio sentença condenatória” (STF; HC nº 1.959-8; rel. Min. José Dantas; DJU 23.8.93, p. 16.585).

55. “Não se configura coação ilegal quando o excesso de prazo na formação da culpa decorre de incidentes processuais não imputáveis ao juiz do processo ou ao Ministério Público” (cf. Jurisp. do STJ, vol. 8, p. 236).

56. O prazo para recorrer da decisão de pronúncia é preclusivo; pelo que, se a Acusação não interpõe recurso em sentido estrito no quinquídio legal (art. 581, nº IV, do Cód. Proc. Penal), já não haverá reagitar na Superior Instância — por amor da autoridade da coisa julgada — a controvérsia entretida nos autos.

57. Grave que lhe seja o crime de que acusado, e abjeto o seu caráter, nenhum réu decai nunca da proteção da lei, que a todos iguala. A Constituição da República, em cláusula imperativa, assegura a todo o acusado o direito à “razoável duração do processo” (art. 5º, nº LXXVIII).

58. Um processo não “se arrasta”: “tramita”, e nunca o faz sem dignidade.

59. Eventual retardamento na conclusão do sumário de culpa inscreve-se entre as contingências ou vicissitudes a que estão sujeitos os que, acusados de violar a lei penal, devam aguardar, sob custódia, o pronunciamento da Justiça.

60. Passa por iniquidade manter preso, enquanto lhe tramita o processo, réu — que poderá, no caso de condenação, ter cumprido já a máxima parte de sua pena — recolhido no lugar que se reputa o pior do mundo antes do cemitério: o cárcere, a que o portentoso Vieira chamou, com igual elegância que verdade, “meia sepultura” (cf. Sermões, 1748, t. XV, p. 244).

Notas

  1. Novo Dicionário de Processo Civil, 1986, p. 214.

  2. José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 2009, vol. II, p. 92; Millennium Editora.

  3. Sermões, 1959, t. V, p. 210; Lello & Irmão – Editores; Porto.

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Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIASOTTI, Carlos. Prazo processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7682, 13 jul. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110215. Acesso em: 18 dez. 2024.

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