Capa da publicação TUSD e TUST na base do ICMS energia: modulação do STJ
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Tema repetitivo nº 986: inclusão da TUSD e TUST e demais encargos setoriais na base cálculo do ICMS incidente sobre o fornecimento de energia elétrica e a modulação dos efeitos da decisão

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Em consideração à segurança jurídica e à confiança do jurisdicionado, foi determinada, pelo STJ, no tema repetitivo nº 986, a modulação dos efeitos da decisão.

1. Introdução

A Corte de Uniformização da Jurisprudência Infraconstitucional definiu, por meio de julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos, que as tarifas de uso dos sistemas de distribuição e transmissão (TUSD e TUST) e encargos setoriais devem compor a base de cálculo do ICMS incidente sobre o fornecimento de energia elétrica.

Foram afetados, inicialmente, como repetitivos, três recursos: o REsp 1.692.023/MT, o REsp 1.699.851/TO e o EREsp 1.163.020/RS (posteriormente desafetado em 14/03/2024), com afetação ulterior dos REsp 1734902/SP e REsp 1734946/SP. A proposta de afetação fora apresentada pelo ministro Herman Benjamin, que também determinara a suspensão em todo o território nacional dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que versassem sobre a questão.

A ementa de julgamento do REsp 1.692.023 / MT é deveras extensa, mas esclarecedora. Restou firmada, em suma, a tese de que a “Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e/ou a Tarifa de Uso de Distribuição (TUSD), quando lançada na fatura de energia elétrica, como encargo a ser suportado diretamente pelo consumidor final (seja ele livre ou cativo), integra, para os fins do art. 13, § 1º, II, 'a', da LC 87/1996, a base de cálculo do ICMS”:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. ENCARGOS SETORIAIS RELACIONADOS COM TRANSPORTE (TUST) E DISTRIBUIÇÃO (TUSD) DE ENERGIA ELÉTRICA. VALOR DA OPERAÇÃO. DIFERENCIAÇÃO ENTRE A IDENTIFICAÇÃO DO FATO GERADOR DA EXAÇÃO E DA SUA BASE DE CÁLCULO. IMPORTÂNCIA DA DEMANDA E DELIMITAÇÃO DO SEU OBJETO 1. A questão controvertida nos feitos afetados ao julgamento no rito dos Recursos Repetitivos tem por escopo definir se os encargos setoriais correlacionados com operações de transmissão e distribuição de energia elétrica - especificamente a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) -, lançados nas faturas de consumo de energia elétrica, e suportados pelo consumidor final, compõem a base de cálculo do ICMS.

2. A primeira observação a ser feita é atinente à importância do tema debatido: o ICMS constitui a principal fonte de arrecadação tributária dos Estados e do Distrito Federal.

3. Registra-se, de início, que a matéria, conforme reconhecido no Supremo Tribunal Federal, é de natureza infraconstitucional. Nesse sentido, conveniente transcrever o Tema 956/STF: "É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa a inclusão dos valores pagos a título de Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) na base de cálculo do ICMS incidente sobre a circulação de energia elétrica.".

4. Outra importante consideração relaciona-se com a circunstância de a Lei Complementar 194/2022 ter promovido alterações na Lei Kandir (LC 87/1996), em especial no tema da incidência do ICMS nas operações relacionadas com energia elétrica. A mais relevante das modificações feitas, concernente ao objeto desta demanda, é a nova redação do art. 3º da LC 87/1996, que pela primeira vez prevê, de modo expresso, que não incide ICMS sobre os serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica.

5. Tais alterações, isto é, o questionamento em torno da inconstitucionalidade dos dispositivos modificados, são objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal, sendo de todos conhecida a concessão de liminar na Medida Cautelar na ADI 7195/DF (ratificada pelo Plenário), suspendendo "os efeitos do art. 3º, X, da Lei Complementar nº 87/96, com redação dada pela Lei Complementar nº 194/2022, até o julgamento do mérito desta ação direta".

6. A exegese sobre a inconstitucionalidade da norma, naturalmente, não se encontra no espectro da matéria passível de cognição no âmbito do Recurso Especial. Mesmo assim, apesar de a discussão relativamente à inconstitucionalidade de dispositivos da LC 194/2022 representar o objeto da ADI 7195/DF, também nos Recursos Repetitivos não será feita a interpretação dos respectivos dispositivos de lei federal. Isso porque, no ponto, se trata de legislação superveniente ao ajuizamento e julgamento dos respectivos processos nas instâncias de origem, não se encontrando satisfeito o requisito do prequestionamento, e por ser impossível a supressão de instância. DISCIPLINA JURÍDICA TRIBUTÁRIA VIGENTE AO TEMPO DA RELAÇÃO LITIGIOSA ENTRE AS PARTES 7. Merecem atenção as referências, tanto na disciplina constitucional (art. 34, § 9º, do ADCT) como na infraconstitucional (arts. 9º, § 1º, II, e 13, I, e § 2º, II, "a", da LC 87/1996), a expressões que, de modo inequívoco, indicam como sujeitas à tributação as "operações" (no plural) com energia elétrica, "desde a produção ou importação até a última operação". Tal premissa revela-se de essencial compreensão, pois, como se sabe (e será adiante explicitado), o sistema nacional da energia elétrica abrange diversas etapas interdependentes, conexas finalisticamente, entre si, como a geração/produção (ou importação), a transmissão e a distribuição.

8. Para a constatação do acima exposto (relação de interdependência) basta cogitar a supressão de qualquer uma delas (geração, transmissão ou distribuição), e será possível concluir que inexistirá a possibilidade física, material, de efetivar o consumo da energia elétrica.

9. Ainda nessa linha de raciocínio, o art. 13, § 1º, da LC 87/1996 descreve os diversos componentes que integram a base de cálculo do ICMS, mencionando-os nos seguintes termos: a) o montante do próprio imposto; b) o valor correspondente a seguros; c) o valor correspondente a juros; d) o valor correspondente a demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas; e) o valor correspondente a descontos concedidos sob condição; f) o valor correspondente a frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado.

FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE ENERGIA ELÉTRICA

10. As atividades essenciais da indústria de energia elétrica, segundo a disciplina jurídica vigente no território nacional, são: produção/geração, transmissão e distribuição de eletricidade.

11. A atividade que dá início ao processo é a geração, quando ocorre a produção de eletricidade por meio de fontes diversas (hidrelétrica, eólica, etc.). Posteriormente, dá-se a transmissão, ou seja, a propagação de eletricidade, que ocorre em alta tensão, por longa distância. No atual modelo jurídico em vigor, o transmissor não compra ou vende energia elétrica, limitando-se a disponibilizar as instalações em alta voltagem e a respectiva manutenção.

12. Conforme bem narrado nas manifestações dos amici curiae, os usuários dos sistemas de transmissão celebram Contrato de Uso do Sistema de Transmissão - CUST; definem no contrato a quantidade de uso contratada e efetuam o pagamento do montante contratado, mediante a aplicação da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão - TUST. Finalmente, a distribuição de energia elétrica abrange (a) a disponibilização de instalações que propagarão energia elétrica, em baixa tensão, normalmente a curtas distâncias, aos consumidores a ela conectados; e (b) a comercialização de energia elétrica à parte dos usuários conectados à sua rede.

13. No judicioso Voto-Vista da eminente Ministra Regina Helena Costa apresentado no julgamento do REsp 1.163.020/RS, foi descrita a existência de dois diferentes ambientes em que se dá a comercialização de energia elétrica.

14. O primeiro é o Ambiente de Contratação Livre - ACL, no qual ocorre a comercialização por livre negociação entre os agentes vendedores (geradores ou terceiros comerciantes) e os agentes compradores - denominados consumidores livres (em regra, indústrias de grande porte, que consomem elevada quantidade de energia elétrica no processo produtivo) -, segundo o art. 1º, § 3º, da Lei 10.848/2004. No ACL, a atividade da distribuidora se resume à disponibilização de sua rede, na forma de Contratos de Uso do Sistema de Distribuição - CUSD celebrados com os usuários, com a incidência da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição - TUSD.

15. De outro lado, no Ambiente de Contratação Regulada - ACR, a distribuidora disponibiliza a sua rede aos usuários - os quais são denominados consumidores cativos (consumidores residenciais e empresas de pequeno ou médio porte) -, mediante pagamento de tarifa (TUSD), como vendedora de energia elétrica.

16. Além da TUST e da TUSD, comumente denominadas "tarifas de fio", a fatura de consumo de energia elétrica prevê a incidência da "Tarifa de Energia" (TE), que é referente ao valor da operação de compra e venda da energia elétrica a ser consumida pelo usuário. É importante esclarecer que todos os encargos acima referidos são suportados, efetivamente, pelo consumidor final da energia elétrica.

17. Com a observação de que se mostra irrelevante definir a natureza jurídica da TUST e da TUSD (se taxa ou preço público), chega-se ao objeto litigioso: constituindo tais cobranças a remuneração por serviço alegadamente intermediário e inconfundível com a compra e venda de energia elétrica (pois a transmissão e a distribuição de energia elétrica não constituem circulação jurídica da aludida mercadoria), é possível sua inclusão na base de cálculo do ICMS?

PANORAMA JURISPRUDENCIAL DO STJ

18. No Superior Tribunal de Justiça, a resposta ao questionamento acima costumeiramente se dava no sentido de definir que a TUSD (estendendo-se o mesmo raciocínio para a TUST) não integra a base de cálculo do ICMS sobre o consumo de energia elétrica, "uma vez que o fato gerador ocorre apenas no momento em que a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida. Assim, tarifa cobrada na fase anterior do sistema de distribuição não compõe o valor da operação de saída da mercadoria entregue ao consumidor".

Nessa linha: AgInt no AgInt no AREsp 1.036.246/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 17.10.2017; REsp 1.680.759/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 9.10.2017; AgRg no AREsp 845.353/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13.4.2016; AgRg no REsp 1.075.223/MG, Rel. Ministro Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 11.6.2013; AgRg no REsp 1.278.024/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 14.2.2013.

19. O entendimento acima, que vinha sendo construído, ao que parece, com amparo no precedente contido no REsp 222.810/MG (Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, DJ 15.5.2000, p. 135), foi modificado pelo julgamento, na Primeira Turma do STJ, do REsp 1.163.020/RS (Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 27.3.2017), quando se definiu que "O ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas - entre elas a referente à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) - compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar n. 87/1996".

CONSOLIDAÇÃO DO ENTENDIMENTO DO STJ

20. Registra-se, inicialmente, que a mudança na orientação jurisprudencial se deu no julgamento de Recurso que limitou sua análise à TUSD. Todavia, aplica-se a mesma lógica à TUST, tendo em vista que a disciplina jurídica para ambas encontra-se no mesmo dispositivo legal (art. 15, § 6º, da Lei 9.074/1995).

21. A análise da robusta fundamentação apresentada no judicioso Voto do em. Ministro Gurgel de Faria, Relator no REsp 1.163.020/RS, assim como das ponderações apresentadas na manifestação do Conpeg, conduz à conclusão de que o entendimento que se alinha ao direito positivo é aquele estabelecido nesse precedente mais atual da Primeira Turma.

22. Com efeito, bem observou o amicus curiae que os pronunciamentos do STJ acerca da inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS-Energia Elétrica valeram-se de precedentes anteriores que examinaram tema conexo, mas absolutamente distinto, isto é, se a contratação de potência de energia (energia contratada, mas não consumida) está incluída no conceito de fato gerador da energia elétrica, para efeito de incidência do ICMS.

23. A posição que veio a prevalecer, seja no já citado REsp 222.810/MG, seja após, quando confirmada no julgamento do REsp 960.476/SC (Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 13.5.2009 - este último julgado no rito dos Recursos Repetitivos), é de que o "ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos, razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica, 'a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria'", bem como que "o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa".

24. Na época, a controvérsia tinha por objeto a análise que também fazia a distinção entre os consumidores cativos e os consumidores livres, porém voltada especificamente ao fato de que somente estes últimos tinham a medição, para fins de emissão da fatura do consumo de energia elétrica, amparada não apenas na quantidade, mas também na intensidade do consumo (para os consumidores cativos a fatura tomava por base apenas a quantidade da energia, e não a intensidade de seu consumo). Assim, os consumidores livres tinham necessariamente incluído na contratação da energia elétrica parâmetro relacionado com a intensidade do consumo (potência), situação que, ao final, poderia eventualmente - caso constatado consumo superior ao efetivamente contratado - acarretar o pagamento de encargo adicional (a denominada "tarifa de ultrapassagem").

25. O que é essencial, entretanto, é reconhecer que, em tais precedentes, a discussão girava em torno da identificação do fato gerador, e não sobre a base de cálculo do ICMS. Foi nesse sentido que se chegou à conclusão de que o fato gerador ocorre com o efetivo consumo (entrega da energia elétrica), e não com a simples contratação da energia elétrica. É sob esse enfoque que se afirmou que a simples celebração de contratos (aqui incluídos os contratos celebrados entre as usinas produtoras/geradoras e as empresas concessionárias ou permissionárias que atuam na transmissão e distribuição de energia elétrica) não se amolda ao fato gerador do ICMS.

26. Em momento algum, nos aludidos precedentes iniciais, houve enfrentamento específico relativamente à inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS. Pelo contrário, embora genérica, consta afirmação do saudoso Ministro Relator, em abstrato, de que "é perfeitamente legítima a incidência do tributo sobre o valor da tarifa correspondente à demanda reservada de potência contratada e efetivamente consumida". Malgrado, como se vê, os fundamentos neles estabelecidos foram de forma equivocada e indevida utilizados para discutir a base de cálculo do ICMS.

27. É neste presente Recurso que se debate, de modo pontual, o que se deve entender pela expressão "tarifa correspondente à energia efetivamente consumida", isto é, se abrange somente a "Tarifa de Energia" (TE) - em relação à qual não há dissídio entre as partes - ou também a TUST e a TUSD, como integrantes das operações feitas "desde a produção até a operação final", de efetivo consumo da energia.

28. A sutileza que, ao que tudo indica, não foi adequadamente captada por ocasião dos julgamentos mais diretamente relacionados com o tema nos precedentes mais antigos do STJ, reside no fato de que em momento algum se está a defender, pleitear ou mesmo decidir que incide ICMS sobre os serviços direta e exclusivamente relacionados com a transmissão e com a distribuição de energia elétrica (identificação do fato imponível do tributo), mas sim em saber se as tarifas relacionadas com tais prestações de serviço, incluídas na fatura de energia elétrica dos consumidores (livres e cativos), e portanto por eles suportadas, inserem-se no "valor da operação", base de cálculo do ICMS.

29. Note-se a diferença: uma coisa é a remuneração do serviço público (de transmissão e distribuição de energia elétrica) por tarifa (respectivamente, TUST e TUSD), como instrumento de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contratos firmados para atividades empresariais que, por razões de política de gestão do sistema de energia elétrica, foram desmembradas da geração da energia elétrica, e a partir daí analisar se tal tipo de serviço constitui "circulação de mercadoria" (fato gerador do ICMS).

30. Questão absolutamente diversa é definir se o repasse de tais encargos ao consumidor final, na cobrança da fatura de consumo de energia elétrica, deve compor a base de cálculo do ICMS.

31. Dessa forma, o entendimento concernente à alegada autonomia dos contratos relativos à transmissão e distribuição de energia elétrica, como situação autônoma e desvinculada do consumo, revela-se de todo inútil e equivocado para os fins de solução da lide.

32. Inútil porque, repita-se, não se está a discutir a incidência de ICMS sobre tal fato (celebração de contrato), ou sobre a prestação de serviço - transmissão e distribuição de energia elétrica.

Equivocada (a premissa) porque, com a mais respeitosa e profunda vênia, não se revela logicamente concebível afirmar que a transmissão e a distribuição de energia elétrica possam ser qualificadas como autônomas, independentes, pois a energia elétrica é essencialmente produzida ou gerada para ser consumida. Se parte dessa mercadoria, circunstancialmente, não for consumida, tal situação dirá respeito, conforme acima mencionado, à própria não ocorrência do fato gerador do ICMS.

33. Daí, a meu ver, mostrar-se incorreto concluir que, apurado o efetivo consumo da energia elétrica, não integram o valor da operação, encontrando-se fora da base de cálculo do ICMS, os encargos relacionados com situação que constitui antecedente operacional necessário (a transmissão e a distribuição, após a prévia geração da energia elétrica que foi objeto de compra e venda). Note-se que tão importantes são os aludidos encargos que o legislador os erigiu como essenciais à manutenção do próprio Sistema de Energia Elétrica e do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos mantidos com concessionários e permissionários do serviço público.

34. Tal raciocínio não condiz com a disciplina jurídica da exação que, seja no ADCT (art. 34, § 9º), seja na LC 87/1996 (art. 9º, § 1º, II), quando faz referência ao pagamento do ICMS sobre a energia elétrica, conecta tal situação (isto é, o pagamento do tributo) à expressão "desde a produção ou importação até a última operação", o que somente reforça a conclusão de que se inclui na base de cálculo do ICMS, como "demais importâncias pagas ou recebidas" (art. 13, § 1º, II, "a", da LC 87/1996), o valor referente à TUST e ao TUSD - tanto em relação aos consumidores livres como, em sendo o caso, para os consumidores cativos.

35. A única hipótese que, em princípio, justificaria a tese defendida pelos contribuintes seria aquela em que fosse possível o fornecimento de energia elétrica diretamente pelas usinas produtoras ao consumidor final, sem a necessidade de utilização das redes interconectadas de transmissão e distribuição de energia elétrica - situação em que, a rigor, nem sequer seriam por ele devidos os pagamentos (como efetivo responsável ou a título de ressarcimento, conforme previsão em lei, regulamentação legal ou contratual) de TUST e TUSD.

36. Para finalizar, por mais complexo e questionável que seja o uso da analogia, cito exemplo: a invocação de que a TUST e a TUSD, porque oriundas de relação jurídica "autônoma", não devem ser incluídas na base de cálculo do ICMS sobre o consumo de energia elétrica é tão inverossímil quanto o raciocínio de que o contribuinte de Imposto de Renda da Pessoa Física possa afastar do conceito de renda (base de cálculo do IRPJ) a parcela do salário que ele utiliza para pagar os encargos que assumiu contratualmente, em relação à locação de imóvel (relação jurídica autônoma), isto é, para arcar com o pagamento do IPTU e da TLP sobre o imóvel locado.

TESE REPETITIVA 37. Adota-se, por todo o exposto, a tese repetitiva: "A Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e/ou a Tarifa de Uso de Distribuição (TUSD), quando lançadas na fatura de energia elétrica, como encargo a ser suportado diretamente pelo consumidor final (seja ele livre ou cativo), integra, para os fins do art. 13, § 1º, II, 'a', da LC 87/1996, a base de cálculo do ICMS."

MODULAÇÃO DOS EFEITOS. SUPERAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA QUE PERDUROU POR RAZOÁVEL PRAZO DE TEMPO. APLICABILIDADE NA SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. 38. Considerando que até o julgamento do REsp 1.163.020/RS - que promoveu mudança na jurisprudência da Primeira Turma - a orientação das Turmas que compõem a Seção de Direito Público do STJ era, s.m.j., toda favorável ao contribuinte do ICMS nas operações de energia elétrica, proponho, com base no art. 927, § 3º, do CPC, a modulação dos efeitos, a incidir exclusivamente em favor dos consumidores que, até 27.3.2017 - data de publicação do acórdão proferido julgamento do REsp 1.163.020/RS -, tenham sido beneficiados por decisões que tenham deferido a antecipação de tutela, desde que elas (as decisões provisórias) se encontrem ainda vigentes, para, independente de depósito judicial, autorizar o recolhimento do ICMS sem a inclusão da TUST/TUSD na base de cálculo. Note-se que mesmo estes contribuintes submetem-se ao pagamento do ICMS, observando na base de cálculo a inclusão da TUST e TUSD, a partir da publicação do presente acórdão – aplicável, quanto aos contribuintes com decisões favoráveis transitadas em julgado, o disposto adiante, ao final.

39. A modulação aqui proposta, portanto, não beneficia contribuintes nas seguintes condições: a) sem ajuizamento de demanda judicial; b) com ajuizamento de demanda judicial, mas na qual inexista Tutela de Urgência ou de Evidência (ou cuja tutela outrora concedida não mais se encontre vigente, por ter sido cassada ou reformada); c) com ajuizamento de demanda judicial, na qual a Tutela de Urgência ou Evidência tenha sido condicionada à realização de depósito judicial;me d) com ajuizamento de demanda judicial, na qual a Tutela de Urgência ou Evidência tenha sido concedida após 27.3.2017.

40. Em relação às demandas transitadas em julgado com decisão favorável ao contribuinte, eventual modificação está sujeita à análise individual (caso a caso), mediante utilização, quando possível, da via processual adequada. SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 41. Na hipótese dos autos, houve concessão de liminar em 9 de fevereiro de 2015, determinando "à autoridade impetrada a abstenção da cobrança de ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) da conta da Impetrante - UCn 3122239" (fl. 46, e-STJ). Quanto ao tema de fundo, o Tribunal de origem delimitou que o objeto da demanda diz respeito exclusivamente à inclusão da TUSD na base de cálculo do ICMS. Ao emitir juízo de valor acerca do tema, entretanto, reproduziu dispositivos da LC 87/1996 e expressamente analisou não apenas a inclusão da TUSD, como também da TUST, como se infere no Voto condutor (fls. 231-234, e-STJ): "Como relatado, o agravante se insurge contra decisão monocrática proferida nos autos de Código n. 108552/2015, a qual negou seguimento ao recurso de apelação cível interposto e ratificou a sentença prolatada na origem, cujo objeto visava o afastamento da incidência de ICMS sobre a base de cálculo da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição - TUSD, por ser esta considerada ilegal. (...) Por sua vez, em relação à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição - TUSD, assim como ocorre com relação à Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica- TUST, estas nada mais são do que o ressarcimento do custo do transporte da energia, que deve ser calculado com base em critérios determinados pela ANEEL, conforme disposto no art.15, § 6°, da Lei n.9.427/96, que esclarece que 'É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente'. Portanto, entendo que a composição da base de cálculo do ICMS incidente sobre energia elétrica não pode contemplar despesas a título de distribuição (TUSD), assim como a de transmissão (TUST), porquanto, em tais casos, há apenas o deslocamento de energia elétrica de um para o outro estabelecimento do mesmo contribuinte, afastando-se a caracterização de efetiva circulação da mercadoria".

42. No que concerne à cláusula de reserva de Plenário, a Corte local assim se manifestou (fl. 237, e-STJ): "(...) despiciendo o acolhimento da alegação de violação à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF), notadamente quando não houver declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais alegados como violados, tampouco afastamento deles, mas simplesmente a interpretação do direito infraconstitucional aplicável à espécie.

Ademais, a cláusula da reserva de plenário somente é ofendida nas hipóteses em que a decisão esteja fundamentada na incompatibilidade entre a norma legal e a Constituição Federal (Rcl 6944, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 23/06/2010, DJe-149 DIVULG 12-08-2010 PUBLIC 13-08-2010ILMENT VOL-02410-0I PP -00226 RTv.99, n. 902, 2010, p. 140-146)".

43. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC/1973.

44. Tampouco procede a tese de violação do art 481 do CPC/1973, porque o Tribunal de origem de modo claro mencionou que não se discutiu a matéria controvertida sob o enfoque da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da legislação federal, mas apenas a respectiva interpretação, para concluir sobre a procedência ou não do pedido deduzido nos autos. Nesse contexto, decidiu conforme a jurisprudência do STJ.

45. No mérito propriamente dito, a orientação adotada pela Corte a quo destoa da tese repetitiva aqui definida, devendo a pretensão recursal ser acolhida, respeitando-se a modulação dos efeitos.

46. Recurso Especial provido para reformar o acórdão recorrido, com a declaração de que a TUST e a TUSD integram a base de cálculo do ICMS. Ressalva de que, no presente caso, os efeitos do julgado em favor da Fazenda Pública são prospectivos, relativos ao direito de constituir e cobrar os créditos referentes aos fatos geradores posteriores à publicação deste julgamento, visto que a lide se encontra abrangida pela modulação de efeitos.

(REsp n. 1.692.023/MT, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 13/3/2024, DJe de 29/5/2024.)

2. A disciplina jurídica do sistema de energia elétrica e o atual contexto jurisprudencial

Cumpre mencionar que existem dois tipos de consumidores de energia elétrica: (a) Consumidores cativos (a etimologia deriva de cativeiro e representa justamente a impossibilidade de escolha de quem comprará a energia), que são aqueles que recebem a energia diretamente de distribuidora, sem margem de negociação ou escolha. Correspondem aos consumidores “comuns”, ou seja, as residências e os empreendimentos de pequeno e médio portes; (b) Consumidores livres, que são aqueles que consomem carga igual ou maior que 10.000 kW, atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV, podendo optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente de energia elétrica.

Como é cediço, a atual legislação de regência do setor elétrico brasileiro permite que os grandes consumidores de energia elétrica, isto é, os consumidores livres, possam escolher livremente a empresa geradora e/ou comercializadora que lhes apresenta oferta mais vantajosa, não estando mais vinculados às condições de fornecimento de energia elétrica estabelecidas para o público em geral pela concessionária distribuidora local.

O fato gerador do ICMS em questão diz respeito, portanto, à circulação jurídica da energia elétrica fornecida aos consumidores. Em decorrência de sua peculiar realidade física, sabe-se que a circulação da energia elétrica se dá com a ocorrência simultânea de sua geração, transmissão, distribuição e consumo, concretizando-se em uma corrente elétrica que é acionada quando do fechamento do circuito físico existente desde a fonte geradora até a unidade do usuário.

Esse contexto revela, pois, que a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser decotado da sua base de cálculo.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, divulgado no Informativo 601, no sentido de que o ICMS deve incidir sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista que as fases de geração, transmissão e distribuição da energia são indissociáveis, de forma que o custo inerente a cada uma dessas etapas, entre elas a referente à TUSD, compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da LC 87/96.

Observa-se, desse modo, que a etapa de transmissão e distribuição não se trata de simples atividade-meio, mas sim de atividade inerente ao próprio fornecimento de energia elétrica, por isso, sendo dele indissociável.

Vale conferir a ementa do paradigmático julgado acima citado:

TRIBUTÁRIO. ICMS. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. BASE DE CÁLCULO. TARIFA DE USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO (TUSD). INCLUSÃO.

1. O ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas - entre elas a referente à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) - compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar n. 87/1996.

2. A peculiar realidade física do fornecimento de energia elétrica revela que a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser decotado da sua base de cálculo, sendo certo que a etapa de transmissão/distribuição não cuida de atividade-meio, mas sim de atividade inerente ao próprio fornecimento de energia elétrica, sendo dele indissociável.

3. A abertura do mercado de energia elétrica, disciplinada pela Lei n. 9.074/1995 (que veio a segmentar o setor), não infirma a regra matriz de incidência do tributo, nem tampouco repercute na sua base de cálculo, pois o referido diploma legal, de cunho eminentemente administrativo e concorrencial, apenas permite a atuação de mais de um agente econômico numa determinada fase do processo de circulação da energia elétrica (geração). A partir dessa norma, o que se tem, na realidade, é uma mera divisão de tarefas - de geração, transmissão e distribuição - entre os agentes econômicos responsáveis por cada uma dessas etapas, para a concretização do negócio jurídico tributável pelo ICMS, qual seja, o fornecimento de energia elétrica ao consumidor final.

4. Por outro lado, o mercado livre de energia elétrica está disponibilizado apenas para os grandes consumidores, o que evidencia que a exclusão do custo referente à transmissão/distribuição da base de cálculo do ICMS representa uma vantagem econômica desarrazoada em relação às empresas menores (consumidores cativos), que arcam com o tributo sobre o "preço cheio" constante de sua conta de energia, subvertendo-se, assim, os postulados da livre concorrência e da capacidade contributiva.

5. Recurso especial desprovido.

(REsp 1163020/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2017, DJe 27/03/2017)

E, em seguida, no Tema Repetitivo nº 986, o STJ fez uma distinção entre fato gerador e base de cálculo para justificar a posição adotada, sem conflitar com os fundamentos da tese que aborda a demanda contratada, mas não consumida, que justamente diferencia potência e energia.

Dessa forma, pode-se concluir que não cabe mais diferenciar consumidores livres de consumidores cativos no que se refere à inclusão da TUSD e TUST na base de cálculo do ICMS.

Embora a Lei nº 9.074/95 tenha possibilitado a compra direta de energia por parte dos grandes consumidores, ela não criou nenhuma exceção à forma de tributação existente, de sorte que não se afigura possível, em qualquer caso, a exclusão de etapas do sistema de geração de energia para fins tributários.

Note-se, ademais, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão virtual concluída em 03.03.2023, ratificou, por maioria, a tutela cautelar concedida pelo ministro Luiz Fux nos autos da ADI 7.195, em ordem a “suspender os efeitos do art. 3º, X, da Lei Complementar nº 87/96, com redação dada pela Lei Complementar nº 194/2022, até o julgamento do mérito desta ação direta, nos termos do voto do Relator”.

A decisão (09.02.2023) que concedeu a tutela cautelar, posteriormente ratificada pelo Plenário do STF, restou assim ementada:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - DIREITO TRIBUTÁRIO - LEIS COMPLEMENTARES 192 E 194/2022 - ACORDO FIRMADO NOS AUTOS DA ADI Nº 7.191 E DA ADC Nº 984, DE RELATORIA DO MINISTRO GILMAR MENDES - OBJETO NÃO ABARCADO PELO ACORDO FIRMADO - EXPRESSA MENÇÃO À POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIMINAR AOS ESTADOS - MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR AD REFERENDUM DO PLENÁRIO - FUMAÇA DO BOM DIREITO E URGÊNCIA - EXCLUSÃO DA TUST E DA TUSD DA BASE DE CÁLCULO DO ICMS POR MEIO DE LEI COMPLEMENTAR - POSSIBILIDADE DE A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL TER SIDO EXORBITADA - PREJUÍZO BILIONÁRIO AOS ESTADOS

1. O regime do ICMS, modificado pelas pelas Leis Complementares nº 192, de 11 de março de 2.022 e 194, de 23 de junho de 2022, foram impugnadas nos autos da ADI 7191 e na ADPF 984, ambas de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual de 14 de dezembro de 2.022, homologou o acordo firmado entre as partes nos autos daquelas ações de controle concentrado.

3. O art. 2º da Lei Complementar nº 194/22, na parte em que modificou o inciso X do art. 3º da Lei Complementar nº 87/1996 - Lei Kandir, não foi objeto de transação naquela avença.

4. A exclusão da incidência do ICMS sobre o valor relativo aos serviços de transmissão e distribuição bem como aquele correspondente aos encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica restou determinada pelo dispositivo questionado.

5. O acordo homologado na ADI 7191 e na ADPF 984 deixou expressa a possibilidade de concessão de liminar nos autos desta Ação Direta de Inconstitucionalidade em relação à matéria. Verbis: Cláusula Quarta. .... Parágrafo Segundo. Os representantes da União nesta comissão especial não se opõem a concessão de medida cautelar nos autos da ADI 7195 enquanto o tema estiver em discussão no âmbito do grupo de trabalho previsto no parágrafo anterior.

6. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a concessão de medida cautelar pelo Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade com base no poder geral de cautela do magistrado, nos casos de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ad referendum do Plenário da Corte. (ADI-MC 2.849, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D] de 3.4.2003; ADI-MC 4.232, Rel. Min. Dias Toffoli, D]e de 25-5-2009; ADI 4.190-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 12-7- 2009, D]E de 4-8-2009; ADI 4.307-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 2-10-2009, D]E de 8-10-2009; ADI-MC 4.451, Rel. Min. Carlos Britto, D]e de 12-9-2010; ADI-MC 4.598, Rel. Min. Luiz Fux, Dje de 2-8-2011 e ADI 3.273-MC, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 1 6-8-2004, D] de 23-8- 2004).

7. In casu, em exame do fumus boni juris, exsurge do contexto posto a possibilidade de que a União tenha exorbitado seu poder constitucional, imiscuindo-se na maneira pela qual os Estados membros exercem sua competência tributária relativamente ao ICMS, ao definir, de lege lata, os elementos que compõem a base de cálculo do tributo.

8. A inclusão dos encargos setoriais denominados Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) na base de cálculo do imposto estadual suscita controvérsia conducente à probabilidade do direito. É que a discussão remete à definição sobre qual seria a base de cálculo adequada do ICMS na tributação da energia elétrica, vale dizer, se o valor da energia efetivamente consumida ou se o valor da operação, o que incluiria, neste último caso, os referidos encargos tarifários. A questão pende de julgamento em regime de recurso especial repetitivo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (Tema repetitivo 986, Rel. Min. Herman Benjamin).

9. O periculum in mora é extraível dos valores apresentados pela entidade autora que dão conta de prejuízos bilionários sofridos pelos cofres estaduais mercê da medida legislativa questionada. Conforme informações trazidas no e-doc. 110, a estimativa é a de que, a cada 6 meses, os Estados deixam de arrecadar, aproximadamente, 16 bilhões de reais, o que também poderá repercutir na arrecadação dos municípios, uma vez que a Constituição Federal determina que 25% da receita arrecadada com ICMS pelos estados deverá ser repassada aos municípios (Art. 158, inciso IV).

10. Tutela cautelar deferida para suspender os efeitos do art. 3º, X, da Lei Complementar nº 87/96, com redação dada pela Lei Complementar nº 194/2022, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal”.

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Concluiu o Exmo. Min. Relator que “exsurge do contexto posto a possibilidade de que a União tenha exorbitado seu poder constitucional, imiscuindo-se na maneira pela qual os Estados-membros exercem sua competência tributária”, de modo que, possivelmente, o resultado final deve ser favorável à tese defendida pelos Estados-membros, com a inclusão da TUSD e TUST na base de cálculo do ICMS.

Não houve, até o momento, julgamento de mérito da ADI 7195, mas, caso mantido o entendimento esposado na decisão que concedeu a tutela cautelar, não se destoará do já mencionado Tema nº 986 de Recursos Repetitivos.

Saliente-se, além disso, que no Tema nº 986 de Recursos Repetitivos fez-se menção expressa ao fato de que, “a matéria, conforme reconhecido no Supremo Tribunal Federal, é de natureza infraconstitucional. Nesse sentido, conveniente transcrever o Tema 956/STF: ‘É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa a inclusão dos valores pagos a título de Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) na base de cálculo do ICMS incidente sobre a circulação de energia elétrica’."

3. A possibilidade de modulação dos efeitos da decisão no âmbito do controle de constitucionalidade e nas sistemáticas de julgamento de recursos repetitivos e de repercussão geral

A possibilidade de modulação dos efeitos de uma decisão surgiu, no Brasil, no contexto do controle de constitucionalidade. De início, adveio de construção jurisprudencial e, apenas posteriormente, foi estabelecida na legislação por meio da Lei nº 9.868/1999, no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Enquanto no controle concentrado de constitucionalidade os efeitos da decisão são, em regra, erga omnes e ex tunc, no controle difuso de constitucionalidade os efeitos são inter partes e também ex tunc. Poderá haver, porém, a modulação dos efeitos da decisão, tanto para alterar o critério temporal como para estender os efeitos da decisão a todos, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social.

Por oportuno, transcreve-se o seguinte excerto do voto do Exmo. Ministro Gilmar Mendes no RE 364.304-AgR:

“(…) A teoria da nulidade tem sido sustentada por importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual ‘the inconstitutional statute is not law at all’, significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se pela equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade. Afirmava-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição. Razões de segurança jurídica podem revelar-se, no entanto, aptas a justificar a não-aplicação do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Não há negar, ademais, que aceita a idéia da situação ‘ainda constitucional’, deverá o Tribunal, se tiver que declarar a inconstitucionalidade da norma, em outro momento fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada. Em outros termos, o ‘apelo ao legislador’ e a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados ou restritos estão intimamente ligados. Afinal, como admitir, para ficarmos no exemplo de Walter Jellinek, a declaração de inconstitucionalidade total com efeitos retroativos de uma lei eleitoral tempos depois da posse dos novos eleitos em um dado Estado? Nesse caso, adota-se a teoria da nulidade e declara-se inconstitucional e ipso jure a lei, com todas as conseqüências, ainda que dentre elas esteja a eventual acefalia do Estado? Questões semelhantes podem ser suscitadas em torno da inconstitucionalidade de normas orçamentárias. Há de se admitir, também aqui, a aplicação da teoria da nulidade tout court? Dúvida semelhante poderia suscitar o pedido de inconstitucionalidade, formulado anos após a promulgação da lei de organização judiciária que instituiu um número elevado de comarcas, como já se verificou entre nós. Ou, ainda, o caso de declaração de inconstitucionalidade de regime de servidores aplicado por anos sem contestação. Essas questões — e haveria outras igualmente relevantes — parecem suficientes para demonstrar que, sem abandonar a doutrina tradicional da nulidade da lei inconstitucional, é possível e, muitas vezes, inevitável, com base no princípio da segurança jurídica, afastar a incidência do princípio da nulidade em determinadas situações. Não se nega o caráter de princípio constitucional ao princípio da nulidade da lei inconstitucional. Entende-se, porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos casos em que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omissão ou de exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade), bem como nas hipóteses em que a sua aplicação pudesse trazer danos para o próprio sistema jurídico constitucional (grave ameaça à segurança jurídica).”1

Note-se que a legislação mencionada (Lei nº 9.868/1999) refere-se ao controle concentrado de constitucionalidade, mas a jurisprudência da Corte Suprema é no sentido de ser possível a modulação dos efeitos também no controle difuso. Destaque-se que a referida lei foi ela própria objeto de controle de constitucionalidade, por meio das ADIs nº 2.154 e nº 2.258, que apenas foram apreciadas em março de 2023. O STF, por maioria, entendeu pela constitucionalidade do artigo 27 da Lei nº 9.868/1999, que autoriza expressamente a Corte Suprema a restringir os efeitos retroativos da decisão à data do julgamento ou para o futuro, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma.

Por sua vez, a incorporação no ordenamento jurídico brasileiro das sistemáticas de julgamento de recursos repetitivos e de repercussão geral consolidou a técnica de modulação dos efeitos das decisões. Nos termos do art. 927, § 3º, do CPC/2015:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

(…)

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

A modulação de efeitos no julgamento de recursos repetitivos foi aplicada pela primeira vez no julgamento do do REsp 1.657.156/RJ, de relatoria do Exmo. Ministro Benedito Gonçalves, em que foram fixados requisitos para o Judiciário determinar ao Poder Público o fornecimento de medicamentos que não estão na lista do Sistema Único de Saúde.

Teresa Arruda Alvim, ao discorrer sobre a temática na obra “Modulação - Na Alteração da Jurisprudência Firme ou de Precedentes Vinculantes”2, esclarece, em brevíssima nota introdutória, que:

“(…) as decisões jurisdicionais têm, em diferentes intensidades, carga normativa. Assim, se, em alguma medida, decisões judiciais são normas jurídicas, espraiando seus efeitos para além do caso concreto que decidem, devem-se reconhecer e estudar as consequências deste fenômeno. Entre elas estão a necessidade de, sob certas condições, uniformizar, firmar precedentes vinculantes e, muitas vezes, modular seus efeitos.

A expressão modulação de efeitos de uma decisão significa manipulação ou calibração da forma como esses efeitos se operarão no mundo empírico.

(…) O art. 927, § 3º, de fato, decorreu, a nosso ver, fundamentalmente, da constatação, por parte do próprio legislador, de que as decisões do juiz, principalmente as dos Tribunais Superiores, têm certa carga normativa, carga esta que não deve, em certos casos, incidir retroativamente. Isto, é claro, sem falar no caso dos precedentes vinculantes, em que dita carga normativa é imposta por lei.

A modulação é instituto concebido para concretizar, nos casos em que se entenda adequado prevalecer, o princípio da proteção à confiança (que se consubstancia na dimensão subjetiva da segurança jurídica), e, portanto, no direito brasileiro, pode obstar o cabimento da rescisória, quando a jurisprudência dominante muda de rumo ou quando a lei, em que se baseia a decisão, seja tida por inconstitucional.

Entretanto, a modulação permite que se faça muito mais do que isso. Pode-se até mesmo, como se verá, julgar certo caso X de acordo com entendimento jurisprudencial que havia à época em que ocorreu o caso X, mesmo que este entendimento já tenha sido superado no STJ ou no STF e que prevaleça, atualmente, entendimento Y.

Aliás, de rigor, em tese, a modulação pode dizer respeito a aspectos da eficácia territorial e subjetiva das decisões (…).

Trata-se de instituto extremamente versátil, flexível, que pode render muito mais frutos do que evitar a ação rescisória, como faz a vetusta Súmula 343, e realizar, de modo muito mais pleno, concretamente a segurança jurídica.

Evidentemente, a possibilidade de se darem efeitos prospectivos às mudanças de orientação pacificada dos tribunais e de tese jurídica adotada em precedente, embora seja, a nosso ver, dotada de evidente racionalidade jurídica, suscita problemas e, por isso, gera muita resistência. O principal desses problemas é o fato de o juiz, de certo modo, estar agindo, em certa medida, ao dar efeitos ex nunc à sua decisão (que encampa um novo posicionamento), como legislador. Questiona-se, portanto, se a função jurisdicional seria compatível com este fenômeno.

Como veremos ao longo deste estudo, a tarefa de criar pautas de conduta para o jurisdicionado não é fruto apenas da atividade do legislador, mas também da do Judiciário. Pode haver alguma variação de país para país, de sistema para sistema, e esta cooperação pode ocorrer em diferentes medidas ou dimensões, mas existe sempre a participação do que faz a lei e do que a interpreta, na criação da pauta de conduta.

Apesar das diferenças, que podem decorrer do fato de, em alguns países, existirem precedentes vinculantes (ou não), do grau de liberdade que têm os juízes para interpretar e mesmo de haver (ou não) leis escritas, certamente o fato de se imprimirem efeitos prospectivos a mudanças de orientação dos tribunais faz com que a posição do juiz, numa certa dimensão, chegue bem perto da do legislador.

(…) Tratar com mais empenho e coragem o tema da modulação, principalmente no sentido de se poderem atribuir à alteração de precedentes ou às conhecidas “viradas” de jurisprudência, tão comuns no Brasil, efeitos apenas prospectivos, é necessidade que se impõe e que decorre da constatação da evidência de que a atividade jurisdicional é criativa.

Não se trata, porém, de identificar a irretroatividade das leis com a irretroatividade da jurisprudência. A modulação dos efeitos das decisões do Judiciário é excepcional. Mas o instrumento existe e está à nossa disposição. Portanto, deve-se, a nosso ver, estudá-lo de molde a que possa concretizar, na prática, de modo mais pleno, valores constitucionais.

A Lei 13.655/2018, cuja redação acrescentou alguns artigos à LINDB, trata também deste tema e traduz, uma vez mais, a intensa preocupação do legislador com os efeitos deletérios da oscilação jurisprudencial, que eleva a insegurança jurídica e repercutem no ambiente de negócios do País.

A redação dos seus dispositivos não é das mais claras. É, exageradamente, permeada de conceitos vagos, apresentando, portanto, a potencialidade de gerar profundas discrepâncias interpretativas, o que poderá fazer com que, durante anos, haja dificuldades interpretativas.

Entretanto, nos arts. 23 e 24, a lei diz algo de extrema relevância quanto à alteração de posição da jurisprudência. O art. 23 estabelece que a decisão, a respeito do tema x, que adota orientação diferente daquela que vinha sendo adotada pelas decisões anteriores do mesmo órgão, deve conter, em si mesma, regime de transição quanto à incidência dos efeitos que dela decorrem, quando isso for indispensável para concretização do princípio da confiança e da segurança jurídica.

O art. 23, cujo conteúdo foi resumido anteriormente, emprega expressões ambíguas e não usuais, ao menos na linguagem dos processualistas.

(…) O art. 24, por sua vez, tem o alcance que deve ser, efetivamente, atribuído ao instituto da modulação. Diz que quando o Judiciário revê certo ato, contrato, ajuste etc., que tenha se completado à luz de “orientações gerais da época”, para se verificar da sua validade, devem-se levar em conta, como parâmetro, exatamente as “orientações vigentes à época” da ocorrência do ato, contrato etc., e não aquelas decorrentes de mudança de posicionamento posterior.

No parágrafo único desse mesmo dispositivo consta que essas “orientações gerais” compreendem a “jurisprudência judicial”. Parece-nos, portanto, que esse dispositivo significa que aquele que agiu reiteradamente com base em orientação pacificada dos tribunais, a respeito do sentido de certa norma jurídica, quando tem a licitude de sua conduta avaliada pelo Judiciário, quanto, por exemplo, faz jus à apreciação de seu caso à luz dos parâmetros existentes à época em que a conduta foi praticada, ainda que a orientação deste mesmo tribunal tenha sido alterada.

Portanto, apesar dos problemas de redação dessa Lei, inclusive nos dois dispositivos supramencionados, a nosso ver, duas relevantes dimensões do fenômeno da carga normativa das decisões judiciais foram abarcadas por esses arts. 23 e 24, que são: (i) a possibilidade de se criarem regras de transição entre orientação superada e aplicabilidade integral da orientação nova; (ii) a possibilidade de que não se rescinda sentença proferida com base em orientação jurisprudencial superada, quando era esta a predominante na época da prática do ato ou da conduta sub judice; (iii) a necessidade de que a regularidade dos atos ou das condutas das partes sejam avaliados em conformidade com as normas jurídicas (= pautas de conduta) existentes à época em que praticados.

Quando nos referimos, aqui, à norma jurídica (= pauta de conduta), queremos significar A LEI, INTERPRETADA PELOS TRIBUNAIS, DE ACORDO COM A DOUTRINA. É o que já sustentamos: o direito se baseia num tripé: lei, doutrina e jurisprudência. A pauta de conduta do jurisdicionado nasce de uma combinação entre esses três elementos: ora prepondera um, ora outro.

Percebe-se, portanto, que à modulação o legislador de 2015 deu um tratamento diferente daquele que tradicionalmente se vem dando à sua previsão legal originária do art. 27 da Lei 9.868/1999, que lhe conferia caráter de absoluta excepcionalidade.

Sempre, todavia, tendo como base o princípio da confiança, ou seja, a proibição de se alterarem as regras do jogo no meio da partida”.

No livro mencionado, a autora sustenta, inclusive, que, excepcionalmente, a modulação pode, sim, ser feita a favor do Estado. Contudo, sublinha que isso deve acontecer sem o apoio único de argumentos consequencialistas, que, rigorosamente, só podem ser usados se puderem ser reconduzidos ao universo jurídico. O abuso de argumentos consequencialistas representaria um perigo imenso para a subsistência do próprio direito, uma vez que os Tribunais também criam normas jurídicas, na condição de intérpretes, não se podendo admitir que essas normas se baseiem numa construção anterior que não seja ancorada em elementos que pertençam ao universo do direto.

Por sua vez, em relação aos fundamentos para a modulação, Daniel Mitidiero afirma:

“(…) O que significa dizer que a modulação está autorizada em nome do princípio da segurança jurídica? Significa dizer que está autorizada em nome da confiabilidade da ordem jurídica, isto é, que pesa mais para os cidadãos em termos de credibilidade da ordem jurídica como um todo manter os efeitos da lei decretada inconstitucional do que os suprimir. Daí a importância em restringir a modulação dos efeitos acasos excepcionais, de difícil repetição: fosse corrente a sua possibilidade, a supremacia da Constituição restaria indevidamente restringida.”3

Cumpre ressaltar que a modulação dos efeitos não deve se transformar em regra, especialmente com base na tentativa de mitigar impactos no orçamento público, o que se tem verificado com frequência. Não se deve, portanto, confundir “interesse social com interesse da administração ou interesse do Estado, ou seja, deve-se buscar o que seria interesse social na Constituição Federal de 1988”.4

A seu turno, M. D. Toledo e V. M. Chagas, sobre a doutrina consequencialista, salientam que:

“(…) É sabido que o impacto econômico é utilizado como fundamento, amparado no que a doutrina denomina “argumento não-institucional”, porque não relacionado, a priori, com qualquer elemento descrito no ordenamento jurídico. A justificativa para essa argumentação está no pragmatismo ou no consequencialismo, conforme explica Humberto Ávila: Os argumentos não-institucionais não fazem referência aos modos institucionais de existência do Direito. Eles fazem apelo a qualquer outro elemento que não o próprio ordenamento jurídico. São argumentos meramente práticos que dependem de um julgamento, feito pelo próprio intérprete, sob pontos de vista econômicos, políticos e/ou éticos. As consequências danosas de determinada interpretação e a necessidade de atentar para os planos de governo se enquadram aqui.

(…) Ricardo Luís Lorenzetti ensina, em sua Teoria da Decisão Judicial, o “esquema do raciocínio judicial” (LORENZETTI, 2021, p. 159) para que seja possível a elaboração de decisões judiciais razoáveis logrando a paz social. Para o Ministro da Suprema Corte de Justiça Argentina, uma das etapas deste esquema é o “elemento consequencialista” do processo decisório, segundo o qual o juiz deverá analisar as consequências jurídicas gerais e econômico-sociais a serem produzidas por sua decisão no futuro. Vale dizer, que, se tais consequências, por alguma razão, não se revelarem desejáveis, o julgador estará diante de um caso de difícil resolução, que não pode ser resolvido apenas com base no método dedutivo, mas será necessário o uso de princípios e de ponderações.

(…) Em relação ao aspecto econômico, o posicionamento do julgador consequencialista é de que o protecionismo inconsequente acaba, ao contrário do qu ese espera, por prejudicar os mais vulneráveis, visto que o Estado não possui recursos suficientes para a garantia irrestrita de direitos individuais. Do ponto de vista sociológico, o juiz consequencialista defende que a garantia de direitos sem uma análise de suas consequências afasta a sociedade cada vez mais de uma harmonização em sua convivência. Como o Estado não tem meios de garantir todos os direitos para todos, a concessão de certos direitos individuais a uma pequena parcela da população pode inflar o descontentamento do restante da sociedade”.5

Ora bem. No que se refere à modulação de efeitos das decisões, a adoção do paradigma consequencialista no controle concentrado de constitucionalidade não apresenta muitas dificuldades, o que não ocorre:

“(…) sob o prisma da modulação prevista no art. 927, §3º, do CPC/2015. Isso ocorre porque, para parte considerável da doutrina, a modulação neste caso existe apenas para tutelar a confiança do jurisdicionado nas pautas de conduta manifestadas pelo Poder Judiciário. (…) Teresa Arruda Alvim defende o uso de argumentos consequencialistas ao se julgar, inclusive, a modulação de efeitos, embora identifique um grande ônus argumentativo atrelado a esta possibilidade. Para a processualista, devem ser apresentados estudos robustos que comprovem a consequência utilizada como argumento para a modulação. Além disso, o juiz não poderia atuar contra a norma jurídica posta a pretexto do consequencialismo (ALVIM, 2020, p. 2018-221). Seria legítima, por exemplo, a utilização de argumentos consequencialistas quando a controvérsia residir na interpretação da norma positivada. Neste caso, seria uma ferramenta válida de desempate. ”6

4. A modulação dos efeitos da decisão no Tema Repetitivo nº 986

Em consideração à segurança jurídica e à confiança do jurisdicionado, foi determinada, no Tema Repetitivo nº 986, a modulação dos efeitos da decisão:

“1. Considerando que até o julgamento do REsp 1.163.020/RS - que promoveu mudança na jurisprudência da Primeira Turma - a orientação das Turmas que compõem a Seção de Direito Público do STJ era, s.m.j., toda favorável ao contribuinte do ICMS nas operações de energia elétrica, proponho, com base no art. 927, § 3º, do CPC, a modulação dos efeitos, a incidir exclusivamente em favor dos consumidores que, até 27.3.2017-data de publicação do acórdão proferido julgamento do REsp 1.163.020/RS-, hajam sido beneficiados por decisões que tenham deferido a antecipação de tutela, desde que elas (as decisões provisórias) se encontrem ainda vigentes, para, independente de depósito judicial, autorizar o recolhimento do ICMS sem a inclusão da TUST/TUSD na base de cálculo. Note-se que mesmo estes contribuintes submetem-se ao pagamento do ICMS, observando na base de cálculo a inclusão da TUST e TUSD, a partir da publicação do presente acórdão – aplicável, quanto aos contribuintes com decisões favoráveis transitadas em julgado, o disposto adiante, ao final.

2. A modulação aqui proposta, portanto, não beneficia contribuintes nas seguintes condições: a) sem ajuizamento de demanda judicial; b) com ajuizamento de demanda judicial, mas na qual inexista Tutela de Urgência ou de Evidência (ou cuja tutela outrora concedida não mais se encontre vigente, por ter sido cassada ou reformada); c) com ajuizamento de demanda judicial, na qual a Tutela de Urgência ou Evidência tenha sido condicionada à realização de depósito judicial; e d) com ajuizamento de demanda judicial, na qual a Tutela de Urgência ou Evidência tenha sido concedida após 27.3.2017.

3. Em relação às demandas transitadas em julgado com decisão favorável ao contribuinte, eventual modificação está sujeita à análise individual (caso a caso), mediante utilização, quando possível, da via processual adequada”.

É de se ressaltar que, nos feitos em trâmite no Tribunal de Justiça de Pernambuco, é pouco provável que incida qualquer modulação, uma vez que a jurisprudência pacífica desta Corte de Justiça, há muito, é no mesmo sentido da esposada pela Corte de Uniformização da Jurisprudência Infraconstitucional no julgamento do Tema Repetitivo nº 986.

O Exmo. Ministro Relator, em aditamento ao voto, tratou especificamente da modulação dos efeitos do julgado. Salientou que:

“(…) Considerando que, até o julgamento do REsp 1.163.020/RS – que promoveu mudança na jurisprudência da Primeira Turma –, a orientação das Turmas que compõem a Seção de Direito Público do STJ era, s.m.j, toda em favor do contribuinte de ICMS nas operações de energia elétrica, parece-me necessário, à luz do art. 927, § 3º, do CPC, que se proceda à modulação dos efeitos, nos termos abaixo.

A respeito da preservação de valores como a segurança jurídica, e sob o enfoque do art. 27 da Lei 9.868/1999, assim me manifestei nos EREsp 738.689/RJ, Primeira Seção, DJ 22.10.2007, pág. 187):

‘(…) é inconteste que o jurisdicionado, ao se deparar com uma jurisprudência pacificada em um determinado sentido, emanada de um Tribunal que tem a competência constitucional de dar a última palavra sobre o assunto, tende a confiar que aquela é a melhor interpretação da lei, orientando sua vida, seu trabalho e seus negócios a partir daí, segundo tal entendimento do sistema jurídico.

Essa confiança é gerada, afinal, pela expectativa, legítima ou não, mas sempre real, de que, em havendo discussão judicial com relação ao seu caso concreto, a decisão final a ser emitida pelo Judiciário ser-lhe-á favorável. Como bem lembra Alf Ross, é inafastável, na visão das pessoas, “a exigência de que os casos análogos recebam tratamento similar, ou de que cada decisão concreta seja baseada numa regra geral”. (Direito e Justiça, tradução de Edson Bini. São Paulo, Edipro, 2000, p. 111).

No entanto, como se sabe – e nisso o Brasil acompanha outros países - não apenas os juízes e Tribunais locais comumente afastam-se dos precedentes das Cortes Superiores, como estas modificam amiúde seus próprios entendimentos, mesmo na ausência de alteração legislativa que lhe sirva de impulso, como acima aludimos. Daí parecer discutível, nesse ambiente, afirmar-se que há uma expectativa legítima do jurisdicionado a uma decisão futura que lhe seja favorável, nos termos da jurisprudência então vigente. Mas negá-la quanto à máxima repercussão jurídica que dela se pode retirar (= a petrificação da jurisprudência) não significa desconhecer sua existência no plano da realidade e, muito menos, não procurar mitigar os efeitos da decisão judicial que a afronte.

Numa palavra, se é dever do Judiciário traduzir da melhor forma possível a aplicação da legislação, sem preocupação com o status dos precedentes afetados, também compete-lhe evitar que o jurisdicionado, por conta de uma instabilidade causada pelo próprio Judiciário, venha a ser condenado à incerteza, tanto mais quando as idas-e-vindas jurisprudenciais afetem não interesses de uns poucos ou de dezenas, mas de centenas ou mesmo de milhares de sujeitos (EREsp. n.738.689/PR, Primeira Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 27.06.2007, DJ 22.10.2007, pág. 187)’.

Com mais razão, diante da disciplina estabelecida no art. 927, §§ 3º e 4º, do CPC impõe-se discutir e definir a modulação dos efeitos no caso sob análise. Conforme mencionado no Voto ora aditado, a jurisprudência das Turmas que integram a Seção de Direito Público estava consolidada a respeito da matéria de modo favorável ao contribuinte, por razoável prazo de duração, havendo inúmeros acórdãos e decisões monocráticas dispondo, em síntese, que “não fazem parte da base de cálculo do ICMS a TUST (Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica) e a TUSD (Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica)" (AgRg no REsp n. 1.408.485/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 19.5.2015).

Não obstante, é correto afirmar que, realizado o julgamento do Resp 1.163.020/RS, a uniformidade de entendimento deixou de existir. O acórdão do julgamento do mencionado Recurso Especial foi publicado no DJe de 27.3.2017.

A matéria parece de solução evidente ao se analisar os julgados da Corte de Justiça Pernambucana, uma vez que, como dito, o entendimento prevalente no TJPE é de que compõem a base de cálculo do ICMS os valores referentes à TUST/Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão, à TUSD/Tarifa do Sistema de Distribuição e demais encargos setoriais.

No entanto, a apreciação da matéria tem suas peculiaridades em cada Tribunal de Justiça Estadual, pois, como muito bem pontuado pelo Exmo. Ministro Relator, “não apenas os juízes e Tribunais locais comumente afastam-se dos precedentes das Cortes Superiores, como estas modificam amiúde seus próprios entendimentos”, e é preciso “evitar que o jurisdicionado, por conta de uma instabilidade causada pelo próprio Judiciário, venha a ser condenado à incerteza, tanto mais quando as idas-e-vindas jurisprudenciais afetem não interesses de uns poucos ou de dezenas, mas de centenas ou mesmo de milhares de sujeitos”.

Note-se que, no caso apreciado no julgamento do REsp nº 1692023, interposto pelo Estado do Mato Grosso, foi justamente aplicada a modulação dos efeitos. Na hipótese, houve concessão de liminar em favor do contribuinte em 9 de fevereiro de 2015, de modo que foi o Recurso Especial provido, em ordem a reformar o acórdão recorrido, com a declaração de que a TUST e a TUSD integram a base de cálculo do ICMS, mas com a “ressalva de que, no presente caso, os efeitos do julgado em favor da Fazenda Pública são prospectivos, relativos ao direito de constituir e cobrar os créditos referentes aos fatos geradores posteriores à publicação deste julgamento, visto que a lide se encontra abrangida pela modulação de efeitos”.

Ora, não obstante tenha ocorrido a modulação, parece-me que foram impostas tantas condicionantes à sua aplicação que poucos contribuintes dela beneficiar-se-ão. Apenas incide a modulação (a) em favor dos consumidores que, até 27.3.2017 hajam sido beneficiados por decisões que tenham deferido a antecipação de tutela, (b) desde que elas (as decisões provisórias) se encontrem ainda vigentes, para, (c) independente de depósito judicial, autorizar o recolhimento do ICMS sem a inclusão da TUST/TUSD na base de cálculo.

Enfim, no caso em apreço, a modulação de efeitos teve aplicação diante de mudança desfavorável ao contribuinte, o que é amplamente aceito pela doutrina. Porém, em matéria tributária, a doutrina ainda é muito relutante em aceitar a modulação para favorecer o Estado:

“(…) Em matéria tributária, há forte tendência da doutrina em negar a possibilidade de modulação de efeitos das decisões judiciais modificadoras da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes em favor do Estado. A tributarista mineira Misabel Derzi entende que a modulação de efeitos tem aplicação apenas no caso de mudança desfavorável ao contribuinte e justifica seu entendimento argumentando: “o princípio da confiança e da irretroatividade são princípios e direitos fundamentais individuais, que somente o privado pode reivindicar” (DERZI, 2009, p. 604). Para a autora, o Estado não poderia reivindicar a proteção da confiança, pois ele mesmo cria os fatos geradores da confiança. Além disso, ainda que a boa-fé objetiva possa ser atribuída à Administração Pública, essa possibilidade apenas existe baseada em lei expressa, uma vez que a boa-fé não pode ser invocada “como fonte autônoma de deveres dos contribuintes”(DERZI, 2009, p. 604).

Derzi defende, ainda, a impossibilidade de modulação de efeitos em favor do Estado com base na relação de dependência do cidadão com o Estado, visto que este possui muito mais recursos para se prevenir de uma quebra de confiança, no sentido amplo da palavra. Assim, caso o Poder Judiciário decida que determinado tributo é inconstitucional, o Estado poderia instituir outro para balancear os efeitos nos cofres públicos, por exemplo. Há, ainda, o argumento segundo o qual a possibilidade de modulação de efeitos em favor do Estado incentivaria a instituição de tributos em desconformidade com a ordem jurídica, pois os valores arrecadados até a declaração de inconstitucionalidade (ou até mesmo depois disso) não precisariam ser restituídos aos contribuintes. O posicionamento acima parte do entendimento de que a modulação de efeitos das decisões judiciais modificadoras da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes pode se basear apenas na proteção da confiança”.7

Percebe-se, enfim, que não obstante a relutância da maioria da doutrina em aceitar a modulação dos efeitos em prol do Estado, a Suprema Corte a tem reiteradamente aplicado com base apenas em argumentos consequencialistas e, muitas vezes, sem o cuidado indicado pela ilustre autora Teresa Arruda Alvim, ou seja, com base em estudos robustos que comprovem a consequência utilizada como argumento para a modulação, e com atenção ao fato de que o juiz não poderia atuar contra a norma jurídica posta a pretexto do consequencialismo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, Teresa Arruda. Modulação [livro eletrônico]: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes / Teresa Arruda Alvim. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024.

GOMES DE LIMA, Darlison. Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/modulacao-dos-efeitos-das-decisoes-do-stf-no-controle-de-constitucionalidade/189932685. Acesso em 10.07.2024.

TOLEDO, M. D.; CHAGAS, V. M. de M. C. O consequencialismo na modulação de efeitos das decisões judiciais e sua aplicação em matéria tributária . Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 2, n. 33, p. 89–116, 2023. Disponível em: https://revista.defensoria.rs.def.br/defensoria/article/view/560. Acesso em: 10 jul. 2024.

STF. Supremo Tribunal Federal. Acessível em www.stf.jus.br

STJ. Superior Tribunal de Justiça. Acessível em www.stj.jus.br.


  1. GOMES DE LIMA, Darlison. Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/modulacao-dos-efeitos-das-decisoes-do-stf-no-controle-de-constitucionalidade/189932685. Acesso em 10.07.2024.

  2. ALVIM, Teresa Arruda. Modulação [livro eletrônico]: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes / Teresa Arruda Alvim. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024.

  3. MITIDIERO, Daniel. MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação.4. ed.São Paulo: Thomson Reuters, 2021, apud TOLEDO, M. D.; CHAGAS, V. M. de M. C. O consequencialismo na modulação de efeitos das decisões judiciais e sua aplicação em matéria tributária . Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 2, n. 33, p. 89–116, 2023. Disponível em: https://revista.defensoria.rs.def.br/defensoria/article/view/560. Acesso em: 10 jul. 2024.

  4. ÁVILA, Ana Paula. A modulação de efeitos temporais pelo STF no Controle de Constitucionalidade. Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do artigo 27 da Lei n. 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, apud TOLEDO, M. D.; CHAGAS, V. M. de M. C. op. cit.

  5. TOLEDO, M. D.; CHAGAS, V. M. de M. C. op. cit.

  6. Idem, ibidem.

  7. Idem, ibidem.

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Sobre o autor
Jorge Américo Pereira de Lira

Diretor-Geral da Escola Judicial de Pernambuco (ESMAPE). Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco – TJPE. Membro titular da 1ª Câmara de Direito Público do TJPE. Professor da Escola Judicial de Pernambuco (ESMAPE). Ex-Promotor de Justiça do Estado de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIRA, Jorge Américo Pereira. Tema repetitivo nº 986: inclusão da TUSD e TUST e demais encargos setoriais na base cálculo do ICMS incidente sobre o fornecimento de energia elétrica e a modulação dos efeitos da decisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7686, 17 jul. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110234. Acesso em: 21 nov. 2024.

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