Capa da publicação Cota de gênero e inclusão da mulher negra na política
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Fraude à cota de gênero (Súmula 73 do TSE) e também a busca de mais espaço para a mulher negra na política

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14/08/2024 às 16:15
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4. NECESSIDADE DE COTAS PARA NEGROS EM CARGOS POLÍTICOS

Abordada a questão do quantitativo de cotas oportunizados para a candidatura de mulheres em cargos eletivos do Poder Legislativo, passa-se a discorrer relativamente à situação igualmente importante, entretanto, relegada, as cotas para negros nas candidaturas e assentos nas eleições do Poder Legislativo.

Ladyane Souza, Luise Koch, Maria Paula Russo Riva e Raji Ghawi (2022, pp. 117-119), entendem ser a violência política uma barreira à participação das mulheres pretas no Brasil, uma vez que essas são mais atacadas mais vezes do que as demais e em maior intensidade.

Em excelente estudo sobre mensagens de ódio recebidas por candidatas pretas e brancas nas eleições no Brasil em 2022, referidas autoras incursionam de maneira extremamente didática sobre o tema. Ante a importância, colaciona-se na sequência, para facilitar a compreensão:

Não seria exagero afirmar que mulheres que ousam adentrar a política no Brasil se submetem a muitos riscos, os quais ainda são mais desafiadores quando se é uma mulher negra.

[...]

Também precisa ser brevemente considerado o efeito simbólico da violência política de gênero, que se agrava quando direcionado a candidatas negras: no fundo, ainda que inconscientemente, tais violências visam ao silenciamento e à exclusão das mulheres da política.

[...]

Neste ponto, inevitável a relação entre a violência política de gênero contra mulheres pretas e o abismo de representatividade dessas mulheres – conquanto sejam o maior grupo populacional do país, representando quase 30% da população (ABREU; MACHADO, 2020), ocupam um número comparativamente escasso de cadeiras em grande parte das Assembleias Legislativas municipais e estaduais. [...]

[...]

O problema da violência política de gênero, assim, é um desafio que toda democracia representativa deve buscar endereçar, ainda mais no caso das mulheres pretas, sob pena de se aprofundarem mais ainda as desigualdades existentes na sociedade brasileira, privilegiando homens e determinadas mulheres na disputa a cargos políticos. Medidas de enfrentamento à violência política de gênero são urgentes e devem necessariamente envolver o combate ao racismo. A consolidação de uma democracia verdadeiramente representativa envolve desenvolver, aplicar e monitorar políticas públicas, legislação e campanhas, de modo a proteger todas as mulheres que almejem atuar politicamente, em todas as suas adversidades. (SOUZA, KOCH, RIVA e GHAWI, 2022, fls. 117-119, grifo nosso)

Independente de agremiação partidária, o texto do Projeto de Lei nº 4.041/2020, da Deputada Federal Benedita da Silva, negra, foi tão feliz que, na sequência, transcreve-se a parte principal, não descurando tratar, também, sobre questões de valores do Fundo Especial do Financiamento de Campanha (FEFC), bem como do tempo de propaganda eleitoral, igualmente propostos de maneira justa para as cotas de gênero e racial.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. O vertente projeto de lei modifica a Lei das Eleições e a Lei dos Partidos, a fim de assegurar que nos pleitos eletivos realizados no País, sejam observadas, no registro de candidaturas e preenchimento das vagas para o Poder Legislativo, a diversidade étnico-racial do País, bem como sejam assegurados recursos e tempos de rádio e televisão equivalentes, para as candidaturas de pretos e pardos.

Art. 2º. O Art. 10º da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a viger com o acréscimo dos seguintes parágrafos 6º e 7º:

“Art. 10º (...)

§6º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar quotas mínimas para candidaturas de afro-brasileiros (pretos e pardos), sem prejuízo dos percentuais previstos no §3º, para as candidaturas de cada sexo.

§7º As vagas mencionadas no parágrafo anterior serão preenchidas por um percentual mínimo de autodeclarados negros, igual ou equivalente à proporção de pretos e pardos na população da unidade da Federação, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (grifo nosso)

Não há liame direto com a política, entretanto, é importante trazer à lembrança a atenção que o legislador deu aos negros no que tange aos concursos públicos, ocasião em que, por dez anos, nos termos da Lei nº 12.990/14, estabeleceram-se cotas de 20% para referida etnia. (BRASIL, 2014)

Recentemente, o Senado Federal votou Projeto de Lei em que foram aumentadas para 30%. De acordo com a Agência Senado:

[...] serão reservadas para pessoas negras 30% das vagas disponíveis em concursos públicos e em processos seletivos simplificados de órgãos públicos, sempre que forem ofertadas duas ou mais vagas. Desse percentual, metade será destinada especificamente a mulheres negras, podendo ser redistribuída aos homens nas situações em que não houver candidatas suficientes. (BRASIL, 2024)

Rodolfo Penna (2024) discorre sobre o aumento do percentual em comento:

Ao aprovar a ampliação do prazo da política pública de cotas raciais por mais 10 anos, bem como o aumento do percentual de 20 para 30%, o Senado Federal entendeu que os 10 anos de vigência da lei não foram suficientes para promover os seus objetivos, especialmente a igualdade material. (grifo no original)

A alteração supra demonstra a intenção do legislador, no caso, para melhor, atento aos anseios da sociedade e preocupado em proporcionar a igualdade entre os brasileiros, propagada na Constituição Federal.

De acordo com o último censo realizado (Brasil, 2022) temos mais mulheres do que homens em nossa população, e mais negros do que brancos.

Nos termos da Agência de Notícias do IBGE: “Em 2022, 48,5% dos brasileiros eram homens e 51,5% eram mulheres.”. (BRASIL, 2023)

Conforme a plataforma mencionada (Brasil, 2023), o resultado do censo de 2022 demonstrou que a população parda superou a branca pela primeira vez, desde que criado o formato de pesquisa (em 1872).

Nas tabelas abaixo, traz-se um breve resumo de parte do resultado, atinente ao que interessa a este trabalho (Brasil, 2022). Em linhas gerais:

  • 1) Homens são 48,52% da população (20,58% deles brancos, 27,44% negros (5,18 pretos + 22,26% pardos), 0,20% amarelos e 0,30% indígena).

  • 2) Mulheres são 51,48% da população (22,88% brancas, 28,08% negras (4,99 pretas + 23,09% pardas), 0,22 amarelas e 0,30% indígenas).

  • 3) População branca (homens: 20,58% + mulheres: 22,88%) = 43,46%.

  • 4) População negra (homens: 27,44 + mulheres: 28,08% = 55,52%.

  • 5) População amarela (homens: 0,20% + mulheres: 0,22%) = 0,44%

  • 6) População indígena (homens: 0,30% + mulheres: 0,30) = 0,60%.

Idade Total - Ano 2022 - Cor ou raça x Sexo

Total

Homens

Mulheres

% Total

% Homens

% Mulheres

Todas

203.080.756

98.532.431

104.548.325

100,00

48,52

51,48

Branca

88.252.121

41.788.566

46.463.555

43,46

20,58

22,88

Preta

20.656.458

10.526.020

10.130.438

10,17

5,18

4,99

Amarela

850.130

400.857

449.273

0,42

0,20

0,22

Parda

92.083.286

45.199.577

46.883.709

45,34

22,26

23,09

Indígena

1.227.642

611.068

616.574

0,60

0,30

0,30

Fonte: IBGE – Censo Demográfico


5. CONCLUSÃO

Foram várias e significativas as batalhas para a mulher buscar seu espaço na política, conquistado há menos de um século e ainda tímido.

Com bastantes lutas e quebras de barreiras foram editadas leis, códigos emendas, resoluções e súmulas, que foram estabelecendo e reconhecendo direitos, na linha dos até então reservados apenas aos homens.

Vimos terem sido publicados no Código Eleitoral e na Constituição Federal as normas que passaram a permitir o direito de votar e ser votada à mulher, inicialmente de maneira facultativa, posteriormente com a obrigatoriedade do voto.

Batalhou-se para estabelecer limites mínimos, conforme o artigo 10, § 3º, da Lei nº 9504/1997 e na Resolução nº 23.609/2019, o seu artigo 20, § 5º apontou as consequências da fraude ao ato de apresentar candidaturas femininas fictícias.

Prosseguindo, vieram as Emendas Constitucionais 111/2021 e 117/2022, aquela também visando “incentivar” as das pessoas negras.

A busca por mais espaço para as mulheres em cargos políticos é desafiadora e não foram suficientes os atos legais até então estabelecidos. Com efeito, em fevereiro de 2024 veio a Resolução nº 23.735, do TSE, a qual, em seu artigo 8º, §§ 1º ao 5º, define a configuração e as consequências da fraude à cota de gênero (de modo mais completo que a anteriormente citada).

No mesmo sentido, e de forma mais impactante, por representar a uniformização da matéria, em maio do ano em curso, o Tribunal Superior Eleitoral lançou a Súmula nº 73, abordando a questão da fraude à cota do gênero.

Conforme o estudo realizado, percebe-se um intenso movimento em favor da busca, reconhecimento e, também, não apenas pela preservação, como pela ampliação dos direitos até então conquistados pelas mulheres na política.

Nesse sentido, órgãos e autoridades públicas estão atentos sobretudo às próximas eleições, e não há dúvida de que a tendência é agirem de forma firme no combate a eventuais tentativas de fraudes em detrimento da mulher.

Denota-se ser pouco o até então estabelecido em favor das mulheres, ou seja, reserva mínima de 30% no que tange às candidaturas para cargos políticos, uma vez que, como se sabe, são grande parte da população, não descurando, ainda, das disposições constitucionais inúmeras vezes mencionadas neste estudo.

Releva notar a recente aprovação, pelo Senado Federal, para o aumento de 20% para 30% das vagas em concursos públicos para a classe dos negros

A ponderação que se faz com o referido cotejo é no sentido de que, da mesma forma que se batalhou e conseguiu estabelecer e, recentemente, aumentar, cotas raciais em concursos públicos no Brasil, igualmente é possível, havendo boa vontade, seguir na mesma linha ou de forma melhor para mulheres e negras na política, porquanto necessário e importante para tal minoria.

O projeto de Lei nº 4.041/2020 é um passo importante na valorização da mulher negra e, caso aprovado, será uma boa referência para, imediatamente avançar.

Parece ser justo e adequado que tanto homens quanto mulheres, disponham, cada gênero, de reserva de igual número, não apenas para candidaturas como para preenchimento de vagas (de fato)/assentos nos cargos políticos, sobretudo para o Senado Federal, Câmara dos Deputados e do Distrito Federal e Assembleias Legislativas, ou seja, 50% para cada.

Quanto à etnia, o ideal e correto seria observar a distribuição em percentual de candidaturas e, também, igualmente, de preenchimento de vagas conforme a fatia que cada qual ocupa proporcionalmente na Nação, levando-se em conta o último censo do IBGE.

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Chega-se ao final do presente trabalho sem a pretensão de esgotar o tema fraude à cota do gênero (Súmula 73 do TSE) e a busca de mais espaço para mulheres negras na política, mas com a convicção de que se pode contribuir para o respectivo debate.

Conclui-se com a expectativa de que as reflexões acima, de uma forma ou outra, sejam úteis aos operadores do Direito que tiverem acesso ao presente trabalho, com o que já se terá atingido o objetivo, qual seja, demonstrar que, apesar do esforço do legislador em promover cotas para mulheres na política e, a par disso, aos poucos ir agregando as pretas, isso ainda é pouco.

O sistema eleitoral brasileiro precisam melhorar, sobretudo no que tange às políticas públicas destinadas às mulheres negras, de modo a que efetivamente sejam postos em prática os ditames constitucionais atinentes ao Brasil constituir-se em sistema democrático de direito, no qual um dos objetivos fundamentais é construir uma sociedade livre, justa e solidária, além de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, nos termos dos artigos 1º, 3º e 5º, da Constituição Federal, senão tudo permanecerá sendo mera hipocrisia.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto prevê cota mínima de candidatos negros nas eleições para o Poder Legislativo. Brasília, DF: Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/683198-projeto-preve-cota-minima-de-candidatos-negros-nas-eleicoes-para-o-poder-legislativo/

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 03 de ago. 2024.

BRASIL. Emenda Constitucional número 111, de 2021. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc111.htm. Acesso em 03 de ago. 2024.

BRASIL. Emenda Constitucional número 117, de 2022. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc117.htm. Acesso em 03 de ago. 2024.

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BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 23.735, de 27 de fevereiro de 2024. Dispõe sobre os ilícitos eleitorais. Brasília, DF: Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2024/resolucao-no-23-735-de-27-de-fevereiro-de-2024. Acesso em 04.ago.2024.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Sociedade sem mulheres nos espaços de poder não se desenvolve de modo justo, afirma ministra Edilene Lôbo. Brasília, DF: Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Setembro/sociedade-sem-mulheres-nos-espacos-de-poder-nao-se-desenvolve-de-modo-justo-afirma-ministra-edilene-lobo. Acesso em: 04.ago.2024.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Súmula nº 73. Brasília, DF: Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/sumulas/sumulas-do-tse/sumula-tse-n-73. Acesso em: 03.ago.2024.

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Abstract: The aim of this work is to study some aspects arising from Summary number 73 of the Superior Electoral Court (TSE), referring to fraud regarding the gender quota in the context of candidacies in electoral elections, as well as on the issue of women's participation black in politics. We seek, through bibliographical research, to analyze, understand and expose situations relating to recent changes perpetrated, such as the objective and scope in relation to the female class and society. Finally, and together, the need for greater space for black women in political positions is addressed. The topics mentioned are analyzed from a doctrinal and jurisprudential perspective, especially paying attention to Summary No. 73. of the aforementioned Court and the governing legislation, concluding the work with due consideration of electoral and constitutional norms.

Key words: Women. Black. Elections. Quotas. Fraud.

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Sobre o autor
Jorge Adrovaldo Maciel

Especialista em Direito Público e em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Educacional Dom Alberto. Bacharel em Direito pelo IESA (Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo/RS). Servidor Público no Estado do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Jorge Adrovaldo. Fraude à cota de gênero (Súmula 73 do TSE) e também a busca de mais espaço para a mulher negra na política. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7714, 14 ago. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110540. Acesso em: 22 dez. 2024.

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