Primordialmente, vale conceituar os títulos de impacto social a partir dos ensinamentos de Clarisse Stephan:
Títulos de Impacto Social (TIS) ou “Social Impact Bonds” representam uma nova modalidade de contratação que propõe que o Estado remunere os projetos sociais cujo impacto positivo seja comprovado. O mecanismo funciona como se o governo emitisse um “título público” para captação de recursos privados para o financiamento de um projeto social – elaborado pelo próprio governo -, contratando com o particular o reembolso do investimento somente se a iniciativa apresentar os resultados previamente pré-acordados. A princípio, o sistema justifica-se por ser “win-win”: o Estado ganha porque só remunera quando o projeto logra êxito e investidor (social) tem a oportunidade de alcançar um retorno maior do que aquele realizado por meio de doações (no caso das ações de responsabilidade socioambiental), além de contar com uma estrutura que garante uma maior eficiência dessas e ainda permita o seu reembolso1.
No mesmo sentido, Leonardo Vilela, secretário de Gestão e Planejamento do Governo do Estado de Goiás, diz que:
TIS se trata de um mecanismo de captação de recursos de investidores privados para projetos de interesse de toda sociedade e do Governo, especialmente na área social e ambiental [que] quando concretizados, serão executados por organizações não-governamentais com todo um controle por parte de outras instituições e do Governo, e, quando for o caso, reembolsando aquele resultado efetivamente obtido2.
Para Zachary Levey, associado do Fundo Multilateral de Investimentos (Fumin/BID), o mecanismo “é uma nova ideia que aproveita do setor privado uma maior disciplina e eficiência. Representa um novo tipo de Parceria Público-Privada (PPP)”.3
Entende-se que os títulos de impacto social permitem ao Estado remunerar projetos sociais apenas se eles alcançarem resultados positivos comprovados. O governo emite um título para captar recursos privados para financiar um projeto social, e o pagamento ao investidor ocorre somente se o projeto atinge os resultados acordados. Ou seja, esses títulos são utilizados no financiamento de projetos ou programas sociais, trazendo o natural retorno do investimento aos investidores, ao mesmo tempo em que trazem algum impacto social positivo.
Em relação a isso, nota-se que não há regulamentação desse instrumento, porém, seria de extrema importância a implementação de tal legislação para o desenvolvimento do país, tendo em vista o cenário de problemas sociais enfrentados que exigem esforços multissetoriais, frequentemente envolvendo mais de uma esfera de governo.
Diante disso, Pedro Verga, Ruth Espínola, Beatriu Canto e Tania Christopoulos discutem sobre o funcionamento desses títulos:
Os títulos de impacto social (SIBs, sigla em inglês para social impact bonds) surgiram em 2010 como um mecanismo alternativo para financiar projetos públicos com propósito social explícito (Dey & Gibbon, 2018; Social Finance, 2013) por meio de recursos privados. Depois de estabelecer bandas de eficiência, vinculadas ao resultado que pretende obter, o Estado contrata a iniciativa privada, predefinindo um valor a ser pago a essa parte, caso o projeto obtenha determinados níveis de sucesso, podendo ser equivalente ao valor investido, mais um ágio remuneratório. A remuneração é definida com base na economia orçamentária gerada para o Estado. Se o projeto não gerar o resultado esperado, o ônus será do investidor privado. Há um intermediário, que emite títulos para financiamento da operação. Os investidores privados adquirem os títulos, que são valorizados ou não, de acordo com o sucesso obtido. Como alternativa, os investidores podem celebrar um contrato com esses intermediários. Os resultados são avaliados por um terceiro, a fim de garantir maior imparcialidade ao processo. Os prestadores de serviço desenvolverão o programa e executarão as atividades necessárias para que sejam atingidos os objetivos do SIB, os quais também serão responsáveis pelo relacionamento com a população beneficiária (Schiefler & Adib, 2016)4.
Nesse sentido, observa-se que no Brasil, os títulos de impacto social vêm ganhando espaço, tendo em vista que estudos estão sendo conduzidos em colaboração com os governos dos estados de São Paulo e Ceará, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Instituto Social Finance, para a implementação dos SIBs (Social Impact Bonds).
Em São Paulo, o foco é explorar como os SIBs podem ser utilizados para melhorar o desempenho das escolas públicas no ensino médio. Já no Ceará, o projeto tem como objetivo expandir o atendimento domiciliar no sistema de saúde estadual, oferecendo uma alternativa ao modelo atual de internação prolongada, considerado ineficaz. A meta é deslocar o atendimento para a comunidade, promovendo economia para o governo e proporcionando cuidados preventivos e alternativos aos leitos hospitalares5.
Assim, tem-se que mesmo sem experiências concretas para análise de tal temática, o Brasil demonstra um grande potencial não apenas devido à demanda por financiamento do setor público, mas também porque muitos dos problemas sociais enfrentados exigem esforços multissetoriais, frequentemente envolvendo mais de uma esfera de governo. Além disso, em várias áreas, as políticas públicas existentes perderam efetividade, indicando a necessidade de inovação. Esses fatores apontam para um cenário promissor para iniciativas que utilizem os títulos de impacto social, como por exemplo, questões como segurança, violência contra a mulher, inserção de jovens no mercado de trabalho, creches e educação pré-escolar.
No contexto internacional, pode-se afirmar que há casos mais maduros que já encerraram seus ciclos e apresentam o processo de implantação dos SIBs6. Em primeiro lugar, cita-se a inserção do título de impacto social na redução da taxa de reincidência na prisão de Peterborough (Inglaterra). Nessa situação, o problema social diz respeito a prisioneiros com sentenças curtas que apresentavam 60% mais probabilidade de reincidência em crimes.
O SIB foi implementado pelo Ministério da Justiça, que, em parceria com o Big Lottery Fund, financiou os resultados. Treze fundações privadas e grupos filantrópicos investiram 5 milhões de libras na intervenção. O prestador de serviços, One Service, reuniu cinco organizações não governamentais (ONGs) e privadas para a execução do projeto. Durante 12 meses, os serviços foram oferecidos a três grupos de mil ex-detentos que aderiram voluntariamente ao SIB. De acordo com o Ministério da Justiça, as taxas de reincidência diminuíram 8,6% na primeira coorte e 9,7% na segunda coorte. A média ponderada das duas coortes foi de 9,0%, o que foi suficiente para gerar um pagamento final e classificar o SIB como bem-sucedido7.
Os Estados Unidos também aderiram o SIB, tendo a necessidade de implantar serviços de educação especial para reduzir déficits de aprendizagem para crianças de famílias de baixa renda em Utah, no estado de Salt Lake. A Goldman Sachs U.S. e a Pritzker Family Foundation investiram 7 milhões de dólares. Em 2016 o governo expandiu as vagas para a pré-escola, alocando quase 11,7 milhões de dólares em fundos federais para um período de três anos, esse resultado destacou o reconhecimento da importância da política pública na melhoria da qualidade da educação e na redução de custos para o Estado8.
Outro país a aderir o SIB foi Portugal, visando melhorar o desempenho escolar e elevar as taxas de retenção, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu testar o projeto-piloto Academia de Código Júnior por meio de um título de impacto social, implementando-o em três escolas, duas em regiões de vulnerabilidade social. Além da Câmra, a Fundação Calouste Gulbenkian financiou a intervenção com 120 mil euros, a Code for All desenvolveu e implementou o projeto. Como resultados, a intervenção teve um impacto positivo em todas as escolas, embora não tenha atingido uma melhoria. Assim, com métricas parcialmente atingidas, o investidor recebeu cerca de 25% do seu investimento inicial como reembolso, porém o projeto foi considerado bem-sucedido, pois demonstrou ser um método de aprendizagem complementar9.
Portanto, pode-se dizer que os títulos de impacto social permitem que o Estado remunere projetos sociais somente quando eles comprovam resultados positivos, necessitando da emissão de um título pelo governo para captar recursos privados destinados ao financiamento de um projeto social.
Para tanto, existem experiências relevantes de implantação dos SIBs, porém com realce no âmbito internacional, como Inglaterra, Estados Unidos e Portugal que obtiveram resultados positivos nas áreas da justiça criminal e educação. Tem-se ainda que o Brasil não possui ainda casos concluídos, mas apenas projetos nos estados de São Paulo e Ceará que propõem a melhoria no desempenho nas escolas públicas e a expansão do sistema de saúde estatal, respectivamente.
Diante da análise dos casos, conclui-se que as iniciativas que utilizam os títulos de impacto social são sinônimas de inovação, pois buscam avanços e resultados positivos para problemas sociais, como por exemplo, falta de segurança pública, violência contra a mulher, inserção de jovens no mercado de trabalho e educação.
REFERÊNCIAS
ADIB, Luccas A. N., Títulos de Desenvolvimento Social: uma abordagem societária. Tese de Láurea. Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). 2014. p. 21.
GOVERNO DE GOIÁS. (2014). Técnicos do BID apresentam projeto de Títulos de Impacto Social (TIS). Disponível em: Acesso em: 02/08/2024.
SANCHO, Beatriu Canto et al. Títulos de impacto social como política pública: panorama internacional e contribuições para a implementação no Brasil. Revista de Administração Pública, v. 56, n. 2, p. 313, 2022.
STEPHAN, Clarisse. Contratos e Títulos de Impacto Social: uma nova parceria público-privada. Domínio Comum, 2018. Disponível em: https://www.dominiocomum.com/empresas-e-sustentabilidade/contratos-e-titulos-de-impacto-social/. Acesso em: 02/08/2024
Notas
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STEPHAN, Clarisse. Contratos e Títulos de Impacto Social: uma nova parceria público-privada. Domínio Comum, 2018. Disponível em: https://www.dominiocomum.com/empresas-e-sustentabilidade/contratos-e-titulos-de-impacto-social/. Acesso em: 02/08/2024
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GOVERNO DE GOIÁS, 2014, apud STEPHAN, 2018.
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LEVEY, 2014, apud STEPHAN, 2018.
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SANCHO, Beatriu Canto et al. Títulos de impacto social como política pública: panorama internacional e contribuições para a implementação no Brasil. Revista de Administração Pública, v. 56, n. 2, p. 310, 2022.
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TORQUATO, Andressa Guimarães. Títulos de impacto social ganham espaço no Brasil. CONJUR, Edição 24/05/2017, São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-mar-24/andressa-torquato-titulos-impacto-social-ganham-espaco-brasil/. Acesso em: 13/08/2024.
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SANCHO, Beatriu Canto et al. Títulos de impacto social como política pública: panorama internacional e contribuições para a implementação no Brasil. Revista de Administração Pública, v. 56, n. 2, p. 313, 2022.
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SANCHO, Beatriu Canto et al. Títulos de impacto social como política pública: panorama internacional e contribuições para a implementação no Brasil. Revista de Administração Pública, v. 56, n. 2, p. 314, 2022.
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SANCHO, Beatriu Canto et al. Títulos de impacto social como política pública: panorama internacional e contribuições para a implementação no Brasil. Revista de Administração Pública, v. 56, n. 2, p. 314, 2022.
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SANCHO, Beatriu Canto et al. Títulos de impacto social como política pública: panorama internacional e contribuições para a implementação no Brasil. Revista de Administração Pública, v. 56, n. 2, p. 316, 2022.