Há dois anos venho pesquisando acerca da quase ausência de uma concreta democratização da Justiça Penal, isto é, do direito ao acesso à justiça e a uma defesa técnica por advogado à camada mais carente da população através, principalmente, de uma digna e célere sistemática de pagamento de honorários advocatícios ao defensor dativo, conveniado ou nomeado pelo magistrado, resultando no livro "A Democratização da Justiça Penal: Defensoria Pública versus Advocacia Dativa Remunerada (de acordo com a EC n.º 45 e a Lei n.º 11.449/07)1".
Concluí, sucintamente, que os culpados pela não efetivação do direito constitucional à assistência jurídica integral e gratuita são muitos, mas, principalmente os Poderes Executivo e Legislativo: o número de defensores públicos em relação à população alvo é irrisório e são poucos os estados que procuram regulamentar o pagamento dos honorários aos defensores dativos.
Há a consciência de que sempre haverá em desfavor de um ou outro tipo de "criminoso" (em geral os menos privilegiados economicamente), regras "veladas" para transpor, legalmente, a idéia simples de decência, os princípios constitucionais que, em tese, deveriam ser observados. As razões dessa injustiça social, todavia, são irrelevantes para a solução imediata do problema proposto, com seqüelas nefastas aos pobres, como as prisões arbitrárias e desumanas (superlotadas) e, por conseguinte, a toda a sociedade, sobretudo quanto à insegurança pública.
Destaco que a Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da OAB), em seu artigo 22, não disciplinou, de forma satisfatória, a maneira e o momento em que se devem pagar os honorários advocatícios do defensor dativo ou nomeado pelo magistrado, porquanto: a) deixa de contemplar necessitados que ainda não estão respondendo a processo-crime, mas já necessitam de defesa técnica, como os indiciados em inquéritos policiais; b) remete o advogado interessado às morosas vias ordinárias cíveis em face da Fazenda Pública para garantir o pagamento por seus serviços, desestimulando-os à prestação de assistência judiciária aos necessitados.
Por isso, a sistemática atual de arbitramento e pagamento de honorários desses profissionais, com papel essencial em razão da estrutura ainda ruim das Defensorias Públicas, acabam dificultando o efetivo direito de defesa e de acesso à Justiça Penal das pessoas carentes acusadas de cometer delitos, que ficam nas mãos, na melhor das hipóteses, de um criterioso juiz "defensor".
Infelizmente, pesquisas realizadas pelo Ministério da Justiça2 deixam evidenciado que ao pobre não é dada a oportunidade de ter efetivado seu direito de acesso ao Poder Judiciário, de orientação e defesa técnica nos âmbitos judicial, administrativo e extrajudicial, já que não se tem uma Defensoria Pública capaz de cumprir sua função constitucional de forma plena.
Em vista disso, um dos passos imediatos para melhorar essa intragável situação é a normatização, mesmo que se revele mais onerosa ao erário, de um eficaz, célere e atrativo sistema de pagamento dos honorários advocatícios aos defensores dativos, nomeados e conveniados, além de sua urgente concretização.
Não é justo impor3 nomeações a rodo aos advogados de determinada comarca a fim de suprir uma ineficiência estatal. São profissionais liberais e devem receber seus honorários de forma justa, digna, de acordo com o trabalho desempenhado. Com mais razão quanto aos processos-crime, pois neles sequer há, em regra, como em ações judiciais cíveis, condenação ao perdedor da demanda ao pagamento de honorários advocatícios (exceto pelo disposto no art. 263, parágrafo único, do CPP, e em casos de ações penais privadas).
Determinados estados-membros já têm (como São Paulo e Minas Gerais) os seus sistemas. Porém, analisando-os, percebe-se não só uma série de avanços, mas também deficiências. Quanto a estas, as principais são: o pagamento de honorários com valores diversos dos previstos como "mínimos" aos advogados constituídos e a ausência de previsão legal de assistência judiciária integral e gratuita à consulta, orientação e defesa nas esferas administrativa e extrajudicial. Já a maior conquista dos advogados e, conseqüentemente, aos destinatários dessa assistência judiciária, é não remeter o causídico para o arbitramento e posterior pagamento dos seus honorários às vias ordinárias cíveis em face da Fazenda Pública, pois esta ação judicial leva, em regra, meses para restar finalizada, desestimulando o advogado a prestar, voluntariamente, esse munus publicum.
Portanto, o modelo ideal que proponho seja seguido pela Administração Pública às futuras normas acerca dos honorários a serem pagos aos advogados dativos, nomeados e conveniados é o que resolva, especialmente, a grave falha e mantenha os aludidos acertos indicados no parágrafo anterior, sempre em busca da efetiva democratização da Justiça Penal.
Notas
1 Disponível em: https://www.corifeu.com.br/comprar.asp?CODIGO=342
2 Fonte: <https://www.mj.gov.br>. Acesso em: 10 dez. 2007.
3 Segundo o art. 264, do CPP, "Salvo motivo relevante, os advogados e solicitadores serão obrigados, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, a prestar seu patrocínio aos acusados, quando nomeados pelo Juiz." Em razão do disposto no art. 87, da Lei n.º 8.906/94, quando nomeado pelo juiz, terá o advogado direito à recusa – mas só se alegar justo motivo (art. 34, XII, da mesma lei) – e, caso aceite, à remuneração, conforme determina o Estatuto da OAB no art. 22, § 1º. Corrobora também estas afirmações a redação dos arts. 594. e 658, ambos do novo Código Civil.