Resumo: O presente estudo sobre a possibilidade de concessão da tutela antecipatória na própria sentença, decorrente da cognição judicial exauriente, foi elaborado no mês de abril do ano 2000. Pela sua atualidade, nosso objetivo é revigorá-lo a partir dos novos conceitos e utilidades trazidos pelo CPC 2015 para tão relevante instituto do Direito Processual Civil.
Palavras-chave: Tutela antecipada – Tutela de urgência – Tutela de evidência - Julgamento antecipado da lide – Cognição sumária – Cognição exauriente – Sentença de mérito.
Sumário: 1. Introdução. 2. Do deferimento da medida em julgamento antecipado da lide. 3. Da tutela antecipatória: Prolegômenos. 4. Da tutela antecipatória e sua concessão. 5. Do dano em que pode incorrer o réu. 6. Conclusão.
1. Introdução
O tema que nos propomos a abordar é ainda controvertido, embora já existam inúmeros defensores da sua aplicação em obras de doutrina, com raras e isoladas repercussões no Direito Pretoriano, donde se pode relacionar pouquíssimos acórdãos para exemplificá-lo.
Não se pode ignorar, no entanto, que a concessão da tutela antecipatória ou provisória, fundamentada na urgência ou na evidência, pode e deve ser concedida em qualquer fase processual, notadamente no momento da prolação da sentença de mérito, conforme se depreende da leitura dos arts. 294 e 311 do NCPC. Tratando-se de tutela antecipada requerida em caráter antecedente (sem previsão no CPC/1973), entendo ser possível também sua concessão na própria sentença, desde que cumprido o disposto no § 6.º, do art. 303. do CPC/2015.
Comumente, segundo a redação sugerida pelo art. 273, do CPC/1973, a tutela antecipatória era apreciada pelo magistrado, no limiar da ação aforada, em exame preliminar, vale dizer, em cognição vestibular e provisória, sem que se tenha ainda exaurido todos os elementos maximizadores da prova.
O móvel condutor da antecipação da tutela era, portanto, unicamente a prova inequívoca (escrita) do pedido pretendido na peça inaugural, suficiente, por si só, para convencimento da verossimilhança da alegação. Reunidos esses requisitos estava autorizado, ad principium, o deferimento total ou parcial da tutela pretendida, a qual, para a maioria dos autores, somente podia ser deferida initio litis ou no curso do processo, mas sempre antes do proferimento da sentença de mérito.
Sempre entendi data venia que não deve ser sempre assim, pois muitas vezes os elementos autorizadores da concessão da tutela antecipatória somente surgem quando já se encontra totalmente exaurida a instrução processual, momento em que é possível examinar esse pedido em julgamento antecipado da lide ou meritório definitivo, ou até mesmo após a prolação da sentença de mérito, quando, embora cumprido o ofício jurisdicional (CPC/73, art. 463, atual art. 494. CPC/2015), o Juiz ainda pode antecipar os efeitos da tutela, a requerimento da parte beneficiária, para seu imediato cumprimento, caso o recurso interposto possua apenas o efeito devolutivo. Inicia-se, então, desde logo, a execução provisória da sentença (art. 521, in fine, CPC/73, atual art. 1.012, § 1.º, inciso V e § 2.º CPC/2015).
Se o recurso interposto for recebido também no efeito suspensivo, ao relator do mesmo ou ao Tribunal competirá examinar o pedido da antecipação da tutela ou permitir o cumprimento da que já foi concedida na instância a quo, a fim de que se instaure, no juízo de origem, a execução provisória do julgado (art. 588, CPC/73, atuais arts. 513. e 520, CPC/2015).
Atualmente, a confirmação da tutela antecipatória de urgência ou de evidência, se concedida initio litis e confirmada na sentença, ou mesmo se concedida apenas por ocasião da prolação da própria sentença, não impede o seu cumprimento imediato, porque a apelação interposta contra a sentença não possui efeito suspensivo. E mesmo que se conceda o mencionado efeito suspensivo à Apelação Cível interposta, ou o mencionado recurso obtenha, em sede de Agravo de Instrumento, tal suspensividade do cumprimento da tutela antecipatória, essa excepcional medida sustatória sujeita-se aos requisitos do artigo 1.012, § 4.º, Código de Processo Civil/2015, quais sejam: a probabilidade de provimento do recurso e o risco de dano grave, ou de difícil reparação, sem os quais fica autorizado o imediato cumprimento da medida de urgência ou de evidência concedida na sentença de mérito, nos próprios autos do processo originário.
O que se tem discutido amplamente acerca da tutela antecipatória é que essa medida requer mais do que o simples fumus boni iuris como requisito para concessão das medidas cautelares previstas no estatuto processual civil brasileiro. O sentido de prova inequívoca e de verossimilhança, por isso, não pode surgir unicamente de um mero juízo de dúvida quanto ao direito posto em discussão, mas deve resultar necessariamente da probabilidade da existência desse direito, o qual deve ser visto, a partir da tutela antecipatória, como algo provisório que possa, no futuro, merecer a reversibilidade do provimento antecipado sem perigo de dano à parte contra a qual foi deferido.
Por conta disso, a medida antecipatória estará sempre a exigir a presença do periculum in mora e do fumus boni iuris, ainda que, em determinada medida, um deles se manifeste mais robusto e expressivo que o outro (art. 273, I, do CPC/73, atuais arts. 294, 300 e 311, CPC/2015) para sua concessão in limine litis em havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. E isto não se verifica apenas em torno das denominadas tutelas de urgência e de evidência, mas também em função de outras prováveis possibilidades de tutelas provisórias que possam surgir no decorrer da tramitação processual.
Por outro lado, a tutela pode também ser obtida liminarmente quando se fizer a real demonstração de que o demandado exerce o direito de defesa com abuso e age com manifesto propósito protelatório. Na maioria das vezes, as duas últimas circunstâncias estarão bem mais evidenciadas somente após a citação do réu e a apresentação da sua defesa. Mas nada impede que possam ocorrer até mesmo antes da propositura da ação onde se pleiteia a antecipação da tutela e que venham logo comprovadas na peça inaugural para a formação do convencimento do Juiz quanto a necessidade do deferimento do provimento antecipadamente.
Tratando do assunto, o processualista Humberto Theodoro Júnior1 aduz que “o abuso do direito de defesa ocorre quando o réu apresenta resistência à pretensão do autor totalmente infundada ou contra direito expresso e, ainda, quando emprega meios ilícitos ou escusos para forjar sua defesa”. E, concluindo o raciocínio, obtempera ainda o preclaro jurista mineiro que “esse abuso tanto pode ocorrer na contestação como em atos anteriores à propositura da ação, como notificações, interpelações, protestos ou troca de correspondência entre os litigantes. Já na própria inicial pode o autor demonstrar o abuso que vem sendo praticado pelo réu, para pleitear a antecipação de tutela. Especialmente em torno de atos extraprocessuais é que se pode falar em caracterização do manifesto propósito protelatório do réu.”
Sujeita ao regime das execuções provisórias (art. 273, § 3.º, CPC/73, atuais arts. 513. e 520, CPC/2015), a decisão que antecipar total ou parcialmente a tutela deverá ser devidamente fundamentada e estará passível de impugnação por via do Agravo de Instrumento (art. 522, CPC/73, atual 1.015 CPC/2015), porque a modalidade de Agravo Retido ou Interno não confere ao agravo o poder de suspender, imediato, o cumprimento da decisão agravada, face o seu conhecimento depender de eventual interposição de apelação em decorrência de sentença de mérito, sem efeito suspensivo, o que não permite o impedimento do cumprimento incontinenti da liminar concessiva da tutela antecipatória.
2. Do deferimento da medida em julgamento antecipado da lide
Quando a questão versada nos autos envolver apenas matéria de direito e os fatos já se encontrarem devidamente provados através dos documentos juntados pelas partes, desnecessário se fará a produção de outras provas em audiência e, sob essa perspectiva, pode o Juiz proceder ao julgamento antecipado da lide, nos termos permitidos pelo art. 330, I, do CPC/73 (atual 355 CPC/2015), de ofício ou a requerimento dos litigantes.
E mesmo que a matéria discutida seja de direito e de fato, não haverá necessidade da produção de outras provas em juízo, além das que já houverem sido efetivamente produzidas pelas partes, em consequência da vasta documentação trazida com seus arrazoados, desde que essas informações sejam reputadas pelo Juiz como suficientes para formação do seu convencimento.
O jurista Luiz Guilherme Marinoni adota posição semelhante ao atestar que “o juiz somente pode julgar antecipadamente um dos pedidos cumulados quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova além da documental. Sendo assim - finaliza o monografista – é obvio que a tutela antecipatória será fundada em cognição exauriente, e não em cognição sumária. Se o julgamento ocorre quando não faltam provas para a elucidação da matéria fática, não há juízo de probabilidade, mas sim juízo capaz de permitir a declaração da existência do direito e a conseqüente produção de coisa julgada material.” (Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença, p. 147, 2.ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais).
Não obstante isso, releva notar que somente se realizará a audiência prevista no art. 331, do CPC/73 (atual art. 355. CPC/73), se não se verificar hipótese, ad exemplum, de extinção do processo ou de julgamento antecipado da lide, ou se a causa versar sobre direitos indisponíveis.
A jurisprudência nacional, ainda sob a vigência do CPC/1973, já vinha permitindo essa prática processual, que tem como pressuposto a agilização da efetiva prestação jurisdicional, a exemplo do que promana dos arestos adiante reproduzidos:
“É permitido o julgamento antecipado da lide quando a matéria aduzida nos autos é exclusivamente de direito, a dispensar a produção de prova em audiência, como se dá no caso de simples interpretação de cláusulas de contrato, cuja documentação acha-se acostada aos autos. Ao Juiz cabe zelar pela rápida entrega da prestação jurisdicional, em respeito ao princípio da economia processual, dispensando a produção de provas inúteis e protelatórias, conforme inteligência do art. 330, do CPC.”
(Ac. unân. da 2.ª Turma do TRF 5.ª Região, Rel. Juiz José Delgado - In Código de Processo Civil Anotado, de Alexandre de Paula, Vol. 02, 7.ª ed., pág. 1.573, Ed. RT).
“JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. Em matéria de julgamento antecipado da lide, predomina a prudente discrição do magistrado, no exame da necessidade ou não da realização de prova em audiência, ante as circunstâncias de cada caso concreto e a necessidade de não ofender o princípio basilar do pleno contraditório.”
(STJ - Ac. da 4.ª Turma no REsp. n.º 3.047, Rel. Min. Athos Carneiro, DJU 17/09/90).
“ CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. Inexiste cerceamento se os fatos alegados haveriam de ser provados por documentos, não se justificando a designação de audiência.”
(STJ - Ac. da 3.ª Turma no REsp. n.º 1.344, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 04/12/89).
O entendimento dos tribunais não mudou após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015. Vejam-se os acórdãos abaixo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO (OPE LEGIS) AO APELO. REQUISITOS PARA ATRIBUIÇÃO DO EFEITO SUSPENSIVO. AUSENTES. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO DECISUM NOS PRÓPRIOS AUTOS. 1. Considerando que foi deferida a tutela de urgência à autora/agravada na sentença, o caso se adéqua à hipótese do inciso V, do § 1.º, do artigo 1.012, de modo que a apelação não tem efeito suspensivo automático (ope legis), mas somente devolutivo. Não obstante, a concessão de efeito suspensivo à apelação cível, em tal caso, sujeita-se aos requisitos do artigo 1.012, § 4.º, Código de Processo Civil/2015, quais sejam, a probabilidade de provimento do recurso e o risco de dano grave, ou de difícil reparação. 2. Cabível a verificação dos requisitos para a concessão do efeito suspensivo, de forma sumária, própria do presente agravo de instrumento, haja vista que a recorrente se insurge contra decisão que determina o cumprimento da tutela de urgência concedida em sentença, sustentando que houve interposição do recurso de apelação, em que pleiteia tal efeito. 3. Ressalte-se que nesta análise sumária não se discute o mérito da demanda, mas tão somente o conteúdo da decisão agravada. Desse modo, é possível observar que não estão presentes, concomitantemente, os requisitos do artigo 1.012, § 4.º, Código de Processo Civil/2015, quais sejam a probabilidade de provimento do recurso e o risco de dano grave, ou de difícil reparação, o que autoriza o imediato cumprimento da medida de urgência concedida. 4. Não há que se falar em tramitação da pretensão da agravada em autos apartados, como defende a recorrente, pois, a toda evidência, a insurgência versa sobre o cumprimento da própria tutela de urgência concedida em sentença à autora, nos autos originários, o que deve ser nele cumprido, sobrelevando-se o princípio da economia processual. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJ-GO 57288617720198090000, Relator: ROBERTO HORÁCIO DE REZENDE, 1.ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/08/2020).
“APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. ADOLESCENTE ACOMETIDA DE GIGANTOMASTIA BILATERAL E HIPERCIFOSE DORSAL. PRESCRIÇÃO MÉDICA DE CIRURGIA PLÁSTICA REPARADORA DE REDUÇÃO DAS MAMAS. PROVA PERICIAL CONCLUSIVA NO SENTIDO DA NECESSIDADE DO PROCEDIMENTO E DE SEU CARÁTER REPARADOR E NÃO ESTÉTICO. RECUSA ABUSIVA. ROL MÍNIMO DE PROCEDIMENTOS OBRIGATÓRIOS NÃO TAXATIVO. APLICAÇÃO DO CDC. CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE DEMANDAM INTERPRETAÇÃO EM FAVOR DOS CONSUMIDORES. CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA NA SENTENÇA. DANO MORAL CONFIGURADO. SÚMULAS TJ/RJ N.º 339 E 340. VERBA QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL QUE ENSEJA INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA A CONTAR DA CITAÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. Negativa de cobertura para realização de cirurgia plástica reparadora de redução das mamas prescrita a adolescente então com 16 (dezesseis) anos de idade. Aplicação do CDC. Súmula n.º 608 do STJ: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão." Prova pericial conclusiva no sentido da necessidade do procedimento e de seu caráter reparador e não estético, para melhor estabilidade da coluna vertebral. Escolha do tratamento que incumbe ao médico assistente. Concessão da tutela de urgência na sentença. Obtenção da cirurgia mediante propositura de ação judicial. Dano moral configurado. Súmula TJRJ n.º 339. Sofrimento que excede meros aborrecimentos cotidianos. Compensação do dano moral fixada em valor que não comporta redução. Juros de mora devidos a partir da citação. Relação contratual. Incidência de honorários recursais. Conhecimento e desprovimento do recurso.
(TJRJ – APL n.º 00266784520178190004, Relator: Des. ROGÉRIO DE OLIVEIRA SOUZA, Data de Julgamento: 01/12/2020, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/12/2020).”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM SENTENÇA PARA DETERMINAR IMPLANTAÇÃO DE PENSÃO POR MORTE – PÓSSIBILIDADE, DADA A PLAUSIBILIDADE DO DIREITO, QUE DECORRE INCLUSIVE DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, LANÇADA COM BASE EM COGNIÇÃO EXAURIENTE, E A URGÊNCIA, CONSIDERANDO-SE O CARÁTER ALIMENTAR DA VERBA – RISCO DE DANO QUE É MAIOR PARA A BENEFICIÁRIA DA PENSÃO DO QUE PARA O ESTADO – DECISÃO ESCORREITA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(TJSP - AI n.º 01001285720228269055 SP 0100128-57.2022.8.26.9055, Relator: Eduardo de Lima Galduróz, Data de Julgamento: 14/10/2022, 1.ª Turma Cível, Criminal e Fazenda - Taboão da Serra, Data de Publicação: 14/10/2022).”
Se a matéria debatida envolver prioritariamente tema atinente ao Direito do Consumidor e, face a essa circunstância, reclamar urgência na sua dilucidação, deve o magistrado observar o fator presteza dada a premente necessidade de rápida resolução da lide, mas nem por isso deverá deixar de examinar acuradamente todas as questões suscitadas pelas partes, a título de preliminar e de mérito, concedendo-lhes, se for o caso, o direito ao contraditório, para evitar o elemento surpresa, sob pena de nulidade do decisum.
3. Da tutela antecipatória. Prolegômenos
A modernidade da vida reclama, a cada instante, que os serviços - quaisquer que sejam eles - sejam prestados com qualidade e agilidade. Essa regra, pelo menos em tese, não deve ser aplicada de maneira diferente quando se trata de prestação jurisdicional, pois a expectativa do jurisdicionado, quando bate à porta do Poder Judiciário, é que será atendido em curto prazo, como resultante de uma aspiração que, no íntimo, não é só dele, mas de toda a comunidade e do próprio órgão judicial que está sendo provocado para a entrega da res in juditio deducta.
As vicissitudes do cotidiano e o assoberbamento das múltiplas tarefas do magistrado, nem sempre permitem que todos os serviços a seu cargo sejam cumpridos tempestivamente, o que é compreensível se pensarmos que o número de juízes é insuficiente para atender à grande demanda de ações que são distribuídas diariamente no fórum.
Decidir, no entanto, é preciso. A tutela antecipatória é uma das medidas judiciais que reclama urgência na tramitação processual, pela série de inconvenientes que o seu retardamento pode causar à parte requerente, sobretudo se, desde o princípio, restar claramente configurado que se encontra em condição de desvantagem em relação ao outro litigante.
Por isso, desde que respeitado o direito ao contraditório, pode o Juiz, acaso não tenha deferido a medida initio litis, concedê-la após o oferecimento da contestação, depois de concluída a instrução processual, ou até mesmo na própria sentença definitiva, segundo a exegese permitida pelo parágrafo 5.º, do art. 273, do CPC/73 (atual art. 300. CPC/2015), o que se pretende despretensiosamente demonstrar com o presente trabalho.
Esse último entendimento é razoável porque combina, ao mesmo tempo, prudência e equilíbrio das forças e interesses conflitantes. Prudência, pelo amadurecimento da decisão pelo Juiz. Equilíbrio de forças e interesses, porque os fatos litigiosos foram submetidos ao contraditório. Esse binômio gera a segurança que o ato em si necessita para atingir foros de cidadania jurídica, dando oportunidade a qualquer uma das partes para impugnar, em sua plenitude, a medida, acaso lhe seja desfavorável ou não corresponda às suas expectativas.
Parte-se, então, do pressuposto de que não haverá mais necessidade da investigação da verossimilhança, de um juízo de mera probabilidade. Na fase da sentença já se estará trabalhando com um juízo de certeza estabelecido em face da análise minuciosa da prova carreada para os autos e do confronto dos fatos controvertidos, das teses discutidas e das questões jurídicas sustentadas pelos litigantes.
A questão aqui suscitada e que se mostra, à primeira vista, novidadeira já foi objeto de reflexão por parte de setores abalizados da doutrina pátria, cuja demonstração não pode deixar de ser consignada nesta oportunidade.
Como pondera Ovídio Baptista da Silva2, “cabe observar que os provimentos antecipatórios do art. 273. não sendo, como realmente não o são, sempre medidas liminares, nada impede que eles sejam concedidos pelo juiz nas fases subsequentes do procedimento, inclusive na sentença final de procedência, pois, sendo em regra recebida a apelação no duplo efeito, pode muito bem ser antecipada a execução provisória, por ordem do juiz.”
Atento a essa realidade incontrastável, o conferencista Luiz Fux3 enfatiza que “indeferida a tutela antecipada initio litis, impõe-se saber se ao juiz é lícito, ao decidir a causa, antecipar esses efeitos pendente o litígio de recurso. Entendemos que sim, porque a própria lei dispõe que concedida a tutela o processo prosseguirá até final julgamento. Logo, ainda que o juiz não tenha deferido no curso do processo a tutela antecipada, nada obsta que o faça quando da sentença porque, para ele, a prova inequívoca pode ter sido apresentada apenas na fase de julgamento, revelando-se injusto fazer a parte aguardar o julgamento do recurso recebido no duplo efeito.”
O magistrado Fernando César Zeni, em artigo publicado no Jornal Síntese n.º 23, p. 06. e 08, intitulado “Deferimento do Pedido de Tutela Antecipatória na Sentença”, observou que “ao permitir a antecipação da eficácia de uma sentença definitiva sem limitar o artigo 273 o momento para seu deferimento possibilitou o legislador ao juiz que assim procedesse, atribuindo eficácia executiva à decisão de mérito, concedendo a antecipação no bojo da sentença, sem malferir a provisoriedade que é inerente ao instituto (...). Desde que relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, sua concessão no ato que põe termo ao processo enaltece a efetividade deste, considerando que a antecipação é apenas o poder conferido ao magistrado de emprestar eficácia executiva provisória imediata à sua decisão. O magistrado, além do dever de decidir o mérito da questão, está autorizado a torná-la efetiva, para não transformar em reparatório aquilo que seria satisfativo, ainda que seja com matizes de provisoriedade, pois nunca se deve esquecer que processo é forma e as formas têm caráter instrumental (...). Ademais, se o próprio Tribunal pode, após exaurir-se a prestação jurisdicional monocrática, deferir a tutela antecipatória, conforme sustentado, não há razão de não se deferir, no bojo da sentença definitiva, a tutela antecipada, sempre obedecendo seus requisitos autorizadores e com vistas a reparar danos que eventualmente surgirão com sua negativa”.
Em total sintonia com tais assertivas, o processualista Teori Albino Zavascki4, indaga: “E se a situação de perigo e demais pressupostos da antecipação se configurarem apenas quando o processo estiver pronto para receber sentença? Há duas soluções possíveis. Se não for caso de reexame necessário, nem de apelação com efeito suspensivo, sentencia-se e executa-se provisoriamente a própria sentença, sendo desnecessário, consequentemente, provimento antecipatório específico. Se, no entanto, for caso de reexame necessário ou de apelação com efeito suspensivo, a antecipação da tutela - que nada mais significará senão autorização para execução provisória - será deferida na própria sentença”.
Embora escassa a jurisprudência sobre o tema, o raciocínio pretoriano também é no sentido da possibilidade da concessão da tutela antecipatória no próprio corpo da sentença, como parte integrante de um dos seus capítulos, consoante se verifica da ementa do acórdão abaixo transcrito:
“ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONCESSÃO NO BOJO DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. EFEITOS. RECURSOS. EXECUÇÃO. ARTIGO 273, §§ 3.º E 5.º, DO CPC. Nenhum óbice há a que, EM UMA MESMA PEÇA, PROFIRA O JUIZ A SENTENÇA E DEFIRA A TUTELA ANTECIPADA, QUE PODERIA TER CONCEDIDO ANTES, MAS QUE NÃO O FIZERA POR QUALQUER RAZÃO, inclusive eventual produção de provas apenas em audiência, ou melhor e mais acurada análise da prova somente quando da oportunidade do julgamento antecipado. Não seria evidentemente jurídico e justo negar-se a tutela antecipada, quando presentes seus pressupostos.
Em uma mesma peça, proferida a sentença e deferida a tutela antecipatória, há independência entre as duas ordens de decisão: a interlocutória, de antecipação da tutela, e a sentença, resolvendo o mérito. O fato de os provimentos constarem de uma mesma peça não iguala suas respectivas naturezas nem os sujeita aos mesmos efeitos. Cada qual desafia instrumento específico de impugnação, com efeitos próprios. Assim, da interlocutória de antecipação de tutela, cabe agravo de instrumento, sem efeito suspensivo, que, se o caso, pode ser concedido pelo relator; da sentença cabe apelação, com duplo efeito, se o caso.
Interposto recurso de apelação, corretamente recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, mas não interposto recurso de agravo da decisão interlocutória. O efeito suspensivo daquela não empolga esta. A decisão de antecipação de tutela, como lhe é inerente, reclama imediata execução, nos termos dos §§ 3.º e 5.º, do CP””.
(TJDF - Ac. unân. da 3.ª Turma Cível, Rel. Des. Mário Machado - In RJ 246/74).
Diante do quadro que se nos apresenta, nenhum empecilho há em que se possibilite a antecipação da tutela na própria sentença. Trabalha-se aqui com a hipótese de não haver sido a tutela antecipatória deferida ab origine, nem tampouco imediatamente após o oferecimento da contestação pelo réu; ou mesmo imediatamente após haver sido concluída a instrução processual, ocasião em que a tutela pretendida se revela em sua plenitude de forma suficiente para atender a pretensão deduzida em juízo.
Convencido da real possibilidade do julgamento antecipado da lide, restará ao magistrado como momento exato para decidir sobre o deferimento da antecipação da tutela a fase de proferimento da sentença de mérito. Mas isso somente será possível se as partes colaborarem com o funcionamento da justiça, trazendo ao conhecimento do Juiz os elementos que necessita para a composição do litígio.
A prova trazida aos autos pelas partes deve, por isso, preparar o terreno para o plantio dessa medida antecipatória, cujo efeito será o seu cumprimento imediato, independentemente do trânsito em julgado da sentença ou da interposição de apelação contra a mesma, visto o efeito suspensivo que lhe é inerente não possuir o condão de atalhar, por si só, a execução incontinenti da tutela antecipatória.
A redação do parágrafo 5.º, in fine, do art. 273, do CPC (atual art. 300. CPC/2015), também proporciona a possibilidade da antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial no bojo da sentença de mérito, como um dos seus capítulos, considerando que a expressão “até final julgamento” abriu a oportunidade para o deferimento da tutela pelo relator do recurso ou pelo Tribunal, se a mesma não houver sido concedida pelo juízo a quo.
Ora, se após proferida a sentença monocrática, pode ser deferida a antecipação da tutela, pela instância superior, porque não se permitir que o próprio Juiz, no uso do seu poder de cautela e mais próximo das partes e da realidade dos fatos que motivaram o conflito de interesses, o faça logo?
Seria simplesmente retardar aquilo que estaria evidente e que mais tarde haveria de ser reconhecido pelo pretório. Seria mesmo tolher a liberdade do magistrado em, atendendo aos princípios da efetividade, da celeridade e da economia processuais, e já possuindo condições de proferir sentença dando procedência aos pedidos formulados pelo autor, deferir antecipadamente a tutela e determinar, de logo, o seu cumprimento em relação a um deles ou a todos eles, por tratar-se de tutela de cognição exauriente que dispensa, como dissemos alhures, instrução dilatória.
Vale acrescentar que nada há de injurídico nisso, vez que o magistrado estaria movimentando-se dentro da liberdade que lhe permite o NCPC/2015, pois os “capítulos da sentença são as questões preliminares que o juiz deva apreciar a fim de decidir sobre a admissibilidade da tutela jurisdicional, assim como as preliminares de mérito, as questões prejudiciais, e cada um dos pedidos cumulados em simultaneus processus. Há, por isso, na sentença, tantas decisões distintas, quantos forem os capítulos ali formalmente unidos e aglutinados num só ato processual (...). O valor do bem ou interesse em contenda, nesse caso, pode dar origem, quantitativamente, a tantos capítulos quantas forem as variações numéricas que o fato possa suscitar”, para concordar com o processualista JOSÉ FREDERICO MARQUES (Manual de Direito Processual Civil, Vol. III, págs. 66/67, ed. 1997, Bookseler).
Todos esses fatores autorizam a que o magistrado impeça a ocorrência do constrangimento do autor do pedido da tutela antecipatória a aguardar o trânsito em julgado da sentença que o defere ou que o reafirma para exigir o seu cumprimento imediato, sobretudo quando a conduta intransigente do demandado puder atrapalhar o julgamento da lide e a execução daí decorrente. O perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, nesse caso, diminui sensivelmente, podendo, até mesmo, ser inexistente por não representar óbice à eficácia da sentença, nem ameaça ao status de coisa julgada que ela possa vir a adquirir.
A modo de premissa conclusiva, é oportuno lembrar que seria inútil à atividade jurisdicional o proferimento de decisões sem poder de execução provisória ou definitiva, pois, como ensina LIEBMAN “a sentença, como ato autoritativo ditado por um órgão do Estado, reivindica naturalmente, perante todos, seu ofício de formular qual seja o comando concreto da lei ou, mais genericamente, a vontade do Estado, para um caso determinado. As partes, como sujeitos da relação a que se refere a decisão, são certamente as primeiras que sofrem a sua eficácia, mas não há motivo que exima os terceiros de sofrê-la igualmente. Uma vez que o Juiz é o órgão ao qual atribui o Estado o mister de fazer atuar a vontade da lei no caso concreto, apresenta-se a sua sentença como eficaz exercício dessa função perante todo o ordenamento jurídico e todos os sujeitos que nele operam.” (Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos Sobre a Coisa Julgada, p. 123, 3.ª ed., 1984, Editora Forense).