CONCESSÃO DO PEDIDO DA TUTELA ANTECIPATÓRIA NA PRÓPRIA SENTENÇA
José Eulálio Figueiredo de Almeida
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Juiz de Direito do TJMA, Titular da 8.ª Vara Cível em São Luís-MA. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Especialização em Processo Civil pela UFPE. Especialização em Ciências Criminais pelo UNICEUMA. Coordenador do Curso de Especialização em Direito Notarial e Registral da UFMA. Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
Sumário: 1. Introdução - 2. Do deferimento da medida em julgamento antecipado da lide - 3. Da tutela antecipatória: Prolegômenos - 4. Da tutela antecipatória e sua concessão - 5. Do dano em que pode incorrer o réu - 6. Conclusão.
Summary: 1. Introduction - 2. Granting the measure in early judgment of the case - 3. Anticipatory relief: Prolegomena - 4. Anticipatory relief and its granting - 5. Damage that the defendant may incur - 6. Conclusion.
Resumo: O presente estudo sobre a possibilidade de concessão da tutela antecipatória na própria sentença, decorrente da cognição judicial exauriente, foi elaborado no mês de abril do ano 2000. Foi publicado com a versão aqui apresentada na Revista dos Tribunais. Ano 89. Volume 774. Abril 2000, p. 97 e 107. Pela sua atualidade, nosso objetivo é revigorá-lo a partir dos novos conceitos e utilidades trazidos pelo CPC 2015 para tão relevante instituto do Direito Processual Civil.
Palavras chaves: Tutela antecipada – Tutela de urgência – Tutela de evidência - Julgamento antecipado da lide – Cognição sumária – Cognição exauriente – Sentença de mérito.
Abstract: The present study on the possibility of granting anticipatory protection in the sentence itself, resulting from exhaustive judicial cognition, was prepared in April 2000. It was published in the version presented here in the Revista dos Tribunais. Ano 89. Volume 774. April 2000, p. 97 and 107. Due to its relevance, our objective is to reinvigorate it based on the new concepts and uses brought by the CPC 2015 to such a relevant institute of Civil Procedural Law.
Key words: Early protection – Urgent protection – Guardianship of evidence - Early judgment of the case – Summary cognition – Exhaustive cognition – Judgment on the merits.
1. Introdução
O tema que nos propomos abordar é ainda controvertido, embora já existam inúmeros defensores da sua aplicação em obras de doutrina, com raras e isoladas repercussões no Direito Pretoriano, donde se pode relacionar pouquíssimos acórdãos para exemplificá-lo.
Não se pode ignorar, no entanto, que a concessão da tutela antecipatória ou provisória, fundamentada na urgência ou na evidência, pode e deve ser concedida em qualquer fase processual, notadamente no momento da prolação da sentença de mérito, conforme se depreende da leitura dos arts. 294 e 311 do NCPC. Tratando-se de tutela antecipada requerida em caráter antecedente (sem previsão no CPC/1973), entendo ser possível também sua concessão na própria sentença, desde que cumprido o disposto no § 6.º, do art. 303 do CPC/2015.
Comumente, segundo a redação sugerida pelo art. 273, do CPC/1973, a tutela antecipatória era apreciada pelo magistrado, no limiar da ação aforada, em exame preliminar, vale dizer, em cognição vestibular e provisória, sem que se tenha ainda exaurido todos os elementos maximizadores da prova.
O móvel condutor da antecipação da tutela era, portanto, unicamente a prova inequívoca (escrita) do pedido pretendido na peça inaugural, suficiente, por si só, para convencimento da verossimilhança da alegação. Reunidos esses requisitos estava autorizado, ad principium, o deferimento total ou parcial da tutela pretendida, a qual, para a maioria dos autores, somente podia ser deferida initio litis ou no curso do processo, mas sempre antes do proferimento da sentença de mérito.
Sempre entendi data venia que não deve ser sempre assim, pois muitas vezes os elementos autorizadores da concessão da tutela antecipatória somente surgem quando já se encontra totalmente exaurida a instrução processual, momento em que é possível examinar esse pedido em julgamento antecipado da lide ou meritório definitivo, ou até mesmo após a prolação da sentença de mérito, quando, embora cumprido o ofício jurisdicional (CPC/73, art. 463, atual art. 494 CPC/2015), o Juiz ainda pode antecipar os efeitos da tutela, a requerimento da parte beneficiária, para seu imediato cumprimento, caso o recurso interposto possua apenas o efeito devolutivo. Inicia-se, então, desde logo, a execução provisória da sentença (art. 521, in fine, CPC/73, atual art. 1.012, § 1.º, inciso V e § 2.º CPC/2015).
Se o recurso interposto for recebido também no efeito suspensivo, ao relator do mesmo ou ao Tribunal competirá examinar o pedido da antecipação da tutela ou permitir o cumprimento da que já foi concedida na instância a quo, a fim de que se instaure, no juízo de origem, a execução provisória do julgado (art. 588, CPC/73, atuais arts. 513 e 520, CPC/2015).
Atualmente, a confirmação da tutela antecipatória de urgência ou de evidência, se concedida initio litis e confirmada na sentença, ou mesmo se concedida apenas por ocasião da prolação da própria sentença, não impede o seu cumprimento imediato, porque a apelação interposta contra a sentença não possui efeito suspensivo. E mesmo que se conceda o mencionado efeito suspensivo à Apelação Cível interposta, ou o mencionado recurso obtenha, em sede de Agravo de Instrumento, tal suspensividade do cumprimento da tutela antecipatória, essa excepcional medida sustatória sujeita-se aos requisitos do artigo 1.012, § 4.º, Código de Processo Civil/2015, quais sejam: a probabilidade de provimento do recurso e o risco de dano grave, ou de difícil reparação, sem os quais fica autorizado o imediato cumprimento da medida de urgência ou de evidência concedida na sentença de mérito, nos próprios autos do processo originário.
O que se tem discutido amplamente acerca da tutela antecipatória é que essa medida requer mais do que o simples fumus boni iuris como requisito para concessão das medidas cautelares previstas no estatuto processual civil brasileiro. O sentido de prova inequívoca e de verossimilhança, por isso, não pode surgir unicamente de um mero juízo de dúvida quanto ao direito posto em discussão, mas deve resultar necessariamente da probabilidade da existência desse direito, o qual deve ser visto, a partir da tutela antecipatória, como algo provisório que possa, no futuro, merecer a reversibilidade do provimento antecipado sem perigo de dano à parte contra a qual foi deferido.
Por conta disso, a medida antecipatória estará sempre a exigir a presença do periculum in mora e do fumus boni iuris, ainda que, em determinada medida, um deles se manifeste mais robusto e expressivo que o outro (art. 273, I, do CPC/73, atuais arts. 294, 300 e 311, CPC/2015) para sua concessão in limine litis em havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. E isto não se verifica apenas em torno das denominadas tutelas de urgência e de evidência, mas também em função de outras prováveis possibilidades de tutelas provisórias que possam surgir no decorrer da tramitação processual.
Por outro lado, a tutela pode também ser obtida liminarmente quando se fizer a real demonstração de que o demandado exerce o direito de defesa com abuso e age com manifesto propósito protelatório. Na maioria das vezes, as duas últimas circunstâncias estarão bem mais evidenciadas somente após a citação do réu e a apresentação da sua defesa. Mas nada impede que possam ocorrer até mesmo antes da propositura da ação onde se pleiteia a antecipação da tutela e que venham logo comprovadas na peça inaugural para a formação do convencimento do Juiz quanto a necessidade do deferimento do provimento antecipadamente.
Tratando do assunto, o processualista Humberto Theodoro Júnior1 aduz que “o abuso do direito de defesa ocorre quando o réu apresenta resistência à pretensão do autor totalmente infundada ou contra direito expresso e, ainda, quando emprega meios ilícitos ou escusos para forjar sua defesa”. E, concluindo o raciocínio, obtempera ainda o preclaro jurista mineiro que “esse abuso tanto pode ocorrer na contestação como em atos anteriores à propositura da ação, como notificações, interpelações, protestos ou troca de correspondência entre os litigantes. Já na própria inicial pode o autor demonstrar o abuso que vem sendo praticado pelo réu, para pleitear a antecipação de tutela. Especialmente em torno de atos extraprocessuais é que se pode falar em caracterização do manifesto propósito protelatório do réu.”
Sujeita ao regime das execuções provisórias (art. 273, § 3.º, CPC/73, atuais arts. 513 e 520, CPC/2015), a decisão que antecipar total ou parcialmente a tutela deverá ser devidamente fundamentada e estará passível de impugnação por via do Agravo de Instrumento (art. 522, CPC/73, atual 1.015 CPC/2015), porque a modalidade de Agravo Retido ou Interno não confere ao agravo o poder de suspender, imediato, o cumprimento da decisão agravada, face o seu conhecimento depender de eventual interposição de apelação em decorrência de sentença de mérito, sem efeito suspensivo, o que não permite o impedimento do cumprimento incontinenti da liminar concessiva da tutela antecipatória.
2. Do deferimento da medida em julgamento antecipado da lide
Quando a questão versada nos autos envolver apenas matéria de direito e os fatos já se encontrarem devidamente provados através dos documentos juntados pelas partes, desnecessário se fará a produção de outras provas em audiência e, sob essa perspectiva, pode o Juiz proceder ao julgamento antecipado da lide, nos termos permitidos pelo art. 330, I, do CPC/73 (atual 355 CPC/2015), de ofício ou a requerimento dos litigantes.
E mesmo que a matéria discutida seja de direito e de fato, não haverá necessidade da produção de outras provas em juízo, além das que já houverem sido efetivamente produzidas pelas partes, em consequência da vasta documentação trazida com seus arrazoados, desde que essas informações sejam reputadas pelo Juiz como suficientes para formação do seu convencimento.
O jurista Luiz Guilherme Marinoni adota posição semelhante ao atestar que “o juiz somente pode julgar antecipadamente um dos pedidos cumulados quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova além da documental. Sendo assim - finaliza o monografista – é obvio que a tutela antecipatória será fundada em cognição exauriente, e não em cognição sumária. Se o julgamento ocorre quando não faltam provas para a elucidação da matéria fática, não há juízo de probabilidade, mas sim juízo capaz de permitir a declaração da existência do direito e a conseqüente produção de coisa julgada material.” (Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença, p. 147, 2.ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais).
Não obstante isso, releva notar que somente se realizará a audiência prevista no art. 331, do CPC/73 (atual art. 355 CPC/73), se não se verificar hipótese, ad exemplum, de extinção do processo ou de julgamento antecipado da lide, ou se a causa versar sobre direitos indisponíveis.
A jurisprudência nacional, ainda sob a vigência do CPC/1973, já vinha permitindo essa prática processual, que tem como pressuposto a agilização da efetiva prestação jurisdicional, a exemplo do que promana dos arestos adiante reproduzidos:
“É permitido o julgamento antecipado da lide quando a matéria aduzida nos autos é exclusivamente de direito, a dispensar a produção de prova em audiência, como se dá no caso de simples interpretação de cláusulas de contrato, cuja documentação acha-se acostada aos autos. Ao Juiz cabe zelar pela rápida entrega da prestação jurisdicional, em respeito ao princípio da economia processual, dispensando a produção de provas inúteis e protelatórias, conforme inteligência do art. 330, do CPC.” (Ac. unân. da 2.ª Turma do TRF 5.ª Região, Rel. Juiz José Delgado - In Código de Processo Civil Anotado, de Alexandre de Paula, Vol. 02, 7.ª ed., pág. 1.573, Ed. RT).
“JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. Em matéria de julgamento antecipado da lide, predomina a prudente discrição do magistrado, no exame da necessidade ou não da realização de prova em audiência, ante as circunstâncias de cada caso concreto e a necessidade de não ofender o princípio basilar do pleno contraditório.” (STJ - Ac. da 4.ª Turma no REsp. n.º 3.047, Rel. Min. Athos Carneiro, DJU 17/09/90).
“CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. Inexiste cerceamento se os fatos alegados haveriam de ser provados por documentos, não se justificando a designação de audiência.” (STJ - Ac. da 3.ª Turma no REsp. n.º 1.344, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 04/12/89).
O entendimento dos tribunais não mudou após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015. Vejam-se os acórdãos abaixo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO (OPE LEGIS) AO APELO. REQUISITOS PARA ATRIBUIÇÃO DO EFEITO SUSPENSIVO. AUSENTES. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO DECISUM NOS PRÓPRIOS AUTOS. 1. Considerando que foi deferida a tutela de urgência à autora/agravada na sentença, o caso se adéqua à hipótese do inciso V, do § 1.º, do artigo 1.012, de modo que a apelação não tem efeito suspensivo automático (ope legis), mas somente devolutivo. Não obstante, a concessão de efeito suspensivo à apelação cível, em tal caso, sujeita-se aos requisitos do artigo 1.012, § 4.º, Código de Processo Civil/2015, quais sejam, a probabilidade de provimento do recurso e o risco de dano grave, ou de difícil reparação. 2. Cabível a verificação dos requisitos para a concessão do efeito suspensivo, de forma sumária, própria do presente agravo de instrumento, haja vista que a recorrente se insurge contra decisão que determina o cumprimento da tutela de urgência concedida em sentença, sustentando que houve interposição do recurso de apelação, em que pleiteia tal efeito. 3. Ressalte-se que nesta análise sumária não se discute o mérito da demanda, mas tão somente o conteúdo da decisão agravada. Desse modo, é possível observar que não estão presentes, concomitantemente, os requisitos do artigo 1.012, § 4.º, Código de Processo Civil/2015, quais sejam a probabilidade de provimento do recurso e o risco de dano grave, ou de difícil reparação, o que autoriza o imediato cumprimento da medida de urgência concedida. 4. Não há que se falar em tramitação da pretensão da agravada em autos apartados, como defende a recorrente, pois, a toda evidência, a insurgência versa sobre o cumprimento da própria tutela de urgência concedida em sentença à autora, nos autos originários, o que deve ser nele cumprido, sobrelevando-se o princípio da economia processual. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO 57288617720198090000, Relator: ROBERTO HORÁCIO DE REZENDE, 1.ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/08/2020).
“APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. ADOLESCENTE ACOMETIDA DE GIGANTOMASTIA BILATERAL E HIPERCIFOSE DORSAL. PRESCRIÇÃO MÉDICA DE CIRURGIA PLÁSTICA REPARADORA DE REDUÇÃO DAS MAMAS. PROVA PERICIAL CONCLUSIVA NO SENTIDO DA NECESSIDADE DO PROCEDIMENTO E DE SEU CARÁTER REPARADOR E NÃO ESTÉTICO. RECUSA ABUSIVA. ROL MÍNIMO DE PROCEDIMENTOS OBRIGATÓRIOS NÃO TAXATIVO. APLICAÇÃO DO CDC. CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE DEMANDAM INTERPRETAÇÃO EM FAVOR DOS CONSUMIDORES. CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA NA SENTENÇA. DANO MORAL CONFIGURADO. SÚMULAS TJ/RJ N.º 339 E 340. VERBA QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL QUE ENSEJA INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA A CONTAR DA CITAÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. Negativa de cobertura para realização de cirurgia plástica reparadora de redução das mamas prescrita a adolescente então com 16 (dezesseis) anos de idade. Aplicação do CDC. Súmula n.º 608 do STJ: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão." Prova pericial conclusiva no sentido da necessidade do procedimento e de seu caráter reparador e não estético, para melhor estabilidade da coluna vertebral. Escolha do tratamento que incumbe ao médico assistente. Concessão da tutela de urgência na sentença. Obtenção da cirurgia mediante propositura de ação judicial. Dano moral configurado. Súmula TJRJ n.º 339. Sofrimento que excede meros aborrecimentos cotidianos. Compensação do dano moral fixada em valor que não comporta redução. Juros de mora devidos a partir da citação. Relação contratual. Incidência de honorários recursais. Conhecimento e desprovimento do recurso. (TJRJ – APL n.º 00266784520178190004, Relator: Des. ROGÉRIO DE OLIVEIRA SOUZA, Data de Julgamento: 01/12/2020, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/12/2020).”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM SENTENÇA PARA DETERMINAR IMPLANTAÇÃO DE PENSÃO POR MORTE – PÓSSIBILIDADE, DADA A PLAUSIBILIDADE DO DIREITO, QUE DECORRE INCLUSIVE DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, LANÇADA COM BASE EM COGNIÇÃO EXAURIENTE, E A URGÊNCIA, CONSIDERANDO-SE O CARÁTER ALIMENTAR DA VERBA – RISCO DE DANO QUE É MAIOR PARA A BENEFICIÁRIA DA PENSÃO DO QUE PARA O ESTADO – DECISÃO ESCORREITA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJSP - AI n.º 01001285720228269055 SP 0100128-57.2022.8.26.9055, Relator: Eduardo de Lima Galduróz, Data de Julgamento: 14/10/2022, 1.ª Turma Cível, Criminal e Fazenda - Taboão da Serra, Data de Publicação: 14/10/2022).”
Se a matéria debatida envolver prioritariamente tema atinente ao Direito do Consumidor e, face a essa circunstância, reclamar urgência na sua dilucidação, deve o magistrado observar o fator presteza dada a premente necessidade de rápida resolução da lide, mas nem por isso deverá deixar de examinar acuradamente todas as questões suscitadas pelas partes, a título de preliminar e de mérito, concedendo-lhes, se for o caso, o direito ao contraditório, para evitar o elemento surpresa, sob pena de nulidade do decisum.
3. Da tutela antecipatória. Prolegômenos
A modernidade da vida reclama, a cada instante, que os serviços - quaisquer que sejam eles - sejam prestados com qualidade e agilidade. Essa regra, pelo menos em tese, não deve ser aplicada de maneira diferente quando se trata de prestação jurisdicional, pois a expectativa do jurisdicionado, quando bate à porta do Poder Judiciário, é que será atendido em curto prazo, como resultante de uma aspiração que, no íntimo, não é só dele, mas de toda a comunidade e do próprio órgão judicial que está sendo provocado para a entrega da res in juditio deducta.
As vicissitudes do cotidiano e o assoberbamento das múltiplas tarefas do magistrado, nem sempre permitem que todos os serviços a seu cargo sejam cumpridos tempestivamente, o que é compreensível se pensarmos que o número de juízes é insuficiente para atender à grande demanda de ações que são distribuídas diariamente no fórum.
Decidir, no entanto, é preciso. A tutela antecipatória é uma das medidas judiciais que reclama urgência na tramitação processual, pela série de inconvenientes que o seu retardamento pode causar à parte requerente, sobretudo se, desde o princípio, restar claramente configurado que se encontra em condição de desvantagem em relação ao outro litigante.
Por isso, desde que respeitado o direito ao contraditório, pode o Juiz, acaso não tenha deferido a medida initio litis, concedê-la após o oferecimento da contestação, depois de concluída a instrução processual, ou até mesmo na própria sentença definitiva, segundo a exegese permitida pelo parágrafo 5.º, do art. 273, do CPC/73 (atual art. 300 CPC/2015), o que se pretende despretensiosamente demonstrar com o presente trabalho.
Esse último entendimento é razoável porque combina, ao mesmo tempo, prudência e equilíbrio das forças e interesses conflitantes. Prudência, pelo amadurecimento da decisão pelo Juiz. Equilíbrio de forças e interesses, porque os fatos litigiosos foram submetidos ao contraditório. Esse binômio gera a segurança que o ato em si necessita para atingir foros de cidadania jurídica, dando oportunidade a qualquer uma das partes para impugnar, em sua plenitude, a medida, acaso lhe seja desfavorável ou não corresponda às suas expectativas.
Parte-se, então, do pressuposto de que não haverá mais necessidade da investigação da verossimilhança, de um juízo de mera probabilidade. Na fase da sentença já se estará trabalhando com um juízo de certeza estabelecido em face da análise minuciosa da prova carreada para os autos e do confronto dos fatos controvertidos, das teses discutidas e das questões jurídicas sustentadas pelos litigantes.
A questão aqui suscitada e que se mostra, à primeira vista, novidadeira já foi objeto de reflexão por parte de setores abalizados da doutrina pátria, cuja demonstração não pode deixar de ser consignada nesta oportunidade.
Como pondera Ovídio Baptista da Silva2, “cabe observar que os provimentos antecipatórios do art. 273 não sendo, como realmente não o são, sempre medidas liminares, nada impede que eles sejam concedidos pelo juiz nas fases subsequentes do procedimento, inclusive na sentença final de procedência, pois, sendo em regra recebida a apelação no duplo efeito, pode muito bem ser antecipada a execução provisória, por ordem do juiz.”
Atento a essa realidade incontrastável, o conferencista Luiz Fux3 enfatiza que “indeferida a tutela antecipada initio litis, impõe-se saber se ao juiz é lícito, ao decidir a causa, antecipar esses efeitos pendente o litígio de recurso. Entendemos que sim, porque a própria lei dispõe que concedida a tutela o processo prosseguirá até final julgamento. Logo, ainda que o juiz não tenha deferido no curso do processo a tutela antecipada, nada obsta que o faça quando da sentença porque, para ele, a prova inequívoca pode ter sido apresentada apenas na fase de julgamento, revelando-se injusto fazer a parte aguardar o julgamento do recurso recebido no duplo efeito.”
O magistrado Fernando César Zeni, em artigo publicado no Jornal Síntese n.º 23, p. 06 e 08, intitulado “Deferimento do Pedido de Tutela Antecipatória na Sentença”, observou que “ao permitir a antecipação da eficácia de uma sentença definitiva sem limitar o artigo 273 o momento para seu deferimento possibilitou o legislador ao juiz que assim procedesse, atribuindo eficácia executiva à decisão de mérito, concedendo a antecipação no bojo da sentença, sem malferir a provisoriedade que é inerente ao instituto (...). Desde que relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, sua concessão no ato que põe termo ao processo enaltece a efetividade deste, considerando que a antecipação é apenas o poder conferido ao magistrado de emprestar eficácia executiva provisória imediata à sua decisão. O magistrado, além do dever de decidir o mérito da questão, está autorizado a torná-la efetiva, para não transformar em reparatório aquilo que seria satisfativo, ainda que seja com matizes de provisoriedade, pois nunca se deve esquecer que processo é forma e as formas têm caráter instrumental (...). Ademais, se o próprio Tribunal pode, após exaurir-se a prestação jurisdicional monocrática, deferir a tutela antecipatória, conforme sustentado, não há razão de não se deferir, no bojo da sentença definitiva, a tutela antecipada, sempre obedecendo seus requisitos autorizadores e com vistas a reparar danos que eventualmente surgirão com sua negativa”.
Em total sintonia com tais assertivas, o processualista Teori Albino Zavascki4, indaga: “E se a situação de perigo e demais pressupostos da antecipação se configurarem apenas quando o processo estiver pronto para receber sentença? Há duas soluções possíveis. Se não for caso de reexame necessário, nem de apelação com efeito suspensivo, sentencia-se e executa-se provisoriamente a própria sentença, sendo desnecessário, consequentemente, provimento antecipatório específico. Se, no entanto, for caso de reexame necessário ou de apelação com efeito suspensivo, a antecipação da tutela - que nada mais significará senão autorização para execução provisória - será deferida na própria sentença”.
Embora escassa a jurisprudência sobre o tema, o raciocínio pretoriano também é no sentido da possibilidade da concessão da tutela antecipatória no próprio corpo da sentença, como parte integrante de um dos seus capítulos, consoante se verifica da ementa do acórdão abaixo transcrito:
“ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONCESSÃO NO BOJO DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. EFEITOS. RECURSOS. EXECUÇÃO. ARTIGO 273, §§ 3.º E 5.º, DO CPC. Nenhum óbice há a que, EM UMA MESMA PEÇA, PROFIRA O JUIZ A SENTENÇA E DEFIRA A TUTELA ANTECIPADA, QUE PODERIA TER CONCEDIDO ANTES, MAS QUE NÃO O FIZERA POR QUALQUER RAZÃO, inclusive eventual produção de provas apenas em audiência, ou melhor e mais acurada análise da prova somente quando da oportunidade do julgamento antecipado. Não seria evidentemente jurídico e justo negar-se a tutela antecipada, quando presentes seus pressupostos.
Em uma mesma peça, proferida a sentença e deferida a tutela antecipatória, há independência entre as duas ordens de decisão: a interlocutória, de antecipação da tutela, e a sentença, resolvendo o mérito. O fato de os provimentos constarem de uma mesma peça não iguala suas respectivas naturezas nem os sujeita aos mesmos efeitos. Cada qual desafia instrumento específico de impugnação, com efeitos próprios. Assim, da interlocutória de antecipação de tutela, cabe agravo de instrumento, sem efeito suspensivo, que, se o caso, pode ser concedido pelo relator; da sentença cabe apelação, com duplo efeito, se o caso.
Interposto recurso de apelação, corretamente recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, mas não interposto recurso de agravo da decisão interlocutória. O efeito suspensivo daquela não empolga esta. A decisão de antecipação de tutela, como lhe é inerente, reclama imediata execução, nos termos dos §§ 3.º e 5.º, do CP””. (TJDF - Ac. unân. da 3.ª Turma Cível, Rel. Des. Mário Machado - In RJ 246/74).
Diante do quadro que se nos apresenta, nenhum empecilho há em que se possibilite a antecipação da tutela na própria sentença. Trabalha-se aqui com a hipótese de não haver sido a tutela antecipatória deferida ab origine, nem tampouco imediatamente após o oferecimento da contestação pelo réu; ou mesmo imediatamente após haver sido concluída a instrução processual, ocasião em que a tutela pretendida se revela em sua plenitude de forma suficiente para atender a pretensão deduzida em juízo.
Convencido da real possibilidade do julgamento antecipado da lide, restará ao magistrado como momento exato para decidir sobre o deferimento da antecipação da tutela a fase de proferimento da sentença de mérito. Mas isso somente será possível se as partes colaborarem com o funcionamento da justiça, trazendo ao conhecimento do Juiz os elementos que necessita para a composição do litígio.
A prova trazida aos autos pelas partes deve, por isso, preparar o terreno para o plantio dessa medida antecipatória, cujo efeito será o seu cumprimento imediato, independentemente do trânsito em julgado da sentença ou da interposição de apelação contra a mesma, visto o efeito suspensivo que lhe é inerente não possuir o condão de atalhar, por si só, a execução incontinenti da tutela antecipatória.
A redação do parágrafo 5.º, in fine, do art. 273, do CPC (atual art. 300 CPC/2015), também proporciona a possibilidade da antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial no bojo da sentença de mérito, como um dos seus capítulos, considerando que a expressão “até final julgamento” abriu a oportunidade para o deferimento da tutela pelo relator do recurso ou pelo Tribunal, se a mesma não houver sido concedida pelo juízo a quo.
Ora, se após proferida a sentença monocrática, pode ser deferida a antecipação da tutela, pela instância superior, porque não se permitir que o próprio Juiz, no uso do seu poder de cautela e mais próximo das partes e da realidade dos fatos que motivaram o conflito de interesses, o faça logo?
Seria simplesmente retardar aquilo que estaria evidente e que mais tarde haveria de ser reconhecido pelo pretório. Seria mesmo tolher a liberdade do magistrado em, atendendo aos princípios da efetividade, da celeridade e da economia processuais, e já possuindo condições de proferir sentença dando procedência aos pedidos formulados pelo autor, deferir antecipadamente a tutela e determinar, de logo, o seu cumprimento em relação a um deles ou a todos eles, por tratar-se de tutela de cognição exauriente que dispensa, como dissemos alhures, instrução dilatória.
Vale acrescentar que nada há de injurídico nisso, vez que o magistrado estaria movimentando-se dentro da liberdade que lhe permite o NCPC/2015, pois os “capítulos da sentença são as questões preliminares que o juiz deva apreciar a fim de decidir sobre a admissibilidade da tutela jurisdicional, assim como as preliminares de mérito, as questões prejudiciais, e cada um dos pedidos cumulados em simultaneus processus. Há, por isso, na sentença, tantas decisões distintas, quantos forem os capítulos ali formalmente unidos e aglutinados num só ato processual (...). O valor do bem ou interesse em contenda, nesse caso, pode dar origem, quantitativamente, a tantos capítulos quantas forem as variações numéricas que o fato possa suscitar”, para concordar com o processualista JOSÉ FREDERICO MARQUES (Manual de Direito Processual Civil, Vol. III, págs. 66/67, ed. 1997, Bookseler).
Todos esses fatores autorizam a que o magistrado impeça a ocorrência do constrangimento do autor do pedido da tutela antecipatória a aguardar o trânsito em julgado da sentença que o defere ou que o reafirma para exigir o seu cumprimento imediato, sobretudo quando a conduta intransigente do demandado puder atrapalhar o julgamento da lide e a execução daí decorrente. O perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, nesse caso, diminui sensivelmente, podendo, até mesmo, ser inexistente por não representar óbice à eficácia da sentença, nem ameaça ao status de coisa julgada que ela possa vir a adquirir.
A modo de premissa conclusiva, é oportuno lembrar que seria inútil à atividade jurisdicional o proferimento de decisões sem poder de execução provisória ou definitiva, pois, como ensina LIEBMAN “a sentença, como ato autoritativo ditado por um órgão do Estado, reivindica naturalmente, perante todos, seu ofício de formular qual seja o comando concreto da lei ou, mais genericamente, a vontade do Estado, para um caso determinado. As partes, como sujeitos da relação a que se refere a decisão, são certamente as primeiras que sofrem a sua eficácia, mas não há motivo que exima os terceiros de sofrê-la igualmente. Uma vez que o Juiz é o órgão ao qual atribui o Estado o mister de fazer atuar a vontade da lei no caso concreto, apresenta-se a sua sentença como eficaz exercício dessa função perante todo o ordenamento jurídico e todos os sujeitos que nele operam.” (Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos Sobre a Coisa Julgada, p. 123, 3.ª ed., 1984, Editora Forense).
4. Da tutela antecipatória e sua concessão
Para ilustração do ponto de vista que avaliza o presente trabalho, ponha-se como exemplo o caso do cidadão que adquire um automóvel zero quilômetro, efetuando parte do pagamento no ato da aquisição e financiando o restante em parcelas previamente estabelecidas e fixas.
Destaque-se que o referido veículo com vinte dias de uso apresentou defeito irremovível e se encontra internado por mais de trinta dias na oficina da concessionária sem conserto em face de inexistir peça de reposição em qualquer uma das concessionárias existentes no País, bem assim no almoxarifado do próprio fabricante ou da montadora.
Esclareça-se, por oportuno, que, inobstante, encontrar-se privado do direito ao uso do veículo, o adquirente continuou pagando as parcelas vincendas e não teve direito a obter da concessionária um carro para sua locomoção durante todo esse período. Admita-se, finalmente, que a concessionária tenha reconhecido tudo isso em sua peça contestatória, embora o mesmo não tenha sido admitido pelo fabricante.
A análise de todos esses elementos permite a concessão antecipada da tutela in limine litis, em ação ordinária proposta para esse fim, a qual pode ser ainda cumulada com pedido de indenização por danos morais e materiais, havendo-os. Ultrapassada essa fase, pode ainda a medida ser deferida, mormente se a contestação apresentada por um dos litisconsortes encontrar-se em contradição em relação aos termos da formulada pelo outro.
Suponha-se que na contestação do fabricante seja dito que o veículo se encontra totalmente recuperado desde determinada data, enquanto que na defesa da concessionária nada se confirma com relação a isso. Ao contrário, justifica-se o atraso na restituição do bem ao demandante por falta de peças de reposição no mercado e no próprio fabricante, estando tudo comprovado através de missiva dirigida pela concessionária local ao fabricante ou ao proprietário do automóvel, autor da ação.
A questão é complexa e envolve, inclusive, matéria atinente ao Direito do Consumidor. Com efeito, sendo o consumidor a parte hipossuficiente, ou sendo verossímil sua alegação, o Código de Defesa do Consumidor lhe dispensa o ônus da prova, invertendo-o. Dito de outro modo, obriga ao fabricante provar que o seu produto não é defeituoso ou que não apresenta qualquer vício de fabricação (art. 6.º, VIII), tudo isto também em face da vulnerabilidade que apresenta o consumidor ante o poder real do empresário (art. 4.º, I), o que faz realçar, para equilibrar a relação negocial, o princípio da isonomia insculpido no art. 5.º, caput, da Constituição Federal.
A vida do indivíduo em sociedade depende exatamente, em suas relações interpessoais e interdisciplinares, do conceito que goza na comunidade em que vive ou habita; do grau de credibilidade de que desfruta; do nível de dignidade humana que lhe confere o Estado, como ente encarregado de assegurar-lhe o respeito e garantir-lhe a devida segurança nas convenções que realiza com entidades constituídas mediante o aval do poder público para exploração de determinado ramo de atividade.
Daí porque não se pode permitir que, a despeito de livrar-se da obrigação assumida em contrato ou em decorrência da vigência da lei, um dos contratantes venha a se locupletar deixando de arcar com o ônus que lhe compete em detrimento do outro ou de um grupo de pessoas que acreditaram no produto que foi lançado no mercado mediante ampla divulgação, especialmente quando esteja em jogo o próprio meio de vida do consumidor ou a saúde de algum ente querido, que depende desse meio de transporte para realizar suas tarefas habituais.
O automóvel representa hoje, entre nós, um bem de grande utilidade porque resolve, por via terrestre, os problemas do tempo e da distância, facilitando, em tudo, a vida do indivíduo, sobretudo nas grandes cidades onde o cotidiano impõe que o conglomerado de empresas públicas e privadas, coletivas ou individuais se localizem nos mais diversos recantos da urbe, fazendo com que o cidadão tenha que, diariamente, percorrer longos percursos para chegar ao seu destino.
Não existindo controvérsia quanto ao pouco tempo de utilização do veículo pelo autor, prevalecendo, portanto, as informações de que o defeito apresentado é recente, provado, por exemplo, mediante comparação da nota fiscal de aquisição do bem e a ordem de serviço extraída para reparo da avaria, sem a devolução do mesmo no prazo delimitado pela lei pronto para o uso a que se destina, nenhuma dúvida pode remanescer quanto à necessidade da concessão da tutela antecipatória, especialmente se a análise desse material for procedida no instante da prolação da sentença definitiva.
Nessas circunstâncias, é forçoso também ao Juiz reconhecer que, até prova em contrário, o veículo já continha vícios redibitórios não detectado pelo autor ao adquiri-lo por desconhecer o funcionamento da máquina, ou mesmo por faltar-lhe conhecimentos técnicos, o que é perfeitamente justificável, visto a lei não exigir do consumidor esse preparo.
Creio - e isso é incontestável - que em se tratando de contrato mercantil de compra e venda, cabe ao fabricante a responsabilidade objetiva pelo fato da coisa e do produto, pelo risco que assume ao colocar no mercado bem de consumo, qualquer que seja sua procedência: nacional ou estrangeira, pois ao indivíduo somente interessa a aquisição de mercadoria que venha lhe propiciar o bem-estar, não lhe ocorrendo que o produto comprado venha a lhe causar preocupações ou embaraços e o leve a enfrentar situações que estão fora do seu controle ou do alcance do seu conhecimento mediano.
Quando o consumidor ingressa em uma loja e adquire um produto a presunção é que, não somente ele, mas o vendedor e o fabricante estejam de boa fé. Esse princípio é que deve orientar sempre as relações negociais entre nós. Aliás, tanto a doutrina como a jurisprudência nacionais sempre sustentaram a obediência a esse postulado, embora o nosso Código Civil não ostentasse taxativa e expressamente essa regra em seu ordenamento.
O Código de Defesa do Consumidor corrigiu essa omissão e restaurou esse milenar princípio (art. 4.º , III), o qual visa essencialmente a fidúcia e a lisura nas relações negociais, bem assim a proteção contra práticas desleais e abusivas, assegurando ao consumidor ilaqueado em sua boa fé o direito à reparação de algum prejuízo experimentado, especialmente quando for considerado a parte vulnerável da relação contratual posta em evidência (art. 6.º , II, IV, VI, VII e VIII).
O mundo moderno, segundo magistério irreprochável do jurista CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, é o mundo do contrato. E a vida moderna o é também, e em tão alta escala que se se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual na civilização do nosso tempo, a conseqüência seria a estagnação da vida social (Instituições de Direito Civil, Vol. VIII, p. 09, 9.ª ed. 1991. Editora Forense).
Um dos aspectos mais importantes do contrato é exatamente a boa-fé em sua execução, quer por parte do contratante, quer por parte do contratado. Esse princípio exige que as partes se conduzam com lealdade, sinceridade e honestidade em suas relações recíprocas, no intuito de evitarem lesões de lado a lado ou a outrem - neminem laedere.
Essa orientação tem sido acolhida pelos nossos escoliastas. Ruy Rosado Aguiar Júnior enfatiza que “a inter-relação humana deve pautar-se por um padrão ético de confiança e lealdade, indispensável para o próprio desenvolvimento normal da convivência social. A expectativa de um comportamento adequado por parte do outro é um componente indissociável da vida de relação, sem o qual ela mesma seria inviável. Isso significa que as pessoas ‘devem adotar um comportamento leal em toda a fase prévia à constituição de tais relações (diligência in contrahendo); e que devem também comportar-se lealmente no desenvolvimento das relações jurídicas: direitos e deveres. Os direitos devem exercitar-se de boa-fé; as obrigações têm de cumprir-se de boa-fé’. O princípio regula a vida das pessoas e serve de parâmetro para a avaliação de suas condutas, tendo em vista o sistema jurídico global”. (Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor, p. 239, 1.ª ed. 1991. Rio de Janeiro: Aide Editora).
O professor mineiro Humberto Theodoro Júnior apostila que, “além de prevalecer a intenção sobre a literalidade, compreende-se no princípio da boa-fé a necessidade de compreender ou interpretar o contrato segundo os ditames da ‘lealdade e confiança’ entre os contratantes, já que não se pode aceitar que um contratante tenha firmado o pacto de má-fé, visando locupletar-se injustamente à custa do prejuízo do outro. O dever de ‘lealdade’ recíproca acha-se explícito no Código Civil Alemão e prevalece doutrinariamente em todo o direito de raízes romanas.” (O Contrato e Seus Princípios, p. 38. 1.ª ed. 1993. Rio de Janeiro: Aide Editora).
Por fim, o saudoso jurista baiano ORLANDO GOMES argumentava que “ao princípio da boa fé empresta-se ainda outro significado. Para traduzir o interesse social de segurança das relações jurídicas diz-se, como está expresso no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Numa palavra, devem proceder com boa fé. Indo mais adiante, aventa-se a idéia de que entre o credor e o devedor é necessário a colaboração, um ajudando o outro na execução do contrato”. (Contratos, p. 43, 11.ª ed. 1986. Editora Forense).
Sob o fundamento do Código do Consumidor, repita-se, a boa-fé contratual também é tida como elemento indispensável nas relações negociais (art. 4.º, III), com a facilitação da defesa dos interesses do consumidor e a inversão do ônus da prova quando for verossímil a alegação ou quando for ele a parte hipossuficiente (art. 6.º, VIII).
Nesse sentido, o vaticínio incensurável de ARRUDA ALVIM et alli, para quem “vigente, entretanto, o sistema de proteção ao consumidor, na forma encartada por este Código, com normas de ordem pública e interesse social (ver art. 1.º), não há tolerância para contratações desproporcionais em detrimento do consumidor, sejam as em que se haja configurado lesão (art. 6.º, V, primeira frase), sejam as em que se caracteriza a onerosidade excessiva ou imprevisão (art. 6.º, V, segunda frase), que virá a atingir o ulterior cumprimento do contrato. Assim eventos supervenientes à avença contratual que tenham o condão de desequilibrar o que inicialmente havia sido harmonicamente ajustado, trazendo excessiva onerosidade ao consumidor, autorizam a revisão do primitivo contrato, a fim de se restabelecer a almejada igualdade na contratação.” (Código do Consumidor Comentado, p. 65/66, 2.ª ed., 2.ª tiragem, RT).
A quebra do dever de fidúcia nas relações contratuais de qualquer natureza gera no consumidor (qualquer que seja sua condição social, cultural ou econômica) insegurança, inconformismo, decepção, desilusão, desgosto, posto ser a parte vulnerável do ato negocial e, com isso, quer o Código de Defesa do Consumidor (art. 4.º, inciso I) equilibrar as relações entre consumidores e fornecedores, dando realce específico ao princípio constitucional da isonomia.
Quando o consumidor adquire um produto lançado no mercado é levado exatamente pela expressiva publicidade e propaganda de suas qualidades e valores trazidos a lume pelo fabricante. Se, após a aquisição, o bem apresenta um defeito ou um vício não detectado quando da celebração do contrato que o torne impróprio ou inadequado para o uso ao qual foi destinado, pode o consumidor exigir a substituição das partes viciadas, as quais, não sendo substituídas, no prazo máximo de trinta dias, autorizam-no a exigir a substituição do produto por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso, a restituição da quantia paga devidamente atualizada ou o abatimento do preço, conforme estabelece o art. 18, do Código de Defesa do Consumidor.
A responsabilidade aqui é do fabricante, na modalidade objetiva (CDC, art. 12, caput). Trata a hipótese aventada exatamente de vício do produto, rectius, defeito oculto que está fora do alcance do discernimento do homo medio; é imperceptível ao conhecimento do comum dos cidadãos.
Desse modo, adquirido o veículo novo e feita a prova através de nota fiscal, vindo ele, após três meses de uso, a apresentar defeito, tornando-o impróprio para o uso a que se destinava, sem solução do problema por quem de direito, cabe ao seu proprietário buscar através de ação judicial a medida satisfativa para a restauração do statu quo ante. Nesse caso, segundo leciona ARRUDA ALVIM et alli (ob. cit., p. 107) “deve o juiz, na determinação do caráter defeituoso, ser intérprete do sentimento geral de legítima segurança esperada do produto, atendendo não só ao uso ou consumo pretendido, mas à utilização que dele razoavelmente possa ser feita, à luz do conhecimento ordinário ou da opinião comum do grande público a que o mesmo se destina.”
Não se pode também deixar de registrar que se, em face dos embaraços gerados pelo vício do produto, o autor teve sua vida pessoal, familiar e comercial conturbada, passando a ter problemas para deslocar-se por não lhe haver sido fornecido automóvel reserva para suprir a falta deixada pelo carro depositado na oficina da concessionária para reparos, deve o mesmo obter também das partes responsáveis pelo retardamento na recuperação do seu carro quantia indenizatória correspondente aos danos patrimoniais e morais ocorrentes.
Se, ao tempo do proferimento da sentença, a frustração experimentada pelo proprietário do veículo ainda não houver sido superada, face os constrangimentos e transtornos vividos em decorrência da expectativa criada com a aquisição do produto novo e a esperança inconstante de tê-lo novamente disponível para o uso a que se destina, cabe a concessão da tutela antecipatória como um dos capítulos do ato decisório.
Vendo o Juiz que ainda persistem os elementos que dão azo à acolhida da tutela antecipatória, especialmente por ser patente a probabilidade da ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação ao demandante, visto o convencimento que fornecerem as provas trazidas aos autos com a inicial e as que forem produzidas ao longo da tramitação processual, com a contestação ou com a própria instrução probatória, dentre as quais podem estar incluídas despesas que, pela condição de parte hipossuficiente, não podem continuar sendo suportadas pelo suplicante, estará autorizado inegavelmente o deferimento antecipado da tutela, porque o seu caráter de urgência ainda não cessou e mais se justifica à medida em que a lesão ao direito da parte requerente vai se agravando com a manutenção da situação que se pretende desconstituir.
Além disso, a expectativa do Juiz quanto à sanação do defeito pode não ser absoluta porque o fabricante claudicou em sua defesa e a concessionária não especificou em que consistiram os reparos, nem juntou aos autos demonstrativo dos serviços realizados no automóvel, sendo preferível, nesse caso, optar pela restituição do valor pago, posto ser inconcebível que um objeto tido como novo apresente defeito grave, logo após a sua aquisição, e demore tanto tempo para ser recuperado, comprovadamente por culpa do prestador de serviços e do próprio fabricante, este em seu grau máximo, por não se preocupar em ter peças de reposição disponíveis no mercado, como lhe obriga o próprio contrato de concessão celebrado com a montadora.
Em tais casos, tem a Jurisprudência acertadamente decidido que:
“DEFESA DO CONSUMIDOR. SUBSTITUIÇÃO DE PRODUTO DEFEITUOSO. CONDIÇÃO. O direito do consumidor à substituição do produto defeituoso por outro da mesma espécie e em perfeitas condições de uso condiciona-se à recusa do fornecedor em efetuar o reparo das partes danificadas, no prazo de trinta dias estabelecido no art. 18, § 1.º, da Lei n.º 8.078/90, excetuando-se a hipótese de os vícios serem tão extensos, que sua reparação possa comprometer a qualidade ou as características do bem diminuindo-lhe o valor.” (TAMG - Ac. unân. da 5.ª Câm. Cível, Rel. Juiz Aloysio Nogueira - In Boletim ADCOAS, verbete 8152685, ano 1997).
“Ocorrendo vício do produto adquirido, não sanado no prazo de 30 dias, é dado ao consumidor o direito à restituição da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventual recebimento de indenização por perdas e danos, conforme dispõe o CDC 18 § 1.º ” (RT 694/170 - Vide CPC, de Nelson Nery Júnior et alli, p. 1.361, 3.ª ed., RT).
Mas não é só. Estando caracterizado o abuso do direito de defesa, pelo fato da contestação das rés se encontrarem totalmente em contradição, nenhuma alternativa restará ao Juiz se não conceder a tutela, pois isso realça mais ainda o fumus boni iuris, além do que não deixa de justificar o periculum in mora, pois é sabido que, quando existem litisconsortes com diferentes procuradores, o prazo para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos será sempre contado em dobro.
Essa circunstância prejudica a celeridade processual: pressuposto contrário aos propósitos da tutela antecipatória. A morosidade dá causa à protelação processual: um dos males corrosivos do processo, tão combatido em nossos dias. Por conta disso, é preciso buscar um equilíbrio, a fim de que uma das partes não seja punida com o benefício criado pela lei em favor da outra, mormente se aquela garantia puder vir a ser causa de impossibilidade de realização do direito pleiteado na tutela pretendida no pedido inicial.
Tendo, portanto, como presentes o fumus boni iuris, pela existência da prova inequívoca do defeito do produto apresentada pelo seu adquirente - circunstância capaz do convencimento da verossimilhança - pela ausência de idoneidade da coisa para o uso ou fim que se previu no contrato de compra e venda; e o periculum in mora, pelo justo receio de que o retardamento na outorga da prestação jurisdicional possa gerar ao demandante prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, além dos já experimentados, culminando com o desembolso de quantia desnecessária e indisponível para locomover-se mediante o uso de automóvel de aluguel, além da probabilidade da perda total de seu automóvel pela ausência de uma definição quanto aos defeitos apresentados e o seu conserto, deve o Juiz deferir o pedido de tutela antecipatória com o fim de determinar ao fabricante ou à concessionária a restituição da quantia paga pelo autor na aquisição do automóvel discriminado na peça vestibular ou a substituição do bem avariado por outro novo que contenha as mesmas características e utilidade do defeituoso, devendo marcar prazo para cumprimento do preceito indicado em dias, contados da publicação da sentença, tomando-se por base os valores constantes da nota fiscal de aquisição do bem e do contrato de financiamento, devidamente atualizados.
Deve o Juiz também conceder a tutela antecipatória para o fim de determinar à concessionária o fornecimento de automóvel reserva ao beneficiário da medida, compatível com as características do veículo de sua propriedade internado na oficina da mesma para reparos, enquanto pender a tramitação processual do feito com o conhecimento de eventual recurso ou com os incidentes decorrentes da execução provisória do julgado, a fim de possibilitar-lhe a realização dos seus afazeres, sem os incômodos que a falta de um carro ocasiona a um indivíduo numa grande cidade.
Se a ordem para restituição do valor for dirigida contra o fabricante e se este, no prazo assinalado, não cumprir a determinação, poderá o Juiz obrigar a concessionária, em face da antecipação da tutela, a reter a quantia equivalente dos valores que, por vinculação contratual, deve repassar regularmente ao fabricante e consigná-la à disposição do juízo ordenante, ficando o automóvel do demandante, já depositado na oficina da consignante, caucionado como garantia do valor depositado.
Para isso, entretanto, marcará o Juiz prazo à concessionária, cuja contagem deve iniciar-se após o encerramento do prazo conferido ao fabricante, o que deverá constar da sentença meritória, mediante a cominação de pena para o eventual descumprimento da ordem.
Preclusa a decisão da tutela antecipatória e cumprida a mesma, deve o automóvel caucionado ser entregue ao fabricante. O Juiz deve também advertir o fabricante e a concessionária para darem cumprimento ad unguem à tutela antecipatória, no prazo que lhes foi individualmente assinado, sob pena de não o fazendo ficarem sujeitos per capita ao pagamento de uma multa diária a ser revertida em favor do autor, mediante execução e cobrança na forma da lei, tudo de acordo com os arts. 273, I, e 461, parágrafos 3.º e 4.º, do CPC/1973 (regramentos mantidos pelo CPC/2015), combinados com o art. 84, parágrafos 3.º e 4.º, do Código do Consumidor.
Na mesma linha de raciocínio, pode-se apresentar, como exemplo, mutatis mutandi, a hipótese de pessoa que celebra contrato de empréstimo bancário para financiamento de imóvel destinado a sua moradia ou não, cujas taxas para pagamento são, posteriormente à assinatura do contrato, alteradas e elevadas unilateralmente pela instituição bancária, provocando, além de violação às cláusulas contratuais e quebra da confiança, graves prejuízos econômicos ao consumidor, que se vê forçado a despender valores superiores ao convencionado para cumprir a obrigação ajustada no contrato.
Neste caso, também cabe a concessão da tutela de urgência ou de evidência ab initio ou na própria sentença para suspender a exigência do valor superior ao contratado, bem como para restituir as partes ao status quo ante, a fim de garantir a estabilidade, a isonomia, o equilíbrio, a boa-fé e a segurança jurídica contratual, como decorrência do pacta sunt servanda.
5. Do dano em que pode incorrer o consumidor
O defeito oculto apresentado pelo bem adquirido, uma vez não solucionado no prazo de trinta dias, delimitado pelo art. 18, § 1.º, do CDC, dá margem a que uma série indeterminada de problemas sejam criados para o consumidor, que passa a viver a expectativa de quando a sua coisa irá ser restituída; qual o grau de confiabilidade no conserto e o que fazer para recuperar de imediato o prazer proporcionado pelo bem que, de repente, se viu privado do uso pelo fato de vício do produto, vício este que já estaria latente e não foi percebido pelo adquirente quando da sua compra.
Essas situações produzem lesões múltiplas e indiscriminadas ao patrimônio material e pessoal do lesado, de modo que se deve procurar sempre e compreensivamente a restitutio in integrum de todo o prejuízo experimentado. Daí porque tem o autor direito a ser indenizado tanto pelo dano patrimonial, quanto pelo dano moral que experimentar. O primeiro exige a produção de prova do dano e sua extensão. O segundo independe de prova porque nem sempre é causado por uma perda pecuniária, não se podendo avaliar ou visualizar ataque ao patrimônio do lesado. Ambos, entretanto, podem ser cumulados quando oriundos do mesmo fato, nos termos da Súmula n.º 37, do STJ.
Se os autos revelarem que se trata o consumidor de pessoa cuja notoriedade profissional é inconteste e inconspurcada, posto ser profissional com largo relacionamento no seu campo funcional, grau que, até prova em contrário, lhe confere a condição de pessoa de bem, sendo certo que, só por isso, ou seja, por ser pessoa de reputação ilibada e de todos conhecida, vivendo, por exemplo, em cidade notoriamente provinciana, mantendo vida honrada e recatada, com endereço residencial e profissional certos, deve merecer por parte dos vendedores, no mínimo, tratamento digno e atenção redobrada ao carro que lhes foi confiado para recuperação, mormente se for de fabricação multinacional, de valor elevado, cuja aquisição requer o desembolso de quantia vultuosa nem sempre permitida a todo cidadão.
Maior gravidade ocorrerá se não houver de imediato solução para o problema apresentado pelo veículo, ao ponto de deixar-se o consumidor a pé em virtude dos vendedores não haverem lhe ofertado carro reserva para sua locomoção, sabendo-se que o mesmo exerce atividade profissional que lhe exige o constante deslocamento a inúmeras repartições públicas e privadas, além do que possui filho cuja enfermidade patológica requer frequentes visitas a consultórios médicos, laboratórios e viagens a outros Estados para realização de exames não obtidos pelos estabelecimentos de saúde da cidade onde reside e Estados circunvizinhos.
Isso, obviamente, causa desgostos e aborrecimentos; macula a honra e a dignidade do indivíduo, pois, como preleciona Carlos Alberto Bittar “a frustração de objetivos visados é que, nessa área, produz os danos morais, no exato ponto em que atinge a moralidade ou afetividade do lesado, como em certas modalidades de contrato, embora em quaisquer outras posições negociais se possam sentir os mesmos reflexos negativos”. (Reparação Civil por Danos Morais. 2.ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 191).
Não há, como negar-se, em sã consciência, a aplicação in totum das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de compra e venda de qualquer natureza, notadamente no que tange às atinentes aos princípios da comutatividade, da equidade e da boa fé, também contempladas pelo Código Civil Brasileiro, donde se extrai do seu art. 159, que todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
5. Conclusão
O instituto da tutela antecipatória representa uma das maiores conquistas do direito brasileiro da atualidade. Pode-se dizer mesmo que é o mecanismo de maior agilidade processual que se pode dispor em nossos dias para satisfazer o bem da vida perseguido pelo litigante porque permite, a um só tempo, obter por antecipação o direito pleiteado e a garantia da sua execução provisória.
Por via da tutela antecipatória o fator tempo tem sido minimizado pelo Juiz na condução do processo, pois através dessa nova técnica se abandona a clássica liturgia da movimentação processual, que só transtorno trazia para o autor que tem razão desde o aforamento da ação.
Agora, com a antecipação da tutela, a exemplo do que acontecia mutatis mutandis, no passado com as medidas cautelares, a parte pode obter, desde logo, provimento judicial que lhe assegura a imediata exigência do seu cumprimento através de medida executiva levada a efeito na própria sede da ação ordinária em andamento, enquanto se aguarda o julgamento de mérito, se a concessão da tutela não coincidir com este estágio processual.
É preciso racionalizar o tempo do processo. É indispensável que se fiscalize ou cronometre, como o árbitro de futebol, o tempo despendido pelas partes litigantes para a prática de determinados atos, para se aquilatar que eventual investida de uma delas não se mostre como manobra tendente a obliterar ou a postergar a trajetória da medida judicial aviada para garantir o direito posto em discussão.
A demora na conclusão do processo é sempre prejudicial ao autor que tem razão, posto beneficiar o réu que não a tem. Como enfatiza Luiz Guilherme Marinoni (Op. Cit., p. 21) “se o autor é prejudicado esperando a coisa julgada material, o réu, que manteve o bem na sua esfera jurídico-patrimonial durante o longo curso do processo, evidentemente é beneficiado. O processo, portanto, é um instrumento que sempre prejudica o autor que tem razão e beneficia o réu que não a tem! (...) Se o processo é um instrumento ético, que não pode impor um dano à parte que tem razão, beneficiando a parte que não a tem, é inevitável que ele seja dotado de um mecanismo de antecipação da tutela, que nada mais é do que uma técnica que permite a distribuição racional do tempo do processo.”
Nem sempre a vida transcorre ao sabor do desejo da pessoa humana. Ninguém pode antever o acaso. Portanto, há circunstâncias que refletem inevitável estado de necessidade, que gera situação de perigo, que independe da vontade da parte que tem razão e que exige a premente intervenção judicial para garantir a pretensão ordenatória deduzida em juízo, bem como para remediar ou amenizar a gravidade da situação retratada. Nessas circunstâncias, a decisão judicial sobre a tutela antecipatória, que visa acudir a urgência atemporal, é a última esperança do jurisdicionado.
Diante disso, é razoável defender-se a ideia de que é possível a antecipação da tutela ainda que o Juiz já esteja em condições de proferir a sentença de mérito, onde, obviamente, será concedida a medida novidadeira, havendo ou não o magistrado procedido à instrução processual. Sustenta-se, então, que a antecipação da tutela se dará em cognição exauriente.
Isto será possível porque a situação de emergência pode surgir não no nascedouro da ação, mas efetivamente no instante do proferimento da sentença definitiva, quando a crise processual que autoriza a sua concessão estiver a reclamar uma intervenção eficaz e urgente do órgão judicial para debelá-la antes que dê causa ao perecimento do direito reivindicado e ao descrédito da Justiça.
Veja-se que existem dois atos decisórios em uma só peça. Um interlocutório; outro de mérito. Para atacar os efeitos da tutela antecipatória (decisão interlocutória) não basta a interposição da apelação, mesmo que esse recurso venha a ser recebido no efeito suspensivo.
É indispensável que o réu sucumbente interponha concomitantemente o recurso de agravo de instrumento e requeira ao relator que suspenda o cumprimento da decisão interlocutória que concedeu a tutela na própria sentença (decisão de mérito) até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara (art. 558, CPC/1973 - atual 1.019, inciso I, CPC/2015). Tem-se aqui um belo exemplo de exceção ao princípio da unirrecorribilidade das decisões.
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1 Tutela de Segurança. Revista de Processo n.º 88, out/nov/1997. São Paulo: Editora Revista dos Trbunais, p. 24.
2 Curso de Processo Civil, Volume I. 4.ª ed. São Paulo: Editora RT, 1998, p. 145.
3 Tutela Antecipada e Locações. Ed. Destaque, 1995, p. 116.
4 Antecipação da Tutela. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 81.