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Decisão do júri e prisão: equívoco interpretativo do STF

18/09/2024 às 12:24
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O STF decidiu pela constitucionalidade da execução imediata da pena aplicada pelo Tribunal do Júri, contrariando o voto divergente do ministro Gilmar Mendes, que entende ser vedada a aplicação da reprimenda em caráter imediato.

O Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema n. 1068 de repercussão geral, decidiu por maioria ser constitucional a execução imediata da pena aplicada pelo Tribunal do Júri ao entendimento de que a responsabilidade do agente decorre da soberania dos veredictos, a qual não pode ser revista pelo tribunal de apelação.

Os eminentes ministros da Excelsa Corte – seguindo o voto do eminente ministro Luís Roberto Barroso -, em síntese, entenderam que a prisão imediata de decisões do júri não viola o postulado da presunção de inocência, na medida em que a culpa do agente restou reconhecida pelos jurados.

De forma divergente, o ministro Gilmar Mendes, em sentido contrário a tese firmada e seguido por outros ministros, assinalou que a soberania das decisões do júri não são absolutas, restando vedada a aplicação da reprimenda em caráter imediato, ainda que existente a possiblidade de decretação da prisão preventiva após a decisão dos jurados.

Mais lúcida e legal a divergência levantada no julgamento da Excelsa Corte.

O princípio da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, CF/1988) é direito fundamental, assim como são os postulados da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/1988), do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/1988) e do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/1988).

Ditos direitos fundamentais são relativos, devendo ser analisados em favor do réu por se tratarem de postulados criminais, vez que em Direito Penal não é permitido a interpretação extensiva para prejudicar o réu:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PROGRESSÃO DE REGIME. APENADO NÃO REINCIDENTE EM CRIME HEDIONDO OU EQUIPARADO. LAPSO TEMPORAL DE 40%. ART. 112, V, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. OBSERVÂNCIA. MERO INCONFORMISMO DA PARTE EMBARGANTE. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Os embargos de declaração destinam-se a desfazer ambiguidade, aclarar obscuridade, eliminar contradição ou suprir omissão existentes no julgado (art. 619 do CPP). 2. O atual texto do art. 112 da Lei de Execução Penal não prescreve percentual aplicável ao apenado que, apesar de reincidente, não o é na prática de crime hediondo ou equiparado, circunstância que implica a observância do lapso temporal de 40% (inciso V do citado artigo) para a progressão de regime. Em direito penal, não é permitida a interpretação extensiva para prejudicar o réu, impondo-se a integração da norma mediante a analogia in bonam partem, devendo a lei penal ser interpretada restritivamente quando prejudicial ao réu e extensivamente quando a ele favorável (STJ, AgRg no HC n. 616.267/SP). 3. O mero inconformismo da parte embargante com o resultado do julgamento não é suficiente para o acolhimento dos embargos de declaração, que, inclusive, não se prestam para provocar o reexame da causa. 4. Embargos de declaração rejeitados.

(STJ. EDcl no AgRg no HC 651.765/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 14/12/2021). (Grifos nossos).

Em direito penal, portanto, vedada a interpretação extensiva para prejudicar o réu, impondo-se a integração da norma mediante a analogia in bonam partem, devendo a lei penal ser interpretada restritivamente quando prejudicial ao réu e extensivamente quando a ele favorável.

No julgamento do Tema n. 1068, o Supremo Tribunal Federal (STF) interpretou extensivamente o princípio da soberania dos veredictos, conferindo ao postulado sobreposição sobre outros direitos fundamentais do réu.

Interpretação, como visto, equivocada.

Sobrepor a soberania dos veredictos a outros postulados constitucionais (presunção de inocência, devido processo legal, contraditório e da ampla defesa), assim como feito pela Excelsa Corte - Tema n. 1068. -, é interpretar normas de índole criminal em desfavor do agente, privando-o prematuramente de sua liberdade, ainda que cabível a interposição de recursos contra a decisão dos jurados.

O Tribunal do Júri, por expressa determinação legal constitucional (art. 5º, XXXVIII, CF/1988) e infraconstitucional (art. 406. e seguintes do CPP), é órgão colegiado e heterógeno de primeira instância do Poder Judiciário competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 74, §2º, CPP) – tentados ou consumados – e os comuns que lhe forem conexos (art. 78, I, CPP).

E dentre outros princípios (plenitude de defesa, sigilo das votações e competência para julgamento de crimes dolosos contra a vida), a Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XXXVIII, CF/1988) prestigia a soberania dos veredictos.

A soberania dos veredictos, contudo, não é absoluta.

O Tribunal do Júri constitui garantia processual constitucional (art. 5º, XXXVIII, CF/1988), submetendo-se ao devido processo legal – e seus consectários (contraditório e ampla defesa – incisos LIV e LV do art. 5º da CF/1988), condicionando as decisões do Júri ao trânsito em julgado em razão do princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/1988).

A Constituição Federal de 1988 é clara neste sentido, assinalando que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV, CF/1988) e que “os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV, CF/1988).

O devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/1988) é garantia processual conferida ao acusado de ser processado em conformidade com a lei, assegurando –lhe o direito do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, CF/1988).

Ora, se as afirmativas anteriores são verdadeiras (e são), com o devido respeito, não se há falar em execução imediata das decisões do Tribunal do Júri, pena de afronta também ao princípio da presunção de inocência, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CF/1988).

O postulado em referência – presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/1988) – consagra o trânsito em julgado para efetivação da execução de pena privativa eventualmente imposta ao agente em qualquer procedimento criminal, onde se insere as decisões do júri.

Daí que, se a soberania do veredictos é preceito fundamental, também o são o da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/1988), do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/1988) e do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/1988).

A Lei Maior Brasileira, reafirme-se, consagra o devido processo legal, a presunção de inocência e a interposição de recursos de qualquer decisão judicial, inclusive as prolatadas pelo Tribunal do Júri.

Não se pode, assim como assentando pela Excelsa Corte - na decisão prolatada no Tema n. 1068. -, atribuir caráter absoluto ao postulado da soberania dos veredictos, em especial por serem as decisões do tribunal do júri passiveis de reforma pela instância superior.

A decisão do conselho de sentença pode ser alterada quando, dentre outras hipóteses, for manifestamente contrária a prova dos autos (art. 593, III, d, CPP), sujeitando o réu a novo julgamento em casos em que a apelação criminal restar provida (art. 593, §3º, CPP):

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

(...)

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:

(...)

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

(...)

§3o Se a apelação se fundar no no III, d , deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação. (...). (Grifos e omissões nossos).

Pode também a decisão dos jurados, assim como qualquer outra decisão judicial, ser atacada, a qualquer tempo, através de Revisão criminal (art. 621. e seguintes CPP) sempre que a sentença penal condenatória, dentre outras hipóteses, tiver sido prolatada em contradição as evidências dos autos e fundada em depoimentos/exames/documentos comprovadamente falsos ou quando surgiram provas novas que atestem a inocência do réu ou que autorize a diminuição da pena:

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Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:

I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. (Grifos nossos).

Art. 622. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após. (Grifos nossos).

Daí que, com as devidas vênias, não se há dizer que as decisões dos jurados não podem ser revistas pelo tribunal de apelação competente: as decisões do júri, assim como qualquer outra decisão judicial, podem ser submetidas apreciação de reforma e revisão junto ao órgão colegiado competente.

Não se pode, sob o pálio da soberana as decisões dos jurados, banalizar a prisão de qualquer agente (independentemente do crime cometido), vez que o encarceramento é exceção no ordenamento jurídico brasileiro, só devendo ser decretada quando transitada em julgada a decisão judicial condenatória ou restarem preenchidos os requisitos e pressupostos para a decretação da prisão preventiva.

A prisão é exceção no regime legal democrático brasileiro por força do princípio da presunção de inocência consagrado na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LVII, CF/1988) e no Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, I, d), recepcionado em nosso ordenamento jurídico (art. 5º, §2º, CF/198888).

Não se nega a possibilidade de prisão antes do trânsito em julgado, longe disso.

O arcabouço jurídico brasileiro não veda a prisão decorrentes das decisões do Tribunal do Júri e de qualquer outro órgão do Poder Judiciário, desde que devidamente fundamentadas e sempre que presentes os requisitos e pressupostos para a decretação da prisão preventiva.

Prisões, em qualquer caso, devem ser decretadas em observância as particularidades concretas do caso, devendo o juiz-presidente, em procedimentos do Júri, fundamentar sua necessidade (art. 93, IX, CF/1988), respeitando os requisitos da prisão preventiva (art. 312, CPP), quais sejam: a garantia da ordem pública e da ordem econômica, para conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

O postulado da fundamentação, preconizado no inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal de 1988, estabelece que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, pena de nulidade:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (...). (Grifos e omissões nossos).

Sobre o dever de motivação da decisão que decreta, substitui ou denega a prisão preventiva e em conformidade com o postulado da fundamentação das decisões (art. 93, IX, CF/1988), eis o que expressamente declarado no artigo 315 do Código de Processo Penal:

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada.

§1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. (...). (Grifos e omissões nossos).

A ausência de motivação de qualquer decisão judicial (inclusive de decretação de prisão) ocasiona a nulidade processual por cerceamento de defesa, em especial quando a autoridade judiciária não indica os motivos de fato e de direito em que se fundou a decisão.

Não se pode banalizar a prisão de qualquer agente. Isto, contudo, fez o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema n. 1068. de repercussão geral, na medida em que sacramentou ser possível a prisão imediata daqueles processados e julgados pelo júri.

Com efeito, não se há permitir a prisão imediata das decisões do júri.

A prisão imediata de decisões do júri, assim como entendido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema n. 1068. de repercussão geral, viola diretamente outros princípios constitucionais, notadamente o da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/1988), do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/1988), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/1988) e da fundamentação das decisões (art. 93, IX, CF/1988).

Equivocado o entendimento da firmado pela Excelsa Corte no Tema n. 1068.

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Sobre o autor
Francisco Valadares Neto

Graduado Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Ji-Paraná (ILES/ULBRA). Concluiu, em 2004, pós-graduação em Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIP), obtendo o título de Pós-Graduado em Direito Constitucional. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, na cidade de Buenos Aires – Argentina (2016). Atualmente, além das atividades de advogado, exerce o cargo de Procurador Jurídico do Município de Brasiléia – Estado do Acre.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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