V Conclusão:
No ensejo das propaladas reformas constitucionais de que se ocupa hoje o país, a hipótese posta inicialmente, da simples propositura de uma norma em tese inconstitucional para forçar um debate acerca dos seus fundamentos, parece deixar clara a necessidade da ressurreição, na ordem constitucional brasileira, do instituto de fiscalização prévia de constitucionalidade de atos normativos - embora sob outros moldes que não os nos quais se fazia sob a ordem constitucional anterior. No caso concreto referido inicialmente é certo que acabou por prevalecer a idéia de se buscar outros meios para a consecução do fim a que se propunha o autor da tal proposta de emenda (o amplo debate acerca da modificação dos critérios de redistribuição de verbas tributárias entre os municípios). Mas suponha-se que a proposta tivesse sido, àquela altura, consensual, seja por uma premência da situação, seja por "compromissos políticos" assumidos pela casa legislativa com suas "bases eleitorais", e teríamos então uma situação no mínimo esdrúxula: possivelmente justa (porque votada pela assembléia legislativa e como tal na presunção de ir ao encontro do interesse público) e provavelmente inconstitucional.
Esta reinstauração do controle prévio de constitucionalidade (externo ao poder legislativo) a ser atribuído ao Supremo Tribunal Federal atingiria quatro objetivos:
- Ao nível da ordem constitucional, permitiria ao tribunal um incremento na componente política de sua atuação, o que vem sendo reclamado, principalmente, por muitos setores dos poderes constituídos;
- Ao nível de sistematização jurídica, evitaria a introdução no sistema de norma contrária a este, o que, pretende-se ter demonstrado, é perfeitamente possível no exercício soberano das atribuições do Poder Legislativo;
- como decorrência de b, impediria ou minimizaria efeitos materiais danosos decorrentes de uma eventual declaração de inconstitucionalidade posterior à vigência da norma;
- ainda como decorrência de b, impediria ou minimizaria efeitos outros, não precisáveis, advindos de sentimentos de animosidade local contra o Poder Judiciário, pelo desfazimento de uma situação jurídica "favorável" criada pela norma posteriormente julgada inconstitucional.
Se por um lado eventuais vantagens ou desvantagens do primeiro objetivo apontado são passíveis de discussão, passando mesmo pela necessidade de definição do perfil constitucional que se deseja atribuir ao Supremo Tribunal, a necessidade de consecução do segundo, como é óbvio, não comporta discussão teórica. Decorre daí, por extensão, a indiscutibilidade teórica do terceiro.
Com relação ao quarto, e já numa dimensão prática - aquela do exercício diário da aplicação do direito por parte do juiz, em contato com a população - seria totalmente desejável a minimização dos efeitos porventura causados por eventual declaração de inconstitucionalidade a posteriori, sejam efeitos materiais - no caso concreto colocado, os referentes às receitas mesmas - sejam principalmente aqueles, já se disse, não passíveis de serem precisados, advindos de sentimentos de animosidade contra o Poder Judiciário - que, afinal de contas, teria no caso "prejudicado" a população dos municípios que voltassem a ser menos aquinhoados com a distribuição de receitas.
Porque o que ora parece escapar a alguns segmentos é que uma reforma que se proponha a otimizar e aperfeiçoar procedimentos judiciais outro móvel não pode ter que o de reforçar o prestígio do Poder Judiciário,condição sine qua non de seu funcionamento.
NOTAS
- sem o ser, diga-se, posto que o sistema brasileiro só admite o controle sucessivo
- cujos critérios de criação estão a ser finalmente revistos
- Colha-se, a respeito, lição de HELY LOPES MEIRELLES, in Direito
Administrativo Brasileiro, págs. 563/564
- conforme lição citada do referido administrativista, págs. 563/564
- a respeito, PAULO BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, pág. 300; no
direito português, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo II,
págs. 507/527).
- JORGE MIRANDA, op cit, pág. 464
- JORGE MIRANDA, op. cit., pág. 467
- GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág.
910.
- GOMES CANOTILHO, op. cit., pág. 913.
- ANTÔNIO DE ARAÚJO, Tribunal Constitucional (1989-1996) Um Estudo de
Comportamento Judicial, págs. 104/132.
- Excetuando-se a revisão imposta pelo art. 3º do ADCT.
- Ao contrário a Constituição da República Portuguesa impõe o período de tempo
mínimo de cinco anos entre revisões, a menos que a Assembléia da República assuma o
poder reformador por maioria de 4/5 dos deputados em funções (art. 284).
- Sobre aspectos teóricos da revisão constitucional, vide PAULO BONAVIDES, op.
cit, págs. 173/199; JORGE MIRANDA, op. cit,. págs.129/223; especificamente sobre o
sistema brasileiro, vide JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional
Positivo, págs. 56/61 e também MICHEL TEMER, Elementos de Direito Constitucional,
págs. 35/37.
BIBLIOGRAFIA
- ARAÚJO, Antônio de O Tribunal Constitucional (1989-1996): um estudo de comportamento judicial, Coimbra Ed., Coimbra, 1997
- BONAVIDES, Paulo Curso de Direito Constitucional, Malheiros Ed., 7ª ed., 2ª tiragem, São Paulo, 1998
- CANOTILHO, J. J. Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998
- MEIRELLES, Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., Malheiros Ed., São Paulo, 1995
- MIRANDA, Jorge Manual de Direito Constitucional, tomo II, 3ª ed., Coimbra Ed., Coimbra, 1996
- SILVA, José Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo, 6ª ed., 2ª tiragem, ed. RT, São Paulo, 1990
- TEMER, Michel Elementos de Direito Constitucional, 14ª ed., Malheiros Ed., São Paulo, 1998
- Constituições de Diversos Países, vol. I e II, 3ª ed., INCM, Lisboa, 1987