Capítulo 5: O Papel do Sistema Prisional na Formação e Fortalecimento de Organizações Criminosas
O sistema prisional brasileiro tem sido um dos principais campos de atuação de organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). As péssimas condições de vida nos presídios, a superlotação, a falta de políticas de ressocialização e a ausência de controle efetivo pelo Estado contribuíram para o surgimento e a expansão dessas facções dentro das penitenciárias.
Além de abrigar criminosos de diferentes níveis de periculosidade, as prisões brasileiras tornaram-se verdadeiros centros de comando de operações ilícitas, fortalecendo as atividades das facções e facilitando a expansão de suas influências para fora das muralhas.
Este capítulo explora a relação entre o sistema prisional brasileiro e o fortalecimento das organizações criminosas, analisando como a Lei 12.850/13 se aplica no contexto carcerário. Serão discutidos os desafios enfrentados pelo Estado para controlar essas facções dentro das prisões e os efeitos de medidas como o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e a colaboração premiada. Além do mais, será avaliado o impacto das condições precárias das prisões sobre a continuidade das operações criminosas e o crescimento das facções.
5.1 A Superlotação e a Falta de Controle nas Prisões
O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, e seus presídios operam muito além da capacidade máxima. Segundo Moraes (2021), "a superlotação nas prisões brasileiras, combinada com a falta de condições mínimas de vida e a ausência de políticas de ressocialização, cria um ambiente fértil para a formação de facções criminosas" (MORAES, 2021, p. 150). A convivência forçada entre criminosos de diferentes graus de periculosidade leva à cooptação de novos membros pelas facções, que oferecem proteção e acesso a recursos dentro do sistema prisional.
Essa dinâmica é agravada pela falta de controle efetivo do Estado sobre o que acontece dentro dos presídios. Muitas prisões são controladas pelos próprios presos, e as facções assumem o papel de governar esses espaços, impondo regras internas e decidindo sobre a vida dos detentos. Viana (2017) ressalta que "o Estado perdeu o controle sobre o sistema penitenciário em muitas regiões, permitindo que as facções se organizassem e se fortalecessem" (VIANA, 2017, p. 115). Isso transforma as prisões em verdadeiros centros de comando para as operações das organizações criminosas, que continuam a exercer influência mesmo após a prisão de seus líderes.
5.2 A Utilização do RDD e a Infiltração de Agentes no Sistema Prisional
Uma das principais tentativas do Estado brasileiro de controlar as atividades das facções dentro dos presídios foi a criação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), previsto na Lei 10.792/03. O RDD impõe um regime mais rigoroso de isolamento para os presos considerados mais perigosos, limitando o contato com outros detentos e com o mundo externo. Embora o RDD tenha sido aplicado a líderes de facções como o PCC, sua eficácia tem sido questionada.
Segundo Ramos (2020), "o RDD, apesar de impor restrições significativas, não foi capaz de impedir que líderes do PCC continuassem a comandar as operações da facção de dentro das prisões" (RAMOS, 2020, p. 160). A comunicação com o exterior continua a ocorrer, seja por meio de advogados ou de familiares, e o isolamento imposto pelo RDD não é suficiente para quebrar a influência dos líderes sobre os demais membros da facção. Ademais, o RDD é aplicado apenas a um número restrito de presos, deixando a grande maioria dos membros das facções fora desse regime.
Outra medida prevista pela Lei 12.850/13 é a infiltração de agentes em organizações criminosas. Embora essa técnica seja amplamente utilizada fora das prisões, sua aplicação dentro do sistema prisional é mais complexa e perigosa. Moraes (2021) observa que "a infiltração de agentes no sistema prisional é uma técnica arriscada, devido à alta vigilância interna das facções e à possibilidade de retaliações violentas" (MORAES, 2021, p. 170). Por esse motivo, a infiltração tem sido usada de maneira limitada nas prisões, e os resultados alcançados até o momento são modestos.
5.3 A Colaboração Premiada como Ferramenta de Desarticulação das Facções
A colaboração premiada é um dos instrumentos mais eficazes da Lei 12.850/13 na desarticulação de organizações criminosas. No contexto do sistema prisional, a colaboração de detentos tem sido utilizada para obter informações sobre o funcionamento interno das facções, seus líderes e suas operações fora dos presídios. Viana (2017) destaca que "a colaboração premiada tem permitido que o Estado obtenha informações valiosas sobre a estrutura e as atividades das facções, resultando em operações de grande porte contra o crime organizado" (VIANA, 2017, p. 130).
Entretanto, a utilização da colaboração premiada dentro do sistema prisional enfrenta desafios específicos. Em primeiro lugar, há o problema da proteção dos colaboradores, que muitas vezes são vistos como traidores por outros membros da facção. Isso torna difícil garantir a segurança dos presos que decidem colaborar com a justiça, mesmo dentro do sistema de proteção a testemunhas. Além disso, como observa Ramos (2020), "a colaboração premiada pode gerar um efeito colateral indesejado, ao permitir que criminosos de alta periculosidade obtenham penas significativamente reduzidas em troca de informações" (RAMOS, 2020, p. 140).
Outro desafio é garantir que as informações fornecidas pelos colaboradores sejam precisas e verificáveis. Como as facções são altamente organizadas e têm mecanismos de controle interno rigorosos, muitas vezes é difícil obter provas conclusivas de que as informações fornecidas são verdadeiras. Isso exige um trabalho de investigação complexo por parte das autoridades, que precisam verificar a veracidade das delações antes de agir.
5.4 O Impacto das Condições Prisionais no Crescimento das Facções
As condições precárias das prisões brasileiras têm um impacto direto sobre o crescimento das facções criminosas. A superlotação, a violência entre detentos e a ausência de políticas de ressocialização criam um ambiente propício para a cooptação de novos membros pelas facções. Moraes (2021) aponta que "as facções preenchem o vácuo deixado pelo Estado nas prisões, oferecendo proteção, apoio financeiro e um senso de pertencimento a detentos que muitas vezes não têm outra opção" (MORAES, 2021, p. 190).
Além disso, as facções se aproveitam da falta de alternativas para os presos após o cumprimento de suas penas. A falta de políticas eficazes de reintegração social e o estigma enfrentado pelos ex-presidiários dificultam a reinserção desses indivíduos na sociedade, levando muitos deles a continuar a se envolver com o crime. Conforme destaca Viana (2017), "sem oportunidades de trabalho e apoio psicológico, muitos ex-detentos acabam voltando para as facções, perpetuando o ciclo de criminalidade" (VIANA, 2017, p. 140).
A melhoria das condições prisionais, portanto, é fundamental para o combate às facções criminosas. Investimentos em infraestrutura, a criação de políticas de ressocialização e o fortalecimento das políticas de reintegração social são medidas essenciais para quebrar o ciclo de violência e criminalidade que tem início dentro das prisões.
O sistema prisional brasileiro desempenha um papel central na formação e no fortalecimento das organizações criminosas. A superlotação, a falta de controle estatal e as condições precárias de vida nas prisões criam um ambiente propício para a expansão das facções, que operam tanto dentro quanto fora dos presídios. A Lei 12.850/13 trouxe importantes ferramentas para combater o crime organizado dentro do sistema prisional, como o RDD e a colaboração premiada, mas sua aplicação enfrenta desafios práticos significativos.
Para enfrentar esses desafios, é necessário que o Estado brasileiro adote uma abordagem mais ampla e integrada, que inclua não apenas a repressão ao crime organizado, mas também a melhoria das condições prisionais e a criação de políticas eficazes de ressocialização e reintegração social. A experiência mostra que a repressão, por si só, não é suficiente para desarticular as facções criminosas, sendo necessário investir em políticas que ofereçam alternativas reais aos presos e ex-detentos.
6. Conclusão
Primeiramente, ao longo deste trabalho, exploramos de forma detalhada a aplicação e os desafios da Lei 12.850/13, uma legislação que se consolidou como uma ferramenta essencial no combate ao crime organizado no Brasil. Para começar, no Capítulo 1, analisamos o conceito de organização criminosa e a estrutura da legislação, destacando a importância de definir claramente o que constitui uma organização criminosa, conforme estabelecido pela lei.
Observou-se que a Lei 12.850/13 avançou ao permitir o uso de instrumentos modernos de investigação, como a colaboração premiada e a interceptação de comunicações, que se mostraram cruciais na desarticulação de facções criminosas altamente organizadas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Entretanto, também foi possível verificar que a definição ampla de organização criminosa pode gerar desafios para o princípio da legalidade, pois ela inclui uma vasta gama de condutas criminais e pode ser aplicada de forma indiscriminada.
Em seguida, no Capítulo 2, focamos na aplicação da Lei 12.850/13 em um caso específico: o PCC. Analisamos como essa facção se aproveita da ausência de controle dentro do sistema penitenciário e da sua capacidade de atuar em nível transnacional, controlando rotas de tráfico de drogas e armas em outros países da América Latina.
Dessa forma, destacamos as operações policiais realizadas com base na Lei 12.850/13, que se beneficiaram dos instrumentos de investigação, como a colaboração premiada, para desmantelar parte das operações do PCC. No entanto, ficou evidente que o caráter transnacional do PCC representa um grande desafio para a aplicação da legislação brasileira, especialmente devido à falta de uma cooperação jurídica internacional eficaz.
Assim sendo, o combate a facções como o PCC exige uma articulação mais intensa com países vizinhos e a criação de mecanismos legais que contemplem a atuação transnacional dessas organizações.
No Capítulo 3, voltamos a atenção para a relação entre a Lei 12.850/13 e o garantismo penal. Nesse sentido, discutimos as tensões entre a necessidade de repressão eficiente ao crime organizado e a proteção dos direitos fundamentais dos acusados, conforme defendido pela teoria do garantismo penal de Luigi Ferrajoli.
Desse modo, destacamos que, embora a Lei 12.850/13 tenha contribuído significativamente para o combate ao crime organizado, ela também levanta preocupações relacionadas ao respeito aos princípios garantistas, como a legalidade estrita e a proporcionalidade das penas.
Por isso, ressaltamos a necessidade de interpretar a lei de forma a evitar abusos e garantir que a aplicação dos instrumentos investigativos, como a colaboração premiada e a interceptação de comunicações, seja conduzida de maneira equilibrada, respeitando os direitos fundamentais dos investigados.
No Capítulo 4, discutimos as dificuldades da aplicação da Lei 12.850/13 no contexto das organizações criminosas transnacionais. Por conseguinte, ficou evidente que a lei, embora eficaz em muitos aspectos, enfrenta limitações quando aplicada a facções que operam além das fronteiras nacionais. Nesse contexto, o PCC foi novamente utilizado como exemplo de uma organização que expandiu suas atividades para outros países da América Latina, dificultando a ação do Estado brasileiro.
Dessa maneira, foi enfatizada a importância de fortalecer a cooperação internacional, utilizando instrumentos jurídicos, como a Convenção de Palermo, e criando acordos bilaterais mais robustos que permitam a extradição de criminosos e a troca de informações entre os países. Além disso, é fundamental a criação de equipes conjuntas de investigação para que a aplicação da Lei 12.850/13 seja mais eficaz em contextos transnacionais.
Por fim, no Capítulo 5, discutimos o papel do sistema prisional na formação e fortalecimento das organizações criminosas. Assim, ficou claro que a superlotação das prisões, a ausência de políticas de ressocialização e a falta de controle estatal sobre os presídios contribuem para o crescimento das facções criminosas dentro do sistema penitenciário.
Nesse sentido, analisamos o uso do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e a infiltração de agentes como tentativas de controlar a atuação das facções nas prisões, mas, observamos que essas medidas têm uma eficácia limitada, pois muitas facções continuam a operar mesmo sob as restrições impostas pelo RDD.
Dessa forma, concluímos que a melhoria das condições prisionais e a implementação de políticas de reintegração social são essenciais para reduzir o poder das facções nas prisões e para combater de maneira mais eficaz o crime organizado no Brasil.
Logo, após analisar todos esses pontos, podemos concluir que, embora a Lei 12.850/13 tenha trazido avanços significativos para o enfrentamento do crime organizado no Brasil, há desafios práticos que precisam ser enfrentados para garantir sua eficácia plena.
Além disso, a lei precisa ser complementada por outras medidas, como o fortalecimento da cooperação internacional e a melhoria do sistema prisional. Assim sendo, é fundamental que o Estado brasileiro continue aprimorando as políticas públicas de segurança e justiça para enfrentar os desafios impostos pelo crime organizado.
Em conclusão, uma vez que a criminalidade organizada no Brasil e na América Latina segue em crescimento e sofisticação, é necessário que o Brasil intensifique sua atuação no combate ao crime organizado por meio de um conjunto de medidas que vá além da simples repressão.
Por isso, é indispensável investir em políticas de prevenção, cooperação internacional e reintegração social dos presos, além disso, ampliar os mecanismos de controle dentro das prisões e fortalecer as instituições públicas envolvidas nesse combate.
Dessa maneira, o fortalecimento da legislação, em conjunto com uma atuação mais integrada das autoridades brasileiras e internacionais, é a chave para uma política de segurança mais eficaz e que, de fato, seja capaz de reduzir a influência das organizações criminosas no Brasil e além de suas fronteiras.
Por último, apresentamos uma proposta de melhoria: a criação de uma legislação complementar que trate especificamente da cooperação jurídica internacional. Assim sendo, essa legislação deve oferecer diretrizes claras para o combate ao crime organizado transnacional e facilitar o trabalho conjunto entre países, possibilitando a troca de informações em tempo real, operações coordenadas e a execução de mandados de prisão em diferentes jurisdições.
Além disso, a fim de garantir que a Lei 12.850/13 seja aplicada de forma mais eficiente, propomos um plano nacional de reestruturação do sistema prisional, que priorize a ressocialização, a descentralização do controle das facções e a promoção de políticas que possibilitem a reintegração dos presos à sociedade.
Assim, o Brasil poderá enfrentar de maneira mais eficaz o crime organizado, tanto em nível nacional quanto internacional, garantindo a segurança e a justiça para todos os cidadãos.
REFERÊNCIAS
VIANA, Lurizam Costa. A organização criminosa na Lei 12.850/13. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
COSTA, Cláudio. Lei de Organização Criminosa. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.
SILVA, João Pedro. Organizações criminosas e o impacto na segurança pública. Rio de Janeiro: Editora Jurídica, 2019.
ALMEIDA, Carlos Henrique. PCC e sua atuação no sistema penitenciário brasileiro. São Paulo: Editora Criminológica, 2021.
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ÂMBITO JURÍDICO. Lei de Organização Criminosa – Lei nº 12.850/2013. Âmbito Jurídico, [S.l.], setembro de 2023. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br. Acesso em: 05 ou. 2023.