A Casa do Dragão e o Leviatã de Hobbes: O papel do STF na preservação e erosão do equilíbrio dos poderes no Brasil

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16/10/2024 às 10:59
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8. Considerações Finais: O STF como Leviatã e os Limites do Ativismo Judicial

8.1. O STF e o Risco de um Novo Leviatã

A comparação entre o STF e o Leviatã de Hobbes nos leva a uma reflexão profunda sobre os riscos da centralização de poder em uma única instituição. Assim como Hobbes justificava a existência de um soberano absoluto para manter a ordem, o STF muitas vezes justifica suas decisões como necessárias para proteger a democracia e os direitos fundamentais. No entanto, em uma sociedade democrática, o poder precisa ser distribuído e limitado, e o ativismo judicial pode se tornar um perigo quando ultrapassa os limites de suas funções.

A expansão do papel do STF, embora justificada em muitos casos, deve ser vista com cautela. A separação de poderes é um princípio basilar da democracia brasileira, e qualquer invasão de competências pode comprometer o equilíbrio institucional. O ativismo judicial do STF, quando utilizado de maneira excessiva, pode levar à criação de um "Leviatã judicial", onde o tribunal se torna a autoridade suprema, colocando em risco o funcionamento saudável das instituições democráticas.

8.2. O Equilíbrio Necessário entre os Poderes

Para garantir a preservação da democracia e a manutenção da ordem institucional, é necessário que o STF e os demais poderes encontrem um equilíbrio adequado. O tribunal deve continuar a exercer seu papel de guardião da Constituição, mas sem ultrapassar suas funções e invadir a esfera dos poderes Legislativo e Executivo. A criação de normas e políticas públicas deve ser realizada pelos representantes eleitos, que são a voz direta da população.

O Leviatã de Hobbes oferece uma reflexão sobre a necessidade de poder centralizado em tempos de crise, mas a modernidade exige que esse poder seja devidamente distribuído entre as instituições. O Brasil, com sua democracia jovem e em constante evolução, precisa reforçar a separação dos poderes e garantir que o Judiciário atue de forma equilibrada, sem comprometer a autonomia e a legitimidade dos outros poderes.


9. A Centralização do Poder: Consequências Políticas e Sociais

9.1. A Politização do Judiciário

A centralização do poder no STF e o crescimento do ativismo judicial também trazem consigo o risco da politização do Judiciário. Quando um tribunal constitucional começa a desempenhar um papel ativo nas decisões políticas e sociais, suas decisões passam a ser vistas não apenas sob o prisma jurídico, mas também como atos políticos. Isso gera uma percepção de parcialidade que pode prejudicar a legitimidade do STF e, consequentemente, o equilíbrio institucional.

No Brasil, a politização do STF tem sido tema de debates acalorados. Diversos juristas e políticos acusam o tribunal de tomar decisões que extrapolam sua competência ao legislar sobre temas polêmicos que deveriam ser debatidos no Congresso Nacional. O risco aqui é duplo: além de minar a confiança na imparcialidade do Judiciário, essas decisões podem polarizar ainda mais a sociedade, especialmente em um contexto político já dividido, como o brasileiro.

Um exemplo claro dessa politização é o julgamento de questões relacionadas ao combate à corrupção, como as ações que envolveram a Operação Lava Jato. Em muitos momentos, o STF foi acusado de atuar politicamente, seja por anular sentenças ou alterar a interpretação de normas processuais. Essa percepção de atuação política pode enfraquecer a imagem do Judiciário como um poder técnico e imparcial, levando a uma crise de confiança nas instituições.

9.2. A Reação dos Outros Poderes

Diante dessa invasão de competências, tanto o Executivo quanto o Legislativo têm reagido de formas diversas, tentando, por vezes, restabelecer o equilíbrio institucional. No entanto, essas reações nem sempre são bem-sucedidas ou coordenadas. O Executivo, em especial, pode reagir de forma mais conflituosa, buscando confrontar o STF diretamente, como ocorreu em momentos de tensão recente entre o Executivo e o Judiciário no Brasil.

O confronto entre os poderes coloca em risco a estabilidade democrática e institucional. Quando os poderes deixam de colaborar e passam a atuar de forma antagônica, há um risco real de paralisia governamental. O Legislativo, por sua vez, tem buscado retomar parte de suas prerrogativas por meio de iniciativas que visam delimitar a atuação do STF, como propostas de emendas constitucionais para restringir o poder de decisão do tribunal em determinadas áreas.

Essa reação política, no entanto, pode ser vista como um novo campo de batalha, onde a disputa pelo poder institucional se torna mais visível, e o equilíbrio entre os poderes, que deveria ser harmônico, é fragilizado pela disputa de interesses.


10. A Deslegitimação Popular: A Percepção Pública do STF

10.1. A Desconfiança Crescente

Outro aspecto a ser considerado quando discutimos a centralização de poder no STF é a percepção pública dessa atuação. Em uma democracia, a legitimidade das instituições depende não apenas do respeito às leis e à Constituição, mas também da confiança da população. Quando o STF assume o protagonismo em questões altamente sensíveis, como direitos civis, liberdade de expressão, e a condução de políticas públicas, ele se expõe a críticas e ao escrutínio popular.

Nos últimos anos, pesquisas de opinião pública têm demonstrado uma crescente desconfiança em relação ao STF. Parte da população vê o tribunal como uma instituição distante, cujas decisões muitas vezes não refletem a vontade popular. Além disso, a judicialização de questões morais e sociais, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e a descriminalização de drogas, cria uma percepção de que o STF está decidindo além de sua competência e impondo sua própria visão sobre questões que deveriam ser discutidas de maneira mais ampla na sociedade.

10.2. O Papel da Mídia e das Redes Sociais

A mídia tradicional e as redes sociais têm um papel crucial na formação da opinião pública sobre o STF. Em muitos casos, a cobertura midiática sobre as decisões do tribunal é altamente polarizada, o que contribui para a formação de narrativas antagônicas sobre sua atuação. Nas redes sociais, essa polarização é ainda mais evidente, com discursos muitas vezes simplificados que acusam o tribunal de ser parcial ou de agir em benefício de determinados grupos políticos.

O impacto da mídia e das redes sociais na percepção pública do STF é significativo. Ao mesmo tempo que essas plataformas ampliam o debate público, elas também podem distorcer as decisões do tribunal e criar uma sensação de crise institucional, mesmo quando essas decisões estão dentro dos limites constitucionais. O resultado é uma deslegitimação crescente da instituição, que passa a ser vista como uma extensão de interesses políticos, e não como um órgão técnico imparcial.


11. A Solução para o Ativismo Judicial: O Equilíbrio Democrático

11.1. A Necessidade de Limitar o Ativismo Judicial

Diante do cenário de invasão de competências e de ativismo judicial, é necessário encontrar soluções que restabeleçam o equilíbrio entre os poderes e limitem a atuação do STF em áreas que não lhe competem. Uma possível solução seria a revisão das normas constitucionais que definem as funções do Judiciário, delimitando com mais precisão o papel do STF em relação ao Legislativo e ao Executivo.

Essa revisão, no entanto, deve ser conduzida com cautela, pois há o risco de enfraquecer o papel do STF como guardião da Constituição e dos direitos fundamentais. A solução ideal deve encontrar um equilíbrio entre a autonomia do Judiciário e o respeito à separação de poderes, de modo que o tribunal possa continuar exercendo sua função de controle constitucional sem invadir áreas reservadas ao Legislativo ou ao Executivo.

11.2. O Diálogo Institucional como Caminho para o Futuro

Outra solução possível é o fortalecimento do diálogo entre os poderes. Em vez de atuar de forma isolada ou em competição, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário precisam encontrar formas de colaborar e dialogar sobre questões de interesse nacional. O diálogo institucional pode ajudar a reduzir a tensão entre os poderes e garantir que as decisões mais importantes sejam tomadas de maneira coordenada, respeitando os limites constitucionais de cada poder.

Esse diálogo pode ocorrer por meio de fóruns institucionais permanentes, onde representantes dos três poderes discutam temas de grande relevância para o país, buscando soluções conjuntas e respeitando as prerrogativas de cada um. Além disso, é necessário que o STF seja mais transparente em suas decisões e na justificativa de suas ações, especialmente quando trata de temas que envolvem diretamente a política pública e o funcionamento dos outros poderes.

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12. Conclusão: O Futuro da Democracia Brasileira e o Papel do STF

O Supremo Tribunal Federal desempenha um papel central no sistema democrático brasileiro, sendo responsável por garantir o cumprimento da Constituição e proteger os direitos fundamentais. No entanto, o crescimento do ativismo judicial e a invasão de competências têm levantado preocupações sobre o equilíbrio entre os poderes e o funcionamento saudável das instituições democráticas no Brasil.

Ao longo deste artigo, exploramos como o STF, muitas vezes, age como um Leviatã moderno, centralizando o poder e, por vezes, ultrapassando seus limites constitucionais. Também analisamos como essa atuação impacta o equilíbrio entre os poderes, enfraquece a legitimidade do Legislativo e do Executivo e gera desconfiança pública. Traçamos ainda paralelos com A Casa do Dragão e o Leviatã de Hobbes, destacando os perigos da centralização de poder e a necessidade de restabelecer um equilíbrio democrático.

O futuro da democracia brasileira depende da capacidade de suas instituições em encontrar esse equilíbrio. O STF deve continuar a desempenhar seu papel fundamental, mas com cuidado para não usurpar funções que pertencem aos outros poderes. Da mesma forma, o Legislativo e o Executivo precisam reafirmar sua autoridade e atuar de maneira coordenada para enfrentar os desafios do país.

Em última análise, o sucesso da democracia brasileira repousa na preservação de seus princípios fundamentais, entre eles a separação de poderes e o respeito à Constituição. O STF, como guardião da lei, tem uma responsabilidade especial nesse processo, mas deve sempre lembrar que seu poder é limitado pela vontade popular e pela estrutura democrática que visa evitar a concentração de poder em qualquer instância do governo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livros e Obras Clássicas:

  • HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

  • BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a Construção Teórica e Prática da Jurisdição Constitucional no Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

  • MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

  • CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

Artigos Acadêmicos e Publicações:

  • BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista de Direito do Estado, nº 1, 2008.

  • MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

  • BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2021.

Decisões Judiciais e Documentos Oficiais:

  • Supremo Tribunal Federal. Decisão ADI 4.650/DF – Financiamento de Campanhas Eleitorais. Disponível em: www.stf.jus.br.

  • Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência sobre o papel do Judiciário na proteção de direitos fundamentais. Disponível em: www.stf.jus.br.

Obras Complementares:

  • CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

  • SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2017.

Sobre o autor
Silvio Moreira Alves Júnior

Advogado; Especialista em Direito Digital pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal pela Faculminas; Especialista em Compliance pela Faculminas; Especialista em Direito Civil pela Faculminas; Especialista em Direito Público pela Faculminas. Mestrando em Direito com ênfase em Direito Internacional pela MUST University - Flórida - USA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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