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Considerações sobre a Lei nº 14.994/2024 (Pacote Antifeminicídio)

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10. Alteração no art. 394-A do CPP

No âmbito do processo penal, a Lei n.º 14.994/2024 alterou a redação do art. 394-A do CPP para determinar que, além dos processos que apuram a prática de crimes hediondos, terão prioridade em todas as instâncias, também, os processos relativos à violência contra mulher.

A prioridade reflete a incidência do princípio da razoável duração do processo previsto no art. 5º, LXXVIII, da CF e no art. 8.1. da Convenção Americana de Direitos Humanos, e se justifica pela gravidade de tais crimes.

Impende salientar que a necessidade de prioridade na tramitação de casos envolvendo crimes hediondos e violência doméstica contra mulher é medida exigida também das autoridades policiais no âmbito dos procedimentos policiais investigativos, em especial o inquérito policial. Isso porque o art. 394-A, embora atinente ao procedimento judicial, aplica-se, por analogia, à fase investigativa por força do art. 3º do CPP, sem contar que a Carta Magna é clara ao afirmar que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, LXXVIII).


11. REFLEXOS NO DIREITO INTERTEMPORAL

Alterações legislativas, especialmente no âmbito dos direitos penal e processual penal, sempre acarretam consequências relativas ao direito intertemporal, sendo mister avaliar se haverá a aplicação da nova norma a fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor.

Não restam dúvidas de que a nova Lei n.º 14.994/2024 possui dispositivos com conteúdo nitidamente material (penal), quais sejam, o que trata dos efeitos da condenação, aquele que tipifica o crime de feminicídio e estabelece seu preceito secundário assim como suas causas específicas de aumento de pena, aqueles que aumentam as penas das formas qualificadas previstas nos §§ 9º e 13 do art. 129. e do crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, aqueles que criam causas especiais de aumento de pena para as infrações penais contra a honra, de ameaça e vias de fato e os que refletem na execução penal. Essas alterações constituem novatio legis in pejus, de modo que devem observância ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, disciplinado no art. 5º, XL, da CF e no art. 9º da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Já a alteração promovida no art. 394-A do CPP caracteriza norma genuinamente processual, aplicando-se, portanto, desde logo e somente para o futuro (tempus regit actum), sem prejuízo dos atos processuais perpetrados sob a vigência da lei anterior, nos termos do art. 2º do CPP (BADARÓ, 2021, p. 113. e 114).

Por fim, as alterações relativas à alteração da natureza da ação penal no crime de ameaça quando perpetrada em razão da condição de sexo feminino, bem como a inclusão do crime de feminicídio no rol dos crimes hediondos, constituem normas processuais materiais (mistas ou híbridas), acarretando a análise dos seus aspectos materiais (LIMA, 2019, p. 97). Assim, considerando são eles, indubitavelmente, mais prejudiciais ao agente, não deverão elas retroagir para atingir fatos havidos antes da sua entrada em vigor, face ao disposto no art. 5º, XL, da CF e no art. 9º da Convenção Americana de Direitos Humanos.


CONCLUSÃO

Como visto, as alterações promovidas com o advento da Lei n.º 14.994/2024, dentre outros desdobramentos, buscam interferir diretamente nos eixos do ciclo de violência de gênero, modificando tanto as estruturas de base do enfrentamento, intensificando a política combativa já nos atos iniciais de ameaça, bem como nos seus reflexos mais gravosos, que culminam na prática do feminicídio, ceifando a vida de inúmeras mulheres.

Andou bem o legislador. Contudo, poderia ter aproveitado para tornar as medidas mais eficazes para o atingimento dos objetivos almejados, conforme tratamos.

Sabedores que a violência contra a mulher é modalidade criminosa de difícil prevenção, uma vez que perpetrada, na maioria das vezes, no âmbito doméstico, sem testemunhas, e que existe, indubitavelmente, lacuna entre o quantitativo de ocorrências registradas e o que realmente acontece, o que se dá por medo da vítima em sofrer retaliações, receio de revitimização e descrédito no sistema de Justiça Criminal, esperamos que as medidas adotadas no âmbito legislativo sejam eficazes para reduzir os índices de violência contra mulher.


REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Luis Felipe. País bate recorde de feminicídios e registra um estupro a cada seis minutos, indica Anuário de Segurança. Rio de Janeiro, RJ, 18, Jul de 2024. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/07/18/pais-bate-recorde-de-feminicidios-e-registra-um-estupro-a-cada-seis-minutos-indica-anuario-de-seguranca.ghtml> Acesso em: 11/10/2024.

BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 9. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal – volume único – parte especial. 16. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 7. ed., rev., atual. e ampl. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – parte geral – vol. 1. 10. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016.

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Nota

  1. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/07/18/pais-bate-recorde-de-feminicidios-e-registra-um-estupro-a-cada-seis-minutos-indica-anuario-de-seguranca.ghtml> Acesso em: 11/10/2024.

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Sobre os autores
Ana Luiza Canavarro Caldart

Assessora Jurídica do Ministério Público do Estado de Mato Grosso. Mentora da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Aprovada para o cargo de Delegada de Polícia na Polícia Civil de Rondônia. 

Kleber Leandro Toledo Rodrigues

Delegado de Polícia no Estado de Goiás. Professor da Escola Superior da Polícia Civil do Estado de Goiás. Professor de Direito Penal e Processual Penal em cursos de graduação e pós-graduação. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Mentor da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Coautor em obras jurídicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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