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O direito à informação e a cultura do tempo perdido

Resumo:


  • Vivemos em uma sociedade conectada e virtualizada, onde tempo e dinheiro se tornaram sinônimos.

  • O direito à informação é fundamental em uma democracia, permitindo acesso a fatos e documentos importantes para a formação cidadã e autonomia.

  • A sensação de aceleração do tempo é sintoma da modernidade capitalista, onde a busca pelo progresso gera uma cultura de cansaço e desempenho constante.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Em que medida temos liberdade de acesso à informação ou em que medida sofremos os contingenciamentos das notícias enviesadas que nos chegam?

No contexto contemporâneo, da sociedade informacional e neoliberal, vivemos a intensidade de estarmos integralmente conectados e virtualizados. Não temos tempo a perder, pois tempo e dinheiro transformam-se em sinônimos. As informações, os dados, os ativos intelectuais são hoje os bens e serviços mais valiosos de nossa economia e política, e os alimentamos a todo momento, sem nos darmos conta das implicações cotidianas que nos colocam. Há, no entanto, um paradoxo entre o direito à informação e a cultura da aceleração.

O direito à informação é fundamental em uma democracia, pois permite o acesso cidadão a fatos, dados e documentos que serão importantes para a sua formação, discernimento e autonomia. No amplo rol de direitos constitucionais que compõem o aparato dessa disciplina jurídica está o direito de acesso à informação (Art. 5°, XIV, CF/88), inclusive pública (Art. 5°, XXXIII, CF/88), mas também o direito à liberdade de imprensa, o direito à educação, entre outros. Nos vinte anos de Regime Militar, vivenciado pelo Brasil, antes da redemocratização institucionalizada pela Constituição Federal de 1988, alguns dos efeitos mais perversos do governo autoritário foram a censura e o sigilo de informações, que prejudicaram a memória pessoal das vítimas da ditadura e coletiva de nossa história.

A sensação de aceleração do tempo não é nova, é um sintoma da modernidade e da cultura ocidental que se estrutura em bases capitalistas. A produção e o desejo de consumo fomentam o movimento desenfreado para a manutenção de um sistema voltado ao progresso, talvez ilusório por suas ambições nunca alcançadas de justiça social.

As 24 horas dos sete dias de semana organizam a divisão do trabalho em jornadas, racionaliza as rotinas, o tempo da subsistência, do consumo e das férias. Somos produto e produtor do sistema que nos aliena.

O filósofo coreano Byung-Chul Han diagnosticou a nossa sociedade contemporânea, voltada ansiosamente ao desempenho e à exploração da liberdade, como uma “sociedade de cansaço”. Vivemos inflamados, em constante estímulo. Pausa e desconexão são associadas ao tédio e à alienação social. Han também é autor do livro “Infocracia”, em que ressalta a relevância das informações na economia neoliberal e os seus efeitos políticos totalitários, em democracias de vigilância e discursos de pós-verdades.

Neste contexto, o paradoxo consiste na afirmação de que o tempo da informação e da dedicação intelectual é o tempo das manchetes e do “estar ligado”, mas não o do discernimento ou da autonomia. Não é à toa que plataformas de informações imediatas como a X/Twitter, de Elon Musk, tornaram-se tão populares, para além dos profissionais do jornalismo, sendo acessadas e alimentadas por todos que se autorizam a opinar. Queremos estar informados e conectados, sob pena de sermos excluídos do sistema, em que também somos produtores e consumidores de informação.

O sucesso de nosso autoempreendedorismo depende também de nossa comunicação e interatividade, da nossa “comunicação sem comunidade”, como afirma Han, por não tecer um diálogo comum, mas se voltar à afirmação do eu.

O historiador Rodrigo Turin também nos chama a atenção para essa cultura de aceleração do tempo e de seus vocabulários. Assim, percebem-se nas relações sociais termos como “flexibilidade” que, por exemplo, em um relacionamento de trabalho “diz respeito à capacidade de reação (mais do que de ação) a um estado de movimento contínuo e hiperacelerado, mas que não se dirige a nenhum lugar específico” (2018, p. 189) e “eficiência”, atribuído a uma postura gerencial do Estado perante os mercados financeiros, afastando-o do tempo da sociedade civil e, portanto, esvaziando o tempo próprio da democracia representativa (2018, p. 192).

Pensar a informação neste ambiente sociocultural também enseja perceber os vocabulários que lhe são precisos. Bolhas informacionais e fake news fazem parte de um léxico contemporâneo que denuncia nossas relações de alheamento com uma realidade compartilhada. Essas estratégias de manipulação de dados e fatos oferecem o conforto das bolhas de convívio e das fantasias argumentativas, possibilitando raciocínios lineares sem o desconforto do processo dialético democrático.

Como pensar o direito à informação neste contexto? Em que medida temos liberdade de acesso à informação ou em que medida sofremos os contingenciamentos das notícias enviesadas que nos chegam? Qual a possibilidade de a informação permitir a autonomia e fomentar o necessário diálogo democrático esperado?

Sugiro pensarmos em um novo vocabulário para a nossa estratégia de informação para além do fomento especulativo. Proponho a busca por uma cultura de slow news, ou pela intenção de análise de nossas informações, dados e leituras, que incitem pensar nas brechas do tempo acelerado, nas pausas necessárias para sedimentar o pensamento crítico. Voltemos aos tempos pretensamente perdidos, para desacelerar as flamas. Para manchetes, talvez os cancelamentos. Aos fatos, o descanso dos olhos para permitir a reflexão, o discernimento, a dialética e a tolerância.


Referências:

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

HAN, Byung-Chul. Infocracia: digitalização e a crise da democracia. Petrópolis: Editora Vozes, 2022.

TURIM, Rodrigo. Entre o passado disciplinar e os passados práticos: figurações do historiador na crise das humanidades. In: Tempo: Niterói, Vol. 24 n. 2, Maio/Ago. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tem/a/BkYCb6mfzF4kTGPzSzN9vYg/?format=pdf#:~:text=Primeiro%20movimento:%20experi%C3%AAncia

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Sobre a autora
Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo

advogada, pesquisadora em Direitos Culturais, mestre e doutoranda em Direito pela UFPR, especialista em Gestão Cultural e em Captação de Recursos pela Universidade de Boston, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IODA), membro associada do IBDCult, foi coordenadora do GT Artes da Comissão de Assuntos Culturais da OAB/PR entre 2022 e 2024. Visiting researcher junto à Cátedra Unesco de Bens Culturais e Direito Comparado na Unitelma Sapienza

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Maria Helena Japiassu Marinho. O direito à informação e a cultura do tempo perdido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7785, 24 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111373. Acesso em: 5 dez. 2025.

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