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A justiça nas entrelinhas:

uma análise jurídica das obras de Machado de Assis e suas implicações no direito contemporâneo

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25/10/2024 às 19:25
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Machado de Assis desafia a repensar o sistema jurídico não apenas como uma estrutura formal, mas como uma expressão das relações de poder e das dinâmicas sociais que moldam nossas vidas.

O Mundo Jurídico e a Ficção de Machado de Assis

A obra de Machado de Assis é amplamente conhecida por sua complexidade psicológica e crítica social, elementos que, quando analisados sob a ótica do direito, oferecem uma rica gama de reflexões e intersecções. Ao longo de seus romances, o autor carioca explora questões profundas relacionadas à moralidade, ao poder, à verdade e à justiça, conceitos que também permeiam o mundo jurídico. Este artigo busca, portanto, estabelecer uma conexão entre seis das mais célebres obras machadianas — "Iaiá Garcia", "Helena", "Quincas Borba", "Memórias Póstumas de Brás Cubas", "Dom Casmurro" e "O Alienista" — com o campo do direito nos dias de hoje.

No Brasil do século XIX, contexto histórico no qual essas obras foram escritas, o sistema jurídico estava em transformação, com influências tanto do período colonial quanto dos ideais iluministas e liberais europeus. A transição entre regimes e a busca por um sistema legal mais equitativo, embora permeada por desigualdades sociais, moldava a sociedade da época. Machado de Assis, com sua sensibilidade literária, capturou em suas narrativas as tensões entre a lei, a justiça e as estruturas de poder. Dada a contemporaneidade dessas questões, a análise das obras machadianas sob a lente do direito oferece insights valiosos para entender como o passado jurídico reverbera no presente.


"Iaiá Garcia" e as Relações de Poder e Dominação no Direito

"Iaiá Garcia", uma das obras menos discutidas de Machado de Assis, aborda temas como o poder, a manipulação das relações interpessoais e a busca por controle. O enredo gira em torno de Iaiá, a jovem protagonista, e sua relação com os personagens Jorge e Estela, onde as dinâmicas de amor e poder se misturam. Embora à primeira vista o romance possa parecer apenas uma narrativa sobre sentimentos humanos, a trama de Iaiá Garcia pode ser interpretada como uma metáfora para as relações de dominação e submissão presentes no campo jurídico.

No direito moderno, o conceito de dominação e poder é amplamente discutido em diversas áreas, como o direito de família, o direito do trabalho e até o direito penal. As relações interpessoais são reguladas e muitas vezes judicializadas, e os mecanismos de poder presentes nessas relações são de extrema relevância para a aplicação da justiça. No romance, vemos como Jorge utiliza seu poder social e econômico para controlar as decisões de Estela, e como essa relação de poder se reflete na vida de Iaiá. No sistema jurídico atual, as relações de poder ainda são um desafio, especialmente quando pensamos em questões como abuso de poder, violência doméstica e a tutela de menores.

Em "Iaiá Garcia", a luta pelo poder entre os personagens pode ser vista como uma representação do poder que certas figuras possuem no contexto legal. As decisões que afetam a vida de Iaiá e Estela são tomadas por homens em posições de autoridade, refletindo uma sociedade patriarcal onde a voz feminina é frequentemente silenciada. Essa questão é especialmente relevante no contexto jurídico contemporâneo, onde, apesar dos avanços, as desigualdades de gênero ainda permeiam a justiça. Casos de violência doméstica, por exemplo, muitas vezes colocam em evidência o desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas, e a dificuldade das mulheres em ter suas vozes ouvidas e respeitadas no sistema judiciário.

O conceito de "tutela" ou "guarda", no direito de família moderno, também pode ser relacionado à situação de Iaiá no romance. A jovem, embora protagonista de sua própria história, é frequentemente tratada como objeto de disputa entre Jorge e Estela. Suas vontades e desejos são subjugados pelas decisões alheias, algo que, no mundo jurídico, se assemelha à situação de crianças ou pessoas em vulnerabilidade, cujos direitos são frequentemente decididos por terceiros. A questão da autonomia, tanto jurídica quanto pessoal, se coloca aqui de forma central.

Além disso, "Iaiá Garcia" também levanta questões sobre a moralidade nas decisões jurídicas. No decorrer da trama, observamos como os personagens tentam justificar suas ações moralmente duvidosas com base em argumentos de conveniência e interesse pessoal. Jorge, por exemplo, justifica sua manipulação de Estela e Iaiá como sendo "para o bem delas", um argumento que frequentemente é utilizado em disputas legais envolvendo poder e controle. No direito contemporâneo, essa questão se reflete em debates sobre o uso de argumentos de boa-fé ou proteção de terceiros como justificativa para ações que, na verdade, perpetuam relações de poder desiguais.

A obra, portanto, oferece uma oportunidade para discutir a relação entre poder, moralidade e lei no contexto jurídico moderno. "Iaiá Garcia" nos permite refletir sobre como o direito pode ser usado tanto para reforçar quanto para desafiar estruturas de dominação. O sistema jurídico, idealmente, deve ser um espaço onde todas as partes envolvidas tenham voz e sejam tratadas com equidade, mas a realidade muitas vezes mostra que o poder ainda é um fator determinante nas decisões judiciais.


Helena e o Preconceito Social no Direito

Se "Iaiá Garcia" nos oferece uma reflexão sobre o poder nas relações humanas e jurídicas, "Helena" nos convida a explorar o tema do preconceito social e suas implicações legais. A obra, escrita em 1876, aborda questões de pertencimento social, legitimidade e as barreiras impostas por uma sociedade fortemente hierarquizada. A narrativa, centrada na personagem Helena, uma jovem que ascende socialmente após ser reconhecida como filha ilegítima de um rico fazendeiro, revela tensões entre status social, legitimidade e aceitação.

Helena, por sua condição de filha ilegítima, enfrenta o estigma social que a exclui dos privilégios normalmente concedidos àqueles que nascem dentro das normas estabelecidas pela moralidade da época. Esse preconceito, enraizado nas convenções sociais do século XIX, reflete um tipo de exclusão que ainda encontramos em várias esferas jurídicas hoje em dia, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento de direitos de minorias e populações marginalizadas.

No contexto do direito contemporâneo, as questões de preconceito social ganham novos contornos. Apesar dos avanços legislativos em prol da igualdade, como a Constituição Federal de 1988 que garante direitos iguais a todos os cidadãos, o preconceito continua a influenciar a prática jurídica. Casos de discriminação racial, social e de gênero ainda são recorrentes nos tribunais, demonstrando que, assim como no romance de Machado, a exclusão baseada em critérios sociais persiste.

A história de Helena pode ser associada ao direito à identidade e ao reconhecimento jurídico de filiação, temas tratados hoje em dia em processos de investigação de paternidade e reconhecimento de filiação socioafetiva. O fato de Helena ser uma filha ilegítima afeta diretamente sua aceitação social e o seu acesso a certos direitos. No direito moderno, o reconhecimento jurídico da filiação é fundamental para garantir direitos como herança e convivência familiar, mas, mesmo com a legislação assegurando esses direitos, muitas vezes as crianças que nascem fora do casamento, ou em famílias não tradicionais, enfrentam preconceitos e obstáculos para ter seus direitos plenamente reconhecidos.

Outro ponto relevante na obra é a tensão entre o dever moral e o dever legal. Em muitos momentos, vemos personagens que se debatem entre o que é moralmente correto e o que é legalmente aceito. No mundo jurídico atual, a moralidade continua a influenciar as decisões judiciais, mas o direito tenta, cada vez mais, garantir que a lei seja aplicada de maneira imparcial, independentemente das percepções morais individuais. No entanto, casos de discriminação institucionalizada ainda ocorrem, e a luta pela igualdade de direitos é contínua.

Helena, como personagem, desafia as expectativas sociais e de gênero, buscando uma posição de dignidade em uma sociedade que a rejeita por sua origem. Da mesma forma, o direito contemporâneo busca superar os preconceitos históricos que afetam o reconhecimento de direitos de grupos marginalizados. Embora a lei tenha avançado consideravelmente desde o século XIX, a obra "Helena" nos lembra que o preconceito, mesmo quando não explicitamente codificado nas leis, pode estar presente de maneira insidiosa nas decisões judiciais e no tratamento que indivíduos recebem dentro do sistema jurídico.

A obra também nos oferece uma oportunidade para discutir a legitimidade no direito. Helena, embora filha ilegítima, carrega em si uma dignidade que desafia as convenções da época, e esse conceito de legitimidade moral, mesmo diante da ilegitimidade jurídica, é um tema que ainda reverbera nos dias de hoje. No direito atual, a ideia de legitimidade vai além do que é estritamente legal; ela também envolve o reconhecimento social e o tratamento equitativo de todos os indivíduos, independentemente de sua origem ou status.

Ao relacionarmos "Helena" com o direito contemporâneo, podemos enxergar paralelos claros entre a luta de Helena por reconhecimento e os atuais debates sobre a inclusão social e os direitos humanos. O romance nos convida a refletir sobre como o direito pode ser um instrumento tanto de exclusão quanto de inclusão, e como as barreiras impostas pelo preconceito social ainda podem limitar o acesso à justiça para muitos.


Quincas Borba e a Filosofia do Humanitismo no Direito

Assim como em "Helena" o preconceito social influencia as decisões jurídicas, em "Quincas Borba" o tema central é o impacto da filosofia, especificamente o "Humanitismo", na forma como entendemos as relações de poder e justiça. "Quincas Borba" introduz a famosa frase "ao vencedor, as batatas", encapsulando uma visão do mundo em que a força e o sucesso definem quem é digno de prosperar, enquanto os derrotados são relegados à miséria e ao esquecimento.

O conceito de Humanitismo, criado por Quincas Borba e abraçado por Rubião, o protagonista da obra, representa uma visão distorcida do darwinismo social, onde a sobrevivência dos mais fortes justifica a opressão dos mais fracos. Esse pensamento filosófico pode ser relacionado com as práticas jurídicas que, historicamente, favoreceram os poderosos em detrimento dos menos favorecidos. No Brasil contemporâneo, ainda vemos reflexos disso em áreas como o direito penal e o direito tributário, onde as classes menos favorecidas muitas vezes são as mais prejudicadas pela aplicação desigual da lei.

No campo do direito penal, por exemplo, o conceito de "justiça" muitas vezes parece inclinado em favor daqueles que possuem mais recursos financeiros e influência social. Casos envolvendo figuras públicas ou de alta classe socioeconômica frequentemente resultam em penas mais brandas ou, em alguns casos, em absolvições, enquanto os indivíduos de classes sociais mais baixas enfrentam punições severas por crimes semelhantes. Essa disparidade reflete a ideia machadiana de que o "vencedor" da sociedade, aquele que detém o poder e os recursos, acaba "colhendo as batatas", enquanto os menos favorecidos arcam com as consequências mais pesadas.

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Por outro lado, o Humanitismo também pode ser interpretado como uma crítica à falta de empatia e solidariedade no sistema legal. Ao priorizar o sucesso e a vitória a qualquer custo, a filosofia de Quincas Borba desconsidera o valor da compaixão e da justiça social, conceitos fundamentais para um sistema jurídico equitativo. No direito moderno, o princípio da igualdade de tratamento perante a lei é um pilar essencial, mas a obra de Machado nos lembra que, muitas vezes, a aplicação da lei pode ser influenciada por preconceitos que favorecem os poderosos em detrimento dos vulneráveis.

Além disso, "Quincas Borba" nos oferece uma reflexão sobre a loucura e sua relação com o direito. Rubião, o protagonista, gradualmente perde sua sanidade ao longo da obra, e sua loucura é tratada tanto como uma tragédia pessoal quanto como uma metáfora para as ilusões de grandeza e poder que permeiam a sociedade. No contexto jurídico, isso pode ser relacionado ao tratamento das questões de saúde mental no direito penal, especialmente no que diz respeito à imputabilidade de crimes cometidos por pessoas com transtornos mentais.

A obra nos convida a refletir sobre como o sistema jurídico lida com a loucura e a responsabilidade criminal. No Brasil, a Lei Antimanicomial de 2001 trouxe avanços importantes na proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais, mas desafios ainda persistem, especialmente na interface entre saúde mental e direito penal. O dilema de Rubião, que se vê vítima de sua própria loucura e das manipulações de outros, ecoa nos debates modernos sobre a justiça e o tratamento de indivíduos com transtornos mentais dentro do sistema penal.


Memórias Póstumas de Brás Cubas e a Imparcialidade no Direito

A obra "Memórias Póstumas de Brás Cubas" é conhecida por seu estilo inovador e pela visão desencantada que Brás Cubas, o narrador, apresenta da vida e da sociedade. Escrito do ponto de vista de um narrador defunto, o romance desconstrói as convenções sociais e morais, revelando a hipocrisia, o egoísmo e a corrupção que permeiam as relações humanas. Este cenário nos oferece a oportunidade de refletir sobre a imparcialidade no direito e como a narrativa de Brás Cubas pode ser interpretada à luz do sistema jurídico atual.

Brás Cubas, como personagem, é um reflexo da elite do século XIX, privilegiada e indiferente às consequências de seus atos para os outros. Ele narra sua vida de forma cínica, expondo os vícios e a falta de responsabilidade moral que permeiam sua existência. No direito, especialmente no direito penal e civil, a ideia de responsabilidade e culpa é central, e o comportamento de Brás Cubas exemplifica a falta de senso de dever e de justiça que pode ser encontrado em figuras que, devido ao poder ou status social, estão acima da lei ou acreditam estar imunes às suas consequências.

A indiferença moral de Brás Cubas pode ser associada ao conceito de irresponsabilidade social e jurídica. Em diversos momentos, ele revela seu desapego com relação aos outros e a despreocupação com os impactos de suas ações, postura que podemos relacionar ao abuso de poder e ao comportamento antissocial de certos atores sociais no cenário jurídico. Essa noção de "imunidade" percebida por indivíduos em posições de poder reflete desafios no campo do direito contemporâneo, especialmente na aplicação da lei para as elites.

A obra nos convida a pensar sobre a imparcialidade do sistema jurídico e o tratamento diferenciado que certas classes sociais recebem. Brás Cubas, em vida, não é confrontado por seus erros ou transgressões; pelo contrário, sua posição de privilégio o coloca em um lugar de isenção de responsabilidade. No direito moderno, embora as leis sejam formalmente imparciais, muitos casos mostram que a aplicação dessas leis pode ser influenciada por fatores sociais, econômicos e políticos.

A ideia de justiça, no sentido kantiano de "dar a cada um o que é seu", entra em conflito com a realidade retratada em "Memórias Póstumas", onde os indivíduos de maior poder e influência escapam das consequências legais que deveriam enfrentar. Essa crítica, velada na obra de Machado de Assis, ressoa no contexto contemporâneo, em que a equidade no acesso à justiça e a aplicação das leis de maneira justa ainda são grandes desafios.

Outro aspecto importante da obra é a crítica à corrupção moral e ao cinismo da elite brasileira da época, o que pode ser comparado aos problemas de corrupção e abuso de poder que continuam a assolar o sistema jurídico atual. A figura de Brás Cubas é emblemática de uma classe social que usa sua posição para evitar qualquer tipo de responsabilidade, tema recorrente no debate sobre a impunidade e o tratamento desigual dentro do sistema judiciário.

A estrutura narrativa de "Memórias Póstumas", com sua introspecção e reflexões sobre a vida após a morte, também nos oferece uma metáfora sobre a relação entre o indivíduo e o sistema jurídico. Assim como Brás Cubas examina sua vida após a morte, o direito contemporâneo exige que as leis sejam constantemente avaliadas e reinterpretadas à luz de novas realidades sociais. A imparcialidade do sistema legal depende dessa reflexão contínua, tal como a obra de Machado propõe uma crítica constante das estruturas sociais.

Além disso, a obra nos leva a questionar a subjetividade na aplicação da lei. O narrador de "Memórias Póstumas" confere uma perspectiva pessoal e enviesada dos eventos de sua vida, da mesma forma que os indivíduos envolvidos em processos jurídicos frequentemente trazem sua própria visão dos fatos. O desafio para o sistema jurídico é equilibrar essas diferentes perspectivas e aplicar a lei de maneira objetiva, independentemente das influências subjetivas ou sociais.

Ao analisar "Memórias Póstumas de Brás Cubas" sob a ótica jurídica, somos convidados a refletir sobre o papel do poder, da responsabilidade e da imparcialidade na aplicação da justiça. A obra de Machado de Assis, com seu olhar crítico e irônico, continua sendo uma referência importante para discutirmos os desafios enfrentados por um sistema jurídico que busca ser equânime, mas que, por vezes, ainda carrega as marcas da desigualdade e do privilégio.


Dom Casmurro e a Presunção de Inocência no Direito

Quando nos voltamos para "Dom Casmurro", uma das mais conhecidas obras de Machado de Assis, encontramos um tema jurídico que permanece central até hoje: a presunção de inocência. O romance, publicado em 1899, gira em torno do ciúme obsessivo de Bento Santiago (Dom Casmurro) e suas suspeitas de traição por parte de sua esposa, Capitu. Embora o romance nunca forneça uma resposta definitiva sobre se Capitu realmente traiu Bento com seu melhor amigo, Escobar, as reflexões sobre o julgamento de sua personagem nos levam a discutir o conceito de culpa e a importância da presunção de inocência no direito moderno.

Dom Casmurro é narrado em primeira pessoa por Bento, o que torna sua visão enviesada e subjetiva. A dúvida que permeia a narrativa – Capitu traiu ou não traiu? – é emblemática do conflito entre as percepções pessoais e a necessidade de provas concretas no processo jurídico. O sistema legal contemporâneo, especialmente em processos criminais, é fundamentado na ideia de que um réu é inocente até que se prove sua culpa. No entanto, assim como Bento condena Capitu sem provas concretas, muitas vezes a sociedade e até mesmo o sistema jurídico caem na armadilha de prejulgar sem evidências suficientes.

A obsessão de Bento com a suposta traição de Capitu e sua interpretação de cada um de seus gestos como prova de sua culpa exemplificam como preconceitos e emoções pessoais podem influenciar o julgamento de uma pessoa. No contexto do direito, isso pode ser comparado aos juízos apressados que muitas vezes são feitos com base em suposições, estereótipos ou preconceitos, antes que uma investigação adequada dos fatos seja realizada.

No direito penal moderno, o princípio da presunção de inocência é um dos pilares fundamentais. Ele impede que alguém seja condenado com base em suspeitas ou especulações, exigindo que a culpa seja provada além de qualquer dúvida razoável. Em "Dom Casmurro", Bento, na ausência de provas concretas, age como juiz, jurado e carrasco de Capitu, decidindo unilateralmente que ela é culpada. Esse tipo de julgamento prévio é algo que o direito moderno busca evitar, garantindo que os réus tenham o direito a um julgamento justo e imparcial.

Além disso, o romance nos oferece uma reflexão sobre o impacto das percepções sociais e das relações de poder na aplicação da justiça. Bento, como homem e figura de poder em seu casamento, possui uma vantagem estrutural sobre Capitu, que, como mulher, está sujeita às normas sociais mais rígidas da época. No direito contemporâneo, questões de gênero continuam a desempenhar um papel importante, especialmente em casos de violência doméstica e crimes sexuais, onde a palavra da vítima muitas vezes é desacreditada ou questionada com mais rigor do que a do acusado.

A narrativa de "Dom Casmurro" também levanta questões sobre o papel do testemunho e da evidência no processo de tomada de decisão jurídica. Ao longo do romance, Bento reúne uma série de "provas" circunstanciais para justificar suas suspeitas sobre Capitu, mas nenhuma delas seria suficiente para condená-la em um tribunal de justiça. Isso nos leva a refletir sobre a importância de provas concretas e objetivas no julgamento de casos, e como a falta delas pode resultar em injustiças.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Maxwell. A justiça nas entrelinhas:: uma análise jurídica das obras de Machado de Assis e suas implicações no direito contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7786, 25 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111395. Acesso em: 21 nov. 2024.

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