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A exceção de pré-executividade no processo de execução fiscal

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4.A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE NA EXECUÇÃO FISCAL

O Estado, a fim de realizar as atividades pelas quais existe, prescinde de uma complexa estrutura organizacional que visa, sobre todas as coisas, o bem da coletividade e a satisfação do interesse público. Neste diapasão, para custear a máquina estatal necessária à consolidação dos objetivos traçados na Carta Constitucional, o Estado institui e cobra tributos de seu povo, com o escopo de gerar receitas necessárias ao Erário.

Neste sentido, a cobrança do crédito tributário segue um procedimento especial, regulado pela Lei n° 6.830 de 22 de setembro de 1980 – a Lei das Execuções Fiscais. Em decorrência de sua especificidade, a execução fiscal possui diversas peculiaridades frente à execução forçada comum de quantia certa prevista no Código de Processo Civil.

Frente da inadimplência do contribuinte, o Fisco deverá seguir um procedimento que se inicia com a instauração de um processo na instância administrativa, através do qual exercerá o controle da legalidade do crédito tributário a ser constituído. Chegando a decisão administrativa final, sendo respeitadas e observadas as garantias fundamentais e os direitos do contribuinte, e tendo restado comprovada a tese do ente arrecadador quanto à existência do crédito tributário, o mesmo será inscrito no Livro da Dívida Ativa, emanando de tal Livro a Certidão de Inscrição na Dívida Ativa, título executivo extrajudicial hábil a embasar a ação executiva fiscal.

Nos termos do §6º do artigo 2º da Lei da Execuções Fiscais, a Certidão da Dívida Ativa, sob pena de nulidade, deverá conter: (i) o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; (ii) o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato; (iii) a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida; (iv) a indicação (se for o caso) de estar à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo; (v) a data e o número da inscrição no Registro de Dívida Ativa; e, por fim, (vi) o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida [15]. Observe-se que caso não haja a inscrição, deverá ser adotado o procedimento executivo comum do estatuto processual civil.

Portanto, a Lei 6.830/80 tem por objetivo regulamentar a execução judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, regularmente inscrita, abrangendo na locução tanto os créditos tributários como os não-tributários.

Vale dizer que, a dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez, segundo dispõem os artigos 3º da Lei 6.830/80 e 204 do Código Tributário Nacional. Porém, esta presunção é relativa, pois poderá ser afastada por prova inequívoca, conforme preceitua o parágrafo único do supracitado artigo 204 do diploma legal tributário.

Nesses termos, embora a execução fiscal seja um processo especial, pouco difere da execução comum. Na execução fiscal, o executado é citado para pagar a dívida, com os juros, multa de mora e encargos, ou garantir o juízo, mediante a constrição de depósito em dinheiro, de fiança bancária ou por nomeação de bens à penhora, no prazo de cinco dias.

Efetivada a garantia da execução, o executado, nos termos do art. 16, incisos I, II e III, da Lei de Execuções Fiscais, poderá opor embargos no prazo de 30 dias.

Cumpre salientar que, com a entrada em vigor da Lei que inova o processo de execução (Lei 11.232/2005), o prazo para embargos no Processo Civil é de 15 (quinze) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação, no entanto, por força do Princípio da Especialidade, o Código de Processo Civil só se aplica subsidiariamente a Lei das Execuções Fiscais.

Assim, nem o Código de Processo Civil nem a Lei de Execução Fiscal criaram um sistema de defesa direta do executado no bojo do processo executivo. No entanto, conforme já explicitado acima, aos poucos a doutrina e os tribunais foram sugerindo e acolhendo, dentro do processo executivo, uma forma de defesa excepcional, qual seja, a exceção de pré-executividade.

Como já visto, essa forma de defesa do executado tem por objeto obstar a execução injusta, abusiva ou flagrantemente ilegal, e, por cabível em qualquer espécie de execução, surte efeito na execução fiscal, que, como espécie de execução por quantia certa contra devedor solvente, prevê garantia do juízo pela penhora, o depósito em dinheiro ou a fiança bancária (artigos 7º, inciso II; e 9º, incisos I, II e III da Lei de Execuções Fiscais), como condições para a propositura de embargos.

A exceção de pré-executividade, argüida por meio de um simples requerimento do devedor que se rebele contra a pretensão executiva da Fazenda Pública e pode ser utilizada antes ou após a penhora, após a arrematação ou após a adjudicação, desde que configurados os pressupostos de uma execução fiscal flagrantemente ilegal ou infundada, que possa ser reconhecida de plano pelo juiz, é remédio processual competente para cessar o processo executivo quando indevido. Desnecessário prescrever que, na incidência da hipótese em análise, prejuízo não recai somente sobre o executado, mas sobre a sociedade em geral, uma vez que transmite grande insegurança jurídica ao constranger o patrimônio de contribuinte sem qualquer razão legal.

Desta forma, o acatamento da matéria em exceção de pré-executividade abrevia em muito o curso do procedimento da execução, quando injusta, abusiva ou ilegal, já que evita a prática de atos que se revelarão inúteis ao final, com dispêndio para o Poder Judiciário e desgaste para as partes do processo.

Assim, caso o título ou a ação executiva sejam nulos, melhor que sejam corrigidos seus vícios e, eventualmente, que se intente nova ação de maneira correta, se for possível, ou que sejam remanejados os esforços do Estado para outra direção, mais eficaz e benéfica ao ente público, o qual não pode se configurar como inimigo do contribuinte, mas antes um cumpridor de seus deveres e perseguidor dos seus direitos, na medida em que estes representem os interesses da coletividade [16].

Inconcebível, portanto, que o Estado execute alguém lastreado em título executivo que não observe os requisitos do parágrafo 5º, do artigo 2º, da Lei 6.830/80, e ao mesmo tempo não permita que o contribuinte demandado suscite os vícios que impossibilitam a pretensão Estatal antes de garantida a execução e oferecidos os embargos.

É assegurada, assim, ao executado, a possibilidade de submeter ao conhecimento do juiz da execução a exceção de pré-executividade, inclusive na execução fiscal, limitada, porém, sua abrangência temática, que somente poderá dizer respeito à matéria suscetível de conhecimento de ofício ou à nulidade do título, que seja evidente e flagrante, isto é, nulidade cujo conhecimento independa de contraditório ou dilação probatória.

Revela-se descabida a hipótese de o executado ser compelido a garantir o juízo, dando bens à penhora, para somente em sede de embargos poder alegar falta de condição da ação ou de exigibilidade do título, quando tal matéria pode ser conhecida de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, nos termos do artigo 267, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil. Logo, vícios pré-processuais e processuais que fulminam de nulidade o título executivo devem ser suscitadas através da ação de pré-executividade, antes ou após a citação do devedor, conforme se depreende dos julgados abaixo:

EMENTA: TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL - EXECUÇÃO FISCAL - IPTU - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - PRESCRIÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO 1. A pretensão da Fazenda Pública em haver o crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data em que se tornou exigível (CTN, art. 174). 2. Julgada procedente a exceção de pré-executividade e extinta a execução, responde o excepto pelo pagamento de honorários advocatícios, porquanto são "devidos quando a atuação do litigante exigir, para a parte adversa, providência em defesa de seus interesses" (REsp n.º 137.285/PB, Min. Barros Monteiro).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Nos termos do artigo 6º, §1º, da Lei nº 6.830/80, mera cópia de CDA não é documento apto a fazer às vezes de título executivo em execução fiscal. Precedentes. É devida verba honorária quando, acolhida a exceção de pré-executividade, resta extinta a execução. Precedente. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70017958505, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 27/12/2006)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CABIMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. REQUISITOS. NULIDADE. CONFIGURAÇÃO. Cabível o ajuizamento da exceção de pré-executividade quando a matéria é daquelas que o juízo deva conhecer de ofício, atinente a questões de ordem pública, como as condições da ação e os requisitos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, ou se versa sobre tema que traga prova pré-constituída, não dependendo de cognição e dilação probatória, próprias do incidente processual dos embargos. Assim o é a questão dos requisitos da CDA. A inscrição como dívida ativa e a certidão são nulas se não atendem aos requisitos previstos nos arts. 202 do CTN e 2º da Lei nº 6.830/80. A referência ao livro e à folha da inscrição são requisitos indispensáveis à validade da CDA. Exegese do parágrafo único do art. 202 do CTN. Ausência de especificação, na CDA, natureza e do fundamento legal da cobrança do crédito, com a especificação da lei em que esteja fundada, que deve ser observada pela Fazenda Pública, a fim de possibilitar ao sujeito passivo o exercício de seu direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório. AGRAVO PROVIDO. EXECUÇÃO FISCAL EXTINTA. (Agravo de Instrumento Nº 70016672016, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 27/12/2006)

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5.CONCLUSÃO

Diante do asseverado acima, verifica-se que a exceção de pré-executividade, construção doutrinário-pretoriana, é instrumento plenamente admissível na sistemática processual pátria e representa meio autônomo de defesa, à disposição do executado.

Absolutamente necessária, depois de referida constatação, apreciar o reconhecimento da eficácia de medida processual criada pela doutrina, dentro de um modelo normativo voltado ao direito positivado. A jurisprudência, ao perceber que a norma, por silente, acabava por prejudicar a aplicação do justo, do correto, reconhece a efetividade da medida que visa dar oportunidade àquele executado injustificadamente de defender o que lhe pertence, respaldando, portanto, o direito assegurado pela Constituição Federal.

Justamente por tal motivo gere o tema debates apaixonados, acerca de sua legitimidade. Não buscou este breve trabalho tomar partido entre os defensores ou os detratores do instituto, mas sim arrolar os efeitos que, por reconhecida como medida de defesa do executado, a exceção de pré-executividade gera no âmbito do processo de execução e eventualmente além dele, em sede de apelação.

Importantíssimo ressaltar ser extremamente danoso ao processo e repudiada a utilização do instrumento como medida protelatória da execução, tendo a exceção o exclusivo objeto de dar ao exeqüente tempo para, de forma fraudulenta, dilapidar ou sonegar seu patrimônio, em prejuízo ao autor do processo executivo e a sociedade, em analogia com a afirmação feita anteriormente quanto ao prejuízo sofrido pela coletividade ao ver turbado sem razão o patrimônio alheio.

A validade da construção doutrinária surge do absurdo de negar ao executado a possibilidade de alertar o juiz quanto à inadmissibilidade da execução. Tal situação seria o mesmo que impossibilitar o executado de defender-se, caso ele não tivesse bens para garantir o juízo.

Observando a questão fora do universo processual, deve-se considerar a hipótese, não rara, de o devedor ter suas atividades econômicas prejudicadas e eventualmente paralisadas, em função de um ato de constrição, profunda e evidentemente injurídico, o que não prejudica somente o executado, mas sim toda a gama de atores sociais que gravitam em torno das relações surgidas de suas interações.

Isto posto, chega-se a conclusão de que a exceção de pré-executividade é instrumento processual absolutamente válido e deve ser utilizado pelos profissionais do Direito, sempre observada a oportunidade de sua oposição, tendo como finalidade evitar execuções injustas ou infundadas, contribuindo de tal forma com a lisura do caso concreto analisado, com a redução da pauta do Judiciário e, em última análise, com a sociedade em geral, ou permitir que os direitos garantidos pela Constituição sejam defendidos de turbação indevida.


6.BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução, São Paulo: RT, 1998.

CAMILLO, Carlos Eduardo Nicoletti Monografia Jurídica Uma Abordagem didática, Belo Horizonte, Del Rey, 2001.

MOREIRA, Alberto Camiña. Defesa sem embargos do executado: exceção de pré-executividade. São Paulo: Saraiva, 1998.

NOLASCO, Rita Dias. Exceção de pré-executividade. São Paulo: Método, 2004.

ROSA, Marcos Valls Feu. Exceção de pré-executividade: matérias de ordem pública no processo de execução. 3 ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000.

SABBAG, Eduardo de Moraes. Repertório de Jurisprudência. 2 ed. São Paulo DPJ, 2004.

SIQUEIRA FILHO, Luiz Peixoto de. Exceção de pré-executividade. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.

THEODORO Junior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 40 ed. Forense, Rio de Janeiro, 2006.

Notas

01 1996, p. 63 e 68-69.

02 Exceção de pré-executividade, 2004, p. 201.

03 Rosa, Marcos Valls Feu, 2000, p. 80-81

04 Idem.

05 Exceção de pré-executividade, p. 226-227.

06 2000, p. 428.

07 2004, p. 273-280

08 1998, p. 249

9 2000, p. 428.

10 2000, p.96.

11 1998, p. 40.

12 Artigo 739-A, parágrafo 1°, incluído pela Lei nº 11.382, de 2006 ao código de processo civil.

13 1998, p. 40.

14 2000, p. 108-109

15ex vi do artigo 2°, § 5° da Lei n° 6.830/80.

16 Nolasco, Rita Dias, Exceção de pré-executividade, 2004, p. 250.

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Sobre o autor
Rafael Lins e Silva Nascimento

bacharel do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Rafael Lins Silva. A exceção de pré-executividade no processo de execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1744, 10 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11141. Acesso em: 26 abr. 2024.

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