RESUMO
O artigo propõe a análise dos fundamentos de uma reforma na jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho, enfatizando a necessidade de aplicação dos modernos princípios do processo civil no processo do trabalho. A regularização da representação processual nas instâncias ordinárias, nelas incluídos os Tribunais Regionais, é uma realidade que se coaduna com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. A preferência pela efetividade do direito em detrimento do formalismo excessivo deve pautar todas as lições jurisprudenciais dos Tribunais Superiores. Pretende-se mostrar que uma nova cultura jurídica, preocupada com os ditames constitucionais da razoabilidade e da celeridade eficaz, pode qualificar a busca pelo direito e, conseqüentemente, melhorar a prestação da tutela jurisdicional, economizando-se tempo e despesas com o aproveitamento de atos processuais. Para tanto, a formação de uma jurisprudência revigorada contribui decisivamente para o modelo de persecução de um direito efetivo. Da análise do tema depreende-se que a preservação de posturas tradicionais impede a evolução do direito pátrio, prejudicando diretamente os jurisdicionados.
INTRODUÇÃO
A aplicação do processo civil nas ações que tramitam perante a Justiça do Trabalho é um fato indissociável da realidade contemporânea, não só em razão da cláusula de abertura (subsidiariedade) do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas especialmente em virtude da Emenda Constitucional nº 45/2004, que ampliou sobremaneira a competência da Justiça do Trabalho. Isso não significa negar autonomia ao processo trabalhista, mas adequá-lo às novas exigências da realização do direito fundamental à prestação jurisdicional efetiva.
A necessidade de estudar o presente tema surgiu em decorrência de uma série de julgados reiterados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região e do Tribunal Superior do Trabalho. As decisões originárias, que envolveram a aplicação do direito processual civil, extinguiram os processos sem resolução do mérito, entendendo os Tribunais, a posteriori, que não há possibilidade de regularizar a representação processual no segundo grau de jurisdição, ou seja, os recursos foram fulminados por incapacidade postulatória.
Para melhor compreensão do tema foi preciso fazer a contraposição entre pressupostos de existência e pressupostos de validade, com o fim de situar a matéria na órbita da relação jurídica processual.
Também foi necessário o estudo dos princípios que disciplinam a matéria, bem como dos dispositivos legais e constitucionais violados pelas decisões que impediram a regularização da representação processual, além da análise da jurisprudência dos Tribunais brasileiros.
Dessa maneira, foi possível bem estruturar o tema, demonstrando a sua importância para a ciência jurídica contemporânea e a sua relevância para a concretização da prestação jurisdicional.
1. Os Pressupostos Processuais
Conforme o Professor e Magistrado Jorge Luís Dall’agnol [01], "pressupostos processuais são aqueles elementos indispensáveis para a existência jurídica do processo e as condições necessárias para o seu desenvolvimento válido".
Em profundo estudo do tema, o referido Professor esclarece que não configuram pressupostos processuais de existência a citação, a capacidade postulatória e as partes.
Ocorre que a jurisprudência trabalhista, em sua maioria, confunde a diferenciação entre pressupostos de existência e validade. Nos julgamentos, declaram a inexistência do recurso ordinário por falta de representação processual, mas esquecem que por ser um pressuposto de validade da relação jurídica processual, a capacidade postulatória pode ser convalidada através da obrigatoriedade de intimação para a sua regularização (arts. 13; 37, parágrafo único e 515, §4º, todos do Código de Processo Civil).
Ensina o mencionado Professor que:
Também a capacidade postulatória não é imprescindível para a existência do processo. Não se trata de argumentar, apenas, com a circunstância de que ela seria imprescindível somente ao autor; ou de que casos existem em que a jurisdição é exercida sem que a parte faça-se representar pelo detentor do ‘ius postulandi’. Mais do que isso: a sua ausência pode ser convalidada no próprio processo (o que é inconcebível com um pressuposto de existência), o que por si só faz ver que processo há, posto que deficiente.
Veja-se que a maior prova disso que foi acima referido é a redação do parágrafo único do art. 37 do CPC, a saber: "Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos." (grifei)
Parece que o citado artigo é claro quanto à obrigatoriedade de intimação para a regularização da representação processual e também é cristalino ao determinar que a capacidade postulatória é pressuposto processual de validade. No artigo, lê-se que os atos processuais só serão tidos por inexistentes por falta de capacidade postulatória se não forem ratificados no prazo determinado para a sua regularização. Disso é possível concluir, à evidência, que a capacidade postulatória é pressuposto processual de validade, podendo ser convalidada, e a possibilidade de convalidação é regra imperativa que deve ser oportunizada através da intimação para a regularização processual.
Daniel Francisco Mitidiero [02] afirma que "as questões referentes à forma em sentido estrito dentro do direito contemporâneo se resolvem no plano da validade".
Como se não bastasse, Ovídio A. Baptista da Silva [03], em lição absolutamente adequada ao estudo ora apresentado, esclarece que:
Os Tribunais, porém, têm entendido, a nosso ver com inteira razão, que determinadas irregularidades na formação da relação processual, tais como a não exibição do contrato social da pessoa jurídica e a juntada de documentos não autenticados, quando não impugnadas pela parte adversa, dispensam qualquer providência tendente a saná-las.
É preciso advertir que os únicos pressupostos de existência da relação jurídica processual são a demanda e o órgão investido de jurisdição, sendo que sem eles não há processo. Logo, estando a capacidade postulatória no rol dos pressupostos de validade, absolutamente cabível é a sua regularização, inclusive no âmbito das instâncias ordinárias (arts. 13; 37, parágrafo único e 515, §4º, todos do CPC).
Por fim, se a irregularidade de representação processual acarretasse a inexistência do ato, o Código de Processo Civil não admitiria a possibilidade da sua ratificação (convalidação), pois seria uma contradição ratificar algo que não existe.
2. A Súmula nº 383 do Tribunal Superior do Trabalho
A Súmula nº 383 do TST preceitua que:
- É inadmissível, em instância recursal, o oferecimento tardio de procuração, nos termos do art. 37 do CPC, ainda que mediante protesto por posterior juntada, já que a interposição de recurso não pode ser reputada ato urgente. (ex-OJ nº 311 - DJ 11.08.2003)I
II
- Inadmissível na fase recursal a regularização da representação processual, na forma do art. 13 do CPC, cuja aplicação se restringe ao Juízo de 1º grau. (ex-OJ nº 149 - Inserida em 27.11.1998)A Súmula nº 383 do TST, a qual não permite na fase recursal a regularização da representação processual, na forma do art. 13 do CPC, precisa ser revista ante a nova sistemática estabelecida pela Lei nº 11.276/06 aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho (art. 769 da CLT).
Desde a edição da Lei nº 11.276, de 07/02/2006, que acrescentou o §4º ao art. 515 do Código de Processo Civil, a Justiça do Trabalho foi surpreendida com a possibilidade de regularização da representação processual no âmbito dos Tribunais Regionais. Todavia, a expectativa dos operadores do direito é a de que o Colendo Tribunal Superior do Trabalho modifique o entendimento firmado lá em abril de 2005.
Veja-se que a referida Súmula do Colendo Tribunal Superior é de 20.04.2005. Já a mencionada Lei nº 11.276, que incluiu o § 4º ao art. 515 do CPC, é de 07.02.2006. Logo, é preciso que o Tribunal Superior redefina o teor da Súmula nº 383, a fim de uniformizar as suas decisões de acordo com a nova sistemática processual criada para assegurar aos jurisdicionados o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva [04]. Entende-se que a melhor forma de iniciar a redefinição de súmula seja, realmente, a transformação da jurisprudência, firmando-se entendimento diverso daquele consolidado à época da súmula ora ultrapassada pela legislação superveniente.
Como se não bastasse, em algumas decisões da Justiça Trabalhista a irregularidade de representação é aventada pela vez primeira no âmbito do Tribunal Regional, afigurando-se plenamente aplicável a regra inscrita no art. 13 c/c o art. 515, §4º, ambos do CPC, devendo o relator determinar a suspensão do processo e a conseqüente fixação de prazo razoável, com o objetivo de sanar o defeito.
3. Violação e Negativa de Vigência de Lei Federal e Contrariedade à Constituição Federal
Antes de apontar especificamente o direito que embasa a possibilidade de regularização da representação processual nas instâncias ordinárias, entendidas essas como as justiças de 1º e 2º graus, faz-se imprescindível expor os modernos fundamentos que orientam o processo brasileiro.
Primeiramente, cabe referir a necessidade de obediência ao princípio da instrumentalidade. Nele o processo moderno e desburocratizado encontra pleno respaldo, uma vez que, em a lei não cominando nulidade para determinado ato processual, deve ele ser convalidado, desde que atinja o fim a que se propôs. Por exemplo, quando o autor ingressa com várias demandas idênticas, com o mesmo fundamento, presume-se que as procurações juntadas são emanadas originariamente da mesma pessoa, tendo em vista justamente a quantidade de ações propostas, já que a repetição dos atos processuais é forte argumento para sustentar a originalidade dos instrumentos.
Em segundo lugar, a junção dos princípios da celeridade e da economia processual são argumentos de relevância para a efetividade do direito. Dentre os princípios constitucionais dos direitos e garantias fundamentais é assegurado a todos no âmbito judicial e administrativo a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, bem como a observância pelos magistrados aos princípios da efetividade, economia e acesso à jurisdição. O objetivo maior do processo é a efetivação concreta da justiça, competindo aos operadores do direito permitirem aos consumidores finais do processo o acesso a uma ordem jurídica justa, e não mais apenas a uma ordem jurídica formal.
Para assegurar a efetividade do processo, o princípio da economia processual se refere a uma economia de custo, uma economia de tempo, buscando a obtenção de maior resultado com o menor uso de atividade jurisdicional, ou seja, o menor número de atos, bem como o aproveitamento dos atos que não forem prejudicados por vício, desde que não traga prejuízo para as partes, além da aplicação da fungibilidade. Finalmente, destaca-se o papel mais importante do referido princípio, que é o social, cuja finalidade visada é a eficiente prestação jurisdicional, proporcionando uma justiça rápida e de baixo custo, tanto para as partes como para o Estado, atendendo aos valores constitucionais em uma perspectiva concreta e não apenas formal, oferecendo soluções justas, efetivas e tempestivas.
Outro princípio vigente na atual ordem processual é o da razoabilidade. Ele autoriza o máximo aproveitamento dos atos processuais praticados. Além disso, o mencionado princípio determina a correção dos defeitos sanáveis. Ora, é razoável que se privilegie a correção dos atos processuais sanáveis em relação a uma simples declaração de nulidade, especialmente nos casos de nulidades relativas. É razoável que se privilegie a prestação da tutela jurisdicional efetiva à mera exigência de uma formalidade excessiva. Então, o princípio da razoabilidade informa que, sempre que for possível, deve-se determinar o aproveitamento dos atos processuais em respeito ao bom andamento do processo.
Portanto, o conjunto dos princípios acima elencados evidencia o bom emprego do processo, evitando-se decisões terminativas inúteis ou desnecessárias.
3.2 Da Violação ao Art. 13 do Código de Processo Civil
Decisões que mantêm a negativa de seguimento aos recursos cabíveis violam frontalmente os atuais princípios que regem o processo brasileiro e, especificamente, infringem o art. 13 do Código de Processo Civil, aplicado ao processo do trabalho por força do art. 769 da CLT.
Determina o art. 13 do CPC, in verbis:
Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.
Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber:
I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo; (grifei)
II - ao réu, reputar-se-á revel;
III - ao terceiro, será excluído do processo.
O texto do art. 13 do CPC - que é de cumprimento obrigatório pelos magistrados das instâncias ordinárias -, não trata de mera faculdade do julgador, mas de dever legal de zelar pelo aproveitamento e finalidade do processo.
Conforme Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery [05], "o STF cassou acórdãos que não conheceram de recurso subscrito por advogado sem procuração nos autos, por não haver sido dada oportunidade à parte para regularizar a representação, nos termos do CPC 13: RTJ 90/559, 86/853".
Ainda, segundo o professor Valentin Carrion [06], "a autenticação da reprodução, por ser irregularidade sanável, deve propiciar prazo para tal fim, não a declaração de invalidade".
Pelo que se vê, não só é admissível a regularização da representação processual nas instâncias ordinárias, como é dever do juiz ou relator oportunizar ao litigante prazo razoável para a correção de eventual vício.
Entende-se por instâncias ordinárias o primeiro e o segundo graus, isto é, no caso da Justiça do Trabalho, todos os julgamentos emanados das Varas do Trabalho e dos Tribunais Regionais são compreendidos pela instância ordinária. Ao contrário, na instância extraordinária (TST ou STF) não há qualquer possibilidade de regularização, o que está absolutamente correto, tendo em vista o papel uniformizador da Corte Especial.
Conseqüentemente, os Tribunais Superiores formam a instância especial. No caso da Justiça do Trabalho essa instância compreende os julgamentos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e, quando cabível recurso competente, abrange os julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Tendo em vista que a jurisprudência dos principais Tribunais do país firmou entendimento pela admissibilidade da intimação da parte, em prazo razoável, para a regularização da sua representação processual nas instâncias ordinárias, evidentemente que o caso em estudo se enquadra nesta situação, considerando-se que os Regionais Trabalhistas são órgãos da instância ordinária da justiça brasileira.
3.3 Da Violação ao §4º do Art. 515 do Código de Processo Civil
Como se não bastasse, o §4º do art. 515 do Código de Processo Civil, com redação incluída pela Lei nº 11.276/2006, preceitua que:
Art. 515. (...)
§ 4º Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação. (Incluído pela Lei nº 11.276, de 2006). (grifei)
A alteração levada a efeito pela Lei nº 11.276/06 tem os objetivos principais de viabilizar o saneamento das nulidades processuais e garantir a efetividade dos princípios da instrumentalidade das formas, da celeridade da prestação jurisdicional efetiva, da economia processual e da razoabilidade.
À evidência, o artigo acima referido, combinado com o art. 13 do CPC, autoriza a regularização da representação processual no âmbito de Tribunal. Para se chegar a essa conclusão, mostra-se necessária a análise de duas questões fundamentais presentes no §4º do art. 515 do CPC, quais sejam, o conceito de nulidade sanável e a aplicabilidade da norma citada a outros recursos existentes na legislação processual brasileira.
Nulidade sanável, na seara do direito processual - seja ele civil ou trabalhista -, é a nulidade relativa. As nulidades relativas têm como premissa o interesse privado das partes, não se sujeitando à apreciação de ofício pelo julgador, que somente providenciará o seu saneamento se provocado pelas partes. O silêncio das partes sobre as nulidades relativas importa na convalidação do ato defeituoso pela preclusão. Esse sistema de nulidades está escorado nas lições do mestre Galeno Lacerda. É por isso, por exemplo, que a impugnação, da parte contrária, aos documentos referidos no art. 830 da CLT só poderá ocorrer na audiência inicial ou na primeira oportunidade que tiver para falar nos autos, sob pena de preclusão e convalidação do ato processual.
Consoante lição de Carlos Henrique Bezerra Leite [07],
Os vícios sanáveis podem implicar a nulidade relativa ou anulabilidade do ato. A nulidade relativa depende de provocação do interessado, uma vez que não pode ser pronunciada ‘ex officio’. A incompetência relativa, por exemplo, constitui um vício sanável, na medida em que pode ser prorrogada se o réu, na sua defesa, não excepcioná-la. Trata-se, pois, de nulidade relativa.
Disso resulta que, respeitada a teoria das nulidades, não poderá o juiz declarar, ex officio, a nulidade relativa, sob pena de violação aos princípios do tratamento igualitário das partes e do devido processo legal.
As nulidades sanáveis são aquelas cujos respectivos atos podem ser praticados novamente para que atinjam o fim objetivado, sem que com isso haja prejuízo a qualquer das partes. A regra é a sanabilidade de todas as nulidades processuais, sendo as insanáveis somente a exceção. É partindo dessa concepção que se deve avaliar o §4º do art. 515 do CPC, isto é, a nulidade que o dispositivo denomina de sanável é justamente aquela cujo ato pode atingir seu fim com aproveitamento dentro do processo, sem que haja prejuízo indelével a qualquer das partes.
Nosso sistema de nulidades processuais adota uma posição que assegura certa liberdade ao juiz, que somente decretará a nulidade se outra solução não for possível, prestigiando a efetividade do direito em detrimento do formalismo exacerbado.
Cláudio Armando Couce de Menezes e Eduardo Maia Tenório da Cunha [08], comentando o §4º do art. 515 do CPC na Revista da ANAMATRA, lecionam que:
A nova redação do dispositivo permite ao relator, na condição de condutor do recurso no tribunal, a realização de diligência para que as partes promovam a correção de nulidade sanável, para que o ato processual viciado seja repetido ou se proceda à sua retificação.
(...)
A possibilidade da regularização da representação processual, hipótese típica de nulidade relativa, pode ser agora cogitada, superando o argumento de que tal só ocorreria no primeiro grau por força do art. 13 do CPC. Com o §4º do art. 515 do CPC o tribunal encontra apoio expresso para sanar tal vício.
Além disso, os arts. 795 e 796, ‘a’, ambos da CLT, preceituam que:
Art. 795 - As nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argüi-las à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos.
(...)
Art. 796 - A nulidade não será pronunciada:
a) quando for possível suprir-se a falta ou repetir-se o ato;
(...).
Por outro lado, há um consenso entre os doutrinadores no sentido da aplicabilidade do §4º do art. 515 do CPC a outros recursos, além do recurso de apelação.
Esta é a opinião de Cássio Scarpinella Bueno, Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Jr. e Marcelo Abelha Rodrigues [09]:
O dispositivo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, evidentemente, para os demais recursos. Onde se lê ‘apelação’, fique à vontade, caro leitor, para ler ‘recursos’. Mais ainda quando o que está disciplinado no seu § 4º é a regra de competência para sanear nulidades processuais."
(...)
Por fim, resta-nos lembrar que a aplicação dessa nova disposição não deve ser privilégio único do recurso de apelação. Deverá também ter incidência em todos os ‘recursos ordinários’, da mesma natureza que o recurso de apelação. É que, como cediço, aplicam-se aos demais recursos ordinários, desde que obviamente compatíveis, as disposições legais conferidas ao recurso de apelação.
Outro argumento, mais forte do que todos, é que o novo dispositivo diz respeito à teoria geral das nulidades processuais e, como tal, tem aplicabilidade a todos os recursos e demais atos e fases processuais, e não apenas ao recurso de apelação.
Cláudio Armando Couce de Menezes e Eduardo Maia Tenório da Cunha [10], comentando o §4º do art. 515 do CPC em artigo para a Revista da ANAMATRA, preceituam que:
Não temos dúvida acerca da aplicabilidade do novo regramento ao processo do trabalho, no tocante ao recurso ordinário, sucedâneo da apelação na esfera laboral, tendo em vista a cláusula geral de supletividade do art. 769 da CLT, que consagra os critérios da omissão normativa na Consolidação e da compatibilidade com os princípios do direito material e processual.
Além disso, em se cuidando de regra que tenha por escopo a instrumentalização do princípio constitucional da razoável duração do processo e à celeridade de sua tramitação, todos os esforços de interpretação devem ser implementados para lhe dar a máxima eficácia, por se tratar de um direito fundamental do cidadão em qualquer jurisdição.
3.4 Da Violação ao Art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho
A aplicação do processo civil na Justiça do Trabalho encontra fundamento no princípio da subsidiariedade (art. 769 da CLT). Então, duas são as condições para a utilização do CPC no processo trabalhista: a) a omissão das leis processuais trabalhistas sobre determinada situação jurídica e b) a compatibilidade entre as normas processuais civis e as exigências do processo trabalhista (possibilidade de adaptação).
No tema apresentado ao debate, há perfeita simetria no que concerne à aplicabilidade dos arts. 13 e 515, §4º, ambos do CPC, ao processo do trabalho, tendo em vista a omissão das leis processuais trabalhistas com respeito à regulação específica da possibilidade de sanação da representação processual nas instâncias ordinárias, não havendo qualquer prejuízo ao processo do trabalho. Pelo contrário, é possível vislumbrar somente benefícios, dentre eles, o da celeridade processual (hoje erigida a princípio constitucional – art. 5º, LXXVIII, da CF/88). Aliás, a correção da representação processual nas instâncias ordinárias coaduna-se inegavelmente com a sistemática processual de uma Justiça do Trabalho que admite inclusive o jus postulandi.
No processo do trabalho, na ausência de regulação específica, a correção de eventual vício de representação não acarreta prejuízo algum às partes. Em especial, nas causas antes processadas e julgadas pela Justiça Comum e que tiveram sua competência para julgamento transferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 para a Justiça do Trabalho (art. 114 da CF/88), com maior razão ainda deve ser admitida a regularização da representação processual nas instâncias ordinárias, tendo em vista a necessidade de adaptação do processo do trabalho a essas novas demandas que excedem a singela relação entre empregado e empregador.
3.5 Da Negativa da Prestação Jurisdicional
A ausência de ordem judicial determinando, em prazo razoável, a regularização da representação processual caracteriza manifesta negativa de prestação jurisdicional, o que viola o princípio constitucional do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF/88).
Atualmente, a orientação dos sistemas jurídicos mais avançados é aquela que adota uma visão instrumentalista do direito processual, podendo-se afirmar que todas as suas normas devem ser criadas, interpretadas e aplicadas sob o prisma da efetividade material do acesso à justiça.
Ora, não admitir um recurso porque não foi juntada com a petição inicial procuração autenticada, mesmo sem qualquer impugnação em primeiro grau e sem oportunizar à parte a regularização do ato, é retornar a um período de excessivos formalismos, onde o primado da forma superava a efetividade do direito. Os ditames dessa época já não mais vingam nos dias de hoje, justamente porque as legislações modernas suprimiram os entraves de uma justiça formal e meramente declarativa, substituindo-a pelo direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
3.6 Do Devido Processo Legal
O princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88) é, decididamente, a base sobre a qual se deitam todos os demais princípios do ordenamento. Uma das implicações jurídicas propiciadas pelo princípio do devido processo legal é a do dever de garantir aos litigantes o devido trâmite legal do processo.
A partir do momento em que a lei e a jurisprudência determinam o atendimento da efetividade em detrimento do excessivo formalismo, deve o julgador pautar a decisão do caso respeitando o art. 5º, LIV, da CF/88. Cumpre-lhe dirigir o processo, fiscalizar a observância ao devido processo legal e dirimir a controvérsia estabelecida entre as partes.
A não adoção da providência remediável macula o ato de evidente ilegalidade, além de violação a direito líquido e certo quando o ato judicial não determina a regularização da representação processual na forma dos arts. 13 e 515, §4º, ambos do CPC. Resta contaminado o due process of law, pois é perfeitamente cabível a intimação da parte para ajustar a sua representação no processo.
Ferido o devido processo legal, maculado estará também o princípio da legalidade, já que este princípio informa que somente a lei pode criar obrigações para as pessoas. Sendo assim, o julgador também está adstrito ao cumprimento exato da lei, inclusive quando a lei determina o aproveitamento dos atos processuais. Isso é respeito ao princípio da legalidade.
Por isso, igualmente, é o que legislador consagrou a máxima da duração razoável do processo (princípio da celeridade). Essa garantia impede a extinção pura e simples do processo, impulsionando-o com celeridade sempre que for possível o seu aproveitamento, em franco detrimento do formalismo excessivo.
Para ter idéia da ofensa à legalidade e do tamanho da lesão ao princípio do devido processo legal na espécie de decisão ora apresentada, basta perceber que todo o processo pode ser manchado pela não observância da lei e de princípios fundamentais, tais como, princípio da instrumentalidade das formas, princípio da celeridade, princípio da economia processual e princípio da efetiva prestação da tutela jurisdicional.