Da possibilidade de alteração do nome civil da mulher vítima de violência doméstica

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31/10/2024 às 09:06

Resumo:


  • A violência doméstica contra a mulher no Brasil persiste, apesar das leis existentes, devido a omissão do Estado e ideias arraigadas na sociedade.

  • Os esforços para coibir a violência contra as mulheres parecem não surtir efeito, com um alto número de feminicídios e violências registradas anualmente.

  • Propõe-se a alteração do nome civil da mulher vítima de violência doméstica como medida protetiva, visando ampliar a proteção à vida das mulheres em situação de violência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A legislação atual protege adequadamente as mulheres vítimas de violência doméstica? Apesar da Lei Maria da Penha, ainda há falhas na proteção, sugerindo a necessidade de permitir a mudança de nome civil.

Resumo: O artigo reflete sobre a necessidade de atualização do sistema jurídico brasileiro para permitir a alteração do nome civil de mulheres vítimas de violência doméstica. Apesar da existência da Lei Maria da Penha e da recente Lei nº 14.857/2024, persistem dificuldades na proteção eficaz às vítimas, resultantes tanto de limitações legislativas quanto da omissão estatal. Essas leis já deram origem a outras normas, mas não têm conseguido impedir o aumento expressivo do número de feminicídios, que apenas no primeiro trimestre de 2024 alcançou 994 casos consumados e tentados. Destaca-se que essa violência decorre de pensamentos ultrapassados e misóginos, frequentemente reforçados por realidades regionais. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por negligência no emblemático caso de Maria da Penha Maia Fernandes, evidenciando falhas na proteção e punição dos agressores. Por fim, sugere-se a alteração excepcional do nome civil das vítimas e de seus filhos, como medida adicional para ampliar sua segurança.

Palavras-chave: Violência Doméstica. Direitos Humanos. Lei Maria da Penha. Programa de Assistência a Vítimas. Alteração de nome civil.


1. INTRODUÇÃO

No Livro VI da Odisseia [considerada, juntamente com Ilíada, um dos dois principais poemas épicos da Grécia Antiga (séc. XIV a IX a.C.) atribuídos a Homero], encontra-se Nausicaä junto às suas servas quando surge Odisseu, completamente nu, implorando por ajuda. Nausicaä, filha do rei Alcínoo, após fornecer roupas para Odisseu orienta-o a ir diretamente para a casa de Alcínoo e apresentar o seu caso, primeiramente, à mãe, Arete, conhecida como mais sábia do que Alcínoo. Odisseu, seguindo a orientação de Nausicaä, aborda Arete abraçando-lhe os joelhos e ganhando sua aprovação e, após, é recebido como convidado por Alcínoo. Após contar-lhe suas aventuras, este fornece a Odisseu os navios com os quais retorna para Ítaca.

Já nos idos da Grécia Antiga (período compreendido entre os anos 508 a.C. e 322 a.C.), foi encenada em 458 a.C. a peça Oréstia, de Ésquilo, que nos revela a questão da justiça entre o direito materno e o direito paterno. Ao saber que sua filha com Agamenon, Ifigênia, foi sacrificada por este, Clitemnestra, juntamente com o seu amante, trama a morte do marido.

“Levada por sua paixão por Egisto, seu amante, Clitemnestra mata seu marido Agamenon, quando este regressava da guerra de Tróia; mas Orestes, filho dela e de Agamenon, vinga o pai, matando a mãe. Isso faz com que ele se veja perseguido pelas Erínias, seres demoníacos que protegem o direito materno, de acordo com o qual o matricídio é o mais grave e imperdoável de todos os crimes. Apolo, no entanto, que, por intermédio de seu oráculo, havia incitado Orestes a matar a sua mãe, e Palas Atena, que intervém como juiz (ambas as divindades representam aqui o novo direito paterno), protegem Orestes. Atena ouve ambas as partes. Todo o litígio está resumido na discussão entre Orestes com as Erínias. Orestes diz que Clitemnestra cometeu um duplo crime ao matar quem era o seu marido e pai de seu filho. Por que as Erínias o perseguiam, por que o visavam, em especial, se ela, a morta, tinha sido muito mais culpada? A resposta é surpreendente: ‘Ela não estava unida por vínculos de sangue ao homem que assassinou’.” (ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 9ª ed., trad. Leandro Konder. Ed. Civilização Brasileira S.A., Rio de Janeiro-RJ, 1984, pp. 8)

Quase 2.900 anos após os poemas homéricos e a peça Oréstia, de Ésquilo, no ano de 1861, o jurista, antropólogo e professor de direito romano na Universidade de Basileia (1841 a 1844), Johann Jakob Bachofen (1815-1887) lança sua obra Das Mutterrecht: eine Untersuchung über die Gynaikokratie der alten Welt nach ihrer religiösen und rechtlichen (em tradução livre: O direito da mãe: uma investigação sobre a ginecocracia do velho mundo segundo sua natureza religiosa e jurídica) cujos estudos abordam uma forma de sociedade primitiva onde o Matriarcado precedeu o Patriarcado na evolução das instituições humanas, questionando, deste modo, as teses tradicionais que colocavam a família patriarcal na base da sociedade compreendida entre 28.000 e 25.000 a.C. na qual o papel de liderança e poder é exercido e disseminado pela mulher (ginecocracia) e especialmente pelas mães de uma comunidade (o parentesco era matrilinear, não importando quem era o pai biológico), posto que são igualitárias no que se refere ao gênero, ao contrário das sociedades patriarcais que invertem o gênero dominante. Para além da sociedade matriarcal primitiva, Bachofen também nos revela outra ótica: o sexismo que culminou na opressão e na consequente destituição do lugar da mulher. Na leitura de Fernanda Siqueira Miguens, Doutora em Filosofia pela UFRJ, in O campo-santo de J.J. Bachofen e alguns rastros de um matriarcado primitivo,

“A crítica de Bachofen também é a uma certa concepção linear de tempo, pois, a partir do momento em que concebe que a cultura predetermina a maneira como existimos e nos sentimos diante do mundo, o autor aponta para o fato de que uma mudança nos papéis de gênero não acompanha exatamente uma ideia de desenvolvimento humano. Pois, ao que parece, a sua antropologia remete a um tempo em que as mulheres nasciam, eram jovens, amadureciam e morriam sem estarem atreladas a um cenário de opressão inerte.” (MIGUENS, Ensaios Filosóficos, Volume XVII – Julho/2018, pp. 9) (grifou-se)

Dando um salto na linha do tempo, e ainda nos atrelando ao fato de que uma mudança nos papéis de gênero não acompanha exatamente uma ideia de desenvolvimento humano,

“Nos séculos XIX e XX, as fábricas têxteis eram os principais motores do desenvolvimento industrial. Nesse contexto, as mulheres eram frequentemente recrutadas como mão-de-obra barata, desempenhando tarefas árduas em condições muitas vezes desumanas. Apesar das adversidades, essas mulheres desempenharam um papel crucial na produção em larga escala que impulsionou a economia industrial.

(...)

No entanto, as disparidades de gênero persistiram, com mulheres enfrentando obstáculos para avançar em suas carreiras e alcançar posições de liderança. Apesar desses desafios, muitas mulheres perseveraram e se destacaram em seus campos, tornando-se modelos a serem seguidos e inspirando gerações futuras de mulheres no setor industrial.” (Fonte: crtrj.gov.br <consultado em 28/10/2024>)

Em 25 de março de 1911, às 16h 45min, um incêndio nas dependências da “Triangle Shirtwaist Company” (companhia têxtil situada em Nova York/EUA, que empregava cerca de 600 trabalhadores, sendo a maioria formada por jovens mulheres imigrantes que laboravam 14 horas por dia em semanas de trabalho que compreendia 60 a 72 horas), ocasionado por falha nas instalações elétricas e associado à grande quantidade de têxteis inflamáveis armazenado em repartições da fábrica, onde a iluminação era a gás e não existiam extintores de incêndio, “vitimou, em 18 minutos, 129 mulheres e 17 homens2 que eram mantidos trancados durante o expediente com o objetivo de conter furtos de utensílios, tesouras, agulhas, fios ou pedaços do precioso algodão”.

Como resta claro, uma mudança nos papéis de gênero não acompanha exatamente uma ideia de desenvolvimento humano.


2. LIDERANÇA FEMININA

Ultrapassado o viés histórico e adotando um corte epistemológico e um recorte temporal, pretende-se aqui abordar a figura da mulher isenta do temor e da miséria, sob condições que lhe permitam usufruir plenamente de seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como de seus direitos civis e políticos, e não a figura da mulher coisificada e objetificada.

“Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir o meu sexo? [...] Ele quer comandar como déspota sobre um sexo que recebeu todas as faculdades intelectuais. [...] Esta Revolução só se realizará quando todas as mulheres tiverem consciência do seu destino deplorável e dos direitos que elas perderam na sociedade”. (ALVES, & PITANGUY, 1985, p. 33-34)

Essas mulheres, entre muitas outras, contribuíram e continuam contribuindo em diversas áreas, enfrentando machismo, sexismo, misoginia, discriminação, preconceito, racismo e xenofobia que permeiam a sociedade brasileira, independentemente do gênero:

  • Ana Néri (1814-1880; mulher branca, pioneira da enfermagem no Brasil, foi enfermeira voluntária na Guerra do Paraguai, condecorada e homenageada, à época, pelo imperador D. Pedro II. Foi a primeira mulher inscrita no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria).

  • Anésia Pinheiro Machado (1904-1999; mulher branca, foi a segunda mulher a conseguir o brevê de aviadora no Brasil e a primeira a realizar um voo solo em céu nacional. Conhecida mundialmente por seu ativismo nas causas feministas e pelas conquistas aéreas durante toda sua vida).

  • Angelita Habr-Gama (1933; mulher branca, médica brasileira, filha de libaneses refugiados, ingressou na graduação de Medicina em 1950. Foi a primeira cirurgiã graduada pela USP, a primeira mulher da América Latina a fazer parte do European Surgical Association, além de fundar a Associação Brasileira de Prevenção do Câncer de Intestino).

  • Anita Garibaldi (1821-1849; mulher branca, participou ativamente da Revolução Farroupilha, da Batalha dos Curitibanos no Brasil e também da Batalha de Gianicolo, na Itália, sendo nomeada “Heroína de Dois Mundos”).

  • Antonieta de Barros (1901-1952; mulher preta, filha de uma escravizada no Brasil, foi jornalista, fundadora e diretora do jornal A Semana, sendo a primeira mulher negra eleita deputada estadual pelo Estado de Santa Catarina).

  • Arethuza de Aguiar (1939; mulher branca, graduada em Direito, juíza de paz, tornou-se a primeira mulher a se divorciar no Brasil).

  • Auri Moura Costa (1911-1991; mulher branca, primeira mulher a assumir a função de juíza na história do Brasil, ingressando na magistratura em 31 de maio de 1939).

  • Bertha Maria Júlia Lutz (1894-1976; mulher branca, ativista feminista, bióloga, educadora, diplomata e política brasileira. Foi uma das figuras mais significativas do feminismo e da educação no Brasil no século XX. Conhecida como pioneira na luta pelo voto feminino no Brasil, cofundadora da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher (1919) e da Federação Brasileira para o Progresso Feminino (1922)).

  • Carolina Maria de Jesus (1914-1977; mulher preta, autora do best-seller Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada em 1960, traduzido e vendido em mais de 40 países).

  • Cecília Meireles (1901-1964; mulher branca, poeta, jornalista e educadora).

  • Chiquinha Gonzaga (1847-1935; mulher branca, compositora, maestrina e pianista, pioneira na música popular brasileira).

  • Carla Borges (1983; mulher branca, aviadora da Força Aérea Brasileira, foi a primeira mulher a pilotar um caça e o avião presidencial brasileiro).

  • Clara Camarão (ano de nascimento e morte desconhecidos; indígena da etnia potiguar, lutou e liderou uma tropa feminina contra as invasões holandesas em meados do século XVII, sendo considerada precursora do feminismo no Brasil).

  • Clarice Lispector (1925-1977; mulher branca, escritora e jornalista).

  • Cora Coralina (1889-1985; mulher branca, poeta e contista).

  • Dandara dos Palmares (1654-1694; mulher preta, expoente da luta pela libertação dos pretos e pretas no Brasil escravocrata).

  • Dilma Rousseff (1947; mulher branca, graduada em Economia, foi a primeira mulher a presidir o Brasil. Atualmente, preside o Novo Banco de Desenvolvimento, sediado em Xangai, na China).

  • Dorina Nowill (1919-2010; mulher branca, educadora, foi a primeira estudante cega a frequentar um curso regular no país e desenvolveu um método de educação para crianças cegas).

  • Edilene Lobo (jurista, advogada e acadêmica, primeira magistrada preta da história do Tribunal Superior Eleitoral).

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  • Ellen Gracie Northfleet (1948; mulher branca, professora, acadêmica, antropóloga, jurista, magistrada e socióloga. Tornou-se a primeira mulher a integrar a Suprema Corte do Brasil em 14 de dezembro de 2000).

  • Irmã Dulce (1914-1992; mulher branca, nascida na Bahia. Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes foi beatificada em 2010 pelo Papa Bento XVI e indicada ao Prêmio Nobel da Paz).

  • Jessie Jane Vieira de Souza (1949; mulher branca, professora do Instituto de História da UFRJ. Enquanto presa política, foi a primeira mulher casada a receber visita íntima no Brasil, da qual gerou uma filha).

  • Laudelina de Campos Melo (1904-1991; mulher preta, sindicalista, defensora dos direitos das mulheres, dos pretos e das empregadas domésticas).

  • Lélia Gonzalez (1935-1994; mulher preta, militante e intelectual, considerada um dos grandes nomes do movimento negro no Brasil).

  • Luciene Magalhães de Albuquerque (1963; mulher branca, primeira mulher a comandar uma tropa masculina no Brasil enquanto coronel da Polícia Militar de Minas Gerais).

  • Lygia Fagundes Telles (1923-2022; mulher branca, graduada em Direito, escritora, foi a primeira mulher brasileira indicada ao Prêmio Nobel de Literatura).

  • Maria Lacerda de Moura (1887-1945; mulher branca, professora, escritora, anarquista. Foi pioneira do feminismo no Brasil e abordou temas como emancipação feminina, amor livre, divórcio e combate ao militarismo).

  • Maria Quitéria (1792-1853; mulher branca, foi a primeira mulher a compor as fileiras do Exército brasileiro, tendo participado ativamente de combates).

  • Maria Rita Soares de Andrade (1904-1998; mulher preta, primeira juíza federal do Brasil, empossada em 25 de abril de 1967, e primeira mulher a integrar o Conselho Federal da OAB em 1930).

  • Marina Silva (1958; mulher preta, sindicalista, ativista do meio ambiente, fundadora da CUT. Foi vereadora, deputada estadual, senadora e atualmente é Ministra do Meio Ambiente).

  • Nise da Silveira (1905-1999; mulher branca, médica psiquiatra que revolucionou os tratamentos de saúde mental no Brasil).

  • Rachel de Queiroz (1910-2003; mulher branca, escritora, primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras e a primeira autora a receber o Prêmio Camões).

  • Rita Lobato Velho Lopes (1866-1954; mulher branca, primeira brasileira a se graduar em Medicina, em 1887).

  • Sueli Carneiro (1950; mulher preta, doutora em Filosofia pela USP, uma das mais importantes pesquisadoras do feminismo negro no Brasil).

  • Tarsila do Amaral (1886-1973; mulher branca, pintora, uma das fundadoras do movimento modernista brasileiro).

  • Tereza de Benguela (século XVIII; mulher preta, coordenou o Quilombo do Quariterê, maior quilombo do Mato Grosso).

  • Teresa Di Marzo Roesler (1903-1986; mulher branca, foi a primeira brasileira a conseguir o brevê de aviadora no Brasil).

  • Zilda Arns (1934-2010; mulher branca, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa. Foi inscrita no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria em 2023).


3. DA LIBERDADE PESSOAL E DA JUSTIÇA SOCIAL

O Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada em 22 de novembro de 1969, no âmbito da Organização dos Estados Americanos) e da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada em 9 de junho de 1994).

Ambos os acordos garantem às mulheres vítimas de violência doméstica amplo direito de defesa. Em relação aos acusados de cometer o delito, estes devem ser alvo de investigação policial rigorosa e, quando comprovada a culpa, precisam ser punidos.

Apesar disso, os esforços para coibir tais violências parecem não surtir efeito permanente diante do crescente número de vítimas.

Referência em pesquisas sobre gênero no Brasil, a professora Lourdes Maria Bandeira (1949-2021), do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), nos deixou um importante legado[4]: passou três anos estudando 1,7 mil casos de mortes de mulheres no Brasil para sua tese de pós-doutorado sobre feminicídio. A pesquisa revelou três principais motivações para a violência:

  • As mulheres desejam se separar, e os homens não aceitam;

  • Os homens suspeitam que estão sendo traídos pelas mulheres;

  • Os homens têm dificuldade em aceitar que a mulher possa seguir a vida de solteira.

Os dados que compõem o relatório "O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha: ano 2022"[5] apontam que, naquele período, o Poder Judiciário contabilizou 640.867 processos de violência doméstica, familiar e/ou feminicídio, sendo 399.228 sentenças proferidas, com ou sem resolução de mérito. No período compreendido entre 2015 e 2022, foram computados 9.150 feminicídios e 33.898 homicídios dolosos.

No ano de 2024, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública[6], os registros de violência contra a mulher apresentam os seguintes números:

  • Violência doméstica: 258.941 registros

  • Violência psicológica: 38.507 casos

  • Feminicídios: 1.467 vítimas

    • 63,6% eram mulheres pretas

    • 71,1% tinham entre 18 e 44 anos

    • 64,3% foram mortas dentro de casa

    • 90% dos assassinos eram homens

      • 63% eram parceiros íntimos

      • 21,2% eram ex-parceiros íntimos

      • 8,7% eram familiares

  • Stalking: 77.083 registros

  • Tentativas de homicídio: 8.372 vítimas

  • Ameaças: 778.921 registros

  • Tentativas de feminicídio: 2.797 casos

  • Medidas protetivas de urgência concedidas: 540.255 (81,4% das solicitações atendidas)

Os registros relacionados à violência sexual estão distribuídos da seguinte forma:

  • Importunação sexual: 41.371 registros

  • Assédio sexual: 8.135 registros

  • Divulgação de cena de estupro/sexo/pornografia: 7.188 registros

Em relação aos casos de estupro, ocorre 1 estupro a cada 6 minutos.s, sendo 83.988 vítimas de estupro e estupro de vulnerável (taxa de 41,4 por 100 mil).

  • 76% eram vulneráveis

  • 88,2% do sexo feminino

  • 52,2% eram mulheres pretas

  • 61,6% tinham até 13 anos

    • 11% entre 0 e 4 anos

    • 18% entre 5 e 9 anos

    • 32,5% entre 10 e 13 anos

  • Agressor das vítimas de 0 a 13 anos:

    • 64% eram familiares

    • 22% eram conhecidos

  • Agressor das vítimas acima de 14 anos:

    • 31,2% eram membros da família

    • 28,1% eram parceiros íntimos

    • 9,9% eram ex-parceiros

    • 13,2% eram conhecidos

  • Locais onde os estupros ocorreram:

    • Residência: 52,1% dos estupros, 64,7% dos estupros de vulnerável e 61,7% dos estupros + estupros de vulnerável

    • Via pública: 20,5% dos estupros, 10,6% dos estupros de vulnerável e 12,9% dos estupros + estupros de vulnerável

    • Área rural: 2,2% dos estupros, 2,5% dos estupros de vulnerável e 2,5% dos estupros + estupros de vulnerável

    • Sítios e fazendas: 0,9% dos estupros, 1,2% dos estupros de vulnerável e 1,1% dos estupros + estupros de vulnerável

    • Estabelecimentos comerciais/financeiros: 3,8% dos estupros, 1,4% dos estupros de vulnerável e 2,0% dos estupros + estupros de vulnerável

    • Hospitais: 1,5% dos estupros, 1,4% dos estupros de vulnerável e 1,4% dos estupros + estupros de vulnerável

    • Outros locais: 19,0% dos estupros, 18,2% dos estupros de vulnerável e 18,4% dos estupros + estupros de vulnerável

Segundo levantamento realizado pelo Monitor de Feminicídios no Brasil, até 31/08/2024, foram registrados 2.638 casos de feminicídios consumados e tentados. Apenas no primeiro trimestre de 2024 (janeiro a março), foram 994 feminicídios, sendo 449 casos consumados e 545 tentativas.

Dos dados escrutinados acima, indubitável que os crimes cometidos fazem o Brasil figurar no quinto lugar do ranking mundial7 da violência contra a mulher. Além disso, a nossa cultura/sociedade ainda se conforma com a discriminação da mulher por meio do pensamento machista, sexista, misógino, bem como de discriminação, preconceito, racismo, xenofobia, levando, por vezes, à coisificação e objetificação da mulher, o que justifica a aplicação da Lei nº 11.340/2006 (a Lei Maria da Penha é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência de gênero8) e da Lei nº 14.857/2024 [que assegura o sigilo do nome das vítimas em processos judiciais relacionados a crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher], bem como constitui fundamento para a criação de novas leis e mecanismos visando ampliar a proteção à vida das mulheres vítimas de violência [vide Lei nº 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann), Lei nº 12.845/2013 (Lei do Minuto Seguinte), Lei nº 12.650/2015 (Lei Joana Maranhão) e Lei nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio)].

Como preceitua o art. 226. da CF/88, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado que assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Todavia, diante das graves violações aos direitos da mulher - principalmente violência contra a mulher (seja patrimonial, sexual, física, moral e psicológica) -, tornou-se necessário tipificar a morte de mulheres (feminicídio) no rol de crimes hediondos. No que tange a violência doméstica, as agressões que permeiam tais lares constituem em humilhação, xingamento, diminuição da autoestima, retirar/impedir a liberdade de crença/credo, gaslighting (forma de abuso mental que consiste em distorcer os fatos e omitir situações para deixar a vítima em dúvida sobre a sua memória e sanidade), controle e opressão (caracterizados pelo comportamento obsessivo do homem sobre a mulher, com o intuito de controlar o que ela faz, não deixá-la sair, isolar sua família e amigos ou procurar mensagens no celular ou e-mail), veicular ou fazer veicular fotos íntimas nas redes sociais como forma de vingança, forçar atos sexuais, impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obriga-lá a abortar, guardar ou retirar dinheiro/valores contra a vontade da mulher, quebrar objetos ou arremessar objetos contra a mulher.

Infelizmente, escapa aos olhos a aplicação, de forma efetiva e profícua, tanto da CF/88 quanto das novas leis e mecanismos, a proteção à vida das mulheres vítimas de violência tais como negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.

No que tange às medidas protetivas de urgência (que poderão ser concedidas pelo Juízo, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, e que vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes), mesmo aplicadas em conjunto ou separadamente, vêm se mostrando ineficazes diante do medo das vítimas e da falta de cumprimento das legislações específicas; equivale dizer que, infelizmente, as mulheres não encontram segurança nem em seus lares nem fora deles9.

“A habitualidade destes crimes remete, dentre as principais causas, aos crimes de poder: a natureza das relações interpessoais entre as partes; a banalização e a incorporação do uso sistemático da violência para a resolução de conflitos cotidianos, as diversas situações de hierarquias que permeiam as relações de afetividade.” (BANDEIRA, 2009)

Do todo exposto até aqui, resta hialino que a violência contra a mulher apresenta-se de forma linear e cíclica. Seja Nausicaä, Areté, Penélope, Clitmnestra, Ifigênia... pode-se aferir que filhos(as) que vivem em lares expostos à violência tendem a se acostumar com o que veem e, por vezes (quiçá, inúmeras vezes), nutrem uma falsa ideia de “poder do homem” (genitor, companheiro ou ex-companheiro) sobre a mulher; em alguns casos, tal comportamento pode induzir a prole a entronizar princípios e ideias equivocados acerca do LAR10 (Lugar de Afeto e Respeito) e da família. De acordo com o DIEESE, a maioria dos domicílios no Brasil é chefiada por mulheres11: dos 75 milhões de lares, 50,8% tinham liderança feminina, o correspondente a 38,1 milhões de famílias. 34,2% eram de arranjos familiares com filhos, 29,0% de famílias monoparentais com filhos, 14,6% de casais sem filhos e 14,6% de famílias unipessoais, no 3º trimestre de 2022. Indo além, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2021, revelaram que 12 milhões de mães criam seus filhos sozinhas (família monoparental), sendo mais de 64% as que vivem abaixo da linha da pobreza.

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Sobre o autor
Carlyle Leite Moreira

Graduado em História (Universidade Federal do Espírito Santo - UFES), Especialista em História Política e Social (UFES) e em Gestão Empresarial (Faculdade Machado Sobrinho/Juiz de Fora - MG); graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (campus Juiz de Fora – MG).︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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