6.CONCLUSÃO
Se é certo que o controle de constitucionalidade surgiu nos Estados Unidos, também é inegável que a Europa, na busca de seu próprio controle, modificou-o, e, no âmbito da própria Europa, mais precisamente na França, esse controle sofreu novas alterações substanciais.
O surgimento do modelo americano foi apenas o passo inicial de uma teoria de controle de constitucionalidade, maturada por sucessões de construções teóricas e experiências dogmáticas.
Não é raro encontrar ordenamentos jurídicos positivos com interferências dos três modelos de controle, geralmente, com predominância de um dos modelos. O controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro é referência de como as mencionadas construções teóricas podem se interpenetrar.
O controle de constitucionalidade no Brasil alberga o controle prévio, de nítida influência francesa, realizado no curso do processo legislativo; há também o controle difuso, à semelhança do americano, pois a todo e qualquer juiz, obedecidas determinadas regras – como a "reserva de Plenário" nos tribunais -, é possibilitado o controle de constitucionalidade no caso concreto; havendo, ainda, a possibilidade do controle por meio de ações diretas, tal qual preconizado por Kelsen, ajuizadas de forma abstrata e concentrada, prescindindo da defesa de direito subjetivo, sendo exemplos a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade.
Sem embargo das críticas que podem ser feitas ao controle brasileiro, por sua heterogeneidade [52], temos no Brasil um exemplo paradigmático de como as diversas concepções de controle podem ser reunir, e efetivamente o fazem, em um dado ordenamento jurídico.
A associação entre os diversos modelos de jurisdição constitucional, afinal, é uma tendência, pois a evolução dos sistemas constitucionais conduz, paralelamente a uma aproximação entre os próprios Estados, regida e acentuada pelas causas e efeitos da globalização econômica, a uma sintonia e influência recíproca entre os diferentes paradigmas de controle, aproximando os modelos políticos e jurisdicionais de controle, e, do mesmo modo, as formas difusas e concentradas de fiscalização de constitucionalidade.
REFERÊNCIAS
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Notas
01 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
02 KELSEN, Hans. op. cit., p. 247.
03 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2007.
04 SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 45.
05 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1995, p. 34.
06 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Fabris, 1999.
07 CLÈVE, Clèmerson Merlin. op. cit., p. 50.
08 CAPPELLETTI, Mauro. op. cit., p. 58.
09 SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
10 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
11 SALDANHA, Nelson. op. cit.
12 A idéia de controle de constitucionalidade surgiu na análise de uma caso concreto, o caso "Marbury vs Madison". Em 1803, Adams era o Presidente dos Estados Unidos, perdendo a sucessão presidencial para Thomas Jefferson. Antes de deixar o mandato presidencial, Adams nomeou partidários para vários cargos públicos. Marshall foi um desses nomeados, sendo regularmente empossado como Presidente da Suprema Corte. Alguns nomeados, entretanto, diferente de Marshall, não conseguiram ser empossados antes da posse do novo Presidente. Adams deixou os atos de nomeação preparados, faltando apenas a efetiva posse. Marbury foi um dos nomeados que não conseguiram tomar posse, tendo sido designado para o cargo de Juiz de Paz.
O novo Presidente, Jefferson, tomou posse, nomeando James Madison como seu Secretário de Estado. Madison, sob ordens de Jefferson, não entregou o ato de nomeação a Marbury, sob alegação de que esse ato estaria incompleto. Irresignado por não assumir o cargo, Marbury, ingressa com ação perante a Suprema Corte.
Marshall, Presidente da Suprema Corte, decide que Marbury tem direito a assumir o cargo, mas não concede esse direito, pois a ação foi impetrada diretamente na Suprema Corte, como regia a legislação da época, contudo, a competência da Corte estava listada taxativamente na Constituição, e nessa não se encontrava a competência para esse tipo de julgamento. Deste modo, Marshall decide pela inconstitucionalidade do artigo da lei que concedia essa competência à Suprema Corte, pois tal norma era contrária à Constituição. Nasce, assim, o primeiro caso de controle de constitucionalidade. POLLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.43.
13 Marshall. Decisões constitucionais. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.
14 MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à lei n. 9. 868, de 10-11-1999. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 6.
15 BITTENCOURT, Lúcio. Controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 23.
16 DANTAS, Ivo. O valor da constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
17 COELHO, Sacha Calmon Navarro. O controle da constitucionalidade das leis e do poder de tributar na Constituição de 1998. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 81.
18 CLÈVE, Clèmerson Merlin. op. cit.
19 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.
20 SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.38.
21 HORTA, Raul Machado. op. cit., p. 155.
22 Dos membros do Tribunal, oito efetivos e três suplentes são escolhidos pelo Governo Federal, entre eles o presidente e o vice. Os demais membros, 6 efetivos e 3 suplentes, são escolhidos pelo Parlamento. MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da constituição. São Paulo: Atlas, 2000.
23 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 115.
24 DANTAS, Ivo. op. cit.
25 MORAES, Alexandre de, Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da constituição. São Paulo: Atlas, 2000, p. 134.
26 BONAVIDES. Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 299.
27 HORTA, Raul Machado Horta. O controle da constitucionalidade das leis no regime parlamentar. Belo Horizonte: UFMG, 1953, p. 79.
28 DANTAS, Ivo. O valor da constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
29 BONAVIDES. Paulo. op. cit.
30 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
31 MORAES, Alexandre de, Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da constituição. São Paulo: Atlas, 2000, p. 145.
32 CLÈVE, Clèmerson Merlin. op. cit., p. 50.
33 "A partir da Constituição Republicana de 1891, sob a influência do direito norte-americano, consagra-se, no direito brasileiro, mantida até a CF/88, a técnica de controle de constitucionalidade de lei ou ato com indiscutível caráter normativo (desde que infraconstitucionais), por qualquer juiz ou Tribunal, observadas as regras de competência e organização judiciária. Trata-se do denominado controle difuso de constitucionalidade, repressivo, posterior ou aberto, pela via de exceção ou defesa, pelo qual a declaração de inconstitucionalidade implementa-se de modo incidental (incidenter tantum) [...]". LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 2007, p. 151.
34 SILVA, José Afonso da Silva. op. cit., p. 554.
35 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 132.
36 LENZA, Pedro. op. cit. 165.
37 Há, contudo, duas exceções a esta regra, hipóteses em que haverá controle repressivo realizado por órgãos distintos do Judiciário. O primeira exceção vem disposta no artigo 49, V, da Constituição Federal, que estabelece ser competência exclusiva do Congresso Nacional a sustação de atos normativos que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. É competência exercida através de Decreto Legislativo exercido pelo Congresso. No primeiro caso, sustação de atos que exorbitem ao poder regulamentar, há quem defenda (LENZA, Pedro. op. cit., p. 168), que a questão não é de constitucionalidade, mas de controle de legalidade de um ato infralegal, o decreto regulamentar em face da lei. Assim, restaria o Decreto Legislativo expedido para sustar atos que exorbitem dos limites da delegação legislativa como exemplo dessa primeira exceção ao controle jurisdicional posterior.
A segunda exceção decorre do disposto no artigo 62 da Constituição Federal, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República pode adotar Medidas Provisórias com força de lei, submetendo-as, de imediato ao Congresso Nacional. Desde a publicação, as Medidas Provisórias têm força de lei. A Medida Provisória está completa com a sua edição pelo Executivo, sendo a submissão ao Legislativo posterior ao ato, que já se encontra perfeito. Deste modo, entendendo o Congresso que a medida é inconstitucional, estará realizando controle de constitucionalidade, o qual será repressivo, contra ato normativo perfeito em sua formação.
38 COELHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit., p. 194.
39 SILVA, José Afonso da Silva. op. cit. p. 554-555.
40 MELLO, José Luiz de Anhaia. Da separação de poderes á guarda da constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. Nesse livro, inclusive, o autor sustenta que o Brasil deveria adotar o sistema das Cortes Constitucionais.
41 Embora a inconstitucionalidade por omissão seja estuda neste tópico, relativo ao controle concentrado, destacando-se a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, deve ser ressaltado que o sistema de controle brasileiro, de forma inovadora, criou a possibilidade de um controle de inconstitucionalidade por omissão de forma concreta e incidental: o mandado de injunção. O mandado de injunção pode ser impetrado quando a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Observa-se que "o mandado de injunção foi concebido como instrumento de controle concreto ou incidental de constitucionalidade da omissão, voltado à tutela de direitos subjetivos. Já a ação direta de inconstitucionalidade por omissão foi ideada como instrumento de controle abstrato ou principal de constitucionalidade da omissão, empenhado na defesa objetiva da Constituição. Isso significa que o mandado de injunção é uma ação constitucional de garantia individual, enquanto a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é uma ação constitucional de garantia da Constituição". CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 553.
42 COELHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit.
43 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle da constitucionalidade, aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 55.
44 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 1100.
45 CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Do controle da constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense.
46 Até que seja expedida resolução do Senado Federal suspendendo a lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em regra, as decisões tomadas no controle de constitucionalidade difuso têm efeitos apenas inter partes. Contudo, com o apoio do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, surge no STF a tendência de aplicar efeitos erga omnes também no controle difuso de constitucionalidade, quando realizado pelo Supremo. Seria o caso de uma "abstrativização do controle difuso" (LENZA, Pedro. op. cit. p. 182). Tal tendência, embora, pelo menos por enquanto, ainda não pacificada, vem acentuado-se, como se percebe, principalmente nas razões de alguns votos, no RE 197.917/SP e no HC 82959/SP. Ainda, na Rcl 4335/AC, em julgamento, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes vai além, defendendo a desnecessariedade da Resolução do Senado Federal para conferir efeitos erga omnes a decisão definitiva do Supremo em controle difuso. Para ele, em tese inovadora, a Resolução do Senado teria simples efeito de publicidade, não sendo essencial para que a decisão definitiva do STF, em controle incidental, passasse a ter efeitos gerais. São teses em processo de maturação, não estando pacificadas, mas refletem a constante evolução dos sistemas de controle de constitucionalidade.
47 CAPPELLETTI, Mauro. op. cit., p. 76.
48 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 979.
49 COELHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit., p. 195.
50 BONAVIDES, Paulo. op. cit. p. 301.
51 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 206.
52 Também há quem defenda com vigor este modelo. "Nós, brasileiros, temos o uso e o vezo de criticar tudo que é nosso, preferindo quase sempre o importado. Entendemos que, em matéria de controle de constitucionalidade, não podemos nos queixar". FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Direito constitucional comparado. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 298.