A ciência política e sua relevância no processo de impeachment no Brasil

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RESUMO

O presente estudo visa analisar o instituto do impeachment como configurado no ordenamento jurídico brasileiro, em meio a suas faces jurídicas e políticas que englobam o procedimento. O trabalho, municiado dos métodos hipotético-dedutivo, tem como objetivo principal ponderar o quanto a influência política pode induzir o processo de impeachment e de que maneira tais aspectos podem se sobrepor ao ordenamento jurídico vigente. Neste diapasão, o estudo examinou o instituto sob uma ótica jurídica, através das disposições formais do procedimento, tendo como escopo a Constituição da República Federal do Brasil e a Lei Federal nº 1.079 de 10 de abril de 1950. Ademais, foram consideradas questões da ciência política abarcadas por diversos autores da área, que contribuíram para discussão da temática desenvolvida. Conclui-se que o procedimento do impeachment, regulamentado por legislação federal, está permeado pelo viés político no Brasil.

Palavras-chave: Impeachment. Crime de Responsabilidade. Natureza jurídica política. Direito constitucional. Ciência Política.

ABSTRACT

The present study aims to analyze the impeachment institute as configured in the Brazilian legal system, amid its legal and political aspects that encompass the procedure. The work, using hypothetical-deductive methods, has the main objective of considering how much political influence can induce the impeachment process and how these aspects may overlap with the current legal system. In this tuning fork, the study examined the institute from a legal point of view, through the formal provisions of the procedure, having as scope the Constitution of the Federal Republic of Brazil and Federal Law No. 1.079 of April 10, 1950. Furthermore, issues of science were considered politics covered by several authors in the area, who contributed to the discussion of the theme developed. It is concluded that the impeachment procedure, regulated by federal legislation, is permeated by the political bias in Brazil.

Keywords: Impeachment. Crime of Liability. Political legal nature. Constitutional Law. Political Science.


INTRODUÇÃO

O tema objeto deste estudo é eminentemente atual na sociedade brasileira, haja vista os recentes episódios de impeachment em face de: Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff que resultaram em ambos os casos, na destituição do cargo presidencial em virtude da efetivação do instituto ora analisado. Neste contexto fático, frisa-se que o instituto do impeachment ganhou evidência na política e na doutrina jurídica.

Logo, imperativo mencionar que o referido instituto não deve ser compreendido apenas no tocante à responsabilização do Presidente da República pelos crimes de responsabilidade cometidos por este, mas também, em face dos chefes do executivo das esferas estadual e municipal que o cometer. Ainda, o processo em tela poderá alcançar figuras públicas de grande relevância jurídica, quais sejam: o Procurador-Geral da República e os Ministros do Supremo Tribunal Federal, visando penalizar aqueles agentes públicos que se comportam de forma indistinta ao cargo.

Diante de tais considerações iniciais, o presente trabalho tem como marco principal levantar a discussão por uma análise crítica sobre a natureza do impeachment, permeando as diversas faces do instituto através do viés político e jurídico. Portanto, a finalidade é abordar o procedimento sob a ótica da sua natureza política, a fim de compreender o exercício de jurisdição excepcional do Senado Federal no que tange ao julgamento do processo de impeachment, e a eventual interferência do poder judiciário neste cenário.

Assim sendo, serão analisados quais são os motivos motores para a eventual instauração do processo de impeachment em face de um agente público, bem como os ritos e os achaques que viabilizam a abertura dele. Ademais, após a instauração, o processamento e o julgamento pelo Senado Federal, contata-se que a máxima punição ao acusado não ultrapassa da esfera política do indivíduo, fato que nos possibilita a questionar a natureza jurídica criminal do processo de impeachment, passando este então a desempenhar uma função política no ordenamento jurídico brasileiro.

Em suma, o trabalho buscou realizar uma análise política em face de um instituto. Para tanto, municiado dos métodos hipotético/dedutivo, pesquisas bibliográficas e estudos jurisprudenciais dos recentes casos que nortearam a sociedade brasileira, fora possível elencar o quanto os critérios políticos nas hipóteses determinantes do processo de impeachment podem se sobrepor aos jurídicos.

Assim sendo, devem-se apontar os fatores que o impeachment poderá sofrer e ser configurado por aspectos de natureza política, analisando sua controversa natureza jurídica, isto é, admitindo-se a possibilidade da destituição do Presidente da República do exercício da sua função, por julgadores que compõe o cenário político brasileiro – Senadores Federais-, os quais formarão sua opinio delict sobre o caso através de outros fatores (pressão social, alianças partidárias, emendas parlamentares, relacionamento pessoal com o acusado), não necessariamente utilizando de fundamentos técnico-jurídicos para decidir sobre o mérito objeto da denúncia que deu origem ao processo de impeachment.

Neste cômoro, o segundo capítulo do presente trabalho, far-se-á um aprofundado estudo jurídico do instituto do impeachment com escopo na Lei 1.079 de 10 de abril de 1950 e nos moldes da Constituição da República Federal do Brasil. Nesta ocasião, o estudo debruça-se sob uma apreciação jurídica do procedimento de impeachment, observando desde os crimes de responsabilidade, a legitimidade do sujeito ativo para realizar a denúncia em face do agente público que eventualmente cometeu crime de responsabilidade, bem como as fases do procedimento, o julgamento e suas consequências.

Em seguida, no terceiro capítulo, a fim de compreender a natureza do instituto, serão analisadas correntes que ensejam a controvérsia da natureza do procedimento do impeachment, sendo elas: a natureza jurídica - criminal e a natureza política. Nesse toar, o objeto de estudo afasta-se da superficial aplicação da norma para então expor o fato em sua realidade jurídica, alcançando fatores que nos viabilizam a fomentar tais discussões acerca da real natureza do intuito, tais como: as sanções aplicadas aos agentes, o poder legislativo enquanto corte jurídica, a intervenção do poder judiciário na decisão e proferida pelo Senado e sua eventual revisão.

No quarto capítulo, são levantadas questões como o papel da mídia na consolidação do processo de impeachment, bem como na formação da opinião pública e a opinião dos deputados/senadores, entre outros fatores identificados como relevantes, com base na leitura de uma perspectiva da ciência política aplicada principalmente no que tange aos seus aspectos políticos, ideológicos e institucionais que contribuem para desencadear do processo de impeachment no Brasil.

Não obstante, frisa-se que o presente trabalho não tem o objetivo de propor discussões políticas acerca do tema, nem fazer qualquer menção ideológica ou partidária sobre os procedimentos de Impeachment já consumados no Brasil. Assim, destaca-se que o cerne deste estudo é a estritamente a análise crítica da técnica do procedimento, não adentrando no mérito da destituição do cargo de Presidente da República de: Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff.

Por tais motivos, atesta-se o quão palpitante e intrigante se mostra o estudo acerca das correntes controversas que sustentam a natureza jurídica ou política do processo de impeachment.


AS REGRAS DO JOGO DO IMPEACHMENT À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL

Em meio a um cenário político e econômico conturbado, um país dividido entre dois polos que se conflitam constantemente e diante da ausência de um sentimento de tolerância entre os que pensam de maneira diversa, emerge uma pressão social para que destituir o Presidente da República do seu cargo, através do procedimento do impeachment previsto em nossa legislação.

Diante de tal contexto, este capítulo terá como finalidade discutir o processo de destituição do detentor do mais elevado cargo político do Poder Executivo, legitimamente eleito pela vontade popular. Em breve análise, por se tratar de tal tarefa, existe inúmeras disposições a serem observadas quanto aos aspectos jurídicos do procedimento que serão discutidas abaixo.

A priori, cumpre ressaltar que o Impeachment do cargo de Presidente da República em seu procedimento, muito se estreita com a regulamentação processual penal brasileira, embora não deva atribuir à natureza penal a este instituto. Contudo, assim como o processo penal em sua essência, o processo de Impeachment tem como finalidade a aplicação de uma sanção ao julgado, o que de forma paralela e comparativa a matéria criminal, resulta na pretensão punitiva do Estado.

Outro fator inicial e de suma importância para a compreensão do processo de Impeachment é a ausência explícita de disposição legal sobre a fase preliminar à denúncia do crime de responsabilidade cometido pelo Presidente da República, não tendo a Constituição Federal e a Lei do Impeachment disposto claramente acerca desta fase preliminar. Todavia, não se pode falar em processo sem investigação, fazendo-se por si só, lógica a premissa de uma fase pré-processual, ainda que primitiva no procedimento.

Logo, corroborando tal análise, deve se observar que a Lei 1.079 de 10 de abril de 1950, ao permitir em seu artigo 14, que qualquer cidadão denuncie o Presidente da República por crime de responsabilidade, que seja afastada da competência do Ministério Público a titularidade da ação, estabelece uma fase preliminar a instauração do procedimento, estabelecendo que qualquer cidadão no gozo de seus direitos, poderá denunciar o Chefe do Executivo por Crime de responsabilidade e, por conseguinte, não incumbe à polícia judiciária proceder a fase investigatória.

Insta salientar que o procedimento do Impeachment, previsto tanto pela Constituição Federal quanto pela Lei 1.079/50, não deve ser compreendido como início de todo o processo, mas como a finalidade jurídica deste, ou seja, para sua instauração existiram diversos instrumentos que o antecederam, até que o mesmo fosse instaurado, tendo em vista que o instituto não se trata da instauração do procedimento e muito menos do seu julgamento, como assim nos ensina Cretella:

A casa não começa pelo telhado, mas pelo alicerce. Denuncia. Apuração pela CPI. Relatório da CPI. Câmara dos Deputados. Senado Federal. Assim, não se pede imediata e diretamente o impeachment do Presidente da República. Impeachment não é início. É fase final do “processus”. (CRETELLA, 1992, p. 57)

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Assim, obedecendo aos aspectos formais e a Lei Especial 1079/50 a propositura de um impeachment contra o Presidente da República possui etapas que deverão ser realizadas a fim de que seja garantida a legalidade do processo. Para tanto, deverá ocorrer à denúncia do ato delituoso ao órgão competente, o juízo de admissibilidade pela Câmara dos Deputados e posterior julgamento da ação pelo Senado Federal (Brandalise, 2015).

Do crime de responsabilidade

A fim de ampliar o entendimento sobre o Impeachment, mister trazer à baila o conceito das infrações que resultam na investidura do procedimento: os crimes de responsabilidade. Logo, os crimes de responsabilidade correspondem aos atos delituosos cometidos por determinados agentes públicos, e para Alexandre de Moraes:

Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas definidas na legislação federal, cometidas no desempenho da função, que atentam contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais. (MORAES, 2007, p.458).

Muito embora o crime de responsabilidade receba a terminologia de “crime”, seu tratamento jurídico afasta-se da natureza jurídica processual - penal, ao passo que se configura de cunho nitidamente político. Neste ínterim Celso Ribeiro Bastos manifesta-se no sentido de que:

Pode-se dizer que os objetivos do impeachment são diversos dos da lei penal. Esta visa, sobretudo à aplicação de uma medida punitiva, como instrumento de serviço de repressão ao crime. O processo de impeachment almeja antes de tudo a cessação de uma situação afrontosa à Constituição e às leis. A permanência dos altos funcionários em cargos cujas competências, se mal exercidas, podem colocar em risco os princípios constitucionais e a própria estabilidade das instituições e a segurança da nação, dá nascimento à necessidade de uma medida também destinada a apeá-los do poder. (BASTOS, 1995, p. 158).

Neste diapasão, a Carta Magna denomina os crimes de responsabilidade, aqueles que atentam contra a própria Constituição. De tal modo, a configuração dos crimes de responsabilidade se fez, quando da necessidade de proteção do que a Carta magna chama de crimes que atentam contra a própria Constituição Federal, segundo o disposto por esta em seu artigo 85:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes Constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do país; V – a probidade da administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único – Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. (BRASIL, 1988).

Ademais, além dos crimes elencados pela Constituição Federal, ainda deve-se observar o que dispõe a Lei 1.079/1950, a qual elenca a possibilidade de configurar como fato típico ensejador de responsabilidade, os atos do Presidente da República que atentarem contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, como assim dispostos no artigo 4ª, VII da Lei Especial:

São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] VII – a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos [...]. (BRASIL, 1950).

Não obstante sobre a matéria acerca da natureza dos crimes de responsabilidade tende ao cunho de uma infração política, insta salientar que a tipificação legal estabelecida na Carta Magna e na Legislação Especial remete a uma punição ao governante que ofender a algum bem jurídico que o Estado visa proteger.

A partir daí a premissa que Constituição e a Lei 1079/50 dotam o Instituto do impeachment de jurisdição, ainda que a natureza seja um tanto quando política, como meio efetivo para atingir a responsabilização da autoridade infratora e assegurar a efetiva aplicação do Estado Democrático de direito.

Da denúncia

Em primeira análise, cumpre esclarecer que a Lei 1.079/50 é clara e notória quando dispõe sobre a possibilidade de qualquer cidadão proceder à denúncia do Presidente da República por crime de responsabilidade. Neste contexto fático, todo aquele que tem a prerrogativa de gozar de seus direitos civis e políticos do Estado em que nasceu e tem a consciência de exercer tais direitos e deveres, é permitido denunciar o Presidente da República pelo cometimento de crime de responsabilidade.

Desta forma, a leitura do artigo 14 da Lei 1.079/50, que trata do procedimento de denúncia, ratifica a prerrogativa de ser autor da denúncia em face do Presidente da República, todo e qualquer cidadão. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República [...], por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados. ” (BRASIL, 1950).

Destaca-se aqui, que o legislador procurou ser bastante claro e objetivo ao definir a legitimidade ativa da denúncia:

Todo cidadão é capaz de denunciar por impeachment e não qualquer do povo. A diferença se dá quando somente as pessoas no pleno gozo de seus direitos políticos podem propor a denúncia em desfavor do Chefe do Poder Executivo Federal. Isto porque, o ato criminoso de responsabilidade fere a cidadania da pessoa, assim, só o cidadão poderá ter sua cidadania violada. Nada impede, desta forma, que o parlamentar denuncie, porém, o fará como cidadão brasileiro, e não como autoridade pública. (SCHMIDT, 2007).

Outrossim, a respeito da denunciabilidade popular, Pontes de Miranda destaca a concordância de que continuam legítimos os dispositivos da Lei 1.079/50. Vejamos:

Essa questão - que consiste no reconhecimento da legitimidade ativa de qualquer cidadão (vale dizer, de qualquer eleitor) para fazer instaurar, perante o Supremo Tribunal Federal, o concernente processo de impeachment contra Ministro de Estado - assume indiscutível relevo político-jurídico. É irrecusável, no entanto, que, em tema de ativação da jurisdição constitucional pertinente ao processo de impeachment, prevalece, em nosso sistema jurídico, enquanto diretriz básica, o “princípio da denunciabilidade popular. (MIRANDA, 1969, p. 355)

Noutro norte, dada a legitimação ativa a qualquer cidadão para oferecer a denúncia em face do Chefe do Executivo, há quem compete exercer o juízo de admissibilidade e instauração da eventual ação, se resta atribuída privativamente à Câmara dos Deputados, como assim disposto pela Carta Magna em seu artigo 51, I:

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; (BRASIL, 1988)

Contudo, faz-se necessário destacar que compete a Câmara dos Deputados, o mero juízo de admissibilidade, não cabendo aos seus membros a análise do mérito da denúncia, ou seja, aos fatores jurídicos que motivaram ao cidadão a questionar os atos praticados pelo Chefe do Executivo.

Diante da admissibilidade da denúncia e de acordo com o quórum mínimo exigido em Lei para o recebimento desta, qual seja 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados, fica evidente que fora preenchido o requisito formal exigidos pela Lei, dando assim, procedência a peça acusatória.

Lado outro, após a admissibilidade da denúncia em face do Presidente da República, será eleita uma comissão especial na forma do art.19 da Lei 1.079/50, “observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre mesma. ” E, dentro do prazo de 48h a respectiva comissão, deverá se reunir para eleger seu Presidente e relator, ainda na forma do artigo 20 da referida lei para então em 10 dias emitir o parecer que dirá se a denúncia deverá ou não ser julgada.

Diante de tal cenário, em conformidade com os parágrafos que se seguem da Lei Especial em comento, deverá o parecer elaborado pelo Relator da Comissão Especial ser lido no expediente da sessão da Câmara dos Deputados e publicado integralmente no Diário do Congresso Nacional, tendo o prazo de 48h para “o mesmo incluído, em primeiro lugar, na ordem do dia da Câmara dos Deputados, para uma discussão única”. (BRASIL, 1950).

Após a discussão sobre o parecer, haverá a votação nominal, e caso a denúncia venha a ser aceita, será remetida uma cópia ao denunciado para que abra o prazo de 20 dias da contestação na forma da lei:

Art. 22. Encerrada a discussão do parecer, e submetido o mesmo a votação nominal, será a denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não for considerada objeto de deliberação. No caso contrário, será remetida por cópia autêntica ao denunciado, que terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado. (BRASIL, 1950)

Imperativo se faz mencionar que durante todo o processo de votação nominal na Câmara dos Deputados visando à continuidade ou não do procedimento de acusação, em consonância com o Art. 23 da Lei 1.079/50 e seus respectivos parágrafos, espera-se que ocorra a estrita observância a transparência durante todo o trâmite, uma vez que o referido órgão fora eleito para representar a vontade do povo.

Nessa vertente, o quórum de votação dois terços dos membros da Câmara dos Deputados aprova a acusação do Presidente da República, que será imediatamente suspenso do exercício de suas funções e receberá apenas a metade de seus subsídios ou vencimentos até a decretação da sentença.

Do julgamento e da competência para julgar

No que diz respeito à competência de julgamento do processo de impeachment, a Constituição Federal complementada pela Lei do Impeachment, ora 1.079/50, traz a possibilidade de, em caráter excepcional, a competência de atribuição de o julgamento ser do Senado Federal. Ainda, competência essa pela qual:

A Lei Básica delega ao Senado Federal funções jurisdicionais para os casos de impeachment. Trata-se de uma atribuição toda especial e, por essa razão, vem expressa na Constituição Federal que reveste o Senado do caráter de Tribunal competente e Juiz natural do impeachment. (RICCITELLI, 2006, p 69)

Portanto, o Senado Federal dota-se de poder jurisdicional estritamente quanto aos casos de julgamento da prática de crime de responsabilidade cuja autoria seja do Presidente da República, uma vez que, em consonância com o artigo 86 da Constituição Federal:

Art. 86 Admitida à acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. (BRASIL, 1988)

Destarte, quando ocorre a permuta de competência jurisdicional ao poder legislativo, este atua na forma do judiciário e exercerá:

Função jurisdicional deixando de elaborar leis, para exercer a função material para 12 proferir julgamentos, prolatando sentenças de força jurisdicional, processando e julgando casos em que se encontram na posição de réus, o Presidente da República e Vice-Presidente da República, os Ministros do Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República e o Advogado Geral da União, sempre que trate de crime de responsabilidade, não de crime comum. (RICCITELLI, 2006, p. 72).

Isto posto, o processo de julgamento do Impeachment será julgado fora das linhas de um gabinete no qual assenta um juiz de direito, afinal, referido será julgado por um tribunal político que deverá atender a todas as formalidades exigidas para o estrito cumprimento da legalidade de todo o processo.

Diante disso, à luz dos artigos 14 a 38 da Lei do Impeachment, a instauração da ação se dará com a denunciação do crime de responsabilidade, realizada por qualquer cidadão e protocolada em uma das casas do Congresso Nacional. Em ato contínuo, se prosseguirá pela aceitabilidade da acusação, ampla defesa e contraditório do acusado, e posterior julgamento da lide. (BRASIL, 1988)

Outro ponto de suma importância é a vinculação do Senado Federal a decisão emana pelos membros da Câmara dos Deputados. Isso porque, após haver a aprovação da acusação ao presidente da república, e o delito se configurarem como crime de responsabilidade, não há a faculdade de o Senado se negar a analisar o mérito.

Ainda, observa-se que inobstante a complexidade do procedimento, o Presidente da República poderá retornar às suas funções após 180 dias da instauração do processo, caso o julgamento não estiver concluído, como assim dita a Constituição Federal em seu art.86, senão vejamos ipsis literris:

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. §2°. Se decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. (BRASIL, 1988)

Conclui-se que o referido período estipulado pelo artigo acima mencionado, se configura como um prazo razoável e sugestivo, ao qual deverá ser instaurado, instruído e julgado o processo de impeachment sem que o ocupante do cargo denunciado se mantenha no poder. De maneira que, decorrido tal lapso temporal, fica o Presidente da República autorizado a retornar ao seu cargo, não ensejando tal feito, no entanto, no fim da ação.

As consequências do julgamento

No que tange as consequências do julgamento realizado pelos Senadores da República, temos uma sentença condenatória, proferida pelo voto de dois terços dos respectivos membros do Senado Federal. Neste toar, após a referida condenação, a pena a ser aplicada ao Presidente da República, em conformidade ao artigo 52 da Carta Magna, não excederá “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (BRASIL, 1988).

Diante de tal análise do artigo acima mencionado, com a expressa determinação legal do período de inabilitação do Chefe do Executivo da União, afasta-se a disposição do artigo 33 da Lei do Impeachment que determinaria, “no caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública” (BRASIL,1950).

Neste sentido, a Constituição tornou mais favorável a condição da autoridade condenada, e diante de tal afirmação, Riccitelli aponta que:

Antes de 1950, era possível a aplicação apenas da pena de perda do cargo, podendo ser agravada com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro cargo, demonstrando, assim, diferentemente do sistema atual, um caráter de acessoriedade. (RICCITELLI, 2006, p. 74).

Não obstante a sanções previstas ao término da tramitação do processo de Impeachment e sua efetiva consolidação após a condenação do Senado Federal, friso que à natureza jurídica da sanção possuí viés estritamente político, visto que a pretensão punitiva não chega se quer a atingir o patrimônio pessoal do condenado, apenas uma punição de inabilitação por oito anos do exercício da função pública.

Desta feita, o Presidente condenado pelo quórum mínimo estabelecido no julgamento do Senado Federal, ficará inabilitado de servir a Administração dentre as suas atribuições que esta confere a cada categoria profissional de servidores, no prazo estabelecido em Lei.

No que diz respeito à matéria, Alexandre de Moraes (2007, p. 484) ensina que:

A inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, compreende todas as funções públicas, sejam as derivadas de concursos públicos, sejam as de confiança, ou mesmo os mandatos eletivos. Desta forma, o Presidente da República condenado por crime de responsabilidade, além de perder o mandato, não poderá candidatar-se ou exercer nenhum outro cargo político eletivo nos oito anos seguintes. (MORAES, 2007, p. 484).

Ressalta-se que o processo do impeachment em sua fase de julgamento, ou seja, quando o mesmo estiver sob a análise do Senado Federal, será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, sendo garantido ao acusado o direito ao contraditório e a ampla defesa, garantindo assim toda a equidade e isonomia entre as partes envolvidas na lide, sem qualquer dano ou cerceamento de defesa.

Além disso, o processo de impeachment não tem como única finalidade a destituição/ cassação do mandato do cargo de Presidente, mas tem como norte fundamental a proteção da Nação de uma grave ameaça ou de traição do agente público que abusa do poder ou subverte a Constituição.

Logo, por se tratar de um mecanismo legal e previsto em nossa legislação pátria, o processo de impeachment, embora deva ser aplicado em casos excepcionais, o mesmo poderá servir para a restauração da crença popular na integridade e legitimidade dos representantes políticos, com garantia da probidade na execução atos administrativos.

Doutra montra, faz-se necessário refletir sobre a eficácia do instituto do Impeachment, uma vez que, chega a ser cômico analisar a eficiência e/ou eficácia da penalização, que não atinge nem menos as penalidades graves, como a cassação definitiva do mandato ou até mesmo a restituição dos danos ao erário ou a cassação definitiva do mandato do acusado.

Sobre os autores
Filipe Luiz Mendanha Silva

MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA pela Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul (2021-2022), PÓS-GRADUAÇÃO em DIREITO PÚBLICO pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Praça da Liberdade (2018-2019), ESPECIALISTA em ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO GOVERNAMENTAL pela Fundação João Pinheiro (2018-2020), PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ELEITORAL pela Faculdade Pólis Civitas (2020-2021), MBA em INFRAESTRUTURA, CONCESSÕES E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Praça da Liberdade (2019-2021), GRADUAÇÃO em DIREITO pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Orientador︎

Isabela Caroline Lopes Donato

Acadêmica de direito na Universidade Federal de Ouro Preto/MG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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