A ciência política e sua relevância no processo de impeachment no Brasil

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O IMPEACHMENT COMO CONFIGURADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ENTRE SEUS ASPECTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS

Ab initio, destaca-se que neste capítulo serão abordados temas que ensejem as principais discussões acerca do processo de impeachment no cenário da República Federativa do Brasil. Assim sendo, será desenvolvida uma análise acerca da natureza jurídica do impeachment, abordado as duas correntes doutrinárias majoritárias: do impeachment que pende para a natureza política, e a tese que defende o instituto como matéria de natureza penal no ramo da esfera jurídica.

A posteriori, buscou-se, por meio de uma análise crítica, indagar de que forma o Congresso Nacional, qual seja o Senado Federal, poder responsável para elaborar as leis vigente do país, seria um tribunal parcial e legítimo/apto para julgar um crime de responsabilidade cometido pelo maior cargo de chefia no país, o Presidente da República.

Ainda, salientam-se quais são as reais possibilidades que poderá haver a intervenção do poder judiciário no procedimento de impeachment, sua necessidade de fiscalizar o estrito cumprimento da lei e suas limitações de interferências. Por último, procura-se materializar o procedimento analisando os casos já julgados de impeachment na realidade no país, destacando o caso Collor que inaugurou a instauração do processo de impeachment em face de um Presidente da República.

O impeachment no Brasil e a natureza política

O jurista Paulo Brossard, argumenta sobre as fortes interferências políticas no processo de impeachment, defendendo já no delineamento preliminar da definição:

A definição do impeachment vem dando margem a divergências de monta: foi tido como instituição penal, encarado como medida política, indicado como providência administrativa, apontado como ato disciplinar, concebido como processo misto, quando não heteróclito, e é claro, como instituição suigeneris. As divergências resultam, talvez, da defectiva terminologia do Direito Constitucional, mas existem. (BROSSARD,1992, p.76)

O autor supramencionado utiliza como base para a defesa de seu posicionamento acerca da natureza do processo de impeachment, direito comparado, confrontando o instituto brasileiro com o norte-americano e argentino, onde a natureza é essencialmente política, pois:

Não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob condições de ordem política e julgado segundo critérios de ordem política (BROSSARD, 1992, p.76).

Ou seja, o julgamento questionado por Brossard não afasta a utilização de critérios jurídicos, uma vez que no Brasil "isso ocorre mesmo quando o fato que o motive possua caráter penal e possa sujeitar a autoridade por ele responsável a sanções criminais, aplicáveis exclusivamente pelo Poder Judiciário" (RICCITELLI, 2006, p.20). Por outro lado, a acepção política defendida por Paulo Brossard baseia-se fundamentalmente no modelo americano e argentino, que remove qualquer conotação criminal neste tipo de processo. Nesta linha, acentua que o processo de impeachment é puramente político e não assume identidades de natureza penal ou de procedimento jurídico criminal.

Nesta esteira, Cavalcanti (1956), assevera que, ainda que existam tantas discrepâncias, o instituto do impeachment é um processo claramente político que possuí como consequência máxima a extinção da capacidade para o exercício de função política, durante certo lapso temporal, não se comunicando em momento algum com as penas criminais dispostas no Código Penal Brasileiro.

A fim de corroborar com a corrente que sustenta a natureza política do instituto do impeachment, Cavalcanti contribui com o tema esclarecendo o conceito de crime político e a distinção do crime penal, vejamos:

São delitos políticos os dirigidos contra a organização e o funcionamento do Estado e os direitos dos cidadãos; 2) são políticos também os delitos comuns que constituem a execução de direitos políticos e os atos destinados a favorecer a sua execução; 3) não podem ser considerados políticos aqueles determinados por motivos vis e egoístas; 4) não se consideram políticos os atos de terrorismo. (CAVALCANTI, 1956, p. 338)

Para tanto, ao se manifestar acerca da natureza jurídica do processo de impeachment, José Cretella Júnior assim se expressa:

Tem o impeachment, atualmente, características predominantemente políticas, pois objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e é também, julgado segundo critérios políticos, embora adstrito a procedimento jurídico, no qual o acusado tem a mais ampla defesa, com base no contraditório. (CRETELLA JR, 1992, p.106)

Portanto, à luz dos argumentos supracitados, percebe-se uma forte tendência política na condução de um processo de impeachment, pois os sujeitos, julgados e julgadores, são políticos, assim como o efeito da condenação, que, apesar de ser jurídico, também produz uma gravíssima consequência política e administrativa, a destituição do cargo, conforme art. 78 da Lei 1.079/1950.

O impeachment no Brasil e a natureza jurídica criminal

Doutra montra, controverso ao que é defendido pelos doutrinadores citados no tópico acima, o autor Miranda (1973) sustenta a natureza do instituto de impeachment como jurídico criminal. Para tanto, compete esclarecer que o autor defende a tese criminal em sua obra escrita para comentar a Constituição de 1967, ou seja, não se trata da natureza jurídica do instituto à luz da Constituição Federal vigente no Brasil, contudo, a fim de nos dar uma visão comparativa e diversa das posições acima elencadas, é se uma importância compreender a posição de Pontes Miranda.

Segundo o autor, o principal objetivo do processo de impeachment é remover a pessoa pública do exercício de suas funções e, consequência disso, sua natureza não se configura como política. Assim, sustenta o autor que caso o Presidente da república se renuncie do cargo o qual está em pleno exercício, há perda do objeto do processo de impeachment, não sendo possível o seu prosseguimento. Assim, não cabe instaurar processo político, nem prosseguir no existente, caso o acusado tenha deixado definitivamente as funções que exercia, por quais gozava de foro especial. (MIRANDA, 1973, p. 347)

Em sua argumentação, a tese jurídica criminal se motiva no fato de que a destituição do agente público não se dá de forma unilateral, ou, "não se trata de declaração de vontade unilateral, não-receptícia." (MIRANDA, 1973, p. 356).

Neste sentido, a luz dos argumentos do autor os atos do impeachment no Brasil são atos próprios de processo, como a presença dos princípios constitucionais de ampla defesa e do contraditório. Ademais, acrescenta-se que a utilização do termo “impeachment” - que significa impedimento ou impugnação – restaria inadequada, sendo os crimes de responsabilidade previstos em lei federal, figuras criminosas penais.

O impeachment entre seus contornos jurídicos e políticos

Neste toar, há de se estabelecer uma estrita relação entre as normas jurídicas e a política, isso porque, são os próprios políticos que emanam de poderes para a elaboração de leis que surtiram efeitos a sociedade como um todo, através das suas deliberações e decisões parlamentares.

Assim sendo, segundo Eduardo Mendonça argumenta sobre a aproximação entre política e a força normativa da Constituição, vejamos abaixo:

Em termos simples, deixando de lado discussões filosóficas quanto a conteúdos mínimos extraíveis da ideia de Justiça, uma lei nada mais é do que uma decisão política que transforma determinadas opções em comandos obrigatórios. Tanto assim que o legislador conserva a faculdade de mudar de ideia, revogar a legislação e, assim, trocar as opções vigentes. Enquanto isso não ocorrer, contudo, a garantia do Estado de Direito exige que as normas sejam respeitadas. Vale dizer: a política molda o Direito e tem o poder de alterá-lo, mas não o de atropelar as suas disposições casuisticamente.

No limite extremo representado pelas cláusulas pétreas, determinadas mudanças são vedadas até mesmo pela via das emendas constitucionais e exige nova manifestação do poder constituinte originário, o que pressupõe níveis elevados de mobilização das forças políticas e/ou sociais. (MENDONÇA, 2015).

Nesse sentido, frisa-se que a própria Carta Magna impõe certas restrições a determinadas cláusulas pétreas, o que nem mesmo a vontade política dos legisladores poderá alterá-las, sendo necessária uma nova manifestação do poder constituinte, sendo necessário o enorme apelo social.

Ademais, no que tange à relação entre o contorno político nas decisões judiciais, é imprescindível que cabe aos juízes e tribunais, que chamados a analisar certa questão judicial, deverão decidir com bases no contexto sociocultural em que vivem, pois, caso não exista um diálogo respeitoso entre suas decisões “com a sociedade, bem como uma distância segura em relação às suas convicções, tende a minar as bases de sustentação de qualquer órgão estatal. ” (MENDONÇA, 2015).

O Senado enquanto corte política

Imperativo se faz mencionar neste trabalho, é que, em caráter excepcional, no caso do processo de impeachment o Senado Federal afasta-se da sua competência para exercer a tutela jurisdicional. Como assim destaca Cretella Júnior, o Senado passa a Exercer a função material de proferir julgamento, prolatando sentença de força jurisdicional, processando e julgando os réus, o Presidente e o Vice Presidente da República, o Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, sempre que se trate de crime de responsabilidade, não de crime comum. (CRETELLA JR, 1992, p.2)

Ocorre que, a Constituição Federal sustenta a teoria da Separação dos Poderes de autoria de Montesquieu no célebre “o espírito das leis”, a qual nos traz a ideia de que os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) são harmônicos e independentes entre si, a legislação ao permitir ao Congresso nacional o poder de fiscalizar e julgar o Presidente da República do País, salientando não haver possibilidade de recursos da decisão em qualquer outra instância, tal ato pode vir a se configurar como a hegemonia de um poder sobre outro.

Paulo Brossard nos esclarece que pode sim vir a ocorrer o fato de o Senado Federal julgar o crime de responsabilidade cometido pelo Chefe do Executivo, entendendo que “no exercício de suas atribuições específicas, cada Poder é, de certo modo, soberano, incontestável e, portanto, superior aos demais. Mas somente naquilo que lhe é específico, exclusivo, peculiar.” (BROSSARD, 1992, p. 131).

Importante esclarecer, que o legislador ao conferir o Senado Federal tal poder de exercer a tutela jurisdicional neste caso específico, não fora por mera discricionariedade, pois, mister lembrar que a origem de tal costume provém, no entanto, das práticas consuetudinárias britânicas, raízes surgimento do instituto do impeachment.

Lado outro, convém ressaltar que pairam críticas sobre a escolha do Senado Federal como órgão competente para julga o processo de impeachment. Nesta linha, à de se pensar até uma eventual invenção de um Tribunal misto para o julgamento do impeachment, compondo neste colegiado de Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Senado em igual número.

Ao analisar tal sugestão acima, torna-se perceptível que o eventual “tribunal misto” não seria de algo predominantemente fora da lógica, porque, caso o julgamento fosse realizado apenas por Ministros da Suprema Corte, estaríamos sob os olhos de uma incerteza, a exemplo da nomeação de seus Ministros serem feita pelo próprio Presidente da República, bem como os “juízes togados são alheios ao maneio de negócios políticos e governativos”. Noutro norte, persistem as controversas na legislação que torna o julgamento do processo de impeachment competência exclusiva do Senado Federal, posto que, neste órgão, nem todos são tem a mínima noção jurisdicional para convicção de seu posicionamento sentencial.

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O jurista Michael Temer invoca a imprescindibilidade de um viés político do órgão que irá julgar o processo de impeachment, para quem, por conta de oportunidade e conveniência, teria o Senado Federal o poder de apreciar o resultado do julgamento, não obstante ter ocorrido a conduta tipificada. De tal modo,

Não nos parece que, tipificada a hipótese de responsabilização, o Senado haja de, necessariamente, impor penas. Pode ocorrer que o Senado Federal considere mais conveniente a manutenção do Presidente no seu cargo. Para evitar, por exemplo, a deflagração de um conflito civil; para impedir agitação interna. Para impedir desentendimentos internos, o Senado, diante da circunstância, por exemplo, de o Presidente achar-se em final de mandato, pode entender que não deva responsabilizá-lo. Foi para permitir esse juízo de valor que o constituinte conferiu essa missão à Câmara dos Deputados (que autoriza o processo) e ao Senado Federal. Não ao Judiciário, que aplica a norma ao caso concreto, segundo a tipificação legal. (TEMER, 2008, p. 169-170)

Porém, com a máxima vênia, o presente trabalho se vê no direito de discordar do exposto acima. Atendendo ao parecer da Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, deve atentar que o Senado Federal “não julga ou deixar de julgar segundo a sua vontade ou o seu arbítrio, nem determina o processamento segundo os seus interesses ou as suas conveniências” (1993, p. 156-157), ou ao menos assim deveria o ser.

Ainda, chega a ser curioso que o posicionamento de o Jurista Michael Temer seja contrário (caso o Senado não realizasse o Impeachment de Dilma Rousseff) ao fato que lhe conferiu assumir a presidência do país. Portanto, entendo que, o Senado Federal tem o dever de julgar eventuais casos de impeachment, pois o ato prima de sua competência, e não de mera faculdade. Também, o que se deve notar no prosseguimento do julgamento,

É necessário dizer atentar-se a que o exercício deste dever conferido constitucionalmente ao Senado Federal não passa ao largo das normas jurídicas. Tal desempenho põe-se nos termos da legislação vigente sobre a matéria, a começar pelos princípios processuais constitucionalmente fixados e de que se não pode afastar o órgão julgador, em respeito ao mesmo princípio democrático que obriga a atuação, quando for o caso. (ROCHA, 1993, p. 157).

Nesta ótica, o julgamento do processo de impeachment deve ser proceder conforme o supracitado, sendo presidido e julgado pelo Senado Federal.


AS PERSPECTIVAS DA CIÊNCIA POLÍTICA: UMA RELEITURA DO PROCESSO DE IMPEACHMENT

Em consulta ao Portal Scielo acadêmico, na busca por fundamentações científicas acerca do tema objeto deste estudo, foram verificadas interpretações para além da discussão jurídica, com focos diversos, seja no âmbito teórico, ensaístico, empírico ou opinativo, no que tange aos processos de impeachment já ocorridos na história recente do nosso país.

Segundo um olhar predominantemente opinativo, a leitura de Marcelo Braz, analisa a conjuntura do processo de impeachment da então presidente Dilma, construindo um raciocínio crítico e argumentativo sobre a temática. Vejamos as conclusões do autor:

(...)e todo modo, esse quadro de dificuldades não sugere nenhuma posição otimista em relação às possibilidades políticas para as forças de esquerda no Brasil. Precisamos ter a clareza de que, como dissemos no início deste texto, a conjuntura que se abriu a partir do impeachment é de ascensão das forças mais conservadoras e até mesmo reacionárias que estão operando em todos os segmentos da sociedade brasileira — no Congresso Nacional, no Judiciário, nas forças policiais — e encontram respaldo em movimentos de direita financiados pela burguesia nativa e estrangeira que participaram das mobilizações para derrubar o governo. (BRAZ, 2017, pág.101).

Por se tratar de ensaio de caráter opinativo, o argumento de Braz não foi aprofundado neste trabalho. Por outro lado, várias leituras foram realizadas de diversos autores que estão elencados abaixo, com o intuito de analisar o que a ciência política diz sobre tal procedimento e sua consolidação no país.

Os fatores políticos e institucionais que contribuem para o desencadear do processo de impeachment

No que tange aos fatores políticos e institucionais que contribuem para dar o “start” ao processo de impeachment, vejamos a leitura e os argumentos dos demais autores que sustentam elementos e/ou pano de fundo que fazem a consolidação do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Nunes e Melo (2017) elencam vários fatores que explicam o processo de impeachment de 2016. Em primeiro lugar, afirmam que, ao longo de todo o segundo mandato de Dilma, o Brasil atravessou crises que há muito não experimentara. No ano de 2016, a economia sofreu uma retração mais profundas de sua história. Além disso, a taxa de desemprego foi elevada e fatores externos como a impopularidade de presidente, começou a nortear o plano de fundo do processo de impeachment.

Neste contexto, massivos protestos tomaram as ruas do país, sobretudo em março de 2015 e março de 2016. Geralmente considerados politicamente passivos e desinteressados, os brasileiros passaram a viver num ambiente de crescente polarização ideológica.

A Operação Lava Jato foi obviamente um fator importante do desenvolvimento da crise, segundo eles. Porém, sozinha, não dá conta do fenômeno que se deseja explicar. A Lava Jato, ao ameaçar uma grande fatia da classe política, levou deputados e senadores a adotar uma postura extremamente defensiva em relação a qualquer medida mais ousada para debelar a crise econômica, intensificando mais ainda o “jogo de passar a batata quente”. É apenas no contexto de um governo com uma base política em frangalhos que se pode entender o efeito da Lava Jato na crise política e econômica que se abateu sobre o Brasil.

Além disso, convém notar que, ainda que a destituição definitiva de Dilma fosse por todos esperada, o dia 31 de agosto de 2016 registou uma surpresa: a decisão do Senado de não punir a mandatária com a suspensão dos seus direitos políticos por oito anos, ao contrário do que acontecera com a destituição de Fernando Collor em 1992.

A questão de Eduardo Cunha dando o pontapé inicial no processo de impeachment de Dilma e consequentemente a ascensão de Temer à presidência geraram um debate sobre a estabilidade democrática no país. Considerando a lógica de Temer a implementar um programa que não foi ratificado pelo eleitorado, o governo padece de um déficit de legitimidade. Isso, por sua vez, somando‑se a radical desmoralização da classe política por conta dos ciclópicos escândalos de corrupção, foram fatores que colocaram em choque as instituições democráticas. Esse é o grave risco que o Brasil pode vir a enfrentar. Nesse sentido, o país, à sua maneira, está a juntar‑se à grande crise dos regimes de representativos que se observa em vários rincões da América Latina, da Europa e nos Estados Unidos.

A alta fragmentação partidária, ao reduzir o tamanho de todos os partidos, gera enormes problemas de ação coletiva dentro do Congresso, levando o chefe do executivo a abusar de suas prerrogativas em nome da governabilidade.

Os autores afirmam então ser fundamental que o Brasil escape desse modelo instável por meio tanto da redução dos poderes presidenciais quanto da fragmentação partidária. Portanto, segundo os autores, faz-se necessário a relação entre o executivo e o legislativo e o estabelecimento de um padrão estável de interação entre as partes na competição para a presidência.

Com a linguagem visionária, os autores, em 2017, observam que a crise do PT e o estresse a que outras partes estavam sujeitas abriria um novo período na competição eleitoral partidária no país. Tal fato, isso tornou-se evidente com a eleição do atual presidente Jair Bolsonaro ao cargo de presidente do país.

Assim sendo, de encontro com os autores acima citados, Martuscelli (2010) nos traz à tona como fatores políticos e institucionais, além do contexto econômico, popular e social, das relações entre os poderes executivo/legislativo e por fim, as relações partidárias podem desencadear em um cenário de impeachment.

Segundo Martuscelli (2010), a motivação para o movimento pró impeachment de Collor não se derivou apenas pelo discurso de anticorrupção ou de ética na política, mas também uma insatisfação com os efeitos da política neoliberal. As insatisfações provocadas pela aplicação da política neoliberal, que gerou grande rebuliço entre as classes sociais no Brasil, tais como: o período de forte recessão econômica, o crescimento das taxas de desemprego, e a elevação dos índices inflacionários, repercutiram não só no plano da ação econômico-corporativa, mas também no terreno dos partidos políticos, resultando no surgimento de conflitos localizados entre o executivo e o legislativo durante o governo Collor.

Para corroborar tal afirmativa, o autor nos traz: que a vitória de Paulo Maluf – o candidato do “rouba, mas faz” –, por larga margem de votos nas eleições para prefeito de São Paulo em 1992 (polo de concentração das maiores manifestações pré-impeachment), é outra evidência de que a luta contra a corrupção não era, a rigor, a principal motivação dos manifestantes que pediam o impeachment do presidente Collor.

É interessante lembrar também que Maluf foi eleito com o discurso contra a recessão, o desemprego, contrariando, portanto, os efeitos da política econômica implementada pelo presidente Collor. Se esse presidente “roubasse, mas fizesse”, ou melhor, se a corrupção fosse denunciada num período de crescimento econômico, de queda das taxas de desemprego, de constituição de sólida base política no Congresso Nacional, é provável que as manifestações contra o governo não tivessem o mesmo caráter massivo que lograram obter no segundo semestre de 1992.

O comportamento do Partido dos trabalhadores (PT) também foi destacado por Martuscelli (2010), pois, ao aderir ao movimento pró impeachment, acaba por se unir a “voz da ética na política”. Esse comportamento político pode ser considerado como um indicador do processo de aceitação passiva, por parte do PT, das propostas neoliberais, mas isso não significa que o partido tenha se manifestado favoravelmente à implementação das políticas de abertura comercial e financeira, de privatização de empresas estatais e de serviços públicos, de desregulamentação do mercado de trabalho ou de redução de direitos e gastos sociais: os pilares da política neoliberal. Não se tratou, portanto, de uma adesão ativa ao neoliberalismo, mas uma tática petista de priorizar a luta pela ética na política em detrimento da luta contra o neoliberalismo, visando, com isso, consolidar e fortalecer a oposição ao governo Collor.

Não obstante, deve-se mencionar os dilemas do presidencialismo de coalizão, que caracteriza o sistema político partidário brasileiro, e que impõe muitos constrangimentos e dilemas, o que acaba ampliando muito as "oportunidades" para o impeachment no Brasil, pela sua dificuldade de institucionalizar adequadamente nossos conflitos políticos internos.

Isso porque, a questão da governabilidade impõe ao Presidente da República fomentar uma construção da base legislativa que lhe assegure determinada estabilidade política, a fim de atingir sua agenda governamental e blindar de certa forma um eventual processo de impeachment.

Neste contexto fático, diante da pulverização partidária no país, a conjuntura de fatores que irão influenciar na decisão dos parlamentares sobre a instauração e julgamento de processo de impeachment, leva o poder executivo a utilizar cargos de grande expressão no poder, utilizando-os como moeda de troca, com a estrita finalidade de assegurar apoio político e de governo dentro do poder legislativo.

Assim sendo, no presidencialismo, a instabilidade da coalizão pode atingir diretamente a presidência. É menor o grau de liberdade de recomposição de forças, através da reforma do gabinete, sem que se ameace as bases de sustentação da coalizão governante.

No Congresso, a polarização tende a elevar perigosamente a probabilidade de paralisia decisória e consequente ruptura da ordem política. Por isso mesmo, governos de coalizão requerem procedimentos mais ou menos institucionalizados para solucionar disputas interpartidárias internas à coalizão, visando sempre a governabilidade estável do Presidente.

O que a ciência política ainda busca respostas é para o fato de que existe um fenômeno que atinge o funcionamento das instituições brasileiras, e faz com que nossas instituições, em particular, o Congresso Nacional brasileiro, seja particularmente sujeito às pressões dos grupos de interesse.

Poderíamos considerar que os partidos não possuem o apelo necessário para atingir o eleitor brasileiro e atrair um voto partidário. No entanto, sua força é muito mais institucionalizada, importante e muito para o jogo político que vem após a eleição, além de estar presente nas diretrizes defendidas por aqueles que fomentam a abertura de um processo de impeachment em face do chefe da nação brasileira.

O papel da mídia no processo de impeachment

Sabe-se que o papel da mídia nos recentes fenômenos políticos e sociais é de enorme importância e determinação na formação da opinião pública, principalmente na consolidação do processo de impeachment. Assim é possível dizer que a imprensa tem assumido papel de destaque nos diálogos entre os governos desde o impeachment do então presidente Collor até o último episódio ocorrido na história do país, qual seja, o impeachment de Dilma Rousseff.

Neste giro, urge salientar sobre a força da mídia que não por acaso é considerado o quarto poder. Desta forma, aparelhos de rádios e TV’s, que estão presentes em quase todas as casas brasileiras e as manchetes dos jornais são usadas como publicidade para formar opiniões. Vejamos os argumentos de Abramo abaixo sobre tal perspectiva:

O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa não refletem a realidade. A maior parte do material que a Imprensa oferece ao público tem algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta. É uma referência indireta à realidade, mas que distorce a realidade. Tudo se passa como se a Imprensa se referisse à realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade artificial, não-real, irreal, criada e desenvolvida pela Imprensa e apresentada no lugar da realidade real. A relação que existe entre a Imprensa e a realidade é parecida com a que existe entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como também não é a sua imagem: é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real (ABRAMO, 2006).

Resta-se claro e evidente que a grande imprensa tem um papel preponderante neste espetáculo político, denominado impeachment, alimentado por fatos cotidianos envolvendo instituições dos poderes constituídos da república, como o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público.

Assim como outros fatores externos, tais como: a crise econômica, a corrupção na classe política e a impopularidade da presidente Dilma, o papel da mídia no aspecto de prospecção e publicidade no processo de instauração e julgamento fora essencial para fins de sua consolidação.

Sabe-se que as tensas relações entre mídia e política no Brasil são bem conhecidas pela nossa história, a citar Fernando Collor como um exemplo de presidente que não terminou seu mandato e que sofreu resistências por parte da imprensa.

Rodrigues (2018) argumenta, por sua vez, que esse histórico de atuação dos meios de comunicação em processos de desestabilização permanece atual.

Entretanto, deve-se ressaltar que a liberdade de expressão, conquista liberal presente nas constituições modernas desde o século XVIII – exemplo as Constituições francesa e estadunidense –, ocupa espaço bem claro na Carta brasileira de 1988 e poucas são as vozes que pregam em período democrático a volta aberta da censura. A problemática em debate não é exatamente a de como evitar o posicionamento de certos veículos, mas sim como garantir que haja diversidade cultural e pluralidade de informações em seu conjunto (Rodrigues, 2018).

O autor argumenta que esse histórico de atuação dos principais meios de comunicação em processos de desestabilização de presidentes no Brasil permanece atual. Essa hipótese foi testada a partir da observação de trinta e cinco editoriais dos principais jornais impressos do país durante a tramitação dos processos de impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e de investigação de Michel Temer em 2017. Entre os veículos analisados estão os jornais O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Estado de Minas, Correio Braziliense e Zero Hora.

Há na literatura um entendimento crescente acerca do papel ativo desempenhado pela mídia no processo de impeachment de Dilma Rousseff. No mesmo sentido, para Luis Felipe Miguel (2017, p. 113), “o viés da mídia foi claro para qualquer pessoa que tenha acompanhado (...) a cobertura jornalística no período que vai da proclamação do resultado das eleições, em outubro de 2014, ao afastamento definitivo da presidente, em agosto de 2016”. José Szwako e Fabiano Santos (2016, p. 116-117) argumentam “que foi a ação concertada e articulada, aquilo que os sociólogos chamam de ‘agência’, entre partidos, movimentos sociais de corte elitista e apoiadores midiáticos e judiciários, que culminou no impeachment”.

A análise de Luis Felipe Miguel (2017) afirma que foi provavelmente O Estado de S. Paulo quem apresentou a mais pesada artilharia contra Dilma. O primeiro editorial de peso veio logo após Eduardo Cunha ter aceitado a denúncia na Câmara dos Deputados. Em “As verdadeiras razões do impeachment”, publicado em 6 de dezembro de 2015, o Estadão fez uma enfática defesa do conteúdo do pedido de impeachment subscrito pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal e concluiu que “Dilma deve ser julgada pela irresponsabilidade fiscal de seu governo, perfeitamente exposta na petição à qual Cunha deu seguimento”. A mesma linha foi seguida na semana seguinte. Intitulado "Irresponsabilidade como método", o editorial de 13 de dezembro de 2015 já iniciava sua primeira frase indicando qual seria a postura do jornal a partir dali: “A petista Dilma Rousseff não pode mais permanecer na Presidência da República pela simples razão de que adotou a irresponsabilidade como método de governo.

Como esperado pelo momento em que se vivia o Brasil e “a voz das ruas”, foi encontrado um forte viés pró-impeachment de Dilma Rousseff em praticamente todos esses veículos. A literatura sustenta então que a opinião da imprensa está presente na forma como manchetes são elaboradas ou fotos escolhidas para as capas de jornais e isso uma vez colocado em circulação, com a ausência de uma leitura crítica e plural, acaba por consolidar a “vontade, o interesse” o qual a mídia deseja comercializar

Portanto, o papel da mídia na consolidação do processo de impeachment foi e é essencial, haja vista que no Brasil, infelizmente, as redes de comunicação são instituições vinculadas aos negócios financeiros e comerciais, não tendo como principal norte a pulverização da informação imparcial que possa fazer com que todos os cidadãos tomem conhecimentos dos fatos reais e verdadeiros e a partir de então possam forma sua própria opinião sobre determinados fenômenos.

Sobre os autores
Filipe Luiz Mendanha Silva

MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA pela Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul (2021-2022), PÓS-GRADUAÇÃO em DIREITO PÚBLICO pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Praça da Liberdade (2018-2019), ESPECIALISTA em ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO GOVERNAMENTAL pela Fundação João Pinheiro (2018-2020), PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ELEITORAL pela Faculdade Pólis Civitas (2020-2021), MBA em INFRAESTRUTURA, CONCESSÕES E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Praça da Liberdade (2019-2021), GRADUAÇÃO em DIREITO pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Orientador︎

Isabela Caroline Lopes Donato

Acadêmica de direito na Universidade Federal de Ouro Preto/MG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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