A Lei 11.101/05 - que trata da recuperação e da falência do empresário e da sociedade empresária -, completará 20 (vinte) anos de vigência no mês de junto de 2025.
Não obstante a significativa alteração ocorrida, via Lei 14.112/2020, nota-se que há dispositivos legais em total desconformidade com o propósito legal, que é incrementar meios jurídicos e econômicos visando a tentativa de superação da crise, considerada momentânea.
O escopo do texto legal é que ocorra tentativa de superação da crise econômico-financeira e consequente preservação da atividade econômica organizada, mantença de postos de trabalho e preservação da empresa, e assim por diante (art. 47).
A partir de 2005 foi superado o escopo liquidatário-solutório (Dec.-Lei 7.661/45), colocando-se em degrau superior o ideário de soerguimento do devedor em crise, caso existam todas as condições para tanto.
A pedra de toque da lei é justamente o contido no art. 47, sendo que o processo de falência está em segundo plano. Dito de outro modo, caso não seja possível a reestruturação e saneamento do agente econômico mergulhado em crise (via institutos previstos na lei em comento ou outras tentativas de composição), a falência será a única solução.
A retirada do devedor do mercado [espontânea ou compulsória], via falência, visa a preservar este mesmo mercado, evitar efeito multiplicador e principalmente preservação do crédito2.
No mercado do sistema capitalista impera o caráter racional, a liberdade econômica e a livre concorrência, que são os pilares deste mercado. Este precisa de fluência.
São várias as incongruências da lei, mas este texto restringir-se-á ao exame de apenas e tão somente algumas questões relativas aos prazos legais, especialmente direcionados ao devedor em regime recuperatório e aos seus credores.
Demonstrar-se-á, ao final, que a estrutura da lei não guarda qualquer coerência lógica, sendo que tal aspecto até mesmo pode colocar em risco o sucesso da reorganização judicial.
De início, a decisão judicial que determina o regular processamento da recuperação judicial [art. 52]3 é uma das mais importantes proferida no bojo dos autos do processo, abrindo-se ao devedor, quando de sua intimação, o prazo improrrogável de 60 [sessenta] dias para apresentar o plano de reorganização.
Tal documento – o plano - se reveste da maior importância ao processo e carimba, por assim dizer, o destino do devedor sob regime recuperatório.
A mesma decisão abre um horizonte aos credores: poderão requerer, a qualquer tempo, que o juiz convoque assembleia geral [art. 52, §2º], viando a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros.
Por outro lado, os credores poderão manifestar objeção ao plano do devedor, cabendo ao juiz convocar a assembleia geral. Esta tem como escopo a deliberação a respeito do plano do devedor .
Deverá ocorrer, por força do art. 56, §1º, em até 150 [cento e cinquenta] dias, contados do deferimento do processamento da recuperação [note-se que aqui a lei não fala em publicação da decisão]4.
Além disso, algumas medidas judiciais ajuizadas em face do agente econômico recuperando necessariamente serão suspensas por 180 [cento e oitenta] dias5, por força do que dispõe o art. 6º, §4º, podendo os credores, após o decurso de tal prazo, a elas dar regular prosseguimento6.
O restabelecimento do direito [concedido ao credor] de iniciar ou mesmo de dar regular continuidade as demandas, após o decurso do prazo legal, sem dúvida, causa ainda maiores transtornos ao devedor em crise e pode até mesmo desestabilizar o processo de reestruturação.
O prazo de suspensão [180 dias, prorrogável] de algumas ações não contribui para a tentativa de estancar a crise. Nem sempre o recuperando, durante tal prazo, obterá êxito na negociação com os credores, objetivando aprovação de seu plano [tácita ou via assembleia geral].
Além da obrigação de propor e discutir seu plano com credores o recuperando terá ainda a árdua tarefa de tentar suspender as demandas não adstritas à recuperação judicial [ver art. 49, e seus parágrafos, v.g.].
De fato, o tempo [processual] não para. Corre [e muito rápido] contra o devedor mergulhado em crise e que busca a tutela estatal para fins de se compor com o universo de credores [assinando um “contrato” com estes, e que se chama “plano de recuperação judicial”].
O recuperando, além de se ver diante de ações com regular curso, ainda precisará de várias habilidades – e pessoal técnico capacitado - para negociar seu plano de recuperação, tarefa efetivamente espinhosa, hercúlea, delicada e que nem sempre resulta positivamente ao devedor em crise.
Ingressando na verdadeira arena judicial assim denominada de recuperação judicial [e nesta terá indiscutível poder de barganha perante seus credores], o devedor tem [ou deveria ter] a firme convicção de que dela poderá sair vitorioso, com a aprovação [pelos credores] e consequente homologação judicial de seu plano.
O futuro do recuperando é uma verdadeira incógnita – considerando até mesmo as leis e regras de mercado; a reorganização judicial se traduz em tentativa de soerguimento, que depende sobremaneira da anuência dos credores.
Não se descuide, pois, de que o devedor poderá sofrer um sério e talvez irremediável aborrecimento: a decretação de sua falência7, caso nesse sentido venha a ser deliberado em assembleia de credores [art. 73].
Em tal hipótese – formulação de pedido de falência, pelos credores reunidos em assembleia8 – o juiz condutor do processo pouco ou quase nada poderá fazer para que o devedor seja, a contragosto dos credores, mantido no mercado competitivo [cram down, art. 58, §1º da lei de regência]9.
O provável caminho, quando da não aceitação do plano, será a decretação da falência do recuperando e sua retirada do mercado.
Como dito, intimado da decisão proferida no art. 52, o recuperando terá até 60 dias de prazo para apresentar em juízo seu plano de reestruturação, cabendo agilidade e poder de convencimento para vê-lo aprovado em assembleia, ou mesmo acolhido tacitamente pelos credores [inexistindo nesta hipótese formal objeção ao plano, diante do silencio dos credores].
Em caso de êxito do recuperando – concordância dos credores – ocorrerá a segunda decisão importante proferida no curso do processo, ou seja, a concessão da recuperação judicial [art. 58]. Tal decisão cria a ele, recuperando, um certo alívio [imediato, apenas].
Entrementes, passados os 180 dias [com eventual prorrogação] de suspensão das demandas os credores poderão dar prosseguimento regular às ações ou mesmo ajuizar outras tantas, tal como consta da lei10. Esse é o fantasma que, a partir do momento em que se opta por ajuizar a recuperação judicial, assombra diuturnamente o agente econômico em crise.
Não há qualquer certeza de aceitação do plano ou mesmo de aprovação sem modificações por parte dos credores [com a anuência do devedor].
Existe, entretanto, o risco de convolação da recuperação judicial em falência11, sendo que tal possibilidade decorre da própria lei de regência. Nessa linha, quem de fato determina o futuro da sociedade empresária em crise, em última análise, é o mercado, considerando o sistema capitalista de produção [economia de mercado12].
Em tempos globalizantes pós-modernos, esta é a realidade inafastável e que pode ser simplesmente deletéria aos interesses do devedor mergulhado em crise.
A abertura judicial da falência do devedor prejudicar até mesmo a própria sociedade como um todo, sociedade essa que tem interesse no sentido de que o agente econômico mergulhado crise momentânea retorne o quanto antes ao mercado competitivo.
Caso os credores não expressem [formal ou informal] anuência ao plano, discordando, pois da permanência do devedor no mercado, deverá ele ser afastado compulsoriamente, por mais que o juiz verifique no caso concreto uma [discutível, no âmbito da doutrina] função social da empresa.
No que diz especificamente com os prazos aos quais estará adstrito o devedor, bem esclarece Eduardo Secchi Munhoz que:
se a assembleia geral não se realizar em 180 dias do deferimento do processamento da recuperação judicial, ainda que a falência não possa ser decretada (o plano não foi ‘rejeitado’), o devedor perderá uma das principais proteções que lhe são oferecidas pelo processo de recuperação judicial, qual seja, a suspensão das ações e execuções dos credores13
Diante de tais considerações e não olvidando dos demais prazos aqui especificados, nota-se claramente que o devedor em crise precisará contar com muita habilitante para lograr êxito na aprovação do plano em tão exíguo prazo de 180 dias [eventualmente prorrogável].
Considerando eventual morosidade do andamento processual é quase certo que o recuperando não terá condições de ver aprovado seu plano nos precisos prazos estabelecidos por lei.
Ao completar 20 (vinte) anos no sistema jurídico pátrio, a Lei 11.101/05 ainda carece de ampla alteração, não apenas no que diz com os regimes recuperatórios, mas também no âmbito da falência.
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Advogado em Direito Empresarial; Mestre em Direito; Especialista em Direito Empresarial; Parecerista e Pesquisador.
Conforme lição de Eros Grau, há necessidade de se observar, em relação ao mercado: previsibilidade, calculabilidade, regularidade, estabilidade, segurança, objetividade e constância. Por que tenho medos dos juízes:a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2106.︎
E quando da análise da petição inicial o juiz não poderá decretar a falência do devedor, por força do art. 73, que estabelece as hipóteses específicas para a retirada do devedor do mercado. Entrementes, cabe ao juiz analisar se estão presentes no caso concreto: [i] os pressupostos processuais e as condições da ação e [ii] se a inicial cumpriu o art. 51 da lei de regência, bem como demais requisitos. O TJSP por sua Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais estabeleceu, via Súmula 56, que “na recuperação judicial, ao determinar a complementação da inicial, o juiz deve individualizar os elementos faltantes”. Contra a decisão que manda processar a recuperação judicial poderá o credor prejudicado ingressar com agravo de instrumento, estando afastada a Súmula 264 do STJ.︎
Note-se que a lei não impõe qualquer sanção caso a assembleia deixe de ser realizada em tal prazo.︎
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O prazo pode ser prorrogado por igual período, uma só vez, de forma excepcional, contanto que o recuperando não tenha contribuído para o descumprimento do prazo. A lei de regência não se observou, por mera opção [política legislativa], o assim denominado automatic stay do sistema norte-americano. O único prejudicado pela não adoção de tal instituto na Lei 11.101/05 é o devedor em crise. Mas, esse prejuízo pode até mesmo ser estendido à própria sociedade como um todo. Para os credores, a não suspensão das demandas é medida que melhor se coaduna com seus particulares interesses. Portanto, a “pseudoproteção” concedida por lei ao devedor – suspensão de algumas demandas por 180 dias [prorrogável] – não colabora para a resolução da crise. Ora, se a lei norte-americana estende o automatic stay até o final do processo de reorganização, sendo que o devedor tem o prazo de 120 dias para juntar o plano [bem maior do que o da lei nacional], nada mais correto que a Lei 11.101/05 também suspendesse o curso de todas as demandas em que o recuperando seja acionado. Nos Estados Unidos admite-se, por outro lado, que o juiz, visando a proteção exclusiva dos interesses de determinados credores, afaste tal suspensão em determinado momento processual.︎
Sem sombra de dúvida que o prosseguimento de tais execuções em face do recuperando poderá desestabilizar o próprio processo de reorganização judicial. É importante, por outro lado analisar a decisão proferida pelo STF no RE 583.955-9- Rio de Janeiro, com voto condutor do Min. Ricardo Lewandowski. Diz a regra do art. 6º. §4º-A, inc. II: As suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão por 180 (cento e oitenta) dias contados do final do prazo referido no § 4º deste artigo, ou da realização da assembleia-geral de credores referida no § 4º do art. 56 desta Lei, caso os credores apresentem plano alternativo no prazo referido no inciso I deste parágrafo ou no prazo referido no § 4º do art. 56 desta Lei.︎
Prevalecendo, nesta hipótese, a preservação do mercado, afastando-se os particulares interesses do recuperando.︎
Que não possui poder decisório, mas apenas deliberativo, tal como bem esclarece Luiz Inácio Vigil Neto na obra Teoria Falimentar e Regimes Recuperatórios: estudos sobre a Lei n. 11.101/05. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 12.︎
Aprovar o plano de reorganização, mesmo que rejeitado em assembleia de credores.︎
Não cabe aqui o exame das decisões dos tribunais a respeito da competência para a execução de julgados tendo como devedora a entidade recuperanda.︎
Também não se descuide de que credores não sujeitos à recuperação judicial [art. 73, p. único da lei de regência] poderão requerer a falência do devedor, perante o mesmo juízo da reorganização [art. 6º, §8º].︎
Alguns dos importantes papéis do Estado moderno são justamente [i] funcionar como garantidor do funcionamento do mercado [estabilidade da moeda nacional, livre concorrência, conforme art. 173, §4º da Constituição Federal; [ii] garantir o direito de propriedade e [iii] velar pelo cumprimento dos contratos juridicamente perfeitos, deixando que a economia flua, regulando as atividades econômicas que reputar relevantes [arts. 170 e 174 da Carta Política]. Entrementes, cabe a este mesmo Estado: [a] buscar a redução das desigualdades sociais [e se tais desigualdades são um dos grandes problemas que decorrem de tal economia de mercado, caberá ao Estado reduzi-las, dentro do possível]; [b] fornecer a infraestrutura básica, bem como, também dentro do possível, [c] amenizar os efeitos deletérios advindos dos momentos de crise econômica.︎
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SOUZA JUNIOR, Francisco S. de; PITOMBO, Antônio S. A. de M. [coord.]. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Lei 11.101/05 – Artigo por artigo. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007,p. 273. Grifo constante do original.︎