Resumo: O presente ensaio jurídico tem por finalidade precípua apresentar breves estudos sobre a novíssima Lei nº 15.035, de 27 de novembro de 2024, que introduz mudanças no CP para permitir a consulta pública do nome completo e do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) das pessoas condenadas por crimes contra a dignidade sexual, garantindo-se o sigilo do processo e das informações relativas à vítima, e modificações na Lei nº 14.069, de 1º de outubro de 2020, para determinar a criação do “Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais”.
Palavras-chave: Direito; penal; crimes; dignidade; sexual; consulta pública; cadastro; nacional; pedófilos.
Um dos bens jurídicos mais importantes tutelados pelo Código Penal é a dignidade sexual das pessoas; a evolução da maldade humana faz com que o legislador aja com eficiência e rapidez para prevenir e punir os agressores; possibilitar consulta processual pelo nome do condenado, com a devida identificação do crime tipificado na persecução penal, permite o acompanhamento dos casos pela população, colaborando para a transparência do sistema de justiça e para a prevenção de novos delitos. Além disso, o acesso às informações pode incentivar denúncias e auxiliar na identificação de possíveis padrões de comportamento criminoso.
A velocidade da dinâmica social impressiona não somente os juristas, mas aqueles que têm a missão de adequar essas mudanças sociais, com a positivação das mudanças traduzidas em normas imperativas, sempre buscando a proteção da sociedade, sobretudo, tutelando os bens jurídicos mais importantes para a promoção da harmonia social.
Os crimes sexuais têm sempre passando por mudanças importantes; a exemplo disso foi a entrada em vigor da Lei 12.015, de 2009, que introduziu modificações significativas nos crimes sexuais, mudando o antigo título VI, dos crimes contra os costumes para crimes contra a dignidade sexual. E o fez com acerto na época, isto porque costumes são mudados ao longo do tempo, num piscar de olhos, na velocidade de um raio de um relâmpago em tempo chuvoso; mas dignidade sexual das pessoas é imutável. Faça sol ou tenha chuva, com ou sem raio, a dignidade sexual sempre será perene.
A novíssima lei, em vigor a partir de 28/11/2024, nasce do Projeto de Lei N° 6212, DE 2023, da Senadora Margareth Buzetti; importante ressaltar a primorosa justificação apresentada pela parlamentar buscando aprovação de sua proposta, a saber:
“(...) JUSTIFICAÇÃO. Este projeto de lei busca equilibrar os direitos envolvidos em processos de crimes cometidos contra a dignidade sexual, assegurando-se, de um lado, a intimidade da vítima, e, de outro, coibindo a prática de novos crimes, mediante a publicização dos dados do condenado em 1ª instância por cometimento de um crime dessa natureza. Com efeito, a possibilidade de consulta processual pelo nome do condenado, com a devida identificação do crime tipificado na persecução penal, permite o acompanhamento dos casos pela população, colaborando para a transparência do sistema de justiça e para a prevenção de novos delitos. Além disso, o acesso às informações pode incentivar denúncias e auxiliar na identificação de possíveis padrões de comportamento criminoso. Cabe mencionar que alguns estados brasileiros já têm desenvolvido aplicativos que permitem facilitar os meios de denúncias, bem como a identificação de agressores que cometeram crimes contra a mulher, legislação penal vigente, impossibilita a implementação dos referidos mecanismos tecnológicos no que tange aos crimes contra a dignidade sexual, pois a imposição generalizada de sigilo acaba por colocar no anonimato também os seus investigados. Isso porque, quando o procedimento ou a ação judicial corre sob sigilo processual, a pesquisa processual em nome do investigado, ou até mesmo condenado, torna-se ineficaz, anulando qualquer possibilidade do cidadão comum se precaver de novos atos criminosos, inclusive contra crianças e adolescentes. Ademais, na legislação atual, o empregador ao proceder pesquisa processual a fim de obter os antecedentes criminais e condutas sociais daquele candidato à oportunidade empregatícia pode localizar crimes como homicídio, latrocínio, furto, roubo, dentre outros, mas não consegue se precaver quanto aos candidatos com condutas voltadas a prática de crimes sexuais. No entanto, prossegue sendo de extrema importância a garantia do sigilo absoluto das informações relativas à vítima dos crimes sexuais, pois a divulgação dessas informações pode repercutir negativamente em sua esfera pessoal, violando seu direito à privacidade e favorecendo eventuais represálias e estigmatizações. Portanto, este projeto de lei continua a preservar a intimidade da vítima de crimes contra a dignidade sexual, nos termos do atual art. 243. B do Código Penal, ao tempo em que passa a publicizar o nome e o tipo penal daquele indivíduo a partir da condenação em 1ª instância por esse tipo de crime, impedindo, deste modo, que o sigilo facilite novas práticas delitivas. Além disso, em sua segunda parte, é necessário mencionar que uma das medidas de prevenção do crime contra a dignidade sexual é o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro. Esse cadastro foi criado pela Lei nº 12.650, de 17 de maio de 2012, e atualizado pela Lei nº 14.069, de 1º de outubro de 2020. O objetivo do cadastro é garantir que os condenados por esse tipo de crime sejam monitorados e impedidos de voltar a cometer essa violência. Contudo, os dados do cadastro não são públicos, o que dificulta o acesso da sociedade às informações sobre os condenados por esse tipo de crime. Isso acaba limitando a capacidade das mulheres, das crianças e dos adolescentes de se protegerem e de se prevenirem em relação a essas pessoas. Nesse sentido, é fundamental alterar a lei atual para tornar público os dados do cadastro nacional de pessoas condenadas por crime de estupro pelo menos no que diz respeito ao nome completo e cadastro de pessoa física da pessoa condenada. Essa medida poderá contribuir para o aumento da segurança da sociedade de forma geral, mas principalmente do público alvo dos crimes contra a dignidade sexual, que são as mulheres, as crianças e os adolescentes. Além disso, é uma forma de garantir a transparência das informações e ampliar o acesso da sociedade a esses dados. Assim, a proposta de alteração da lei tem por objetivo possibilitar a criação de um sistema denominado “Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais”, desenvolvido a partir dos dados constantes no Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crimes de Estupro, que permitirá a consulta pública do nome completo e cadastro de pessoa física das pessoas condenadas por esse crime. Por todos esses motivos, esperamos contar com o decisivo apoio dos nobres Pares para a sua aprovação(...)”.
O novo comando normativo, Lei nº 15.035, de 27 de novembro de 2024, agora faz inserir o artigo 234-B, os §§ 1º, 2º e 3º do CP, para estabelecer:
“Art. 234-B ......................................................................................
§ 1º O sistema de consulta processual tornará de acesso público o nome completo do réu, seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e a tipificação penal do fato a partir da condenação em primeira instância pelos crimes tipificados nos arts. 213, 216-B, 217-A, 218-B, 227, 228, 229 e 230 deste Código, inclusive com os dados da pena ou da medida de segurança imposta, ressalvada a possibilidade de o juiz fundamentadamente determinar a manutenção do sigilo.
§ 2º Caso o réu seja absolvido em grau recursal, será restabelecido o sigilo sobre as informações a que se refere o § 1º deste artigo.
§ 3º O réu condenado passará a ser monitorado por dispositivo eletrônico.” (NR)
Noutra seara, a novíssima lei também modifica a Lei 14.069, de 20202, para acrescer o artigo 2º-A, a saber:
“Art. 2º-A. É determinada a criação do Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais, sistema desenvolvido a partir dos dados constantes do Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, que permitirá a consulta pública do nome completo e do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) das pessoas condenadas por esse crime.
Parágrafo único. (VETADO).”
O parágrafo único do art. 2º-A foi vetado. O citado dispositivo previa o seguinte:
“Parágrafo único. As informações a que se refere o caput deste artigo serão inseridas no Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória e ficarão disponíveis para consulta pública pelo prazo de 10 (dez) anos após o cumprimento integral da pena, salvo em caso de reabilitação.”
Eis as razões do veto:
“Em que pese a boa intenção do legislador, a medida incorre em vício de inconstitucionalidade, pois a extensão do prazo para manter disponíveis os dados dos condenados no Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais, para além do período de cumprimento da pena, viola princípios e normas constitucionais, como a proporcionalidade e o devido processo legal, nos termos do disposto no inciso LIV do caput do art. 5º da Constituição; a dignidade da pessoa humana e a integridade física e moral do condenado, nos termos, respectivamente, do disposto no inciso III do caput do art. 1º e no inciso XLIX do caput do art. 5º da Constituição; e os direitos à intimidade, vida privada, honra e imagem, nos termos do disposto no inciso X do caput do art. 5º da Constituição.”
REFLEXÕES FINAIS
Como se percebe, o novo comando normativo diz respeito ao segredo de justiça nos processos judiciais por crimes praticados contra a dignidade sexual, aqueles definidos nos artigos 213, 216-B, 217-A, 218-B, 227, 228, 229 e 230 do CP. Os crimes a que se referem a nova lei dizem respeito aos crimes de estupro; registro não autorizado da intimidade sexual; estupro de vulnerável; satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente; mediação para servir a lascívia de outrem; favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual; casa de prostituição e rufianismo
Para os crimes relacionados em epígrafe, o qual denominamos de G-08, o sistema de consulta processual tornará de acesso público o nome completo do réu, seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e a tipificação penal do fato a partir da condenação em primeira instância, ressalvada a possibilidade de o juiz fundamentadamente determinar a manutenção do sigilo.
Caso o réu seja absolvido em grau recursal, será restabelecido o sigilo sobre as informações a que se refere o enunciado acima; A novíssima lei prevê a criação do Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais, sistema desenvolvido a partir dos dados constantes do Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, que permitirá a consulta pública do nome completo e do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) das pessoas condenadas por esse crime.
É certo que atualmente não existe no direito penal brasileiro a conduta criminosa tipificada especificamente como pedofilia; entretanto, o Código F65.4, define pedofilia como “preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade”. De acordo com esse entendimento, o tipo que mais se aproxima do transtorno de personalidade é o estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do CP, consistente em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos; pena de reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Outros tipos penais bem próximos do transtorno da pedofilia são os crimes definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pedofilia é uma espécie de parafilia. Aliás, com certo, CINQUE e outros, discorrem sobre o assunto como autoridade:
Parafilias são desvios sexuais, são desejos e preferências sexuais diferentes das aceitas pela sociedade e que ameaçam a comunidade como um todo. Dentro do grupo das parafilias, podemos citar, além da pedofilia, o exibicionismo, que se caracteriza em expor os órgãos genitais a um estranho; o fetichismo, que envolve o uso de objetos inanimados, associados ao corpo humano; o frotteurismo, que consiste em esfregar ou tocar uma pessoa sem o consentimento da mesma; o voyeurismo, que tem como característica observar pessoas nuas ou pessoas no ato sexual sem o consentimento desta; o travestismo sexual, que o sujeito usa vestimentas consideradas do sexo oposto ao dele; o sadismo sexual, onde o indivíduo parafílico vê prazer no sofrimento do parceiro; o masoquismo sexual, onde o portador da patologia sente prazer quando lhe causam dor e sofrimento; e também existe a parafilia, sem outra especificação. O último componente do grupo das parafilias - parafilia sem outra especificação - não se encaixa em nenhum critério dos outros componentes. Neste subgrupo, encontra-se a necrofilia, sexo com cadáveres; zoofilia, sexo com animais; parcialismo, quando se foca em uma única parte do corpo humano; escatologia telefônica, conversas obscenas por telefone ou por computador; entre outras.1
Importa salientar que o Brasil é signatário da Convenção sobre Direitos da Criança adotada pela ONU em 1989. Primeiro a Carta Internacional reconhece que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão; e assim, considera que a criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade.
Sobre a responsabilidade penal do pedófilo, a doutrina e jurisprudência pátrias têm entendimento consolidado no sentido do transtorno da sexualidade e não da inteligência, não excluir a culpabilidade penal. Com autoridade, BARBOSA apresenta estudos e decisões sobre o tema, a começar sobre a origem conceitual.
A palavra pedofilia, etimologicamente, deriva do grego paidofilia, a partir das matrizes paidós (criança) e philia(amor, amizade), significando, originalmente, “amor por crianças” (TRINDADE; BREIER, 2010, p. 21). Na Grécia antiga, a prática sexual entre uma pessoa mais velha e um jovem era encarada de forma natural pela sociedade. A maioria dos casos ocorria entre pessoas do mesmo sexo, cuja incidência predominava entre os homens, funcionando como uma troca de favores pessoais para a iniciação do jovem à fase adulta, a partir do momento que passavam a desenvolver relações estáveis com o sexo oposto (CORREIA, 2003).2
Especificamente, acerca da responsabilidade penal do pedófilo, a festejada autora arremata:
Entendemos, por sua vez, o indivíduo que comete atos de pedofilia, possui total consciência do ilícito praticado, não cabendo, portanto, a aplicação do artigo 26 do Código Penal. Voltemos à lei: “Artigo 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. ” Assim, pondo os olhos para a questão, é de suma importância destacar a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja relatoria coube ao Des. Roberto Midolla, da Apelação Criminal nº 481635.3/8-0000-000, proveniente da 9ª Câmara Criminal, ora transcrito:
“Por outro lado, o laudo pericial concluiu que o apelante era capaz de entender o caráter criminoso, mas sua determinação é marcada pela compulsão doentia de atividade sexual com crianças, ou seja, a pedofilia. Ocorre que isso não o beneficia, nos termos do artigo 26 do Código Penal. Tentou dissimular a sua conduta perante Juízo, mas contou com detalhes no inquérito. Em razão disso, a absolvição pretendida, com medida de segurança, não merece acolhimento. ” 3
Por fim, como bem salientou a autora da proposta do PL de origem, em suas razões fundamentadas: a possibilidade de consulta processual pelo nome do condenado, com a devida identificação do crime tipificado na persecução penal, permite o acompanhamento dos casos pela população, colaborando para a transparência do sistema de justiça e para a prevenção de novos delitos. Além disso, o acesso às informações pode incentivar denúncias e auxiliar na identificação de possíveis padrões de comportamento criminoso. Cabe mencionar que alguns estados brasileiros já têm desenvolvido aplicativos que permitem facilitar os meios de denúncias, bem como a identificação de agressores que cometeram crimes contra a mulher, legislação penal vigente, impossibilita a implementação dos referidos mecanismos tecnológicos no que tange aos crimes contra a dignidade sexual, pois a imposição generalizada de sigilo acaba por colocar no anonimato também os seus investigados. Isso porque, quando o procedimento ou a ação judicial corre sob sigilo processual, a pesquisa processual em nome do investigado, ou até mesmo condenado, torna-se ineficaz, anulando qualquer possibilidade do cidadão comum se precaver de novos atos criminosos, inclusive contra crianças e adolescentes. Proteger a dignidade sexual das pessoas é insofismável atitude de promoção dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS
BARBOSA. Cecília Pinheiro. A responsabilidade penal do pedófilo. Disponível em <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-responsabilidade-penal-do-pedofilo/144142671>. Acesso em 27 de novembro de 2024.
BRASIL. Código penal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 27 de novembro de 2024.
BRASIL. Lei nº 15.035, de 27 de novembro de 2024. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L15035.htm>. Acesso em 28 de novembro de 2024.
CINQUE, Helena; SILVA, Vitória Carolina et al. Pedofilia: a ineficácia na punição e no tratamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4927, 27 dez. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54486/pedofilia-a-ineficacia-na-punicao-e-no-tratamento>. Acesso em: 27 nov. 2024.
Notas
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CINQUE. Helena; e outros; Pedofilia: a ineficácia na punição e no tratamento. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/54486/pedofilia-a-ineficacia-na-punicao-e-no-tratamento>. Acesso em 27 de novembro de 2024.
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BARBOSA. Cecília Pinheiro. A responsabilidade penal do pedófilo. Disponível em <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-responsabilidade-penal-do-pedofilo/144142671>. Acesso em 27 de novembro de 2024.
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BARBOSA (2024)