4. DESAFIOS E LIMITES DA ATUAÇÃO MILITAR
A atuação militar em áreas de servidão e outras atividades relacionadas ao poder de polícia administrativa enfrenta uma série de desafios e limites que decorrem tanto do ordenamento jurídico quanto das demandas sociais. Essas dificuldades tornam-se ainda mais evidentes em contextos urbanos densamente povoados, onde as atividades das Forças Armadas podem impactar diretamente a vida cotidiana da população. A necessidade de conciliar a segurança das Organizações Militares (OMs) com os direitos individuais é uma constante que exige um equilíbrio delicado.
Um dos principais desafios está relacionado à interpretação e aplicação das normas que regem a servidão militar. O Decreto-Lei nº 3.437/41, por exemplo, estabelece diretrizes específicas para as áreas de 1.320 metros ao redor das OMs, mas também é objeto de debates jurídicos quanto à sua vigência e alcance. A ausência de regulamentações mais detalhadas pode gerar insegurança jurídica tanto para os particulares afetados pelas restrições quanto para os militares responsáveis por sua implementação.
Outro obstáculo relevante é a falta de uniformidade na atuação das Forças Armadas em diferentes regiões do país. A aplicação do poder de polícia administrativa depende, em grande parte, da interpretação dos comandos locais e das diretrizes estabelecidas por cada força (Exército, Marinha e Aeronáutica). Essa descentralização pode levar a abordagens divergentes, criando incertezas e, em alguns casos, conflitos entre as comunidades locais e as autoridades militares.
A resistência da população às restrições impostas pelas áreas de servidão militar também representa um desafio significativo. Em zonas urbanas, onde há maior densidade populacional, as limitações ao uso de propriedades privadas, como a proibição de construções ou a interdição temporária de vias, podem ser percebidas como abusivas ou desproporcionais. Nesses casos, a falta de comunicação clara por parte das Forças Armadas pode agravar os conflitos, minando a legitimidade de suas ações.
Outro limite importante diz respeito à atuação militar em situações que extrapolam suas atribuições constitucionais. A Constituição Federal de 1988 delimita as funções das Forças Armadas à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, excepcionalmente, à manutenção da ordem pública em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Assim, qualquer ação fora desses parâmetros, mesmo nas áreas de servidão militar, pode ser questionada judicialmente, expondo a instituição a riscos de responsabilização.
A gestão do patrimônio público militar, que inclui as áreas de servidão, também apresenta desafios logísticos e financeiros. A manutenção dessas áreas e a fiscalização de seu uso demandam recursos significativos, muitas vezes não disponíveis no orçamento militar. Essa carência de recursos pode comprometer a eficácia das medidas de proteção e fiscalização, especialmente em regiões mais remotas ou de difícil acesso.
Outro limite relevante é a necessidade de articulação entre as Forças Armadas e outros órgãos públicos. Muitas das ações nas áreas de servidão, como o controle de construções ou a regulamentação do trânsito, exigem cooperação com prefeituras, secretarias estaduais e outros entes administrativos. A ausência de mecanismos formais para essa articulação pode gerar atrasos, duplicidade de esforços e até mesmo conflitos de competência.
O avanço tecnológico e as mudanças na dinâmica da segurança também impõem desafios às atividades militares. A proteção das OMs requer a adaptação constante a novas ameaças, como ataques cibernéticos ou o uso de drones em áreas sensíveis. No entanto, as normas que regem a servidão militar e o poder de polícia administrativa nem sempre acompanham essas transformações, criando lacunas regulatórias que podem ser exploradas por agentes mal-intencionados.
A atuação militar também está limitada pelo escrutínio público e pelos princípios democráticos. Em um Estado de Direito, todas as ações das Forças Armadas estão sujeitas à fiscalização por parte do Poder Judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil. Esse controle é essencial para prevenir abusos de poder, mas também pode gerar pressão adicional sobre os militares, especialmente em contextos politicamente sensíveis ou polarizados.
A percepção pública sobre o papel das Forças Armadas é outro fator que influencia sua atuação. Enquanto a maioria da população reconhece a importância das atividades militares para a segurança nacional, episódios de abuso de autoridade ou mal-entendidos nas áreas de servidão podem prejudicar a imagem da instituição. Para mitigar esse risco, é essencial que as ações sejam conduzidas com transparência, respeito aos direitos fundamentais e comunicação eficaz.
O respeito ao princípio da proporcionalidade é um dos maiores desafios para a atuação militar. As medidas adotadas nas áreas de servidão devem ser adequadas, necessárias e proporcionais aos objetivos de segurança e proteção. Qualquer excesso pode resultar em ações judiciais, críticas públicas e prejuízos à reputação institucional, comprometendo a legitimidade das Forças Armadas.
A formação e o treinamento dos militares também desempenham um papel crucial na superação desses desafios. A preparação adequada para o exercício do poder de polícia administrativa exige conhecimento jurídico, habilidades de mediação de conflitos e sensibilidade cultural. Investir em programas de capacitação voltados para essas áreas é essencial para garantir uma atuação eficiente e alinhada aos princípios constitucionais.
Outro aspecto relevante é a necessidade de regulamentação mais clara e detalhada sobre as ações permitidas nas áreas de servidão militar. Um marco normativo atualizado e abrangente poderia reduzir as incertezas jurídicas e uniformizar a atuação das Forças Armadas em todo o território nacional. Esse tipo de iniciativa depende, no entanto, de articulação entre os Poderes Legislativo e Executivo, além da participação ativa das próprias Forças Armadas no processo de elaboração normativa.
A integração entre as Forças Armadas e as comunidades locais é um fator determinante para o sucesso de suas atividades. Promover o diálogo e o entendimento mútuo pode reduzir resistências e fortalecer o apoio público às medidas adotadas nas áreas de servidão. A criação de canais permanentes de comunicação com a sociedade civil, como audiências públicas e campanhas de conscientização, é uma estratégia eficaz para alcançar esses objetivos.
Em síntese, os desafios e limites da atuação militar nas áreas de servidão refletem a complexidade de equilibrar segurança nacional e respeito aos direitos individuais. Superar essas dificuldades requer uma abordagem integrada, que combine rigor jurídico, gestão eficiente, capacitação profissional e diálogo com a sociedade. Ao enfrentar esses desafios de maneira transparente e responsável, as Forças Armadas podem fortalecer sua legitimidade e cumprir seu papel constitucional de maneira exemplar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ações das Forças Armadas em áreas de servidão militar destacam a necessidade de equilibrar dois valores fundamentais: a segurança nacional e a proteção dos direitos individuais. A regulamentação dessas áreas reflete o princípio da supremacia do interesse público, mas também exige que a aplicação das normas seja conduzida de maneira proporcional e sensível às particularidades de cada contexto. A manutenção desse equilíbrio é essencial para que as Forças Armadas atuem com legitimidade, assegurando a proteção de suas instalações estratégicas sem violar os direitos fundamentais da população.
O ordenamento jurídico brasileiro oferece um conjunto de normas que delimita claramente as atribuições das Forças Armadas no exercício do poder de polícia administrativa e judiciária. Enquanto o Decreto-Lei nº 3.437/41 continua sendo uma referência normativa fundamental para a gestão das áreas de servidão, a Constituição Federal e a legislação complementar definem os limites das ações militares, especialmente no que tange a crimes comuns e situações excepcionais. Respeitar esses limites é crucial para evitar abusos de poder, assegurar o controle social sobre as atividades militares e proteger a integridade das instituições democráticas.
Os desafios enfrentados pelas Forças Armadas em suas atividades incluem lacunas regulatórias, restrições orçamentárias e a falta de uniformidade nas ações em diferentes regiões. A modernização do marco normativo é um passo necessário para alinhar as normas à realidade contemporânea, incorporando avanços tecnológicos e enfrentando novas ameaças à segurança nacional. Além disso, é essencial que a atuação militar seja articulada com outros entes da administração pública, promovendo cooperação interinstitucional para superar desafios operacionais e garantir a eficácia das ações.
A capacitação adequada dos militares para o exercício do poder de polícia administrativa é um aspecto indispensável para a legitimidade e eficácia de suas ações. Investir em treinamento jurídico, habilidades de mediação e estratégias de comunicação pode minimizar conflitos e melhorar a interação com a sociedade civil. Além disso, a comunicação institucional desempenha um papel central na construção de confiança pública, ajudando a esclarecer as finalidades das medidas adotadas e a demonstrar o compromisso das Forças Armadas com os valores democráticos e constitucionais.
Por fim, as Forças Armadas desempenham um papel fundamental na consolidação do Estado de Direito ao protegerem não apenas a segurança nacional, mas também os princípios que sustentam a democracia brasileira. Suas ações nas áreas de servidão militar e no exercício do poder de polícia administrativa devem refletir o compromisso com a legalidade, a transparência e o respeito aos direitos fundamentais. Ao superar desafios e operar dentro dos limites constitucionais, as Forças Armadas contribuem para fortalecer sua legitimidade institucional, promovendo a confiança pública e garantindo a harmonia entre segurança e liberdade no Brasil.
REFERÊNCIAS
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