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A atuação do Poder Judiciário na integração e concretização dos preceitos constitucionais

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11/05/2008 às 00:00
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2 Recepção do Supremo Tribunal Federal às ações suscitadoras da inércia legislativa inconstitucional

A Constituição Federal de 1988 trouxe à sociedade brasileira a formalização de vários direitos políticos, econômicos e sociais, que formam a base do Estado Democrático de Direito, no qual a atuação dos Poderes constituídos deve ser pautada pela constitucionalidade democrática. Embora a tarefa da realização constitucional caiba não só aos Poderes do Estado, mas a toda a sociedade, a maior parte dessa responsabilidade é conferida aos agentes públicos, que desfrutam de maior poder. Ao Supremo Tribunal Federal, por ser destinado à guarda da Constituição, o Texto Fundamental conferiu a missão de retirar do ordenamento jurídico os atos e normas incompatíveis com a constitucionalidade democrática e de assegurar a efetividade dos direitos formalmente instituídos. Por força constitucional, a atuação do STF deve ser sempre no sentido de cumprir o seu dever de buscar pela efetividade dos direitos fundamentais consagrados e de impedir a violação dos preceitos constitucionais, seja por ação ou omissão.

O Supremo Tribunal Federal, portanto, deve nortear sua atividade no cumprimento de sua tarefa na realização constitucional, aplicando sempre o princípio da máxima efetividade, que significa atribuir a uma norma o sentido que lhe proporcione maior eficácia. Qualquer atuação do STF que seja contrária à realização da Constituição é violadora de sua maior obrigação institucional, qual seja, a guarda da própria Constituição, que pode ser infringida não só por ação, mas também por omissão.

Ainda que a Lei Fundamental tenha trazido o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão como meios de combate à inércia legislativa inconstitucional, após mais de 18 anos de vigência da Constituição Cidadã, muitos dos direitos nela previstos ainda não foram implementados por falta de regulamentação.

O atual quadro que se apresenta em relação à continuidade da falta de integração de muitas normas constitucionais foi delineado não só pela inadvertência das autoridades do Poder Legislativo e do Poder Executivo, às quais a Constituição confere a iniciativa das leis integradoras ainda inexistentes, mas também pela interpretação que o Excelso Pretório desenvolveu a respeito do tema, principalmente nas oportunidades em que casos concretos de impossibilidade de exercício de direitos constitucionais foram levados ao seu conhecimento por meio de ação direta de inconstitucionalidade por omissão e de mandado de injunção.

Lamentando a falta de resultados práticos mais expressivos pela aplicação dos comentados institutos, José Afonso da Silva afirma:

Se o Poder Legislativo não responder ao mandamento judicial, incidirá em omissão ainda mais grave. Pelo menos terá de dar alguma satisfação ao Judiciário. É certo que, se não o fizer, praticamente nada se poderá fazer, pois não há como obrigar o legislador a legislar. Por isso é que, no caso de inconstitucionalidade por omissão, propugnáramos por uma decisão judicial normativa, para valer como lei se após certo prazo o legislador não suprisse a omissão. A sentença normativa teria esse efeito. Mas o legislador constituinte não quis dar esse passo à frente (SILVA, 2005, p. 56).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também não colaborou para a ampliação da relevância dos instrumentos jurídicos de combate à omissão legislativa inconstitucional, tratando-os sob aspecto mais teórico que prático. Como ilustração, refere-se o MI n. 361/RJ, cujo relator do acórdão foi o Ministro Sepúlveda Pertence [01]:

I - MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: ADMISSIBILIDADE, POR APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 5., LXX, DA CONSTITUIÇÃO; LEGITIMIDADE, NO CASO, ENTIDADE SINDICAL DE PEQUENAS E MEDIAS EMPRESAS, AS QUAIS, NOTORIAMENTE DEPENDENTES DO CRÉDITO BANCÁRIO, TEM INTERESSE COMUM NA EFICÁCIA DO ART. 192, PAR. 3., DA CONSTITUIÇÃO, QUE FIXOU LIMITES AOS JUROS REAIS. II. MORA LEGISLATIVA: EXIGÊNCIA E CARACTERIZAÇÃO: CRITÉRIO DE RAZOABILIDADE. A MORA - QUE E PRESSUPOSTO DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA OMISSÃO LEGISLATIVA -, E DE SER RECONHECIDA, EM CADA CASO, QUANDO, DADO O TEMPO CORRIDO DA PROMULGAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL INVOCADA E O RELEVO DA MATÉRIA, SE DEVA CONSIDERAR SUPERADO O PRAZO RAZOÁVEL PARA A EDIÇÃO DO ATO LEGISLATIVO NECESSÁRIO A EFETIVIDADE DA LEI FUNDAMENTAL; VENCIDO O TEMPO RAZOÁVEL, NEM A INEXISTÊNCIA DE PRAZO CONSTITUCIONAL PARA O ADIMPLEMENTO DO DEVER DE LEGISLAR, NEM A PENDÊNCIA DE PROJETOS DE LEI TENDENTES A CUMPRI-LO PODEM DESCARACTERIZAR A EVIDENCIA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PERSISTENTE OMISSÃO DE LEGISLAR. III. JUROS REAIS (CF, ART.192, PAR. 3.): PASSADOS QUASE CINCO ANOS DA CONSTITUIÇÃO E DADA A INEQUÍVOCA RELEVÂNCIA DA DECISÃO CONSTITUINTE PARALISADA PELA FALTA DA LEI COMPLEMENTAR NECESSÁRIA A SUA EFICÁCIA - CONFORME JÁ ASSENTADO PELO STF (ADIN 4, DJ 25.06.93, SANCHES) -, DECLARA-SE INCONSTITUCIONAL A PERSISTENTE OMISSÃO LEGISLATIVA A RESPEITO, PARA QUE A SUPRA O CONGRESSO NACIONAL. IV. MANDADO DE INJUNÇÃO: NATUREZA MANDAMENTAL (MI 107-QO, M. ALVES, RTJ 133/11): DESCABIMENTO DE FIXAÇÃO DE PRAZO PARA O SUPRIMENTO DA OMISSÃO CONSTITUCIONAL, QUANDO - POR NÃO SER O ESTADO O SUJEITO PASSIVO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE EXERCÍCIO OBSTADO PELA AUSÊNCIA DA NORMA REGULAMENTADORA (V.G, MI 283, PERTENCE, RTJ 135/882) -, NÃO SEJA POSSÍVEL COMINAR CONSEQÜÊNCIAS A SUA CONTINUIDADE APÓS O TERMO FINAL DA DILAÇÃO ASSINADA.

Conforme o conteúdo da Carta Magna e o ensinamento da doutrina, o mandado de injunção destina-se a tornar todas as normas constitucionais potencialmente aplicáveis diretamente. Sua função é fazer valer no interesse do impetrante um direito ou prerrogativa prevista em norma constitucional cujo exercício em geral é inviabilizado pela falta de regulamentação.

Em relação aos efeitos do mandado de injunção, as posições doutrinárias dividem-se basicamente em concretista e não-concretista. A posição concretista defende que o Poder Judiciário, ao julgar o mandado de injunção, poderia, através de uma decisão constitutiva, declarar a existência da omissão inconstitucional e ao mesmo tempo implementar o exercício do direito requerido, até a superveniente regulamentação. Essa posição apresenta variantes, como a chamada concretista geral, para a qual a decisão referente ao mandado de injunção teria efeito erga omnes, através de uma normatividade geral; e a concretista individual, quando a decisão produziria efeitos apenas entre as partes, beneficiando somente o autor do mandado de injunção. A posição concretista individual, em sua versão direta, o Poder Judiciário, ao julgar procedente o pedido, deveria implementar a eficácia da norma em questão. Pela posição concretista individual intermediária, o juiz deveria assinalar um prazo para que o Poder Legislativo elaborasse a norma regulamentadora e, esgotado esse prazo, poderia fixar as condições necessárias ao exercício do direito obstado pela omissão inconstitucional. Por sua vez, a posição não concretista vê como finalidade única do mandado de injunção o reconhecimento formal da omissão, dando-se ciência ao órgão omisso.

No tocante ao mandado de injunção, a principal orientação do STF, ainda que não unânime, é voltada à posição não concretista, relegando ao instituto apenas a função de comunicar a omissão ao Poder ou órgão que a dá causa, como se fosse o writ uma espécie de ação direta de inconstitucionalidade por omissão com legitimação mais ampla. Essa corrente é a que menos tem efeitos práticos, esvaziando o mandado de injunção de qualquer conseqüência efetiva no sentido de tornar viável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais, que estão obstados ante a falta de norma regulamentadora. Deixou o STF, assim, de buscar pela máxima efetividade constitucional, em dissonância com o seu mais importante dever institucional: o de guardião da Constituição.

A orientação jurisprudencial do STF acerca do mandado de injunção acentuou os eventuais problemas práticos que poderiam surgir com a posição concretista do mandado de injunção, em detrimento dos resultados que seriam atingidos com o suprimento da omissão inconstitucional no sentido da realização constitucional, a qual está dentre as suas principais funções. Com o passar dos anos, ficou estabelecido no Tribunal um entendimento que desproveu o mandado de injunção de qualquer efeito que pudesse fazer frente à omissão inconstitucional impeditiva do exercício dos direitos fundamentais consagrados.

Como observa Barroso, "sem nutrir simpatia pela inovação representada pelo mandado de injunção e rejeitando o ônus político de uma competência normativa que não desejava, a Corte esvaziou as potencialidades do novo remédio" (BARROSO, 2006, p. 257). Respaldado em uma visão clássica e rígida do princípio da separação dos Poderes, o STF acabou por promover a equiparação do mandado de injunção à ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O primeiro precedente surgiu com o julgamento do MI n. 107-3/DF [02], em que ficou consignado:

MANDADO DE INJUNÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM SOBRE SUA AUTO-APLICABILIDADE, OU NÃO. - EM FACE DOS TEXTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL RELATIVOS AO MANDADO DE INJUNÇÃO, E ELE AÇÃO OUTORGADA AO TITULAR DE DIREITO, GARANTIA OU PRERROGATIVA A QUE ALUDE O ARTIGO 5., LXXI, DOS QUAIS O EXERCÍCIO ESTA INVIABILIZADO PELA FALTA DE NORMA REGULAMENTADORA, E AÇÃO QUE VISA A OBTER DO PODER JUDICIARIO A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESSA OMISSAO SE ESTIVER CARACTERIZADA A MORA EM REGULAMENTAR POR PARTE DO PODER, ÓRGÃO, ENTIDADE OU AUTORIDADE DE QUE ELA DEPENDA, COM A FINALIDADE DE QUE SE LHE DE CIENCIA DESSA DECLARAÇÃO, PARA QUE ADOTE AS PROVIDENCIAS NECESSARIAS, A SEMELHANCA DO QUE OCORRE COM A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSAO (ARTIGO 103, PAR-2., DA CARTA MAGNA), E DE QUE SE DETERMINE, SE SE TRATAR DE DIREITO CONSTITUCIONAL OPONIVEL CONTRA O ESTADO, A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS OU ADMINISTRATIVOS DE QUE POSSA ADVIR PARA O IMPETRANTE DANO QUE NÃO OCORRERIA SE NÃO HOUVESSE A OMISSAO INCONSTITUCIONAL. - ASSIM FIXADA A NATUREZA DESSE MANDADO, E ELE, NO ÂMBITO DA COMPETÊNCIA DESTA CORTE - QUE ESTA DEVIDAMENTE DEFINIDA PELO ARTIGO 102, I, ´´Q´´ -, AUTO-EXECUTAVEL, UMA VEZ QUE, PARA SER UTILIZADO, NÃO DEPENDE DE NORMA JURÍDICA QUE O REGULAMENTE, INCLUSIVE QUANTO AO PROCEDIMENTO, APLICAVEL QUE LHE E ANALOGICAMENTE O PROCEDIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, NO QUE COUBER. QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DA AUTO-APLICABILIDADE DO MANDADO DE INJUNÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Dessa forma, de acordo com a interpretação da Excelsa Corte, há dois remédios constitucionais para que seja dada ciência ao órgão omisso do Poder Público e nenhum voltado à solução, em via judicial, da violação do direito constitucional pleiteado.

Nas discussões dos ministros por ocasião da impetração de mandados de injunção, ao invés de questões jurídicas, muitas vezes o seu desacolhimento foi imposto por força do argumento de uma possível inviabilidade do Tribunal em razão do acúmulo de processos.

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O papel institucional do STF ganhou maior destaque e relevância com a promulgação da Constituição de 1988. Todavia, ao esvaziar um instituto elaborado pela Assembléia Constituinte por causa da preocupação de não se tornarem efetivas as normas constitucionais, o STF agiu em desacordo com o seu papel institucional, o que provoca um considerável prejuízo à sociedade, que não obteve na prática o amparo que a Carta Magna prometia aos seus direitos fundamentais e sociais.

O posicionamento do STF a respeito da função do mandado de injunção, contudo, não é unânime, tampouco muito firme, haja vista as reticências que os ministros vez por outra registram em seus votos. Ademais, a grande renovação nos quadros do Tribunal recentemente pode contribuir para uma mudança de interpretação da Corte.

A própria edição da regulamentação própria do instituto, ainda inexistente, pode vir a solucionar muitos dos problemas que atualmente rondam o mandado de injunção, que hoje segue o procedimento do mandado de segurança, conforme expressamente prevê o art. 24, parágrafo único, da Lei n. 8.038/1990.

O que se observa da história do mandado de injunção é que sua trajetória foi de pouco sucesso, pois embora tenha sido criado para ser um instrumento eficaz na viabilização dos direitos fundamentais, não recebeu muita atenção do legislador, que deixou de criar uma lei específica para a sua regulamentação, nem do Supremo Tribunal Federal, que adotou uma postura excessivamente restritiva no tocante ao conteúdo e alcance da nova ação constitucional. Apesar da posterior atenuação da jurisprudência da Corte, a nova interpretação ainda não foi suficiente para dar-lhe um papel mais relevante no sistema.

A crítica dos doutrinadores e a discordância dos Tribunais inferiores provocaram alterações no entendimento do STF, que de início rejeitava as potencialidades no novo instituto constitucional. A Corte evoluiu em relação à sua postura original de praticamente equiparar o mandado de injunção à ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Como enuncia Barroso,

A nova visão do STF começou a se delinear no julgamento de mandado de injunção impetrado com fundamento no art. 8º, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988. Tal dispositivo prevê que cidadãos afetados por atos discricionários do Ministério da Aeronáutica, editados logo após o movimento militar de 1964, fazem jus a uma ‘reparação de natureza econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição’ (BARROSO, 2006, p. 258-259).

Ante a ausência da edição de tal lei no prazo previsto, foi impetrado o MI n. 283-5 [03], sob o fundamento de que o exercício de um direito subjetivo constitucional era obstado pela omissão legislativa. No acórdão, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, a Suprema Corte decidiu que se após o prazo dado para a purgação da mora a lacuna legislativa ainda for observada, o titular do direito poderá obter reparação por perdas e danos. O mesmo julgamento, além de declarar a mora do legislador, registrou também que o mandado de injunção era deferido para:

a) Fixar o prazo de 60 dias para que se ultimasse o processo legislativo, incluindo a sanção presidencial;

b) Se ultrapassado esse prazo, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter contra a União, pela via processual adequada, a reparação devida;

c) Declarar que, após a prolação da sentença condenatória, a criação da lei não prejudica a coisa julgada;

d) A coisa julgada, por sua vez, não impede o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, no que lhe for mais favorável (BARROSO, 2006, p. 259).

No MI n. 284-3 [04], mandado de injunção impetrado ulteriormente com base na mesma disposição constitucional – art. 8º, § 3º, do ADCT –, o STF, tendo em vista o escoamento do prazo que concedera no writ anterior, considerou desnecessária nova comunicação ao Congresso Nacional e facultou aos impetrantes ingressarem imediatamente em juízo para obterem a reparação a que faziam jus.

O Supremo Tribunal Federal, ao firmar tal posição:

a) Converteu uma norma constitucional de eficácia limitada, porque dependente de norma infraconstitucional integradora, em norma de eficácia plena;

b) Considerou o mandado de injunção hábil para obter a regulamentação de qualquer direito previsto na Constituição e não apenas dos direitos e garantias fundamentais constantes do seu Título II (BARROSO, 2006, p. 260).

Embora os julgamentos do STF apresentem ou tenham apresentado por vezes votos divergentes, como já declararam os Min. Néri da Silveira, Carlos Velloso e Marco Aurélio, a tese historicamente prevalecente reputa ao mandado de injunção efeitos semelhantes aos da ação de inconstitucionalidade por omissão, deixando de conceder à parte exeqüibilidade imediata dos comandos constitucionais dependentes de integração:

MANDADO DE INJUNÇÃO. ARTIGO 8º, § 3º DO ADCT. DIREITO À REPARAÇÃO ECONÔMICA AOS CIDADÃOS ALCANÇADOS PELAS PORTARIAS RESERVADAS DO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA. MORA LEGISLATIVA DO CONGRESSO NACIONAL. 1 - Na marcha do delineamento pretoriano do instituto do Mandado de Injunção, assentou este Supremo Tribunal que "a mera superação dos prazos constitucionalmente assinalados é bastante para qualificar, como omissão juridicamente relevante, a inércia estatal, apta a ensejar, como ordinário efeito conseqüencial, o reconhecimento, "hic et nunc", de uma situação de inatividade inconstitucional." (MI 543, voto do Ministro Celso de Mello, in DJ 24.05.2002). Logo, desnecessária a renovação de notificação ao órgão legislativo que, no caso, não apenas incidiu objetivamente na omissão do dever de legislar, passados quase quatorze anos da promulgação da regra que lhe criava tal obrigação, mas que, também, já foi anteriormente cientificado por esta Corte, como resultado da decisão de outros mandados de injunção. 2 - Neste mesmo precedente, acolheu esta Corte proposição do eminente Ministro Nelson Jobim, e assegurou "aos impetrantes o imediato exercício do direito a esta indenização, nos termos do direito comum e assegurado pelo § 3º do art. 8º do ADCT, mediante ação de liquidação, independentemente de sentença de condenação, para a fixação do valor da indenização. 3 - Reconhecimento da mora legislativa do Congresso Nacional em editar a norma prevista no parágrafo 3º do art. 8º do ADCT, assegurando-se, aos impetrantes, o exercício da ação de reparação patrimonial, nos termos do direito comum ou ordinário, sem prejuízo de que se venham, no futuro, a beneficiar de tudo quanto, na lei a ser editada, lhes possa ser mais favorável que o disposto na decisão judicial. O pleito deverá ser veiculado diretamente mediante ação de liquidação, dando-se como certos os fatos constitutivos do direito, limitada, portanto, a atividade judicial à fixação do "quantum" devido. 4 - Mandado de injunção deferido em parte

Observação

Votação e resultado: por maioria, vencidos, parcialmente, os Ministros Carlos Velloso, Ilmar Galvão e Marco Aurélio, no que concediam a ordem em maior extensão, acolhido em parte, o pedido formulado na inicial para reconhecer a ocorrência da mora legislativa em editar a norma prevista no § 3º do artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e, em conseqüência, assegurar aos impetrantes o exercício da ação de reparação patrimonial, nos termos do direito comum ou ordinário, sem prejuízo de que se venham, no futuro, a beneficiar de tudo quanto, na lei a se editada, lhes possa ser mais favorável que o disposto na decisão a ser proferida [05].

Para Marcela Albuquerque Maciel,

Ao lado da inércia dos poderes constituídos, a acomodação da comunidade jurídica é também um grande empecilho à efetividade do mandado de injunção e, por conseqüência, da realização constitucional. Se não for mantida uma discussão crítica com relação à posição do STF, aí é que ela não será passível de alteração, pois o Tribunal não será nem mesmo instado a se pronunciar sobre o assunto e sobre novos argumentos.

Se o mandado de injunção puder, um dia, responder de forma eficaz frente à omissão inconstitucional, então estaremos mais perto do que nunca da realização da nossa tão promissora Constituição. E neste dia, então, saberemos o quanto foi importante lutar por ele (MACIEL, 2006, p. 6832).

O posicionamento da Corte Máxima do Poder Judiciário brasileiro, apesar dos anos de pouca evolução, parece guiar-se a um novo rumo desde a sessão plenária de 7 de junho de 2006, ocasião em que os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau votaram nos MIs 670 e 712 pela aplicação da Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989, à greve dos servidores públicos civis, enquanto o Congresso Nacional não editar a norma regulamentadora do art. 37, VII, da CF. Os julgamentos foram finalizados em 25 de outubro de 2007, tendo o Tribunal, por maioria, conhecido dos mandados de injunção e proposto a solução para a omissão legislativa com a aplicação da referida lei, no que couber, vencidos, em parte, o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator do MI 670), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Estes precedentes demonstram a nova dimensão jurídica dada a esta garantia constitucional, de conteúdo muito mais prático.

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Sobre a autora
Nancy Dutra

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Assessora especial do Gabinete da Presidência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUTRA, Nancy. A atuação do Poder Judiciário na integração e concretização dos preceitos constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1775, 11 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11199. Acesso em: 26 abr. 2024.

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