Fraude por meio de ativos virtuais, mobiliários ou financeiros (lei 14.478/22 – artigo 171 – a, cp) e aumento de pena na lavagem de dinheiro (lei 14.478/22 - artigo 1º., § 4º., da lei 9.613/98)

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10/12/2024 às 14:55
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Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia Aposentado, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia e Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia, Medicina Legal e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós – graduação e cursos preparatórios.

 

1 – INTRODUÇÃO

 

Contemporaneamente, o desenvolvimento da tecnologia e a ampliação dos negócios financeiros online propiciaram a emergência de novas espécies de ativos, tais como ativos virtuais (criptomoedas), valores mobiliários e ativos financeiros. Citados ativos, por um lado, ofertam muitas ocasiões de investimento e expansão, mas, por outro, vêm sendo objeto e instrumento de fraudes ou golpes criminais cada vez mais refinados.

São Ativos Virtuais: Criptomoedas, como Bitcoin e Ethereum. Constituem símbolos digitais de valor negociáveis e transferíveis por meio eletrônico. A característica anônima da transação e a baixa ou inexistente regulamentação fazem desses ativos instrumentos chamativos para golpistas, que usam estratégias como phishing (uso de “iscas” para obter informações financeiras e pessoais de usuários, empregando meios técnicos e engenharia social), esquemas Ponzi (pirâmides financeiras) e manipulação de mercado para conseguir ganhos ilícitos. [1]

Constituem Valores Mobiliários: Ações, debêntures, certificados de depósito e outros dispositivos financeiros. Eles também são comumente objetos de burla, tais como manipulação de preços, insider trading (conduta ilícita de uso de informações privilegiadas para negociar ações de uma empresa) e divulgação de informações falsas. Essas condutas podem ensejar enormes prejuízos financeiros para investidores e afetar negativamente a segurança do mercado.

Finalmente, são Ativos Financeiros: Instrumentos ou títulos que possuem um valor financeiro. Estes também podem ser empregados em ludíbrios como lavagem de dinheiro, falsa identidade e fraudes de phishing. Tais condutas criminosas ensejam o auferimento de ganhos ilícitos em detrimento de terceiros, mediante o emprego de logros e artifícios.

A Lei nº 14.478/22 criou o artigo 171-A do Código Penal, tipificando o ilícito de “fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”, tendo em mira a repressão dessas atividades espúrias e a devida proteção de investidores e usuários desses ativos. Também se apercebeu o legislador da influência dessas transações nos crimes de Lavagem de dinheiro, criando uma nova causa de aumento de pena na Lei 9.613/98 quando os crimes ali dispostos forem perpetrados com o emprego de ativos virtuais.

Teve o legislador a percepção de que embora ativos virtuais, mobiliários e financeiros ensejem variados meios de crescimento e inovação nos negócios, é imperativo atentar para as prováveis fraudes e tomar providências para uma maior segurança com vistas à proteção contra essas condutas lesivas.

Juliana França David submete a criação do artigo 171 – A, CP pela Lei 14.478/22 a uma análise crítica sob o ângulo da “hipercriminalização” ou “hipertrofia do Direito Penal”. Não obstante, chega à conclusão de que o tema enfocado no dispositivo penal em análise é realmente relevante, embora pudesse ser adiada a reação penal no aguardo da experimentação com as inovações civis e administrativas produzidas pela Lei 14.478/22. Apenas no caso de não haver solução da questão por tais vias é que, de maneira incontestável, se legitimaria o Direito Penal à atuação em sua condição de “ultima ratio”. [2]

A posição de Juliana França David nos parece correta quanto ao reconhecimento da necessidade de regulação penal do tema. No entanto, afigura-se contraditória em sua exposição a observação feita ao final de que seria melhor primeiro fazer apenas as reformas civis e administrativas, aguardando seus efeitos para só então lançar mão do Direito Penal. Ora, ou se conclui que o Direito Penal é necessário e foi uma escolha certa a criminalização, ou então a conclusão seria a de que teria realmente havido hipercriminalização desnecessária, ao menos no momento. Ademais, não parece sensato aguardar danos não evitados devido a uma proteção deficiente para só então tomar providências na seara penal. Tendo em vista a variedade e o número expressivo de golpes com ativos já existente, parece mais acertada a conclusão de que o Direito Penal deve ser adotado como uma das vias protetivas, sem prejuízo de medidas civis e administrativas, exatamente como fez a Lei 14.478/22.  

Neste trabalho proceder-se-á à análise dos elementos do crime do artigo 171 – A, CP, bem como ao estudo da causa de aumento de pena disposta no artigo 1º., § 4º., da Lei 9.613/98.

Ao final, será apresentada uma síntese conclusiva dos estudos desenvolvidos ao longo do texto.

 

2 – O CRIME DE FRAUDE COM A UTILIZAÇÃO DE ATIVOS VIRTUAIS, VALORES MOBILIÁRIOS E ATIVOS FINANCEIROS (ARTIGO 171 – A, CP)

 

2.1 – A REDAÇÃO

 

O dispositivo penal criado pela Lei 14.478/22 apresenta a seguinte redação:

Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

É possível afirmar que, embora dotado de um “nomen juris” diverso, o crime previsto no artigo 171 – A, CP constitui, “mutatis mutandis”, uma forma de “estelionato qualificado”, tendo em vista as espécies de operações e instrumentos utilizados que incrementam sensivelmente a capacidade de lesão patrimonial, bem como atingem mais intensamente a segurança e a confiabilidade do mercado.

 

2.2 – BEM JURÍDICO TUTELADO

 

Tendo em vista a topografia do dispositivo dentre os crimes patrimoniais, certamente o bem jurídico primariamente tutelado é o patrimônio. No entanto, também há que considerar a tutela da segurança e da confiança do mercado.

Não nos parece que tenham sido tutelados o Sistema Financeiro Nacional ou a Economia Popular, pois, caso contrário, a alocação do dispositivo penal deveria ser na legislação esparsa respectiva e não dentre os crimes contra o patrimônio no bojo do Código Penal. [3]

 

 

 

2.3 – OBJETO MATERIAL E INSTRUMENTOS DO CRIME

 

O objeto material são os valores financeiros que serão ilicitamente auferidos pelos fraudadores em prejuízo de terceiros lesados.

Quanto aos “ativos virtuais, valores mobiliários ou financeiros” já acima definidos, não podem ser confundidos com objetos materiais da infração. Na verdade são instrumentos do crime por meio dos quais se obterão vantagens ilícitas em prejuízo de outrem. O mesmo se diga das “carteiras” e “operações”, as quais são “meios” ou “instrumentos” para o atingimento do objeto material. Tanto isso é fato que tais instrumentos podem ser falsos ou inexistentes, como se verá mais adiante.

Respeitosamente discordamos da apresentação dos ativos como “objeto material da infração”, conforme fazem Costa, Fontes, Wendt e Zumas, embora concordemos com os citados autores quanto à afirmação de que o tipo penal se constitui em uma “norma penal em branco”, já que os conceitos dos ativos mencionados em seu corpo devem ser buscados em outros diplomas. [4]

Importa destacar que quando a lei se refere a “carteiras” há necessidade de pluralidade de ativos. Não há exigência, contudo, que tais ativos sejam diversos, podendo ser todos da mesma espécie. Esse é o entendimento e alerta feito por Barros, o qual nos parece salutar e correto:

Para que haja uma carteira de investimentos, impõe-se a presença de pelos dois ativos financeiros, ainda que da mesma espécie, prescindindo-se assim da diversificação, mas o assunto poderá ensejar polêmica, afinal a pluralidade é uma das características de toda carteira de investimentos. [5]

O mesmo autor aduz, com razão, que as moedas nacional e estrangeiras não são classificáveis como “ativos financeiros”, de modo que golpes que as envolvam não se subsumem ao artigo 171 – A, CP, [6] podendo configurar outros crimes tais como estelionato, estelionato eletrônico, crimes contra o sistema financeiro, crimes contra a economia popular etc.

Releva ainda destacar a distinção feita por Barros entre a moeda virtual (que pode se enquadrar no artigo 171 – A, CP, v.g. Bitcoin) e a moeda eletrônica (que não se enquadra):

No tocante à moeda eletrônica, consiste nos recursos em reais armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento (art. 6º, VI, 3 da Lei 12.865/2013). Exemplos: cartão de crédito, cartão de débito, cartão pré-pago. Não se confunde com a moeda virtual, pois esta é a representação digital de valor que não é emitido pelo Banco Central nem por outra autoridade monetária. Assim, enquanto a moeda eletrônica é oficial, tendo, pois, o seu valor expresso em real, a moeda virtual é não oficial e o seu valor deriva da confiança das regras que a cercam. [7]

Finalmente cabe destacar a observação de Felipe Martins quanto ao fato de que as Ações negociáveis na Bolsa de Valores, que comumente são objeto de fraudes, não se tipificam como ativos financeiros, não sendo atingidas essas operações, ainda que fraudulentas, pelo artigo 171 –A, CP, já que há regulação própria. [8]

 

2.4 – SUJEITOS ATIVO E PASSIVO

 

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tratando-se de crime comum.

Não obstante, parte da doutrina parece apontar para a configuração de crime próprio de gestores financeiros:

A nosso ver, em qualquer das modalidades de ativos, os núcleos típicos pressupõem uma espécie de atividade dedicada à gestão financeira do patrimônio alheio, ainda que não haja uma pessoa jurídica constituída formalmente. Se, por exemplo, alguém pratica fraudes em negociações diretas de ativos virtuais sem que esteja presente essa característica de gestão, comete estelionato (art. 171 do CP), não o crime do art. 171-A, porque transaciona um ativo, não organiza, gere, oferta ou distribui carteiras (uma carteira de investimentos é composta por um conjunto de ativos que devem ser geridos para proporcionar o melhor rendimento); nem intermedeia operações, mas as promove por si mesmo.

Em suma, para tipificar o crime do art. 171-A do CP, devemos promover um diálogo entre o novo tipo e o art. 1º da Lei 7.492/86, também alterado pela Lei 14.478/22. Pressupõe o sujeito ativo agindo por meio de empresa que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia, ou, mesmo atuando como pessoa natural, exerça a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração dos ativos. [9]

A nosso ver tal entendimento não encontra abrigo na redação do artigo 171 – A, CP que não circunscreve a figura do sujeito ativo do delito a qualquer característica especial. Com relação a este tema do sujeito ativo estamos com Costa, Fontes, Wendt e Zumas:

O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, física ou jurídica. O legislador não exigiu nenhuma qualidade especial do cripto estelionatário

Conquanto exista quem defenda que o mais usual é que o delito seja praticado por integrantes de instituições financeiras ou símiles, ainda que atuem de forma clandestina e sem autorização dos órgãos competentes, discordamos. O enquadramento de ente como Instituição Financeira pressupõe observância à regulação e fiscalização do Banco Central, não sendo este tipo de sujeito ativo comumente amoldável nesta conduta, mas sim empresas com CNPJ genérico utilizadas como isca para as vítimas.

Importante ressaltar que, para fins penais, a legislação equipara até mesmo pessoa natural que exerça atividades de instituição financeira regulamentada, mesmo que de forma eventual, conforme se verifica no artigo 1º, parágrafo 1º, inciso II da Lei 7.492/1986. [10]

No mesmo diapasão também encontramos Barros:

Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa. Não há necessidade, para responder por este delito, malgrado a opinião contrária do prestigiado Rogerio Sanches Cunha, que o agente exerça atividade de gestão financeira do patrimônio alheio, pois o tipo penal não exige qualquer qualificativo especial do sujeito ativo. [11]

Quanto ao sujeito passivo, também pode ser qualquer pessoa física ou jurídica que venha a sofrer efetivo prejuízo ou a correr o risco de sofrer lesão patrimonial pela ação do infrator. Em nível secundário é sujeito passivo o Estado devido à lesão à segurança e confiabilidade do mercado financeiro.

Quanto à determinação ou indeterminação do sujeito passivo não há identidade com o estelionato, ou seja, quando a vítima deve ser necessariamente determinada. Na Fraude com Ativos o sujeito passivo pode ser indeterminado. Se a atuação se dá nos verbos “organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras de ativos” nos parece que o sujeito passivo pode ser determinado ou indeterminado de modo bastante claro. Já se o verbo em que o infrator incide é o de “intermediar operações”, o sujeito passivo deve ser determinado em regra, mas é também possível que seja indeterminado, embora essa ocorrência nos pareça muito improvável. É que nos primeiros verbos mencionados a ação não precisa se dirigir a uma pessoa ou grupo de pessoas físicas ou jurídicas determinadas, já uma “operação” não tem, em regra, como ser intermediada sem determinação dos envolvidos. Neste ponto a Fraude com Ativos se diferencia de outros crimes patrimoniais porque tutela também a confiança e a segurança do mercado, bem jurídico de natureza difusa. [12] Neste mesmo sentido se manifestam de passagem Lucchesi e Zonta, mediante a afirmação de que no novo tipo penal houve o emprego da “técnica de incriminação pela indeterminação do sujeito passivo do delito”. [13]

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Com todo o respeito, não assiste razão a Costa, Fontes, Wendt e Zumas que consideram, tal qual no Estelionato, a necessidade de determinação da vítima ou das vítimas, sob o argumento de que a expressão “em prejuízo alheio” a isso induziria. [14] Não há motivo para tal interpretação, vez que no Estelionato há que se “obter” efetivamente a vantagem indevida, enquanto na Fraude com Ativos não existe essa exigência, mas mera “finalidade” de obtenção de vantagem indevida em prejuízo de terceiros que, portanto, podem ser determinados ou indeterminados. Não seria crível que o legislador pretendesse criar esse novo tipo penal e deixar de punir com ele aqueles que “ofertam”, por exemplo, carteiras de ativos virtuais na internet sem se dirigirem a pessoas determinadas. A nosso ver, o que o legislador pretendeu criar e efetivamente criou com o artigo 171 – A, CP, foi mais um chamado “crime – obstáculo”, erigindo a consumação aquilo que em outras circunstâncias seriam meros atos preparatórios. Não fosse assim, poderia, ao invés de criar um delito autônomo, simplesmente incrementar mais uma qualificadora ou causa especial de aumento de pena no próprio Estelionato.

 

2.5 – CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

 

O crime se consuma com a “organização, gestão, oferta ou distribuição” de “carteiras” ou com a “intermediação de operações”, envolvendo “ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros” com a finalidade de obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Observe-se que diversamente do estelionato (artigo 171, CP) este crime não é material. No crime de estelionato o verbo é “obter” em relação à vantagem ilícita, já na Fraude por meio de ativos há um acréscimo e o exigido não é a efetiva “obtenção” da vantagem, mas a finalidade dessa obtenção (“com o fim de obter vantagem ilícita”). Dessa forma, basta a atuação do sujeito com o fim de obter vantagem para a consumação do delito. A efetiva obtenção de vantagem ilícita é exaurimento da conduta, pois que o delito é formal. [15]

Sobre o tema lecionam com maestria Costa, Fontes, Wendt e Zumas:

O objeto central da incriminação no artigo 171, caput, do CP, que é crime material, é a obtenção da vantagem ilícita. Funciona essa circunstância como resultado material do tipo penal. No cripto estelionato a "obtenção da vantagem" deixa de ser resultado naturalístico de um crime material e se torna o elemento subjetivo especial do injusto, permitindo, portanto, a classificação como crime formal (ou de consumação antecipada).

A diferença prática é que, em havendo a intenção de obter vantagem indevida, a prática dos verbos nucleares já permite a consideração da consumação do crime. A obtenção da vantagem indevida seria mero exaurimento da infração penal. [16]

De forma similar se manifesta Cunha:

O crime é formal. Diferentemente do que ocorre no estelionato, crime de duplo resultado que se consuma após a efetiva obtenção de vantagem indevida correspondente a um prejuízo para a vítima, a fraude com ativos financeiros dispensa a vantagem e a correlata lesão patrimonial. Isso porque, como já adiantamos no item anterior, neste crime a obtenção da vantagem é um elemento que anima o agente, não uma parte da conduta. Basta a operação fraudulenta para que o crime se consume, independentemente da obtenção de lucro e da provocação de prejuízos. [17]

Muito clara também é a exposição de Lucchesi e Zonta:

A conduta se assemelha ao estelionato - até então imputado aos esquemas de pirâmides e outros tipos de golpes envolvendo criptoativos -, pois o autor age "induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento". Há, contudo, uma diferença importantíssima: o legislador optou por tipificar no art. 171-A crime formal, que não exige para a sua consumação a comprovação de prejuízo econômico às vítimas. Bastará a intenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio, para aquele que organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações, responder criminalmente, dispensando a efetiva obtenção de vantagem ou mesmo a demonstração de prejuízo. [18]

A nosso ver, sem razão, defendem Amaral e Lobato, tratar-se de crime material ou de resultado. Afirmam a semelhança com o estelionato e a topografia do delito. Alegam também que haveria lesão à proporcionalidade acaso um delito formal tivesse pena maior ou igual a um material. Nada disso procede, obviamente. Primeiro não cabe equiparar a “semelhança” com a “identidade”. Ora o ilícito do artigo 171 – A, CP é realmente “semelhante” ao do artigo 171, CP, mas não há “identidade” entre eles, são ilícitos autônomos. Se houvesse identidade, não haveria motivo para a criação do artigo 171 – A, CP. Ademais, um crime formal pode perfeitamente ser mais grave que um crime material. É exatamente o que ocorre no caso em estudo, já que a negociação de ativos no mercado financeiro pode ser muito mais gravosa do que a maioria dos casos de estelionato comum e mesmo a oferta, distribuição, gestão, organização e intermediação em si já podem criar uma lesão à segurança e confiança no mercado (desvalor da ação e do resultado). Há ainda um equívoco de interpretação de texto pelos autores quando dizem que seria difícil conceber a obtenção de uma vantagem ilícita sem prejuízo para terceiros. Ora, mas o tipo penal não descreve isso, o que realmente seria assustador. Se houver a obtenção de vantagem ilícita, por obviedade, haverá prejuízo alheio. Aqui realmente se trata de uma questão de soma zero. No entanto, o que o tipo penal descreve não é a “exigência” de prejuízo alheio ou de obtenção de vantagem indevida, como o faz o estelionato comum e sim a “finalidade” de obtenção de vantagem, este sim é o dolo específico descrito no tipo penal. Basta a finalidade de obtenção de vantagem. A efetiva obtenção pode ocorrer e então haverá também prejuízo a outrem, que será o exaurimento delitivo. [19]

A tentativa, como ocorre com os crimes formais em geral, é, em tese, possível, embora de difícil ocorrência prática. Pode ocorrer, por exemplo, que alguém tente ofertar ativos com intuito de obter vantagem ilícita e não o consiga (sequer fazer a oferta) por motivos alheios à sua vontade.

Um bom exemplo nos é exposto por Barros:

Admite-se a tentativa, quando a conduta criminosa não ingressa na esfera de conhecimento da vítima, por circunstâncias alheias à sua vontade. Exemplo: o agente, por escrito, oferece ativos financeiros para a vítima montar uma carteira de investimentos fraudulentos, mas a missiva é extraviada antes de chegar até ela. [20]

 

2.6 – ELEMENTO SUBJETIVO

 

O crime somente é previsto na modalidade dolosa, não havendo figura culposa. O dolo pode ser direto ou eventual, embora este segundo seja de difícil ocorrência e mesmo demonstração probatória. É exigido o “dolo específico” de obtenção de vantagem ilícita em prejuízo de outrem.

Obviamente se as condutas descritas no tipo penal não são dirigidas à obtenção de vantagem ilícita em prejuízo de terceiros, trata-se somente de atividade normal do mercado. Ainda que o agente busque a satisfação de vantagens, se estas não forem ilegais, inexiste crime, mas exercício natural de atividades negociais.

Como ocorre com o Estelionato, também na Fraude com Ativos enfrentamos a questão da tênue linha que separa os dolos criminal, civil e negocial. No “dolo criminal” o agente tem o intento de perpetrar conduta que sabe ser contraposta à legislação e incidente em tipo penal, de modo a conduzir à responsabilização criminal. No “dolo civil” encontra-se toda espécie de artimanha usada para ludibriar alguém num negócio, mas sem incidência criminal, ensejando, porém, ilícito civil (anulação, indenização, restituição etc.). Finalmente existe o “dolo negocial aceitável”, também designado na doutrina como “Dolus Bonus”. Segundo Gonçalves:

Dolus bônus é o dolo tolerável, destituído de gravidade suficiente para viciar a manifestação de vontade. É comum no comércio em geral, onde é considerado normal, e até esperado, o fato de os comerciantes exagerarem as qualidades das mercadorias que estão vendendo. Não torna anulável o negócio jurídico, porque de certa maneira as pessoas já contam com ele e não se deixam envolver, a menos que não tenham a diligência que se espera do homem médio. [21]

Para a configuração do crime do artigo 171 – A, CP somente serve o “dolo criminal” com a especificidade de obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio. Exemplificando:

a)Oferta de ativos que o agente sabe absolutamente sem lastro ou falsos com o intuito somente de angariar o dinheiro alheio e jamais dar qualquer retorno (ilícito penal);

b)Oferta de ativos com promessas de rendimentos mirabolantes e garantia absoluta de retorno, quando se sabe da volatilidade e imprevisibilidade do mercado financeiro, mas sem o intuito específico de lesar patrimonialmente as pessoas (ilícito civil);

c)Oferta de ativos, exagerando ligeiramente nas possibilidades de lucro e rendimentos sob a alegação de deter maior capacidade de gerenciamento do que outras pessoas físicas ou jurídicas do mercado financeiro, apenas com o fim de angariar clientela e sem intuito de lesar patrimonialmente os clientes (“dolus bonus”).

 

 

2.7 – TIPO OBJETIVO

 

Trata-se de crime de ação múltipla, de conteúdo variado, plurinuclear ou tipo misto alternativo. Há vários núcleos verbais e se o agente incide em vários deles num mesmo contexto há crime único e não concurso de crimes.

Os verbos são: “organizar, gerir, ofertar ou distribuir” em relação a carteiras de ativos. “Intermediar” com relação a operações com ativos.

Os instrumentos do crime são os “ativos virtuais, mobiliários ou financeiros”, os quais já foram definidos anteriormente neste texto.

É relevante lembrar que esses ativos também podem ser inexistentes, sendo então sua própria inexistência o ludibrio empregado para induzir ou manter as pessoas em erro. Neste sentido, perfeita a lição de Costa, Fontes, Wendt e Zumas:

Importante registrar que aquele que oferta ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros que não existem também pratica o presente delito. A fraude não se resume ao processo de negociação de algo que existe, mas também se aplica o referido tipo penal aos casos em que a mentira versa sobre a própria existência dos ativos virtuais, dos valores mobiliários ou de quaisquer ativos financeiros. [22]

Como já foi exposto, a conduta do infrator deve ser dirigida por dolo específico de “obter vantagem ilícita” em prejuízo de terceiros. Isso tudo, mediante a indução ou manutenção da vítima ou prejudicado em erro, por intermédio de “artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”.

Os conceitos de “artifício, ardil e meios fraudulentos” não divergem daqueles desde sempre firmados pela doutrina e jurisprudência em relação aos mesmos termos existentes no crime de estelionato. Também se pode dizer que aqui como no estelionato o legislador opera com a chamada “interpretação analógica”, apresentando dois exemplos casuísticos de engodo (“artifício e ardil”) e fechando a redação com uma fórmula genérica que deverá ser aplicada com a devida similaridade com os casuísmos (“qualquer outro meio fraudulento”).

Vale aqui lembrar o que se tem ensinado acerca do “artifício, ardil e meios fraudulentos”:

A conduta é a de enganar a vítima para obter vantagem ilícita (induzindo-a ou mantendo-a em erro). São meios: a)artifício – quando o agente se utiliza de meios que modificam a coisa, ao menos aparentemente (Ex. documentos falsos, falsificações de bilhetes de loteria etc.); b)ardil -  quando o agente usa de astúcia, sutileza, esperteza, de aspecto meramente intelectual; c)qualquer outro meio fraudulento – trata-se de fórmula genérica que segue os casuísmos, abrindo as possibilidades de muitas condutas capazes de enganar que poderão adequar-se ao tipo penal (v.g. golpes perpetrados através da internet etc.). [23]

 

2.8 – PENA, AÇÃO PENAL, COMPETÊNCIA E BENEFÍCIOS

 

A pena cominada pelo preceito secundário da norma é de reclusão, de 4 a 8 anos, e multa.

A ação penal é pública incondicionada, pois que lei nada estabelece em relação à representação do ofendido ou ação penal privada (inteligência do artigo 100, CP). [24]

Ao reverso do afirmado por Costa, Fontes, Wendt e Zumas [25] nada existe que estabeleça a ação penal pública condicionada à representação do ofendido (vide artigo 10 da Lei 14.478/22). O § 5º., do artigo 171, CP somente é aplicável ao crime de “Estelionato”, não alterando as ações penais dos ilícitos que estão em todo o capítulo. Tanto é fato que quando o legislador quer estabelecer essa ação penal em outras fraudes, tal como o artigo 176, CP, o faz expressamente (vide artigo 176, Parágrafo Único, CP). Ora, se o § 5º., do artigo 171, CP abrangesse todo o capítulo, não se reduzindo ao “Estelionato”, todo o Parágrafo Único do artigo 176 seria dispensável e sabe-se que a lei não admite palavras inúteis (“verba cum effectu sunt accipienda”). [26]

Aras, a nosso ver com razão, se manifesta pela natureza pública incondicionada da ação penal do crime do artigo 171 – A, CP, tendo em vista “sua localização fora do art. 171 do Código Penal”, de modo a não ser aplicável “in casu” o § 5º., do mesmo dispositivo por último mencionado e sim a regra geral do artigo 100 do mesmo Codex.[27]

A competência para o processo e julgamento é, em regra, da Justiça Comum Estadual, salvo se envolver patrimônio ou interesse da União, quando será competente a Justiça Comum Federal. Também deverá prevalecer a competência Federal quando houver concurso de crimes com ilícitos contra o Sistema Financeiro, nos termos do artigo 109, VI, CF c/c artigo 26 da Lei 7492/86 e Súmula 52 do extinto Tribunal Federal de Recursos (“Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, ‘a’, do CPP.”). [28]

Tendo em vista os patamares mínimo e máximo de pena cominados não se trata de infração de menor potencial, sendo descabida a transação penal (artigo 76, da Lei 9099/95 – pena máxima bem acima de 2 anos), bem como também não cabe a Suspensão Condicional do Processo (artigo 89, da Lei 9099/95 – pena mínima bem acima de 1 ano). Finalmente, quanto ao Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), nos termos do artigo 28 – A, CPP, também não é cabível o benefício, eis que a pena mínima é de 4 anos e a lei exige que esta seja “inferior” a 4 anos.

 

2.9 – ALGUMAS DISTINÇÕES IMPORTANTES

 

A Fraude com Ativos se distingue do Estelionato (artigo 171, CP) porque a conduta descrita é especificamente referente a carteiras e operações com ativos virtuais, mobiliários ou financeiros. No entanto, em ambos os casos existe o engodo ou ludibrio da vítima para obtenção de vantagem ilícita. Como já visto, no estelionato a obtenção da vantagem é necessária para a consumação delitiva, já na Fraude com Ativos trata-se de exaurimento.

A mesma diferenciação ocorre com relação ao chamado “Estelionato Eletrônico” previsto no artigo 171, § 2º. – A, CP. Não se deve confundir a questão dos “ativos virtuais” com a configuração de “Estelionato Eletrônico”. Quando as transações envolverem ativos, sejam eles virtuais, mobiliários ou financeiros, o crime será o do artigo 171 – A, CP e não do artigo 171, § 2º. – A, CP. [29]

Aplica-se a ambos os casos o Princípio da Especialidade em eventual conflito aparente de normas.

Não é aplicável à Fraude com Ativos a causa de aumento de pena estabelecida no artigo 171, § 4º., CP quando a vítima é idosa ou vulnerável. De forma geral, não se aplicam as demais causas de aumento de pena previstas acima do artigo 171 – A, CP, como, por exemplo também, aquela descrita no artigo 171, § 2º. – B, CP, a qual se restringe ao artigo 171, § 2º. – A, CP. Similarmente ao § 4º., também não se aplica à Fraude com Ativos o incremento do artigo 171, § 3º., que diz respeito aos casos em que a o prejuízo atinge “entidade de direito público, instituto de economia popular, assistência social ou beneficência”.  Fato é que todos esses dispositivos complementares estão ligados ao artigo 171, “caput”, CP, sendo o artigo 171 – A, CP uma norma autônoma e diversa no bojo da qual tais incrementos punitivos poderiam ser previstos pelo legislador e não o foram (Princípio da Legalidade).  

Também não há confundir a Fraude com Ativos com Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e/ou Crimes Contra a Economia Popular. Nesses casos poderá haver concurso de delitos, já que os bens jurídicos tutelados são distintos. [30]

Outra questão que pode gerar confusão diz respeito, especificamente, ao crime previsto no artigo 7º., IV, da Lei 7.492/86 (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional). [31] A nosso ver, a conduta deste dispositivo penal será a mais adequada quando inexistir fraude, mas somente a irregularidade do título mobiliário devido à falta de prévia autorização da autoridade competente, quando legalmente exigida. Em havendo efetiva fraude, prevalecerá o artigo 171 – A, CP. É claro que essa prevalência do artigo 171 – A, CP somente pode se dar para os casos posteriores à vigência da Lei 14.478/22, vez que a pena prevista é maior e não pode retroagir (“novatio legis in pejus”). Doutra banda, os incisos I, II e III do mesmo artigo 7º., da Lei 7.492/86 nos parecem revogados tacitamente pela Lei 14.478/22, passando a configurar-se infração ao artigo 171 – A, CP, obviamente para os casos ulteriores à vigência deste último dispositivo mencionado que constitui lei posterior mais gravosa. Não nos parece possível vislumbrar situação em que se aplicariam o artigo 7º., I, II ou III da Lei 7.492/86 sem que se trate de atitude fraudulenta. Assim sendo, é possível entender que o artigo 171 – A, CP tratou inteiramente da matéria de que tratava a legislação anterior (inteligência do artigo 2º., § 1º., do Decreto – Lei 4657/42 -  lembremos que a Lei 14.478/22 não se refere somente a “Ativos Virtuais”, mas também a “Valores Mobiliários” e outros quaisquer “Ativos Financeiros”).  

Na mesma toada, entendemos que o art. 2º, inciso IX, da Lei nº 1.521/1951 (Crimes Contra a Economia Popular) também foi tacitamente revogado pelo atual artigo 171 – A, CP aplicável a partir da sua entrada em vigor. [32]

Neste ponto vale transcrever o escólio de Lucchesi e Zonta:

A técnica de incriminação pela indeterminação do sujeito passivo do delito, abarcando crimes cometidos contra uma ou milhares de vítimas, já se encontrava na Lei de Crimes Contra a Economia Popular, de 1951, no tipo de "pirâmide" ou "pichardismo". O inciso IX do art. 2.º da lei 1.521/1951 comina pena de seis meses a dois anos àquele que "tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos". Diante do conflito aparente de normas com o novo art. 171-A, entende-se que esta nova incriminação deve substituir aquela quando diante de fraudes dessa natureza envolvendo ativos virtuais.

Com isso, aparentemente se resolve um outro problema de coincidência de imputações, quando havia imputação simultânea de estelionato e crime contra a economia popular. A 5.ª Turma do STJ recentemente havia decidido pela possibilidade de imputação conjunta do crime contra a economia popular e do estelionato, desde que identificado "o aliciamento particularizado, mediante induzimento e convencimento, de vítimas determinadas", "porque, paralelamente ao ato voltado contra o público em geral (sítio eletrônico para angariar vítimas), verificam-se condutas autônomas de aliciadores voltadas contra o patrimônio particular de vítimas específicas" (STJ. 5.ª Turma. RHC n.º 161.635/DF. Rel. Ministro Ribeiro Dantas. j. 23 ago. 2022. DJe 30 ago. 2022). Diferentemente, a 6.ª Turma já havia decidido em 2021 que "nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, a identificação de algumas das vítimas não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato" (STJ. 6.ª Turma. RHC n.º 135.655/RS. Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz. j. 28 set. 2021. DJe 30 set. 2021).

O novo art. 171-A parece tomar o lugar de ambas as incriminações anteriores, solucionando, em parte, esta questão para os novos fatos que vierem a ser praticados após a sua vigência, que se dará em 20 de junho de 2023. [33]

 

3 – O INCREMENTO DA PENA NOS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO

 

Na Lei 9.613/98 já havia uma causa especial de aumento de pena da ordem de um a dois terços quando os crimes de lavagem fossem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa (artigo 1º., § 4º., da Lei 9.613/98 – redação antiga).

A Lei 14.478/22, em seu artigo 12, deu nova redação ao § 4º., do artigo 1º., da Lei de Lavagem de Capitais. Manteve o “quantum” de aumento entre um e dois terços, bem como os casos de sua aplicação pela reiteração e pela organização criminosa. Fez acrescentar, porém, uma nova causa de incremento punitivo, qual seja, quando os crimes de lavagem forem executados “por meio da utilização de ativo virtual”.

Essa nova causa de aumento constitui “novatio legis in pejus” e somente pode ser aplicada aos casos ocorridos após sua entrada em vigor, não tendo força retroativa. As demais hipóteses de aumento previstas no dispositivo configuram continuidade normativo típica, nada se alterando.

É de observar que embora a Lei 14.478/22 mencione não somente os “ativos virtuais”, mas também “valores mobiliários” e outros quaisquer “ativos financeiros”, somente haverá incremento de pena para os crimes de lavagem de dinheiro no caso do uso de “ativos virtuais”. Os valores mobiliários e ativos financeiros em geral não constam da redação do § 4º., do artigo 1º., da Lei 9.613/98, devendo-se observar o Princípio da Legalidade.

Note-se ainda que as causas de aumento de pena são alternativas e não cumulativas, significando dizer que não é necessário que haja a concomitância delas, bastando uma para justificar o incremento punitivo.

Justifica-se o novo aumento de pena, tendo em vista o maior desvalor da conduta que dificulta sobremaneira a investigação e repressão dos ilícitos:

A pena mais alta se justifica pelo aumento da dificuldade de rastreamento e de arresto ou sequestro de ativos virtuais para eventual confisco, assim como pela extrema volatilidade de tais ativos e pela relativa anonimização de operações que poderão ocorrer de modo decentralizado, em qualquer ponto do globo. [34]

Na mesma toada, temos o ensinamento de Silva e Stuart:

O Marco Legal das Criptomoedas, no âmbito penal, também trouxe mudança substancial na Lei de Lavagem de bens, direitos e valores — Lei 9.613/98. A primeira alteração foi a criação de uma causa de aumento de 1/3 a 2/3 se a lavagem de capitais ocorrer por meio da utilização de ativo virtual. Dada a complexidade da tecnologia e a exposição ao público, o emprego de criptomoeda é suficiente para a substancial causa de aumento diante do apenamento (artigo 1º, §4º, Lei de Lavagem). [35]

Em acréscimo, chama Andreucci a atenção para o fato de que

evidentemente, a utilização de ativos virtuais é uma dessas técnicas, muito praticadas atualmente por criminosos e organizações criminosas por meio de compra, venda e outras negociações envolvendo criptomoedas e bitcoins. [36]

 

 

4 – INÍCIO DE VIGÊNCIA

 

A Lei 14.478/22 apresenta em seu artigo 14 uma norma de direito intertemporal, estabelecendo uma “vacatio legis” de 180 dias. Dessa forma, os dispositivos estudados neste texto passaram a vigorar somente em data de 20.06.2023, embora a lei tenha sido promulgada em 21.12.2022 e publicada em 22.12.2022 [37] (inteligência do artigo 1º., do Decreto – Lei 4.657/42 com nova redação pela Lei 12.376/10 em cotejo com o artigo 14 da Lei 14.478/22).

 

5 – CONCLUSÃO

 

Foram estudadas neste texto as inovações promovidas pela Lei 14.478/22, em especial a criação do crime de “Fraude com Ativos” (artigo 171 – A, CP) e a nova causa de aumento de pena nos crimes de Lavagem de Dinheiro pelo uso de “ativos virtuais”.

Ambas inovações parecem ser bastante oportunas, promovendo uma atualização da legislação com relação a novas modalidades de fraudes e meios disponíveis para branqueamento de capitais.

Não obstante a oportunidade da legislação sob comento, percebe-se que várias questões jurídicas polêmicas vão surgir e será necessário aguardar a estabilização da doutrina e da jurisprudência.

 

 

 

6 – REFERÊNCIAS

AMARAL, Rodrigo, LOBATO, José Rodrigo Tavares. Crime de Fraude com Utilização de Ativos Virtuais, Valores Mobiliários ou Ativos Financeiros. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-out-06/crime-de-fraude-com-utilizacao-de-ativos-virtuais-valores-mobiliarios-ou-ativos-financeiros/#:~:text=1%2D%20O%20artigo%20171%2DA,%2C%20ou%20seja%2C%20crime%20material. , acesso em 07.12.2024.

 

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. O crime de lavagem de dinheiro por meio da utilização de ativo virtual. Disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/o-crime-de-lavagem-de-dinheiro-por-meio-da-utilizacao-de-ativo-virtual , acesso em 09.12.2024.

 

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. O novo crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros. Disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/o-novo-crime-de-fraude-com-a-utilizacao-de-ativos-virtuais-valores-mobiliarios-ou-ativos-financeiros , acesso em 09.12.2022.

 

ARAS, Vladimir. Os Aspectos Penais da Lei Brasileira de Criptoativos. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. n. 88, p. 267 – 300, abr./jun., 2023.

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros. Disponível em https://cursofmb.com.br/wp-content/uploads/2023/08/FRAUDE-COM-A-UTILIZACAO-DE-ATIVOS-VIRTUAIS-VALORES-MOBILIARIOS-OU-ATIVOS-FINANCEIROS-3.pdf , acesso em 09.12.2024.  

 

BRUNO, Francisco José Galvão, et al. Lei n. 14.478/2022 Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros. São Paulo: Tribunal de Justiça de São Paulo/Cadicrim, 2023.

 

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Direito Penal Parte Especial. Rio de Janeiro: Processo, 2017. 

 

COSTA, Adriano Sousa, FONTES, Eduardo, WENDT, Emerson, ZUMAS, Vytautas Fabiano Silva. Cripto Estelionato: os impactos legais da Lei n. 14.478/2022. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jan-24/academia-policia-cripto-estelionato-impactos-legais-lei-144782022/ , acesso em 07.12.2024.

 

CUNHA, Rogério Sanches. Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros – Lei 14.478/22: Breves Comentários. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2022/12/27/fraude-com-a-utilizacao-de-ativos-virtuais-valores-mobiliarios-ou-ativos-financeiros-lei-14-478-22-breves-comentarios/ , acesso em 09.12.2024.

 

DAVID, Juliana França. (Des)necessidade do novo crime de fraude com ativos virtuais e hipercriminalização penal. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-dez-13/a-desnecessidade-do-novo-crime-de-fraude-com-ativos-virtuais-e-a-hipercriminalizacao-no-direito-penal/ , acesso em 09.12.2024.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 1. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva.

 

LUCCHESI, Guilherme Brenner, ZONTA, Ivan Navarro. Repercussões criminais do marco regulatório dos ativos virtuais – Parte 1. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/informacao-privilegiada/380076/repercussoes-criminais-do-marco-regulatorio-dos-ativos-virtuais , acesso em 09.12.2024. 

 

MARTINS, Felipe. Crime de Fraude com a utilização de ativos virtuais. Lei 14478/2022. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=mNWykav4wLs , acesso em 09.12.2024.

 

SILVA, Marco Antonio Marques da, STUART, Mariana. O que muda com a entrada em vigor do Marco Legal dos Criptoativos. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jun-12/silvae-stuart-entrada-marco-legal-criptoativos/ , acesso em 09.12.2024.

 

SOUZA, Luciano Anderson de. Direito penal: parte especial. Volume 3. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023.

 

 

 

 


Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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