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Da cobrança/execução de honorários de profissionais liberais perante a Justiça do Trabalho.

Inexistência de conflito de orientações entre o TST e o STJ. Importância da delimitação da competência

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02/05/2008 às 00:00
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IV – Dos subsídios seguidos pela Justiça do Trabalho para se dar por incompetente, no que tange a litígios referentes a honorários advocatícios.

A primeira motivação para se esquivar da competência nos conflitos de honorários advocatícios tem sido lançamento de que tal relação jurídica seria de consumo, como se verifica:

"AÇÃO DE EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO CELEBRADO ENTRE O ESCRITÓRIO DE advocacia/ADVOGADO E A EMPRESA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. O elastecimento da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº 45 não abarcou as controvérsias decorrentes das prestações de serviços em que são partes consumidor e fornecedor, assim definidos nos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Dessarte, tendo a empresa utilizado os serviços prestados pelo advogado/escritório de advocacia (fornecedor) na qualidade de destinatário final (consumidor), para suprir necessidade própria, não inserida no processo produtivo, tem-se por configurada a relação de consumo, razão pela qual carece de competência esta Justiça Especializada para apreciar a demanda, a teor do disposto no artigo 114 da Constituição Federal." (22)

Entrementes, ouso discordar do aresto supra em dois pontos, quais sejam: a) o vínculo que une cliente X advogado, segundo o Superior Tribunal de Justiça, não é de consumo e, quer queiramos ou não, é tal órgão jurisdicional que tem a missão constitucional de uniformizar o direito federal (art. 105, III, da Carta Política); b) não se deve generalizar que toda e qualquer lide gestada por advogado contra seu cliente, e vice-versa, na percepção de honorários, seja de caráter civil, uma vez que se o causídico prender-se a uma empresa, tendo-na como quase que a sua exclusiva tomadora de serviços, a competência para dirimir questões decorrentes da paga dos mesmos será da Justiça do Trabalho, visto que se está diante de um contrato de atividade, que muito se assemelha a um liame empregatício, fazendo com que recaia no conceito de relação de trabalho, guindado que fora pelo art. 114, I, da Lei Mater.

Sobre contrato de atividade, vem a pêlo a judiciosa lição de Edson Braz da Silva:

"Todo contrato de atividade tem por ponto comum o seu objeto que compreende a utilização da energia pessoal de um contratante em proveito de outro." (23)

Especificamente quanto ao enlace do advogado ao seu cliente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais obtempera que:

"A relação jurídica estabelecida entre advogado e cliente não se encontra albergada pelo CDC, consoante já restou decidido pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, eis que regida por legislação especial, além de inexistir fornecimento de serviços advocatícios no mercado de consumo. A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução do dissídio de questões de natureza civil, sendo certo que o art. 114 da CR/88 não traz, em seu bojo, nada que impeça a aplicabilidade do Código Civil pela Justiça Especializada." (24)

E, sabidamente, o contrato de atividade, ressalvadas as hipóteses de consumo e também aquelas de índole puramente civil (conceito apurável pela exclusão das situações fáticas que não envolvam relação de trabalho e nem de consumo), deve ser analisado pela Justiça do Trabalho, como se apreende da ensinança do Min. João Orestes Dalazen:

"A estrita vinculação do novel art. 114 inc. I da CF/88 às lides ‘oriundas da relação de trabalho’ bastaria para ser o fator determinante em si do reconhecimento da competência material da Justiça do Trabalho para muito além do dissídio individual entre empregado e empregador. O vocábulo ‘relação’, do ponto de vista filosófico, indica ‘o modo de ser ou comportar-se dos objetos entre si’. No tocante ao trabalho humano, seja subordinado, seja autônomo, acha-se ‘relacionado’ de diferentes modos, visto que notoriamente pode ser objeto de distintas relações jurídicas, contratuais, ou não, entre as quais: relação jurídica estatutária entre servidor público e o Estado, contrato de emprego, contrato de empreitada, contrato de prestação de serviços, contrato de parceria, contrato de representação mercantil, etc. Por isso, no plano do Direito Privado, reportam-se alguns doutrinadores aos contratos, denominando-os genericamente ‘contratos de atividade’". (25)

Soa interessante pontuar que: se se estiver frente a uma situação que verse unicamente de discórdia entre cliente e seu advogado, ou mesmo, ao revés, quanto à questão de honorário e, se se não estiver diante de um contrato de atividade, concluir-se-á, com facilidade, pela própria exposição da causa de pedir e do respectivo pedido, que não se há falar em relação de trabalho, como, aliás, fora de todo perceptível pelo brilhante voto da preclara Min. Denise Arruda, assim vazado:

"Trata-se de conflito em que se discute a competência para julgamento de ação de arbitramento de honorários referentes aos serviços prestados em ação de cobrança de valores devidos a título de FGTS. Apesar das recentes alterações da ordem constitucional, assiste razão ao Juízo Suscitante.

Ao dar nova redação ao art. 114 da Carta Magna, a EC 45/2004 aumentou de maneira expressiva a competência da Justiça Laboral, passando a estabelecer, no inciso I do retrocitado dispositivo, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar "as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" .

Entretanto, a competência para julgamento de causas como a dos autos não foi atraída para a Justiça do Trabalho. Isso porque a demanda em questão possui natureza unicamente civil e se refere a contrato de prestação de serviços advocatícios, celebrado entre profissionais liberais e seus clientes, razão pela qual a relação jurídica existente entre os autores e os réus não pode ser considerada como de índole trabalhista. Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte Superior, conforme os precedentes a seguir:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA. ART. 114 DA CF. REDAÇÃO DADA PELA EC N. 45/2004. AÇÃO ORDINÁRIA DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (ART. 22, § 2º, DA LEI N. 8906/94). RELAÇÃO DE DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. De acordo com jurisprudência iterativa do STJ, a definição da competência para julgamento da demanda vincula-se à natureza jurídica da controvérsia, que se encontra delimitada pelo pedido e pela causa de pedir.

2. Compete à Justiça estadual processar e julgar ação que visa o arbitramento judicial de honorários advocatícios (art. 22, § 2º, da Lei n. 8.906/94) decorrente da prestação de serviços profissionais, por envolver relação de índole eminentemente civil e não dizer respeito à relação de trabalho de que trata o art. 114 da Constituição vigente, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Governador Valadares (MG), o suscitado." (CC 48.976/MG, 1ª Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 28.8.2006)

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.

I – A competência para o julgamento da causa se define em função da natureza jurídica da questão controvertida, demarcada pelo pedido e pela causa de pedir.

II – Se a ação de cobrança objetiva o pagamento de honorários de sucumbência, em razão de vínculo contratual, a despeito da sentença ter sido proferida pela Justiça do Trabalho, a competência para apreciar a causa é do juizado especial cível. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juizado Especial Cível de Conceição/PB, suscitado." (CC 46.722/PB, 2ª Seção, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 3.4.2006)

Em decisões singulares: CC 63.827/SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 18.9.2006; CC 53.972/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 8.9.2006; CC 57.344/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 17.4.2006. Depreende-se, portanto, que a análise da demanda em questão permanece no âmbito de competência da Justiça Estadual.

À vista do exposto, deve-se conhecer do conflito para declarar a competência do Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Mogi Guaçu/SP, o suscitado." (26)

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Outro viés que a Justiça do Trabalho vem criando para afastar sua competência no campo de litígio envolvendo honorários advocatícios é o de que o liame que ata o causídico ao seu cliente prende-se à figura do mandato instituto do direito civil, suficiente, assim, para afastar a inserção dessa casuística no signo relação de trabalho. (27)

Com todo respeito, entendo que o argumento de que o advogado, por estar representando a parte, afastaria, por si só, o emblema de uma relação de trabalho. Tal ilação não guarda a melhor técnica, porque a representação comercial, onde, identicamente, aparecem a pessoa do representante e do representado, está sendo tratada pela Justiça do Trabalho, como decorre de lição doutrinária, verbis:

"Portanto, a mencionada relação de trabalho de representação comercial passou, com a EC nº 45/2004, para a competência da Justiça do Trabalho, não tendo sido recepcionado o artigo 39 da Lei nº 4.886/65." (28)

Verifica-se que o egrégio TST, em um caso concreto, no qual o advogado já era assessor de uma cooperativa, enfileirando à tese aqui esposada, adota ser a Justiça do Trabalho competente para desfecho da lide, como se vislumbra a seguir:

"A 7ª Turma do TST reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação de cobrança de honorários movida por um advogado contra cooperativa que o contratou para representá-la judicialmente. O relator da matéria, ministro Ives Gandra Martins Filho, baseou-se na ampliação da competência da Justiça do Trabalho promovida pela Emenda Constitucional nº 45 (Reforma do Judiciário).

O advogado José Domingos de Sordi ajuizou a ação na 2ª Vara do Trabalho de Porto Alegre (RS) contra a Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Médicos e Demais Profissionais da Saúde de Cachoeira do Sul Ltda. (Unicred Centro Jacuí). Informou, na petição inicial, que, no início de 2001, a cooperativa – da qual era assessor jurídico - constituiu-o procurador em processos na Justiça Federal que visavam à isenção do pagamento de PIS e COFINS. O objeto da ação era a fixação de honorários advocatícios por sua atuação nesses casos.

A Vara do Trabalho declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o caso. O TRT da 4ª Região manteve a sentença, por entender que a relação entre o advogado e a cooperativa configura a hipótese de fornecimento e consumo de serviços advocatícios. Segundo o acórdão regional, a cooperativa apenas "consumiu" a prestação de serviços de advocacia, sem inseri-los na cadeia produtiva. No recurso de revista ao TST, o advogado sustentou ter havido relação de trabalho entre as partes, e não de consumo, o que configuraria a competência da Justiça do Trabalho.

O ministro Ives Gandra Filho destacou em seu voto que a relação de trabalho pode ser definida como uma relação jurídica de natureza contratual entre trabalhador (sempre pessoa física) e aquele para quem presta serviço (empregador ou tomador de serviços, pessoas físicas ou jurídicas), que tem como objeto o trabalho remunerado em suas mais diferentes formas. "Assim, essa relação não se confunde com a relação de consumo, regida pela Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)", afirmou. "Na relação de consumo, o objeto não é o trabalho realizado, mas o produto ou serviço consumível, tendo como pólos o fornecedor e o consumidor."

O que distingue a prestação de serviços regida pelo Código Civil – caracterizada como relação de trabalho – e a prestação de serviço regida pelo Código de Defesa do Consumidor, caracterizada como relação de consumo, está, observa o relator, no "intuitu personae" da relação de trabalho, ou seja, no caráter pessoal da prestação de serviço, pelo qual não se busca apenas o serviço prestado, mas que ele seja realizado pelo profissional contratado. "Nesse contexto, a relação entre o advogado e seu cliente revela-se uma típica relação de trabalho, na qual o trabalhador, de forma pessoal e atuando com independência relativa, administra os interesses de outrem por meio de mandato, na forma dos artigos 653 e 692 do CC", explicou.

Seguindo este fundamento, a 7ª Turma, por unanimidade, entendeu que a atual competência da Justiça do Trabalho abrange controvérsias relativas ao pagamento de honorários decorrentes da atuação do advogado em juízo, por se tratar de ação relativa a relação de trabalho. Ao dar provimento ao recurso, a Turma determinou o retorno do processo à Vara do Trabalho de origem, para que o analise como entender de direito. (RR 763/2005-002-04-00.4)" (29)

Sinteticamente, em litígios englobantes de cliente X advogado, na busca da contextualização de honorários, por não se cuidar de relação de consumo, o enquadramento jurídico está a depender da primazia da realidade, isto é, se o advogado não estiver englobado, de nenhuma sorte, na estrutura do tomador de serviço, seja este último de cunho empresarial ou de índole puramente civil, a capitulação jurídica terá o timbre de um vínculo civil, desembocando na competência da Justiça Estadual. De revés, se o causídico pertencer à esfera funcional de seu contratante, está-se frente a um pacto de atividade enquadrável no vocábulo "relação de trabalho" (art. 114, I, da Constituição Federal), desviando a competência para a Justiça Obreira.

Logo, como bem estampado pelo Superior Tribunal de Justiça, lide que envolva a qualidade da prestação de serviço do advogado, se aforada por seu cliente quando aquele primeiro tiver atuado sem que componha a estrutura funcional deste último (o que não se daria se o causídico estivesse, por exemplo, laborando para bancos e outras grandes empresas com o selo da quase exclusividade) será julgada pela Justiça Comum, como destaca o Min. Fernando Gonçalves:

"Segundo o relator do processo no STJ, ministro Fernando Gonçalves, entende-se que, no caso, a discussão sobre o reconhecimento da relação de emprego ou de pagamento é acessória. Assim, não se caracteriza uma relação de trabalho. (....) o contrato de prestação de serviços estabelecido entre cliente e advogado e protegido por Direito Civil caracteriza tão-somente uma relação obrigacional e de consumo. Sendo assim, foi afastada a competência da Justiça do Trabalho, direcionando o julgamento para o TJ/MG." (30) (apuseram-se parênteses e reticências).

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Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. Da cobrança/execução de honorários de profissionais liberais perante a Justiça do Trabalho.: Inexistência de conflito de orientações entre o TST e o STJ. Importância da delimitação da competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1766, 2 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11224. Acesso em: 7 mai. 2024.

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