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Da cobrança/execução de honorários de profissionais liberais perante a Justiça do Trabalho.

Inexistência de conflito de orientações entre o TST e o STJ. Importância da delimitação da competência

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02/05/2008 às 00:00
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A Justiça do Trabalho não tem competência para dirimir lides envolvendo a cobrança de honorários advocatícios cujos litigantes sejam o advogado e seu cliente, ou vice-versa.

I – Introdução

Tempos atrás, empolgado pela novel redação do art. 114, I, da Constituição Federal, palmilhei a senda de emprestar interpretação ampliativa ao dito comando da Lex Legum, de modo que entendi que a justiça obreira era competente para aportar as demandas em que os profissionais liberais estivessem perquirindo o recebimento de seus respectivos honorários (01).

Todavia, este autor pôde perceber que em muitas situações ocorre uma tensão de direitos, isto é, aquele que tomou o serviço, ao questioná-lo perante a Justiça do Trabalho se vê prejudicado, porque esta última tem como viés protetivo a figura do prestador do dito serviço, passando ao largo, às vezes, de comezinhos princípios albergados pela legislação consumeirista ou, mesmo, pelo próprio Código Civil.

Deve ser dito, ainda, que merece destaque que nas últimas décadas o Direito do Trabalho tem sido agredido frontalmente, inclusive com a previsão de seu término, taxado de paternalista, ultrapassado, que não atenderia aos interesses do mercado, o que desagou, portanto, na flexibilização de suas normas para satisfazer aos anseios desta nova ordem econômica.

Domenico de Masi, em seu livro "O Ócio Criativo" (02), define os hodiernos tempos como "pós-industrial", elencando novos valores ao capital e trabalho, traçando o perfil de uma atual sociedade e de estados, que tem de lidar com desemprego, regulamentar novas formas de trabalho, lidar com modernas tecnologias, atender uma massa populacional crescente, com pressão dos mercados para enterrar o modelo "welfare state".

Entretanto, por mais que se tenha transformado o contingente social e o conflito de classes deixe de ser latente como na sociedade industrial, por uma crescente individualização do trabalhador, necessária é a regulamentação do mercado em tempo de globalização e de deslocamento de capital.

Maurício Godinho Delgado, na obra "Capitalismo, Trabalho e Emprego", ao abordar o tema "mercado", argumenta:

"...as mudanças na estrutura e dinâmica do mercado econômico, com a generalização e o acirramento da competitividade interempresarial na atual fase do capitalismo, foram tão intensas, diversas e disseminadas que abalaram, mais uma vez, também de modo implacável, o primado do emprego e do próprio trabalho neste sistema socioeconômico. (...) a globalização dos mercados, a intensificação da concorrência capitalista, o fim das fronteiras entre Estados e economias, tudo teria tornado obsoleta qualquer tentativa de restrição ao franco uso da força de trabalho pelos agentes econômicos, uma vez que tais restrições viriam prejudicar ou inviabilizar o mais ágil e eficiente inserção das economia nacionais ou regionais especificas no cenário mundial. (...) O caráter equivocado deste parâmetro e manifesto, não disfarçando sequer seu real intento acumulatório de riquezas"(03) (ausentes parênteses e reticências no original).

Para concluir, Godinho, acrescenta:

"Noutras palavras, o desprestígio do trabalho e do emprego no atual capitalismo, e as elevadas taxas de desocupação que ora o caracterizam, não têm caráter prevalentemente estrutural, mas sim conjuntural, sendo produto concertado de políticas públicas dirigidas, precisamente, a alcançar estes objetivos perversos e concentradores de renda no sistema sócio-econômico vigorante" (04).

Essa temática evoca a presença do Ministro Eros Grau, que ao relembrar a fórmula de Marx, D-M-D, assim define o mercado: "O que agora se vê nos mercados financeiros internacionais é D-D, e não D-M-D. O dinheiro dobra-se sobre si mesmo, na esperança ‘de uma reprodução hermafrodita da riqueza abstrata’"(05).

Irrefutavelmente, se está frente à era dos grandes grupos empresariais, que auferem vantagens com o deslocamento da produção (industrial) ou serviços para os centros com pouca ou quase nenhuma regulamentação (países asiáticos), baixos salários e mão-de-obra abundante, esse é o retrato da economia globalizada.

Neste contexto, surge o projeto de reforma do Judiciário, e com ele a proposta de extinguir a Justiça do Trabalho, em face de não atender mais aos anseios dos mercados e dificultar o acesso ao emprego e ao crescimento do país.

Não surpresa, a Justiça Trabalhista sai fortalecida e com sua competência ampliada pela Emenda Constitucional 45. Contudo, cabe ao intérprete bem divisar a mensuração do termo "relação de trabalho", para efetivamente assegurar a mantença de princípios fomentadores do direito do trabalho.

É de sabença comum que o legislador nem sempre, ao elaborar a norma, consegue antever as dimensões que a mesma tomará, pois, sem raras exceções, a regra ganha vida própria para atender a sociedade, isso é, o cognominado conflito do "direito posto e pressuposto", que cabe ao exegeta dissipar com vistas à segurança jurídica.

Portanto, a Emenda Constitucional, ao ampliar o conceito de labor, atrelou ao sistema a figura do trabalhador (hipossuficiente, resguardado pelo direito do trabalho) e do consumidor (hipossuficiente, acobertado pelo CDC), refletindo diretamente na expressão "relação de trabalho", que tem por escopo regular as atividades atípicas e, por conseqüência, guindá-las para a competência da Justiça Trabalhista.

Essa cognição nos remete a uma competência indefinida, ou melhor, elastecida em demasiado, trazendo conseqüências danosas para o ordenamento jurídico, quem sabe não se transformando no nefasto "cavalo de tróia".

Munido do desejo de aprofundar este ponto, guardadas as limitações naturais deste articulista, é que serão traçadas as linhas subseqüentes, com o intento de propiciar um divisor de águas entre o conteúdo consumeirista/civil e os outros que sejam intitulados tão somente pelo feitio do que modernamente se denomina de contrato de atividade, e, com isso, lobrigar a separatividade competencial da Justiça Comum Estadual e as afetas ao Poder Judiciário Laboral.

Para tanto, passe-se ao exame do caso concreto que servirá de paradigma metodológico, sem qualquer crivo de atitude de eventual parcimônia ou qualquer anelo de voracidade dogmática.


II – Da exposição de uma situação fática e as conseqüências jurídicas advindas.

A ocorrência do mundo fenomenológico que nos chamara a atenção para a incompatibilidade da Justiça do Trabalho em processar e julgar causas que como matéria de fundo, prendem-se à disciplina eminentemente de índole civil, já que fora um litígio travado entre um cliente e seu advogado, onde aquele primeiro revogou o mandato no limiar de um processo de inventário, e, mesmo tendo ingressado com o pleito de anulação da cláusula contratual que previa o pagamento integral em hipótese de tal jaez, cumulado com arbitramento da verba honorária na proporção do trabalho realizado pelo causídico, lamentavelmente sucumbira.

A ementa do narrado acima, no tanto que interessa, está assim grafada:

"CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NULIDADE DE CLÁUSULA. INOCORRÊNCIA. Não se há falar em anulação de cláusula do contrato de honorários livremente firmado pelas partes em pleno exercício de suas capacidades, à mingua de comprovação da existência de qualquer vício de consentimento ou da existência de qualquer espécie de culpa da contratada. Se a Autora entabulou cláusula contratual que previa o pagamento integral dos honorários e, sem nenhuma justificativa, decide rescindir o contrato, não pode pleitear a devolução do valor pago alegando afronta aos princípios da boa-fé objetiva e da proibição do enriquecimento ilícito, ainda mais quando se vislumbra nos autos a comprovação do efetivo cumprimento de razoável parcela dos trabalhos advocatícios inerentes à ação que ensejou a contratação. Recurso da Autora não provido." (06)

Em caso de todo similar, os Tribunais de Justiça do nosso país apontam um rumo muito diverso do sufragado pelo TRT da 23ª Região. Como, a guisa de exemplo, toma-se de empréstimo estes julgados:

"AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - EVOGAÇÃO DO MANDATO PELA OUTORGANTE ANTES DO TÉRMINO DO CONTRATO - DEVIDOS OS HONORÁRIOS PROPORCIONAIS AOS SERVIÇOS PRESTADOS." (07)

"PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE EXECUÇÃO - CONTRATO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS - REVOGAÇÃO DO MANDATO. 1. O advogado deve receber os honorários na proporção dos serviços efetivamente prestados. 2. O contrato de prestação de serviços advocatícios parcialmente cumprido, ante a revogação do mandato, não ostenta os requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade que autorizam o processo de execução. 3. Apelo improvido." (08)

"APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS - REVOGAÇÃO DO MANDATO - RECEBIMENTO INTEGRAL DOS HONORÁRIOS - AFASTADO - RECEBIMENTO DOS HONORÁRIOS NA PROPORÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO - CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS DO ADVOGADO" (09)

"CONTRATO DE RISCO. Revogação da procuração afasta eventual contrato de risco, autorizando o arbitramento de honorários proporcionais ao trabalho efetivado. REVOGAÇÃO DO MANDATO. As queixas apontadas pela ré que justificaram a revogação do mandato, não se prestam a elidir o pagamento dos honorários advocatícios proporcionais devidos." (10)

Ao que se apreende, com todo o respeito, tem-se a impressão que a Justiça Obreira, pouco familiarizada que é com a legislação extravagante à CLT (v.g. Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, etc.), não está habilitada para dirimir litígios que saiam do âmbito protetivo da pessoa do prestador de serviços, uma vez que seu foco, insista-se, é voltado a este e não àquele que se encontra na posição de tomador da faina laboriosa.

A persistir uma interpretação ampliativa do vocábulo "relação de trabalho", sem joeirar questões afetas ao consumo, ou mesmo jungidas a outros diplomas específicos, o sujeito que se valer da força de trabalho de outrem será muitíssimo agravado com a apreciação de lides pela Justiça do Trabalho, daí porque sustentarei hermenêutica eclética para a aquilatação da competência.

Portanto, arremata-se aqui com argumentos do jus laboralista Souto Maior:

"Mas não, impressionados pela pregação futurista de que o emprego vai acabar (que nos leva a crer que quem tem emprego é um sortudo, um privilegiado, ao qual não se precisa aplicar um direito do trabalho protetivo), nos afastamos, de forma proposital ou involuntária, pouco importa, desses desafios, e passamos a brandir a bandeira da sobrevivência do direito do trabalho a partir da possibilidade de se apreciarem na Justiça do Trabalho os conflitos do médico e sua paciente, do advogado e seu cliente, do taxista e seu passageiro, do trabalhador verdadeiramente eventual e o ocasional tomador de seus serviços etc.

Ou seja, para não falarmos (nós, profissionais, em todos os níveis, ligados ao direito do trabalho) abertamente que não estamos cumprindo, de forma adequada, o nosso dever de aplicar o direito do trabalho às complexidades atuais do universo da produção capitalista, preferimos, comodamente, acatar o discurso de que o direito do trabalho não se amolda aos modelos modernos de produção e que para encontrar uma nova função para a Justiça do Trabalho é preciso que esta se volte às relações de trabalho autônomo. Em outras palavras, para não admitirmos que não estamos sendo "competentes" para aplicar o direito do trabalho às novas formas de tentativa de fuga do capital da proteção social, ampliamos a competência processual da Justiça do Trabalho, colocando, assim, um tampão no dado concreto pertinente ao descumprimento de nossa missão, servindo-nos como um acalante o convencimento de que o papel dos aplicadores do direito não é o de reconhecer a relação de emprego e sim aplicar "algumas" normas trabalhistas a qualquer relação de trabalho" (11).

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Essa foi exatamente a exegese levada a cabo pelo TRT/MT, que, a bem da verdade, deixou de aplicar princípios norteadores do direito civil (função social do contrato, boa fé objetiva e vedação do enriquecimento sem causa) em um contrato de mandato (tipicamente civilístico), para, em nome da proteção do prestador de serviços, trazer à baila, com todo respeito, má aplicação de um viés celetário, ignorando também toda a principiologia trabalhista, perdendo, por conseqüência, sua identidade como uma justiça especializada, ordinarizando-se.


III – Do divisor entre relação de consumo/civil e contrato de atividade. Espectro aferidor da competência.

Volto à carga com o caso de conflitos de interesses entre cliente e advogados, onde o primeiro, perdendo a fidúcia no segundo, revogou o mandato e propugnou pelo arbitramento da verba honorária pactuada, tendo em vista a latitude do trabalho até então empreendido pelo causídico. Por existente cláusula contratual impositiva da percepção integral da honorária em caso de revogação, o dito constituinte postulou sua invalidação, já que a mesma feriria de morte os cânones da função social do contrato, boa-fé objetiva e a coibição do enriquecimento ilícito, tudo isso com supedâneo no diploma civil.

Os argumentos jurídicos lançados na pretensão daquele cliente, já haviam recebido chancela de inúmeros pretórios nacionais, como se infere de fragmentos de votos abaixo demoradamente transcritos:

"Dessa forma, tendo o advogado prestado assistência jurídica à alguém, ainda que de forma transitória, ou apenas em determinada fase do processo, tem o mesmo direito de receber seus honorários, proporcionalmente aos serviços que prestou." (12)

"Verifico que o contrato não chegou a ser totalmente adimplido, pois o apelante renunciou aos poderes outorgados, antes de cumprir a prestação acordada.

Apesar de existir cláusula resolutiva expressa (cláusula segunda, parágrafo terceiro), evidente sua abusividade ao estabelecer a antecipação de todos os pagamentos na hipótese de inadimplemento da apelada. Traduz-se em enriquecimento ilícito o recebimento integral dos honorários advocatícios.

Assim, não poderia o apelante pleitear o pagamento total de um serviço que prestou de forma incompleta, mesmo que a razão de sua renúncia tenha sido a inadimplência da apelada. Portanto, há de se reconhecer a iliquidez dos valores pleiteados nesta execução, que necessariamente devem ser fixados na razão da parcela dos serviços efetivamente prestados." (13)

"O magistrado julgou parcialmente procedentes os embargos, determinando a extinção da ação de execução em apenso, visto que a quantia já paga pelo embargante é suficiente para o serviço prestado pelo embargado.

O recurso do apelante não pode prosperar.

O artigo 22 da Lei n. 8.906/94 garante:

"Artigo 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência."

E o Código de Ética da Advocacia:

"Artigo 14. A revogação do mandato judicial por vontade do cliente não o desobriga do pagamento das verbas honorárias contratadas, bem como não retira o direito do advogado de receber o quanto lhe seja devido em eventual verba honorária de sucumbência, calculada proporcionalmente, em face do serviço efetivamente prestado."

Todavia, em se tratando de mandato outorgado a advogado, deve o interessado valer-se, em casos tais, do pedido adequado, qual seja, o de obter o provimento jurisdicional através do qual se arbitrará os honorários devidos pela sua atuação na promoção dos interesses do constituinte, na medida do desempenho ultimado nesse propósito.

Isso porque o que justifica o mandato é o elemento confiança que o mandante deposita no mandatário.

Nesse sentido, o festejado Orlando Gomes, aponta que:

...O elemento subjetivo da confiança governa o comportamento do mandatário desde a formação do contrato até a sua extinção. Só a alguém a que se confia se concedem poderes para a prática de negócios jurídicos ou administração de interesses. Estipula-se o contrato em consideração à pessoa do mandatário. É, em suma, contrato intuitu personae. (In, Contratos, 7ª ed., p. 425).

Assim, quando reputar ausente esse elemento – confiança –, poderá, licitamente, o mandante revogar o mandato, tanto que é essa uma das formas de sua extinção (art. 1.316, I, do CC/16).

Aliás, a revogabilidade é característica desse instituto jurídico. Nesse sentido, a valiosa lição de Maria Helena Diniz:

Revogabilidade, uma vez que qualquer dos contratantes poderá ad nutum pôr fim ao contrato, sem anuência do outro, sem qualquer justificativa, mediante simples manifestação volitiva unilateral. (In,Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º Vol., 13ª ed., 1998, p. 30).

(...)

Essa rescisão unilateral do contrato, a qual o apelante classifica de imotivada, deve ser resolvida em perdas e danos ou por arbitramento judicial pelos serviços prestados.

Colhe-se, neste sentido, jurisprudência dos Tribunais:

"Após a revogação do mandado ad judicia, o mandatário tem o direito a receber os honorários na proporção dos serviços efetivamente prestados" (AC n° 4293796, 3ª Turma, Rel. Des. Adelith de Carvalho Lopes, j. 2.3.1998, in QRT – Quality Recuperação Textual – versão 4.1 – v. 7).

"Inadmissível em mandato ad judicia cláusula de irrevogabilidade: a confiança entre cliente e advogado é mútua e, perdida, enseja a revogação do mandato. O direito do mandante de revogar o mandato é potestativo. Independe da concordância da outra parte, que se sujeita àquela determinação, mesmo contra a sua vontade. O mandatário tem o direito de receber a remuneração combinada na proporção dos serviços prestados. Evidente a abusividade da cláusula contratual que garante o recebimento da integralidade dos honorários advocatícios, na hipótese de revogação do mandato, pois traduz em enriquecimento ilícito do mandatário e compromete a revogabilidade ínsita na espécie" (AC n° 4361397, Rel. Des. Campos Amaral, j. 18.5.97, in QRT – Quality Recuperação Textual – versão 4.1 – v. 7)." (14)

Tristemente, se verifica que o TRT/MT, ao deslindar a perlenga entre constituinte e seu advogado, perfilou uma hermenêutica de há muito obsoleta, ou seja, não observou que a proporcionalidade no recebimento da verba honorária, em função do efetivo trabalho praticado pelo causídico, atenderia aos hodiernos cânones de um contratualismo relativizado, ou, na verve atual, do signo do dirigismo contratual que, em realidade, significa a máxima igualitarização dos direitos dos contraentes.

Acerca do dirigismo contratual, tem-se esta lapidar lição:

"Mais recentemente, percebeu-se que a igualdade econômica estava sendo comprometida com a prática sem controle da liberdade política, obstando a efetivação da almejada justiça social, sendo ilusória, nessa situação, a concepção de igualdade de condições dos contratantes. Por outro lado, também restou evidente que circunstâncias imprevistas e estranhas à vontade das partes, tais como a inflação e a variação cambial, interferiam na oportunidade da execução dos contratos, modificando substancialmente as bases em que inicialmente firmados – Teoria da Imprevisão. Não bastassem tais aspectos,também notórias as modificações impostas pela profusão de contratos padronizados e pelas negociações coletivas substituindo crescentemente as individuais.

Necessário se fez, então, a intervenção do Estado através de legislação específica, o chamado dirigismo contratual, ao objetivo de valer a prevalência do interesse coletivo, protegendo o economicamente mais fraco do jugo do poderoso, e dessa maneira minimizando as desigualdades entre as partes, a fim de garantindo também a resolução do contrato por onerosidade excessiva ou em caso de perigo, mesmo com contrariedade à dantes assentada concepção da absoluta autonomia da vontade." (15)

Bem se observa, portanto, com todo respeito, que o Tribunal do Trabalho Mato-grossense não sopesou na hipótese em comento as desigualdades naturais que existem entre estranhos à área jurídica, quando pactuam serviços advocatícios, isto é, passou ao largo de um respeito mínimo à proporcionalidade, da qual decorrem predicamentos como a função social do contrato, a boa-fé objetiva e a proibição do enriquecimento sem causa, e fizera tudo isso com um frêmito de proteção do prestador do serviço, olvidando, por curial, a pessoa do tomador da referida atividade profissional. Para a Corte em referência, ao que parece, ainda se está frente ao direito medieval, esquecida que fora a tão propalada relativização dos contratos.

Adicione-se, outrossim, que, na casuística em apreço, o aludido sodalício, nem de longe, aquilatara que igualitarizar cliente e advogado, mormente onde o constituinte seja leigo no pálio normativo e, se este revogar o mandato no curso do processo, ainda assim deve arcar com a totalidade da verba honorária avençada, cria inescondível onerosidade excessiva, incompatível com a novel visão contratualista.

A tanto, por oportuno, traz-se a lume este julgado:

"CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVOGAÇÃO DO MANDATO. PERPETUAÇÃO DO PAGAMENTO. ONEROSIDADE EXCESSIVA.

1.Tendo o advogado recebido os valores pactuados ao longo do tempo em que exerceu a defesa dos interesses de seu cliente, não deve persistir, por excessivamente onerosa, a cláusula que a este impõe a obrigação de pagar o restante dos honorários contratuais, após revogado o mandato que conferira ao causídico.

2.Recurso improvido."(16)

E para ilustrar a ementa retrotranscrita, nada melhor do que a lira do ilustre prolator de tal decisão, onde assevera:

"Consta dos autos que o apelante foi contratado para a prestação de serviços advocatícios nos termos do contrato de fls. 13/15, cuja remuneração seria o pagamento de 2 (dois) salários mínimos, por 60 (sessenta) meses ou até o encerramento da prestação jurisdicional, prevalecendo o que primeiro se sucedesse, restando incontroverso, pela própria inicial, que ocorreu o pagamento ao longo dos treze meses nos quais o recorrente exerceu a defesa da ora apelada.

Entretanto, não se pode sustentar a persistência da previsão de pagamento da verba honorária após a revogação do mandato conferido ao autor, continuando até o termo final dos 60 (sessenta) meses estipulados no ajuste, por constituir afronta ao equilíbrio que deve reger a relação contratual de que cuidam os autos.

Em rigor, admitir-se como válida a cláusula que assegura ao patrono o recebimento integral dos valores pactuados no caso de revogação da procuração por parte do apelado significaria compactuar com o evidente enriquecimento indevido por parte do causídico, repugnado pelo direito, e, ao mesmo tempo, com o cerceamento do representado em sua liberdade de escolher o profissional para defender seus interesses em juízo, impondo-lhe, nesse caso, ônus financeiro decorrente dessa circunstância.

Vale acentuar que a relação entre outorgante e outorgado (mandante e mandatário) deve pautar-se precipuamente pela confiança, sem a qual não é possível impor a subsistência da relação jurídica, uma vez que se faculta ao mandante a revogação respectiva.

A respeito do tema, ensina o festejado civilista Caio Mário da Silva Pereira que "o mandato não subsiste à cessação ou arrefecimento da confiança depositada no mandatário. Em qualquer tempo, pois, e sem necessidade de justificar a sua atitude, o mandante tem a faculdade de revogar ''ad nutum'' os poderes, e unilateralmente pôr termo ao contrato. É uma peculiaridade deste, que vai assentar na razão mesma da formação fiduciária do vínculo (Espínola), como ainda na liberdade, reconhecida ao comitente, de assumir a direção do negócio, ou confiá-lo a outro procurador, a seu puro aprazimento" (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10a ed. 1996: Forense, p. 263).

Relevante mencionar ainda que o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, ao definir as relações entre o profissional do direito com o contratante de seus serviços, prescreve, que "o mandato judicial ou extrajudicial não se extingue pelo decurso de tempo, desde que permaneça a confiança recíproca entre o outorgante e o seu patrono no interesse da causa" (Art. 16).

Nesse sentido, bem consignou a autoridade singular que, "não subsistindo qualquer liame, configurador da confiança, com o profissional contratado, como ocorre na hipótese dos autos, e uma vez revogado o mandato outrora outorgado, não pode a contratante se ver compelida ao pagamento por serviços que não foram, efetivamente, prestados, o que, a toda evidência, seria contrário ao princípio que veda o enriquecimento sem causa" (fl. 368).

A propósito do tema em julgamento, confira-se a jurisprudência do e. TJDFT, em excertos:

Se o contrato de honorários advocatícios que embasa a ação monitória não foi integralmente cumprido, ante a sua rescisão unilateral e a conseqüente revogação do mandato, o advogado deve receber os honorários na proporção dos serviços efetivamente prestados. (APC 2004.01.1.029298-5, Rel. Des. NÍVIO GONÇALVES, DJ 17/11/2005 p. 68)

Manifesta-se abusiva a cláusula penal que estipula no contrato de honorários advocatícios a obrigatoriedade do pagamento integral da verba mesmo em caso de revogação do mandato no curso da lide. Prevalência do princípio da confiabilidade e da possibilidade da revogação ad nutum que se mostram ínsitos na cláusula ad judicia. (APC 47758/98, Rel. Des. EDSON ALFREDO SMANIOTTO, DJ 28/10/1998 p. 83)

Evidente a abusividade de cláusula contratual que garante o recebimento da integralidade dos honorários advocatícios, mesmo na hipótese de revogação do mandato, pois traduz enriquecimento indevido do mandatário e compromete a revogabilidade ínsita à espécie. (APC 45406/97, Rel. Des. CAMPOS AMARAL, DJ 05/11/1997 p. 26.830)

Portanto, patenteado que a previsão constante do contrato revela-se abusiva ao preconizar o recebimento da integralidade dos honorários advocatícios, mesmo na hipótese de revogação do mandato, traduzindo, desse modo, enriquecimento ilícito dos mandatários e comprometendo a revogabilidade inerente à relação jurídica que vincula os litigantes, a improcedência do pedido inicial era medida que se impunha nos autos, reputando-se por efetivamente remunerado o trabalho desenvolvido pelo autor com o pagamento das treze parcelas mensais enquanto vigente o mandato que lhe fora conferido.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo incólume a r. sentença recorrida." (17)

O que se verifica, então, é uma questão ideológica, se assim se pode dizer, quando a Justiça do Trabalho se debruça em análise de lides que envolvam clientes e seus advogados (cuja base fática seja de índole civil e não nascente de um contrato de atividade) tende, naturalmente, à proteção do prestador do serviço. Ocorre que em situações tais, o vínculo jurídico não é trabalhista, aproximando-se, é certo, a um paradigma consumeirista, porém, de modo especialmente técnico, encarta-se no plano do Direito Civil.

É bom que se diga que o Superior Tribunal de Justiça entendera que o Código de Defesa do Consumidor não incide na pactuação entre advogado e seu constituinte, como se lê:

"As relações contratuais entre clientes e advogados são regidas pelo Estatuto da OAB, aprovado pela Lei n. 8.906/94, a elas não se aplicando o Código de Defesa do Consumidor." (18)

Todavia, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, no plano da competência para dirimir situações que envolvam a composição de conflitos oriundos de honorários advocatícios, quando travada a discordância entre cliente e causídico, tem ocasião de dizer que:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA. ART. 114 DA CF. REDAÇÃO DADA PELA EC N. 45/2004. AÇÃO ORDINÁRIA DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (ART. 22, § 2º, DA LEI N. 8906/94). RELAÇÃO DE DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. De acordo com jurisprudência iterativa do STJ, a definição da competência para julgamento da demanda vincula-se à natureza jurídica da controvérsia, que se encontra delimitada pelo pedido e pela causa de pedir.

2. Compete à Justiça estadual processar e julgar ação que visa o arbitramento judicial de honorários advocatícios (art. 22, § 2º, da Lei n. 8.906/94) decorrente da prestação de serviços profissionais, por envolver relação de índole eminentemente civil e não dizer respeito à relação de trabalho de que trata o art. 114 da Constituição vigente, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Governador Valadares (MG), o suscitado." (19)

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RETIDOS PELO EMPREGADOR. ADVOGADOS - EMPREGADOS. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. NATUREZA CÍVEL DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR.

I - Em que pese a existência de relação de emprego entre as partes, tendo natureza cível a causa de pedir e o pedido formulado, a competência para julgar a demanda é da justiça comum estadual.

II - A ação de cobrança de honorários advocatícios deriva do mandato estabelecido, regido pelo Estatuto da Advocacia, que dispõe tanto do direito de crédito dos advogados em face dos vencidos, quanto do direito aos honorários após o pagamento ao vencedor. Recurso especial provido". (20)

Com toda a sinceridade, ao meu modesto juízo, o que o Superior Tribunal de Justiça quis referir ao assentar a natureza civil para dizer que a competência refoge à Justiça do Trabalho, nestas situações, é o fato de que em tais lides, em regra, não se tem nem vínculo trabalhista nem relação de consumo, de modo que, por exclusão, o espectro destas causas esbarram no âmbito civil, que resta abarcado normativamente pela Lei nº 10.406/02.

Procurando aclarar ainda mais o raciocínio lançado antecedentemente, sê-lo-á de competência trabalhista, extreme de dúvida, litígio que decorra entre advogado e tomador de seus serviços, se aquele primeiro tiver fornecido seus préstimos para este último com o timbre de uma exclusividade na vida prática, a ponto de viver, rotineiramente, às expensas desse constituinte. Por exemplo: um causídico passar a servir a uma empresa, a um banco, tendo como carteira de clientes estas pessoas jurídicas de modo tão relevante que deixa de açambarcar outros constituintes privados.

Quando o advogado labora de modo tão intenso para um só tomador de seus serviços, embora não se cuide de vínculo empregatício, inegavelmente desaguará o virtual inconformismo entre eles na senda de um contrato de atividade, encartável no conceito de relação de trabalho, a ponto de atrair a competência da Justiça Obreira para o julgamento dessa controvérsia, posto que aí se enquadra o grafado no art. 114, I, da Constituição Federal.

Feita esta distinção, bem se amolda ao nosso pensamento este julgado:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO CIVIL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL DEFINIDA PELO STJ. DECISÃO SINGULAR REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. Reiterados julgados do STJ vêm entendendo que é da Justiça Comum a competência para processar e julgar a ação de arbitramento de honorários advocatícios, dada a natureza unicamente civil e por se referir a contrato de prestação de serviços advocatícios, razão pela qual a relação jurídica existente entre as partes não pode ser considerada como de índole trabalhista. Agravo a que se dá provimento, para declarar a Justiça Estadual como competente para a apreciação da ação principal." (21)

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Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. Da cobrança/execução de honorários de profissionais liberais perante a Justiça do Trabalho.: Inexistência de conflito de orientações entre o TST e o STJ. Importância da delimitação da competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1766, 2 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11224. Acesso em: 22 dez. 2024.

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