O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) é o órgão responsável por receber as comunicações de atividades financeiras realizadas pelas pessoas físicas e jurídicas obrigadas, conforme estabelecido na Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98).
O COAF não realiza investigações nem possui atribuições relacionadas a processos penais ou à persecução penal. Sua função principal é desempenhar uma atividade típica de inteligência. Essa atividade tem como objetivo subsidiar a tomada de decisões por parte das autoridades competentes para investigar. Por outro lado, os órgãos com atribuição para investigar, como as agências de investigação, têm como finalidade a coleta de elementos de prova relacionados a determinados delitos.
Na condição de Unidade de Inteligência Financeira (UIF) do Brasil, o COAF recebe as comunicações das pessoas físicas e jurídicas obrigadas a repassarem informações ao órgão. Quando identificados indícios da prática de delitos, o COAF elabora um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) e o encaminha aos órgãos de persecução penal, como a Polícia Judiciária e o Ministério Público, para que sejam tomadas as devidas providências.
Diante desse contexto, surgiu a seguinte discussão: à luz dos artigos 5º, incisos X e XII, 145, § 1º, e 129, inciso VI, da Constituição da República, seria constitucional o compartilhamento dos RIFs pela UIF com o Ministério Público e a Polícia sem autorização judicial prévia?
Conforme análise do tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a seguinte tese:
É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial.
(STF. Plenário. RE 1.055.941/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 4/12/2019, repercussão geral – Tema 990, Informativo 962).
No julgamento, realizado sob a sistemática da repercussão geral, foram fixadas as seguintes teses:
É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil (RFB), que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, desde que seja garantido o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional.
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O compartilhamento pela UIF e pela RFB, conforme o item anterior, deve ser realizado exclusivamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de mecanismos eficazes para apuração e correção de eventuais desvios.
Após a decisão do STF no Tema 990, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi chamado a se manifestar sobre a questão no julgamento do RHC 203578/SP. Na ocasião, o STJ declarou ilícitos dois RIFs produzidos pelo COAF, que haviam sido solicitados diretamente pela polícia e utilizados em investigações de lavagem de dinheiro.
A decisão do STJ estabeleceu que a polícia não pode solicitar relatórios diretamente ao COAF sem autorização judicial. O relator, ministro Antônio Saldanha Pinheiro, esclareceu que essa decisão não contradiz a tese fixada pelo STF no Tema 990, que considerou lícito o compartilhamento de informações do COAF com órgãos de persecução penal em outro contexto. No caso analisado pelo STJ, a solicitação foi considerada irregular por ter sido feita diretamente pela polícia, sem a intermediação de órgãos fiscalizadores ou autorização judicial.
Além disso, o ministro destacou:
"(...) Não se desconhece que as duas Turmas do Supremo Tribunal Federal têm apresentado entendimentos divergentes sobre o assunto: enquanto a Segunda Turma, corroborando o posicionamento deste Superior Tribunal, adota postura mais restritiva, a Primeira Turma legitima a solicitação direta dos dados sigilosos. Diante da falta de uniformidade, contudo, não há óbice a que esta Corte continue aplicando a jurisprudência firmada por sua Terceira Seção, até que haja definição final."
Posteriormente, o tema voltou a ser analisado pelo STF na Reclamação Constitucional (RCL) 61944. Nesse julgamento, a Primeira Turma do STF manteve o entendimento de que a polícia pode requerer diretamente ao COAF o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira, sem necessidade de autorização judicial prévia.
O colegiado confirmou decisão do ministro Cristiano Zanin, que anulou ato do STJ que havia declarado ilegal o compartilhamento em tal hipótese. Na reclamação, o Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) questionou a decisão do STJ que havia acolhido recurso em habeas corpus apresentado pela defesa de uma dirigente da Cerpa – Cervejaria Paraense S.A., investigada pela suposta prática do crime de lavagem de dinheiro.
Para o STF, o compartilhamento de dados entre a autoridade policial e o COAF, mesmo sem autorização judicial, é válido, tanto quando ocorre por iniciativa espontânea do COAF quanto quando solicitado diretamente por autoridades policiais. O ministro relator, Cristiano Zanin, apontou que o entendimento do STJ foi equivocado ao interpretar o Tema 990 como permissivo apenas para o compartilhamento espontâneo. Além disso, ressaltou que decisões restritivas nesse âmbito poderiam dificultar investigações e ações necessárias para prevenir crimes como terrorismo, lavagem de dinheiro, crime organizado e delitos financeiros, além de gerar potenciais implicações negativas para o Brasil no cenário internacional.
Diante das divergências ainda existentes sobre o tema, é necessário acompanhar os próximos julgados para observar a consolidação do entendimento jurisprudencial.