20. O Tribunal do Júri e a Criminologia
O Tribunal do Juri e a Criminologia. O Tribunal do Júri é o órgão do Poder Judiciário que tem a competência para julgar os crimes dolosos ou intencionais contra a vida, sendo de sua competência os seguintes delitos: homicídio doloso, infanticídio, participação em suicídio, aborto (tentados ou consumados) e seus crimes conexos. O Tribunal do Júri é composto por um Juiz Presidente e 25 (vinte e cinco) Jurados, dos quais 7 (sete) serão sorteados para compor o Conselho de Sentença e que terão o encargo de afirmar ou negar a existência do fato criminoso atribuído a uma pessoa. Assim, é o cidadão, sob juramento, quem decide sobre o crime e essa decisão do jurado é de acordo com a sua consciência e não segundo a lei. Aliás, esse é o juramento, de examinar a causa com imparcialidade e de decidir segundo sua consciência e Justiça.
No Tribunal do Júri, estão presentes o delito, o delinquente, a vítima e o controle social. Diga-se que a Criminologia moderna não mais se assenta no dogma de que se convive em uma Sociedade consensual, pelo contrário, vive-se, inexoravelmente, em uma Sociedade conflitiva. Não basta afirmar que crime é o conceito legal. Isso, a rigor, não explica tudo e não ajuda na percepção da origem do crime. O crime é complexo e ele pode ter origens das mais diversas como o excessivo desnível social de uma localidade, defeitos hormonais no corpo de uma pessoa, problemas de ordem psíquica como traumas, fobias e transtornos de toda ordem emocional etc. A Criminologia moderna busca se antecipar aos fatos que precedem o conceito jurídico-penal de delito ou do crime. O Direito Penal só age após a execução (ex.: tentativa) ou na consumação do crime. A Criminologia quer entender a dinâmica do crime e intervir nesse processo com o intuito de dissuadir o agente de praticar o crime, o que pode ocorrer das mais variadas formas. Mas, para que isso seja feito, a Criminologia teve que desenvolver outros conceitos para o delito, conceitos estes mais próximos e íntimos da realidade que o fenômeno criminal apresenta estudando o comportamento social, biológico e psíquico do agente.
21. A Aplicação da Pena
A Aplicação da Pena. Cesare Beccaria (1738-1794)56, na sua clássica obra Dos Delitos e das Penas, consubstanciada dentro de um Movimento Filosófico e Humanitário, na segunda metade do Século XVIII, evidenciava que as penas judiciais constituíam uma espécie de vingança coletiva, de modo que um criminoso, na maioria das vezes, sofria castigos muito mais severos e cruéis do que os próprios males que havia praticado. As Penas de morte, torturas, prisões deploráveis e penas banimentos eram comuns e se aplicavam mesmo aos crimes mais banais. Assim, Beccaria foi a primeira voz a se levantar contra essas práticas, defendendo que cada crime merecia uma pena proporcional ao dano causado, ou seja, que as punições deveriam ser justas.
Diante do que discorre o artigo 59, caput, do Código Penal, então passou a ser dever do Magistrado na dosimetria da pena, analisar o comportamento da vítima (antes e depois do delito) como circunstância judicial na individualização da pena imposta ao acusado. As circunstâncias judiciais são muito importantes, pois, é por intermédio delas que o juiz fixa a pena (pena base), obedecido o disposto no art. 59; considera-se em seguida, as circunstâncias atenuantes e agravantes (pena provisória); incorpora-se ao cálculo, e finalmente, as causas de diminuição e aumento (pena definitiva). Nesse sentido, o Prof. Celso Delmanto (1937-1989)57, explana: "O comportamento do ofendido deve ser apreciado de modo amplo no contexto da censurabilidade do autor do crime, não só diminuindo, mas, também a aumentando, eventualmente. Não deve ser igual a censura que recai sobre quem rouba as fulgurantes joias que uma senhora ostenta e a responsabilidade de quem subtrai donativos, por exemplo, do Exército da Salvação".
A Constituição da República Federativa do Brasil58 estabelece no art. 5°: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; (...)”. O que seria impensável para Beccaria, hoje, cumpre-se a pena no próprio domicilio do condenado, por intermédio da tornozeleira eletrônica monitorada pelo Estado. As tornozeleiras eletrônicas foram implantadas no Brasil através da Lei nº 12.258, de 15/06/201059 sendo utilizada como alternativa para aliviar o Sistema Penitenciário brasileiro. Com a utilização do monitoramento eletrônico, o preso deve cumprir uma série de deveres presumidos na Lei, tendo como punição, a revogação desse mecanismo de controle. A tornozeleira eletrônica diminui o índice de encarceramento, os custos do Estado, além de trazer pontos favoráveis como a possibilidade de ter um trabalho, de voltar a estudar e ter uma capacitação profissional, devolver á Família a base de sustento econômico e manter um maior controle do Estado sob o apenado. O uso de tornozeleira ou pulseira eletrônica é usado comumente nos casos de prisão domiciliar, quando o condenado cumpre pena de crime menos grave em sua residência ou em estabelecimentos chamados “casa do albergado”
22. A Finalidade das Penas
Finalidade das Penas. A pena é a retribuição, vale dizer, é compensação do mal causado pelo crime praticado pelo agente. A partir da publicidade do Direito Penal60, no qual o Estado detém o monopólio da aplicação das sanções e também da não uniformidade do pensamento jurídico penal, a aplicação das medidas disciplinadoras adquire o caráter filosófico-utilitário da Escola Penal que tanto o Legislador quanto o sentenciador estão concertados. Retribuir os ilícitos penais com penas severas certamente não resolverá os problemas sociais e demostram à toda evidência, que o fim das penas não pode ser o atormentar um ser sensível, nem fazer que um crime não cometido seja cometido. Entretanto, dificilmente o Legislador e o Sentenciador estão em harmonia entre si no tocante à finalidade da pena. Para tanto, deve-se observar os "instrumentais" jurídico-filosóficos do direito de punir. Diga-se, não existe Sociedade sem o exercício do Poder. Todavia, o poder de punir estatal é limitado pelos próprios princípios da Carta Constitucional. A Constituição Federal do Brasil reveste de extremo valor a dignidade da pessoa humana, tendo como valores a liberdade, a igualdade, à dignidade, a humanidade, a justiça e a proporcionalidade. Assim, no âmbito das finalidades das penas, tradicionalmente, utiliza-se a classificação de Anton Bauer (1772-1843)61, a qual se divide, teoricamente, em três grupos, a Teoria absoluta, a Teoria Relativa e a Teoria Mista, citado por Baltazar Júnior. 62
23. As Teorias Retributiva, Relativa e as Mistas ou Sincréticas
A Teoria Retributiva. A Teoria Retributiva parte do princípio autoritário de que a pena é sempre merecida pelo infrator. A sanção penal é essencialmente retributiva porque opera causando um mal ao transgressor. Destina-se à reposição do status quo ante através da reposição, indenização ou da restituição. Na lição do Prof. Cezar Roberto Bitencourt (1950)63, "A pena tem como fim fazer Justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena e o fundamento da sanção estatal está no livre arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto". Destarte, na Teoria Retributiva a "pena encontra seu fundamento somente em sua referência ao delito; segundo sua gravidade determina-se sua quantia como que se satisfazem as exigências do ordenamento jurídico e a Justiça. Assim como a boa ação merece reconhecimento, a má ação requer reprovação e compensação".
A Teoria Relativa. A Teoria Relativa baseia-se a pena por seus efeitos preventivos. Distinguem dois tipos de prevenção: a geral, e a especial. A geral é a intimidação, ameaça com sanções aos prováveis infratores pela ameaça da pena. A especial atua diretamente sobre o autor da violação penal, para que não volte a delinquir, tentando corrigir os que são possíveis de ressocialização e isolar os irrecuperáveis, objetivando-se, exclusivamente, ao delinquente, para que este não volte a delinquir.
A Teoria Mista. Na Teoria Mista mesclam-se as Retributivas e as Relativas, afirmando de que a pena é retribuição, sem olvidar dos fins preventivos (buscam reunir em um conceito único os fins da pena). A doutrina unificadora defende que a retribuição e a prevenção, geral e especial, são distintos aspectos de um mesmo fenômeno, que é a pena. Em resumo, a Teoria Mista acolhe a retribuição e o Princípio da Culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena.
24. As Excludentes da Culpabilidade do Crime e da Responsabilidade do Ato
Excludentes da Culpabilidade do Crime. As Excludentes de culpabilidade são quando o agente comete um crime, mas, não é responsabilizado devido a circunstâncias especiais. Exemplos: agir em legítima defesa para se proteger; agir por necessidade extrema; coação irresistível; ser forçado a cometer o crime ou ter doenças mentais que impossibilitam entender a ação como errada; agir em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico. Diga-se que as excludentes de culpabilidade não são citadas diretamente no Código Penal, mas, o texto do Código aponta situações que configuram essas excludentes. Já as excludentes de ilicitude estão previstas no art. 23, do Código Penal Brasileiro e são: estado de necessidade; legítima defesa; estrito cumprimento do dever legal; Exercício regular de direito.
Exclusão da Responsabilidade. O réu alegará sempre: a) exclusão da própria responsabilidade, pois, o infrator se enxerga como vítima das contingências, surgindo muito mais como sujeito passivo, quanto ao seu agir criminoso; b) negação da ilicitude, pois, o criminoso interpreta suas atuações apenas como proibidas, mas, não criminosas, imorais ou destrutivas, procurando redefini-las com eufemismos; c) negação da vitimização, pois, a vítima da ação delituosa é apontada como merecedora do mal ou do prejuízo que lhe foi impingido; d) condenação dos que condenam, pois, atribuem-se qualidades negativas às instâncias oficiais responsáveis pela repressão criminal; e) apelo às instâncias superiores, pois, a sobrevalorização conferida a pequenos grupos marginais a que o desviado pertence, aderindo às suas normas e valores alternativos, em prejuízo das regras sociais normais.
25. O Controle Social
Controle Social. No pensamento de Foucault (1926-1984)64 a condição de aceitação é de que a prisão é uma coerção. Uma Sociedade inteira está baseada no Princípio de que o poder65 de Vigiar é mais produtivo do que simplemesmte Punir e nesta dimensão social, o plano de imanência que brota de determinadas condições históricas, estabelece o nexo entre a punição e o cotidiano moral. Assim, considera-se Controle Social o conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo aos modelos e Normas Comunitários. Para que isso aconteça as Organizações Sociais se utilizam de dois Sistemas articulados entre si. O Sistema de Controle Social Formal de um lado, que é identificado com a atuação do aparelho político do Estado, sendo eles, a Polícia, a Justiça, a Administração Penitenciária, o Ministério Público, o Exército, entre outros. O Sistema de Controle Social Informal do outro, que tem como agentes a Família, Escola, Universidade, Profissão, a Religião, Opinião Pública, entre outros.
26. O Perfil dos Presos e a População Carcerária no Brasil, nos Estados Unidos e na China 66.
O Perfil dos Presos no Brasil. Registre-se que o primeiro semestre de 2024 foi marcado por mudanças legislativas nas regras para o Sistema Penal, como o fim da saída temporária de presos e sobre decisões da Justiça que vão afetar o encarceramento, como a descriminalização do porte de maconha decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A população carcerária em celas físicas no Brasil é de 663 mil pessoas, a grande maioria composta por homens, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, órgão do Ministério da Justiça. Os homens presos são mais de 634 mil, cerca de 96% dos presos. As mulheres são os outros 4%, mais de 28 mil detentas. Considerando não apenas as celas físicas, mas, também as pessoas em prisão domiciliar ou monitoramento eletrônico, o número de pessoas com restrição de liberdade no Brasil sobe para 888 mil. Deste quadro, 40%, por crimes contra o patrimônio (roubo e furto); 30% relacionados às drogas; 10% por homicídios; 20% outros crimes. Os jovens de 18 a 29 anos são 54,8% dos presos.
A população carcerária brasileira é uma das maiores do mundo em números absolutos. Apenas Estados Unidos, com 1,76 milhão de presos e a China, com 1,69 milhão, têm mais presidiários, segundo o World Prison Brief, no levantamento mundial efetuado pelo Institute for Crime and Justice Research e da Birkbeck University de Londres, Reino Unido. Nos últimos anos, no Brasil, tem realizado uma política de endurecimento contra o crime em geral, sem que se faça um estudo mais aprofundado das razões que levam à prática do crime, afirma Hugo Almeida, Membro da Comissão de Política Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB/SP) e Pesquisador afiliado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).
27. A Resolução dos Crimes e das Ações Penais
A Resolução dos Crimes e das Ações Penais. Nesta perspectiva, conforme Estudo realizado em 2019, pelo Instituto Sou da Paz67, com base em dados do Ministério Público e dos Tribunais de Justiça de 19 Estados, revela que o índice de 37% de homicídios esclarecidos piorou ante o levantamento anterior, com dados de 2018, quando 44% tinham sido denunciados até o fim do ano seguinte. A média mundial de elucidação de assassinatos é de 63%, segundo o Estudo. Para fazer o levantamento, o Instituto Sou da Paz68 solicitou dados às 27 Unidades da Federação por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI)69. Oito Estados responderam, mas, não produziram dados necessários para o cálculo do indicador: Alagoas, Amazonas, Goiás, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins. Entre os que enviaram informações com qualidade para compor o índice, Rondônia foi o que mais esclareceu homicídios de 2019, com porcentual de 90%, seguido por Mato Grosso do Sul (86%) e Santa Catarina (78%).
Os piores resultados foram Rio de Janeiro (16%) e Amapá (19%), seguidos de Bahia, Pará e Piauí, cada um tendo esclarecido 24% dos homicídios. O Rio de Janeiro, porém, avançou dois pontos percentuais e informou que “tem trabalhado para reduzir a taxa de mortes violentas, que está em queda, e tem alcançado redução constante e histórica nos índices de violência registrados pelo Instituto de Segurança Pública”. São Paulo reduziu de 46% para 34% o índice de esclarecimentos. O Paraná melhorou de 12% para 49%.
O Brasil está abaixo da média de resolução de assassinatos nas Américas, pois, soluciona 37% contra 43% e distante dos índices da Ásia (72%), e da Europa (92%). O fato de São Paulo ter reduzido de 46% para 34%, o índice de esclarecimento pode ter pesado na taxa.
A taxa de esclarecimento de homicídios calculada pela Polícia Civil de São Paulo, por exemplo, tem diferenças metodológicas em relação à do Instituto. O dado oficial considera esclarecidos os crimes em que os autores são identificados, mesmo que não sejam denunciados ao Tribunal do Júri, caso dos autores adolescentes e dos já mortos. Assim, em 2019 foi considerado que 51% dos homicídios dolosos foram solucionados. A Secretaria de Segurança Pública paulista destaca ainda que o Estado tem a menor taxa de homicídios do País e diz que, no primeiro semestre de 2022 houve mais de mil presos por homicídios.
Sobre os dados, o Ministério da Justiça destacou ter Projetos Estruturantes, como o fortalecimento da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, que culminaram no alcance de mais de 3,4 mil investigações.