DAS AÇÕES AFIRMATIVAS DE POLÍTICAS PUBLICAS
Com relação à violência doméstica no Brasil se faz necessário apresentar o conceito de ações afirmativas:
[...] um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, implementadas que visam combater à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego” (GOMES, 2001.p.135).
As ações afirmativas fazem parte de políticas publicas com intuito de amenizar os problemas enfrentados pelas vitimas de violência doméstica nos lares brasileiros.
Neste caso, a violência doméstica não é mais problema do setor privado, mas questão saúde pública, requer medidas estatais direcionadas à prevenção e assistência das vítimas.
Maria do Socorro Osterne relata que: “Observa-se, não obstante, os significativos avanços legislativos, a criação de mecanismos institucionais e a implantação de políticas públicas destinadas a promoção da igualdade de gênero, que, no Brasil, se convive com graves problemas de discriminação contra as mulheres [...]”. (OSTERNE, 2011, p.133)
Não se aceita o apontamento da ocorrência de suposta ofensa ao principio da igualdade de gênero:
Só quem não quer não enxerga a legitimidade de tal ação afirmativa que, nada obstante formalmente aparentar ofensa ao princípio da igualdade de gênero, em essência busca restabelecer a igualdade material entre esses gêneros, nada tendo, deste modo, de inconstitucional. Outras tantas ações afirmativas têm sido resultado de políticas públicas contemporâneas e, em que pesem algumas delas envoltas em polêmicas, não recebem a pecha de inconstitucionalidade. Citem-se as quotas para negros e estudantes pobres nas universidades, as quotas para deficientes em concursos públicos, as quotas para mulheres nas Eleições, etc (LESSA, 2007. p.4)
O principio da igualdade de gênero, procura restabelecer a igualdade material entre os gêneros, principalmente no âmbito da violência doméstica, que muitas vezes a vitima é a parte mais vulnerável do imbróglio.
A Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, explica como a rede atua no enfrentamento e a prevenção à violência:
Para atender às mulheres em situação de violência, a Rede de Atendimento está dividida em quatro principais setores ou áreas (saúde, justiça, segurança pública e assistência social) e é composta por duas principais categorias de serviços. A Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres se refere à atuação articulada entre instituições, serviços governamentais, não-governamentais e comunidade. Tem como foco o desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e a construção da autonomia das mulheres, seus direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência. Assim, a Rede de Enfrentamento tem por objetivos efetivar os quatro eixos previstos na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: combate, prevenção, assistência e garantia de direitos. Já a Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência é formada por um conjunto de ações e serviços de diferentes setores (assistência social, justiça, segurança pública e saúde), para ampliar, melhorar a qualidade e humanizar o atendimento, a identificação e o encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência. (BRASIL, Câmara dos Deputados, 2011, s/p)
De acordo com a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República:
A Lei Maria da Penha prevê, como uma das estratégias de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, que “a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso” (Art. 9º). Além disso, a Lei estabelece a criação de serviços especializados no atendimento dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, tais como: centros de referência de atendimento à mulher; casas-abrigo/serviços de abrigamento; núcleos de defensoria pública; serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializado; centros de educação e reabilitação dos agressores centros de responsabilização e educação dos agressores (todos previstos no art. 35) e juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 29). (SPM/PR, 2011, p.10,11)
A Lei 11.340 de 2006 garante diversas redes de apoio às vitimas e combate à violência doméstica, seja de maneira articulada, segundo os regramentos e as diretrizes descritas na Lei LOAS, no Sistema SUS, no Sistema SUSP, e outras regras, políticas públicas de proteção, políticas publicas através dos centros de referência de atendimento à mulher, casas-abrigo/serviços de abrigamento, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializado, centros de educação e reabilitação dos agressores centros de responsabilização e educação dos agressores, e ainda, os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Assim sendo, passa-se à análise das outras leis que norteiam à violência doméstica.
DAS OUTRAS LEIS QUE NORTEIAM À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Para melhor compreendermos a violência doméstica, se faz necessário mencionar às leis que foram incorporadas à principal lei brasileira, que é a Lei Maria da Penha, tais como: a Lei Complementar nº 150 de 2015; a Lei nº 13.505 de 2017; a Lei nº 13.641 de 2018; a Lei nº 13.675 de 2018; a Lei nº 13.772 de 2018; a Lei nº 13.827 de 2019; a Lei nº 13.836 de 2019; a Lei nº 13.871 de 2019; a Lei nº 13.880 de 2019; a Lei nº 13.882 de 2019; a Lei nº 13.894 de 2019; a Lei nº 13.984 de 2020; a Lei nº 14.188 de 2021; a Lei nº 14.310 de 2022; a Lei nº 14.316 de 2022; a Lei nº 14.550 de 2023; a Lei nº 14.674 de 2023 e a Lei nº 14.887 de 2024.
Com relação à violência doméstica, as principais mudanças incorporadas pelas leis se podem trazer à baila, temas relacionados às medidas de proteção e garantias de direitos às vitimas de abusos e agressão.
A Lei Maria da Penha determina as medidas protetivas de urgência que obrigam o(a) agressor(a), redação dada por outras leis:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público (...). (BRASIL, Lei 11.340 de 2006)
Neste mesmo sentido, na Lei Maria da Penha, ainda existem às medidas protetivas de urgência à parte ofendida, redação dada por outras leis:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga. (Incluído pela Lei nº 13.882, de 2019)
VI – conceder à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses. (Incluído pela Lei nº 14.674, de 2023) (BRASIL, Lei 11.340 de 2006)
Desta feita, também, se pode requerer o afastamento do(a) agressor(a) do domicilio e garantir a retomada da vitima, e se for o caso, de seus dependentes ao lar.
As leis que norteiam à violência doméstica trazem no seu bojo o apoio e ajuda às vitimas de agressão e abusos, tendo como escopo à proteção e à garantia de seus direitos, tendo como suporte à assistência social, médica, psicológica e humanitária.
Assim sendo, passa-se à análise do entendimento jurisprudencial pátrio.
DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL PÁTRIO
A violência domestica nos lares brasileiros têm ultrapassado todos os limites ponderáveis, em que o(a) agressor(a), se acha no direito de dominar e impor seus desejos, anseios, ambições e vontades, em detrimento aos danos seja de ordem física, sexual, psicológica, moral, e ainda, aos prejuízos seja ordem patrimonial e econômica, ocasionados à vitima.
Com relação ao entendimento jurisprudencial pátrio, já existem algumas decisões acerca da violência doméstica, em que o Poder Judiciário vem agindo energicamente, aplicando com rigor o cumprimento da legislação vigente, resguardando os direitos à vitima.
Neste sentido, já se posicionou eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:
APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL CONTRA MULHER (CP, ART. 129, § 13). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO. 1. PROVA. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA. INTERROGATÓRIO. 2. ADEQUAÇÃO TÍPICA. LESÃO CORPORAL CONTRA MULHER (CP, ART. 129, § 13). LESÃO CORPORAL EM ÂMBITO DOMÉSTICO (CP, ART. 129, § 9º). RAZÃO DE CONDIÇÕES DE SEXO FEMININO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. EMPURRÃO E APERTO NO BRAÇO DE EX-COMPANHEIRA. 3. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA. PEDIDO EXPRESSO NA INICIAL. 1. As declarações da vítima, no sentido de que o acusado empurrou-a, fazendo com que batesse o quadril, e apertou-a pelos braços, lesionando seus membros; aliadas à confissão parcial do acusado, que admitiu ter empurrado e segurado a ofendida para impedi-la de recuperar o celular dela própria, que ele ilicitamente mantinha consigo; são provas suficientes da autoria do crime de lesão corporal a ponto de autorizar a condenação. 2. Pratica o delito de lesão corporal contra mulher, e não o de lesão corporal em âmbito doméstico, o agente que empurra e aperta os braços da ex-companheira, uma vez que as razões da condição de sexo feminino decorrem do fato de que o crime envolve violência doméstica e familiar. 3. É inviável fixar valor mínimo para reparação do dano causado à vítima, em ação penal, se não há, na denúncia, pedido expresso neste sentido. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 5001035-45.2022.8.24.0049, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 04-06-2024). (TJSC, Publicado em 04/06/2024)
O entendimento dos nobres julgadores no acórdão é pela condenação do réu, neste caso, o agressor do gênero masculino, o ex-companheiro da autora, esta que é a vitima do crime de violência doméstica de lesão corporal no âmbito doméstico.
Neste diapasão, já se manifestou eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
APELAÇÃO CRIME – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA – 1. JUSTIÇA GRATUITA – NÃO CONHECIMENTO – AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL – 2. REFORMA DA DECISÃO QUE NÃO CONCEDEU AS MEDIDAS PROTETIVAS – ACOLHIMENTO – NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS – DECISÃO CASSADA, COM A DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS AO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO PARA A FIXAÇÃO DAS MEDIDAS – 3. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, PELA APRESENTAÇÃO DA CONTRARRAZÕES – DEFENSOR DATIVO NOMEADO – CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO NA PARTE CONHECIDA. 1. O pedido de assistência judiciária gratuita não admite conhecimento, por ausência de interesse recursal. 2. A Lei Maria da Penha prevê a possibilidade de aplicação da medida protetiva de urgência possuem natureza cautelar, perdurando enquanto persistirem a situação de risco da mulher, e a situação fática posta em análise demonstra a necessidade de aplicação das medidas acautelatórias. 3. O Estado deve arcar com o pagamento de honorários advocatícios ao defensor dativo nomeado pelo juiz à parte, juridicamente necessitada, para apresentação das contrarrazões recursais. (TJPR - 2ª Câmara Criminal - 0000842-23.2024.8.16.0129 - Paranaguá - Rel.: DESEMBARGADOR LUIS CARLOS XAVIER - J. 10.06.2024) (TJPR, Publicado em 10/06/2024)
Em razão do acórdão, em que os nobres Desembargadores, com base na Lei Maria da Penha, aplicam à medida protetiva de urgência, devendo perdurar enquanto persistirem a situação de risco da mulher, vitima de agressão de violência doméstica.
É notório, o grande avanço alcançado até este momento acerca da violência doméstica na esfera de atuação do Poder Público, porquanto, nos últimos anos se tem surgido novas leis, com intuito de amenizar o sofrimento das vitimas e encorajá-la para denunciar o(a) agressor(a).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No transcorrer de todo o artigo científico foi percebido que, a violência doméstica tem ocasionado estragos incalculáveis e muitas vezes até irreparáveis nas famílias e nos lares brasileiros.
É importante dizer que, com promulgação da Lei 11.340 de 2006, denominada Lei Maria da Penha, a violência doméstica tem sido combatida energicamente, com objetivo de dar proteger e amparar às vitimas decorrente de ataques e abusos por parte do(a) agressor(a).
É notório que, a violência doméstica é questão de saúde publica, pois segundo relatórios da OMS às pessoas vitimas principalmente de violência física vinculada à violência sexual, podem gerar lesões imediatas, infecções, depressão e até mesmo perturbação mental, portanto, o apoio de entidades públicas e o amparo das redes de enfrentamento e atendimento são extremamente essenciais ao acolhimento das vitimas de violência doméstica.
Cabe dizer que, o Poder Público, seja na esfera legislativa, com leis mais severas, seja na esfera executiva, com implantação de ações afirmativas de políticas públicas, seja na esfera judiciária, com rigor no cumprimento das leis.
Isto posto, a jurisprudência pátria tem agido com muita rigidez na aplicação das leis, culminando com a condenação do(a) agressor(a), seja com medidas paliativas sócio-educativas e/ou cumprimento de penas restritivas, seja de direitos ou de liberdade.
Afinal de contas, a violência doméstica, infelizmente, se encontra em todas às camadas da população, mas precisa ser denunciada, combatida e arrancada do seio da sociedade, todavia, todas às pessoas, independente da classe social e do gênero, têm por direito constitucional de gozarem da proteção jurídica do Estado-nação, cabendo-o atuar no exercício deste poder com austeridade e galhardia, proporcionando ao povo, o bem estar social, culminando com a paz nas famílias e nos lares brasileiros.